Aí, por volta do séc. XII, as
vareiras não eram em grande número. Não deviam exceder uma mancheia,
se bem que muita atestada. Mas, apesar de reduzidas em quantitativo,
as mulheres, de ventre fecundo, botavam filhos cá para fora que era
um não mais acabar, apesar das agruras da vida.
Passaram muitas invernos e não
obstante todas as dificuldades do dia a dia, a miudagem medrava
segunda os altos desígnios de Deus.
Em 1572, o «Piedoso» Senhor D. João
III mandou proceder ao arrolamento de toda a população do reino,
tendo-se obtido para a vila de Ovar 640 habitantes a que
corresponderam 153 fogos.
Porém, em 1623, e segundo o catálogo
dos Bispos do Porto, o número de habitantes era de 1368, pertencendo
1091 a fregueses de comunhão e 277 a catraiada menor.
Segundo as constituições sinodais do
bispado do Porto, publicadas em 1690, a população de Ovar atingia
4792 habitantes e Válega 2074 habitantes.
Depois temos notícia da nossa
população e referente ao já distante ano de 1758, conforme memórias
paroquiais. Nesse ano, muito próximo do célebre terramoto, a nossa
gente não excedia 7500 habitantes, o que correspondia a 2393 fogos.
Os casais continuavam a cumprir o
preceito bíblico de «crescei e multiplicai-vos» e daí o grande
número de nascimentos que os nossos avoengos acusavam. Bem verdade
que, nos primeiros meses, a criançada morria em grande número, indo
engrossar, lá na céu, as legiões dos anjinhos.
Não havia cuidados com a
alimentação, nas primeiras idades. As mães desconheciam toda a
dietética racional, e se o filho gritava, só havia um única cuidado:
era alimentá-lo até à saciedade.
Chegava a época das uvas ou dos
figos, e a filharada bem ou mal alimentada, como Deus era servido,
sofria forte desinteria. Os miúdos começavam a ficar chupadinhos e
mais chupados, e não havia nada, mesma nada, que conseguisse parar
semelhante retaliação.
As mulheres de virtude procuradas
para pôr cobro ao mal presente, metiam benzedura e tudo o mais
necessário. Mas o mal muitas das vezes era de morte, e nada havia a
fazer. Aguardava-se o dia de S. Cristóvão para dar ao doente um
pouco de rosca doce e virar a doença. E se o santo nada conseguia, a
criançada dos vizinhas, de ranho limpo e um pouco mais esmerada que
o costume, acompanhava o inocentezinho na sua viagem sem regresso,
até à igreja do Sr. Abade.
Se o cachopo se mostrava fortemente
esfomeado e a não largar o seio túrgido da mãe senão em alto grito,
como quem o quer matar, então devia ter chegado a ocasião do
desquite. A mãe preparava pão com vinho, adoçado com um pouco de
açúcar, e algumas das vezes, para o filho ficar forte como um homem
alentado, acrescentava um trago de aguardente. Para entreter,
amarrava-lhe a mão a um bocado de pão rijo, para o filho ir esmoendo
vagarosamente, enquanto preso a um xaile traçado nas costas, ia
tratando da vidinha de todos os dias.
Se o catraio atingia o ano de idade,
podíamos quase afirmar que então tínhamos homem. Estava passado o
cabo das Tormentas. Fazia-se a selecção natural, venciam os mais
robustos e ficavam pelo caminho os enfezadinhos. E não havia para aí
doutor, por mais fino que aparentasse ser, que fosse capaz de lhe
descobrir qualquer doença no arco do peito. Bem podia o facultativo
virá-lo do avesso, que não encontrava qualquer mal.
Então o catraio passava ao rebanho
dos irmãos, que o levavam de porta em porta, a mendigar alguma côdea
ou algum vintém.
E assim crescia o rapazio até à
idade adulta.
/ 29 /
Uma camada espessa de sujidade,
desde os pés à cabeça, acompanha-o durante largos anos. Serve-lhe de
camada protectora e nem mesmo a chuva persistente dos invernos
consegue imprimir-lhe alguma higiene.
As mães não têm tempo para luxos. Os
filhos são legião e, apesar do poço, no fundo do quintal, não há
tempo para tratar da limpeza da numerosa prole.
E, quando o Verão aparece, era
vê-los como o Senhor os pôs no mundo, com larga e desenfastiada
publicidade das coisas mais secretas, de barriga bem empinada, como
mulher grávida de uns poucos de meses, a bater às portas da vila a
mendigar algum conduto para o bandulho.
O cabelo é eriçado e, por vezes,
infestado de forte representação duma fauna de animalescos a
correr-lhe pela cabeça, em todos os sentidos. No lábio superior, com
cisco fossilizado, há por vezes pequenas feridas que os mais
pequenos mordiscam enquanto não chega a esmola tardia.
E assim, ou quase assim, medraram os
nossos vareiros.
Em 1864, o censo realizado acusa
10374 vareiros, para 2796 fogos. O censo refere-se, também, a Arada
com 1530 habitantes e 403 fogos, Pereira Jusã com 1243 pessoas e 259
fogos e Válega com um total de 4020 pessoas e 1113 fogos.
Em 1878, procedeu-se a novo
recenseamento da população, obtendo-se os números seguintes:
Ovar com 10447 varões e fêmeas,
Arada com 1701 habitantes e 419 fogos, S. Vicente com 1175 pessoas a
que corresponderam 303 fogos e Válega com 4182 habitantes e 1137
fogos.
Representa o censo, então feito,
17505 pessoas e 4543 fogos, na totalidade do concelho.
A república, em 1911, procedeu a um
arrolamento da população, obtendo-se para o concelho de Ovar 27069
habitantes e 6259 fogos. Era então Ovar, já nessa data, constituída
pelas freguesias de Arada, Cortegaça, Esmoriz, Maceda, S. Vicente,
Válega e Ovar S. Cristóvão.
A esta última o censo regista uma
população de 11 416 pessoas e 2694 fogos.
Sucedem-se os censos decenais, cujo
primeiro foi realizado em 1920. E de 10 em 10 anos, lá temos em casa
um papelote a preencher com todo o cuidado. Há que responder com
todo o esmero, pois perguntas há que podem bem servir para aumentar
a colecta dos impostos. Nada confiar em facilidades. É preciso estar
de pé atrás, não vá o demo tecer voltas e mais voltas, e quando uma
pessoa se dá conta, está enredada de tal modo que nem uma dúzia de
responsos ao S. António será capaz de o livrar da aflição.
De 1920 a 1940, a população do
concelho distribuía-se pela forma seguinte:
|
|
1920 |
1930 |
1940 |
habits. |
fogos |
habits. |
fogos |
habits. |
fogos |
Arada |
2 170 |
466 |
2 200 |
508 |
2 277 |
565 |
Cortegaça |
1 945 |
434 |
2 011 |
486 |
2 194 |
677 |
Esmoriz |
3 456 |
767 |
3 796 |
900 |
4 240 |
1 012 |
Maceda |
2 105 |
490 |
2 346 |
504 |
2 067 |
533 |
Ovar (S. Cristóvão) |
10 482 |
2 551 |
12 729 |
2 963 |
12 799 |
4 090 |
S. Vicente |
1 560 |
318 |
1 501 |
325 |
1 761 |
402 |
Válega |
4 707 |
1 053 |
4 733 |
1 143 |
5 319 |
1 295 |
Totais |
26 425 |
6 079 |
29 317 |
6 829 |
30 657 |
8 574 |
|
|
Relativamente à freguesia de Ovar,
de 1920 a 1940 registou-se um aumento populacional de cerca de 2250
habitantes. Este incremento, embora pouco significativo, foi em
grande parte contrabalançado pelo índice de mortalidade e de
emigração.
Nos vinte anos, a população do
concelho usufruiu de um aumento superior a 4200 pessoas, o que não
deixa de ser importante.
Tomando agora para análise os anos
de 1950/1970, a evolução da população processa-se de acordo com os
elementos do quadro seguinte:
|
|
1950 |
1960 |
1970 |
habits. |
habits. |
habits. |
fogos |
Arada |
2 356 |
2 572 |
2 635 |
646 |
Cortegaça |
2 577 |
2 655 |
3 125 |
700 |
Esmoriz |
5 341 |
5 955 |
7 945 |
1 581 |
Maceda |
2 515 |
2 854 |
2 800 |
656 |
Ovar (S. Cristóvão) |
13 333 |
14 128 |
16 145 |
3 954 |
S. Vicente |
1 883 |
2 024 |
2 255 |
468 |
Válega |
5 343 |
5 132 |
5 060 |
1 286 |
Totais |
33 348 |
35 320 |
39 965 |
9 291 |
|
|
Ovar (S. Cristóvão) mostra um
incremento na sua população que passa de 13333 pessoas para 16145,
em 1970.
Este aumento, embora atenuado pelo
fenómeno emigratório, deve-se em grande parte ao incremento operado
na industrialização e expansão da vila.
O número de fogos fixou-se em 3954,
número inferior ao registado em 1940. A estatística denomina fogo,
/ 30 / como «todo o local
apropriado à habitação de uma só pessoa ou convivência».
Na entanto, a população do concelho
passou de 33348 habitantes, em 1940, para 39966, em 1970.
Verifica-se que, apesar da
emigração, o número de habitantes tem aumentado se bem que em número
pouco significativo, fazendo excepção à regra Maceda e Válega,
freguesias predominantemente rurais, que acusam diminuição da sua
população, no último censo.
Relativamente a Cortegaça, a
evolução da população tem-se feito no sentido ascendente. Esta
freguesia deixou de pertencer ao concelho da Feira, em conformidade
com o decreto de 21-6-1879. Da mesma forma, e pelo mesmo decreto, a
freguesia de Esmoriz passou do concelho da Feira para o de Ovar.
Mais tarde foi incorporada no concelho de Espinho, mas o decreto n.º
15395, de 14-4-1928, novamente incorpora esta freguesia no nosso
concelho. Em 29-3-1955, esta povoação foi elevada à categoria de
vila. De 1960 a 1970, a vila de Esmoriz regista um aumento
populacional de cerca de 2000 habitantes.
Maceda acusa, no último censo de
1970, uma diminuição nos seus habitantes, cujo último número é de
2800 indivíduos, contra 2854, em 1960.
Também pelo mesmo decreto de
21-6-1879, a freguesia deixa de pertencer ao concelho da Feira, para
se integrar no concelho de Ovar, a que tem pertencido até à presente
data.
É curioso notar que S. Vicente
Pereira, ainda no censo de 1864, figura com a denominação de Pereira
Jusã.
E são estas as pequenas
considerações sobre a demografia vareira, desde o primeiro censo da
população até 1970.
Em artigo próprio será estudado em
pormenor a evolução da nossa população: causas da emigração,
natalidade, mortalidade e mais factores relacionados. Mas tudo isto
será matéria basta, que dependerá das nossas forças e pachorra para
levarmos em frente semelhante empreitada. |