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N.º 14

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1972 

Antologia Aveirense

Padre Acúrsio Correia da Silva

Busto do Padre Acúrsio (escultura de J. M. Leite). Clicar para ampliar
Busto do Padre Acúrsio (escultura de J. M. Leite).

NOTAS

BIOGRÁFICAS

 

O Padre Acúrcio Correia da Silva nasceu no dia 22 de Outubro de 1889, no Cereal, da freguesia de Oliveira do Bairro. Era filho de Abílio António da Silva e de Conceição Ferreira de Jesus, modestos lavradores daquele lugar. Foi baptizado, em 30 do mesmo mês, pelo pároco José Rodrigues Ferreira Lopes, na freguesia de S. Miguel, de Oliveira do Bairro.

Fez o seu exame de instrução primária no Liceu de Aveiro, com distinção. Em 1904, com 15 anos de idade, entrou para o Seminário de Coimbra e foi ordenado de presbítero em 1912, pelo Ex.mo Reverendíssimo Bispo Conde de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos Pina, e cantou a sua missa nova no dia 24 de Novembro do mesmo ano.

Pouco tempo depois, foi nomeado pároco da freguesia de Sangalhos, concelho de Anadia, onde, desde logo conquistou a simpatia de todos os seus paroquianos, que choraram, saudosos, a sua morte prematura.

Dedicado às letras e ao estudo, com vasta e variada cultura, poeta e prosador de relevantes predicados, dedicou especial atenção à resolução dos problemas da Razão metafísica e da Razão teológica

Publicou: «Dor e Luz» (verso e prosa), 1912; Seroadas Fulvas (verso e prosa), 1915; e Natal... Festa da Família (Carta de Boas-Festas aos seus paroquianos), 1916.

Deixou várias obras inéditas, em verso, e, bem assim, diversas produções teatrais e, dispersas, numerosos escritos em revistas e jornais do primeiro quartel deste século, mencionadamente Ideal, Ecos do Vouga, Prado, Soberania do Povo, Povo de Águeda, Povo de Anadia, Povo da Murtosa e Gente Nova, muitos dos quais subscritos pelo pseudónimo de «Sálcio Bairrada».

«Homem de talento e de carácter /.../ insinuante, afável, comunicativo, lendo-se-lhe nos olhos a bondade da alma e a finura do espírito», dizia do Padre Acúrcio Correia da Silva, referindo-se à sua morte prematura, um jornalista insigne e tão pouco dado à lisonja, como era o veemente panfletário Homem Cristo, que nem nos necrológios se coibia de exprimir o que considerava a avaliação justa.

E o Sr. Professor Doutor Manuel Rodrigues Lapa, outro alto espírito que se estrema no recto e agudo julgamento, refere, então, a par da «união feliz da fealdade e da simpatia irresistível», que «tinha a fé apaixonada do apóstolo, mas ia robustecendo sempre e sempre a sua cultura». E aponta-lhe o livro Seroadas Fulvas, como o livro mais bairradino da Bairrada.

Todos, aliás, lhe louvaram as virtudes como sacerdote, de fecunda acção apostólica.

«Enternecia-se com os sofrimentos e agruras», escreveu-se no «In Memoriam» que em 1959, quando da inauguração do busto que consagra a sua memória em Oliveira do Bairro, lhe foi dedicado por amigos e admiradores.

Fundou, assim, a Beneficência Montepio de Sangalhos, em 1923, e com fins beneficentes promoveu festas escolares na sua aldeia natal e na freguesia onde exerceu a paroquialidade.

O Padre Acúrcio Correia da Silva, faleceu, prematuramente, com 35 anos, a 25 de Março de 1925 e, conforme se escrevia, ainda cinco lustros mais tarde «o seu funeral constituiu a maior demonstração de pesar que jamais se viu em terras da Bairrada!».

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              AOS ANJOS DA POESIA

 

Ó anjos da poesia, ó cândidas beldades,

Irmãs dos querubins, – ó núncias do Céu,

Que me acenais ao longe, ao fundo das idades,

Cantando heroicamente as velhas potestades

Nas cordas triunfais da lira de Tirtéu,

E soluçando doces, místicas saudades,

Nas cordas pastoris da cítara de Orfeu...

 

Que outrora, celebrando os feitos dos guerreiros,

Em versos festivais, homéricos, divinos,

Andastes a cantar p’los flóridos outeiros

Da Grécia sonhadora, e à sombra dos loureiros,

Sentadas nos ilhéus, dos golfos azulinos;

E andastes a gravar na casca dos olmeiros

Uns versos amorosos, brandos, pequeninos...

 

Que voastes para a Itália, e andastes com Virgílio

Por sobre o Mar Egeu, à flor das ondas lisas;

E chorastes com ele as lágrimas do exílio;

E lhe fechastes, morto, o veludíneo cílio

daquele olhar, que viu tão largo sem balizas...

E assististes, talvez, ao mágico concílio

Das líricas vestais, das virgens Pitonisas...

 

Vós, que inspirastes Tasso e o formidável Dante,

Sentado a meditar ao pé das catedrais,

Levando-o pela mão a ver a casta amante,

A cândida Beatriz, que deslizava hiante

Na trágica nudez dos giros infernais...

Falastes com Petrarca à réstia flutuante

Das noites de luar, das noites medievais...

 

Que destes alma e vida aos versos de Camões,

O indómito guerreiro, o excelso trovador;

Que lhe inspirastes doces, trémulas canções,

Nas grutas orientais, nos ermos, nas solidões,

– Canções cheias de fogo e trágicas de dor;

Vós que haveis insuflado aos grandes corações

Os carmes da tragédia e os cânticos de amor...

 

Ó anjos da poesia, ó cândidas beldades,

De tranças luminosas, louras como o trigo,

Que me acenais ao longe, ao fundo das idades,

Cantando heroicamente as velhas potestades

Na cítara de Homero – o olímpico mendigo...

 

Eu canto o sofrimento, e as crenças, e as saudades,

Ó líricas beldades ideais, sede comigo!...

 

               CAVADORES

 

Ao longe – vedes? – os cavadores,

Filhos do campo, filhos da leiva,

De olhos escuros e cismadores,

Olhos ingénuos de trovadores...

– Cantam os campos, cantam as flores.

Cantam a seiva...

 

Por horas mortas (céu estrelado)...

Eles lá vão

Lavrar a terra, guiar o arado,

De olhar bondoso e resignado

Posto nos olhos do manso gado,

Posto no chão...

 

Vêm as chuvadas, as inverneiras;

Rugem os rios, incham ribeiras;

Alagam campos, alagam leiras...

Vede a desgraça!

Que há-de ele fazer? – De olhar dorido,

Mal almoçado, pior vestido,

Senta-se à porta, esmorecido,

A ver quem passa...

 

Vem o calor do sol doirado

Queimar-lhe o pão!

Que há-de ele fazer, o desgraçado

Do lavrador? – Vai pró eirado,

De aspecto triste, de olhar pasmado,

Cismar na vida, descoroçoado,

Queixo na mão...

 

Estala a guerra; levam-lhe o filho.

Crescem os ratos, trincam-lhe o milho...

– Oh! Forte praga de ratazanas! –

Branqueja a neve, ruge a nortada...

Lá vai a telha desmantelada

Das alpendradas mais das choupanas!

 

Ouvide ainda maior desgraça:

Tjnha uma filha, – que doce graça

De rapariga!...

Nas largas noites, junto à fogueira,

Lume bendito sobre a lareira,

Ela fiava (gentil fiandeira...)

O linho branco da sua estriga...

 

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Até ao tardo cantar do galo,

– Não imaginam – era um regalo

O pai velhinho vê-la fiar...

Rufam chuveiros fortes lá fora...

Ai! Anjo Bento! Nossa Senhora

Seja cos que andam a esta hora

Por sobre as águas turvas do mar!...

 

Ela era a vida da sua vida;

Ela era o lume do seu olhar,

– Lume bendito que n'alma brilha...

Como ele lhe queria – rola querida!

Nem temos nada que admirar,

Porque era filha...

 

Mas sucedeu que, em certo dia,

(Dia aziago... Ele nem podia

Pensar em tal de olhos enxutos!)

Passou por lá um rapazão...

(Grande patife I Grande ladrão!)

Leva-lhe a consolação:

Rouba-lhe a filha, e em troco, então,

Deixou-lhe a dor, – só dor e lutos!

 

Malditos sejam os valdevinos

Que andam as jovens a desonrar!

Santos velhinhos, boas famílias,

Guardai dos lobos as vossas filhas

Dentro do lar...

 

Vede a desgraça enorme e crua

Do paciente lavrador!

– Triste batalha! –

Que há-de ele fazer? Que vida a sua!

Que há-de ele fazer na sua dor?

O Pai-do-Céu o ajude e valha!...

 

Bons lavradores! Chorando ou rindo,

Dizem que vida assim não há...

 

Vamos, rapazes, vamos subindo!

Deixai-os lá!...

 

páginas 16 a 18

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