Acesso à hierarquia superior.

N.º 12

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1971 

Alguns traços essenciais da Agricultura como actividade económica, dentro do Distrito de Aveiro, no limiar da década de 1961-70

Pelo Eng.º Agr.º Eduardo A. Ramalheira

As circunstâncias em que se desenvolveu o plano deste breve estudo, há quase oito anos, estão em parte superadas pelas modificações demográficas e económicas ocorridas no sector agrícola do distrito desde então. A evolução da Economia em geral e da política agrária, bem como o aparecimento de novas estruturas de produção e comercialização organizadas dentro da Agricultura, vieram dinamizar um tanto actividades estagnadas. (1)

Em alguns aspectos essas alterações foram profundas e o texto perdeu carácter de actualidade para imergir num passado próximo, mas circunstancialmente já remoto (economia do leite e da carne e avicultura, por exemplo). Noutros casos, o momento do devir económico-social fixado não envelheceu ainda, com matizes reconhecíveis no sector agrícola de hoje. De qualquer modo o que se delineou foi apenas um esboço ou breve apontamento que permitisse, sem perda de objectividade, infundir carácter unitário a aspectos caracterizadores do sector agrícola e a problemas gerais de mais urgente solução. Evitou-se voluntariamente invadir determinados domínios da Economia agrária, em que há técnicos especializados no distrito com larga experiência de matérias de que nos limitámos apenas a dar informação sucinta e muito abreviada (economia do leite e economia do vinho, por exemplo).

O estudo inicial foi remodelado e sofreu cortes no texto e em quadros numéricos que lhe fariam diminuir a concisão sob a forma de artigo. Em verdade não se considerou o distrito, mas somente o quadro administrativo composto por 13 dos seus concelhos (que, por razões de simplicidade, designaremos por região), não tendo sido incluídos os de Arouca, Castelo de Paiva, Espinho, S. João da Madeira, Sever de Vouga e Vila da Feira. Não houve com esta limitação o menor intuito de hierarquizar, debaixo de qualquer critério, os concelhos do distrito, subestimando a importância e truncando do conjunto os seis concelhos já assinalados; tão-somente o propósito, (estando todos eles quer nas suas gentes, quer na sua agricultura, à margem da nossa experiência concreta de vários anos como técnico regional), de preferirmos não os incluir a considerá-los sob o ângulo estatístico, na crença ilusória e vã de que basta apenas deixar falar os números. / 32 /

A Região que integra os concelhos do distrito considerados é constituída essencialmente, no ponto de vista geológico, pela parte setentrional da orla litoral mesozóica-cenozóica e por um núcleo de terrenos do Arcaico, Precâmbrico, Câmbrico e por Granitos, que faz parte do rebordo oeste do elemento morfológico fundamental da Península, a Meseta. Contactam ambos por uma linha que corta transversalmente o rio Vouga.

A orla litoral referida é na Região uma extensa planície, entrecortada de breves ondulações, sendo a norte do rio Vouga representada principalmente pelo Moderno e, a sul do mesmo rio, pelo Moderno e Pliocénico, em duas vastas manchas contíguas. É, no entanto, grande a sua complexidade geológica pelos múltiplos afloramentos de terrenos sedimentares mais antigos, de que se assinalam como mais importantes, ao norte do Vouga, junto de Estarreja, uma pequena chanfradura de Pliocénico e Cretácico e, ao sul do mesmo rio, uma mancha de Cretácico desde as imediações de Aveiro até ao sul de Vagos, outra de Jurássico na região bairradina, a oeste de Anadia, constituída por terrenos calcários, e inúmeros retalhos de Triássico, constituído por arenitos vermelhos, de Angeja a S. João de Loure, junto à Pateira de Frossos, em Eirol e Águeda, nas margens da Pateira de Fermentelos e do curso inferior do Cértima, e a leste de Anadia.

O rio Vouga com os seus inúmeros afluentes e subafluentes e a ria de Aveiro, extensa laguna litoral de cerca de 45 quilómetros de comprimento máximo, dotada em profusão de braços e canais tentaculares, bem como as «linhas» de água secundárias que nela desaguam directamente, assentes num substrato geológico tão variado, imprimem à Região um facies geográfico «sui-generis», com grande diversidade e complexidade de aspectos.

A proximidade do mar e da ria de Aveiro têm uma influência profunda sobre as condições da actividade agrícola da Região, o primeiro actuando como regulador de clima, a segunda fornecendo o moliço como fonte essencial de matéria orgânica para a manutenção da fertilidade das terras de areia do litoral.

Do ponto de vista climático e de solos (à parte os solos não evoluídos do litoral) o distrito manifesta ao mesmo tempo influências atlânticas e mediterrânicas, atenuando-se as primeiras progressivamente de Norte para Sul e acentuando-se as segundas.

O distrito de Aveiro é, a seguir aos do Minho e Douro Litoral, aquele que evidencia no Continente influências atlânticas mais profundas bem patentes no seu regime pluviométrico, humidade relativa do ar, regime de temperatura e outros elementos de clima. Daí que seja o Noroeste, em que se integra o distrito, uma das zonas do país mais favoráveis à produção de forragens de qualidade e, de um modo geral, com vocação leiteira acentuada, determinada pelas suas condições de clima e solos, contrastando com os distritos do Sul. Apesar de tudo a rega impõe-se no período estival para compensar o deficit hídrico das forragens e de outras culturas.

No sector agrícola do distrito assinala-se a rigidez da estrutura agrária com o predomínio de explorações artesanais, minifundiárias, no âmbito da produção, e a dificuldade de recombinar dois dos factores produtivos, terra e capitais, ao nível de iniciativas empresariais modernas, adaptadas à procura dos mercados. Em face do êxodo rural, que tem vindo a acentuar-se, a reorganização da actividade agrícola tem sido demasiado lenta, apesar da rarefacção progressiva de mão-de-obra no campo.

Dadas as dependências intersectoriais que o desenvolvimento económico forja é de crer que a crise da Agricultura possa vir a repercutir-se desfavoravelmente na Indústria e nas outras actividades da Região, gerando-se um crescimento económico pouco harmonioso.

A crise da Agricultura levanta assim o problema mais vasto do desenvolvimento económico regional. É a esta luz que tem de ser encarado o êxodo agrícola acelerado, que em muitos casos tem mais o aspecto de abandono ou fuga dos campos, e a drenagem espectacular de homens, os mais válidos da grei rural, para França ou outros países, que nos revela a impotência da Indústria em reter parte do caudal humano que demanda o estrangeiro.

Poderá esboçar-se um quadro em que a Agricultura regional seja mostrada na tessitura de alguns aspectos económicos, estruturais e funcionais, mais importantes? É o que se tentará, na medida do possível, com o recurso a elementos estatísticos disponíveis. (2)

A população residente na Região considerada era de 352 643 pelo Recenseamento de 1960 (números provisórios).

O crescimento demográfico apresenta contudo grande disparidade no conjunto de concelhos que a integram. No decénio 1950-60 (Quadro I) a taxa de incremento da população foi superior a 1,5 % nos concelhos de Ílhavo e Aveiro e a 1 % nos de Oliveira de Azeméis e Águeda, excedendo a média da Região (e a do Continente).

Por outro lado, no mesmo período, e no pelo oposto, a população diminuiu em valor absoluto nos concelhos da Murtosa e de Oliveira do Bairro e no de Anadia quase se manteve estacionário.

A cobertura demográfica no território em apreciação pode ser referida ao nível dos concelhos / 33 / (Quadro II) desde que se considerem as medidas com prudência e apenas a título indicativo, dada a heterogeneidade relativa do espaço físico e económico.

Na sua superfície, em números redondos à volta de 200 000 ha., (3) a densidade demográfica (população residente) em 1950, 164,7 hab./km2, era quase o dobro da do Continente (no mesmo ano, a Itália tinha 155 hab./km2, a França 76 e a Holanda 314).

Ainda sob o aspecto demográfico verifica-se (Quadro III) que, no decénio 1951-60, apenas os concelhos de Aveiro e Ílhavo constituíram centros de atracção demográfica já que, em ambos, os respectivos saldos fisiológicos foram ultrapassados pelo incremento da população; os restantes perderam população em grau variável equivalente a parte dos seus saldos, à excepção da Murtosa e de Oliveira do Bairro, nos quais a população diminuiu em valor absoluto.

 

QUADRO I – População residente nos concelhos em 1950 e em 1960

 
Concelhos

População residente

Variação da população residente

% em relação a 1950

1950

1960 (*)

Águeda

32991

36612

3621

10,9

Albergaria-a-Velha

18870

18789

919

5,1

Anadia

28552

28815

263

0,9

Aveiro

40187

47680

7493

18,6

Ílhavo

21513

25296

3783

17,5

Mealhada

17214

17759

545

3,2

Oliveira do Bairro

17242

16734

-508

-2,9

Vagos

20131

21430

1299

6,41

Estarreja

24709

25213

504

2,0

Murtosa

13172

12328

-844

-6,4

Oliveira de Azeméis

41370

46263

4893

11,7

Ovar

33348

35320

1972

5,9

Vale de Cambra

19193

20404

1211

6,3

TOTAL

327492

352643

25151

7,6

Continente

7913802

8510799

596997

7,5

 

                    (*) Resultados provisórios do Censo Demográfico.

 

 

 

QUADRO II – Áreas e densidades da população total e activa agrícola, por concelhos

 

Concelhos

Área total
Km2

Habitantes

por Km2

1950

População activa agrícola por Km2

Águeda

337,28

91,7

20,1

Albergaria-a-Velha

145,16

121,4

22,4

Anadia

209,72

134,2

31,0

Aveiro

208,64

191,4

28,1

Ílhavo

67,68

304,7

36,2

Mealhada

119,04

143,1

28,6

Oliveira do Bairro

86,40

196,2

51,4

Vagos

172,48

112,9

28,2

Estarreja

125,16

197,4

32,1

Murtosa

54,60

241,2

29,1

Oliveira de Azeméis

153,32

269,8

34,8

Ovar

160,20

208,1

24,1

Vale de Cambra

148,28

129,4

30,3

TOTAL

1987,96

164,7

----

Continente

88419,04

88,5

15,9

 

NOTA – Área dos concelhos, excluindo a Ria de Aveiro (em km2): Aveiro, 184; Ílhavo, 63,45; Vagos, 167,68; Murtosa, 44.10; Ovar, 151,90

 

/ 34 /

 

QUADRO III – Saldos líquidos dos movimentos migratórios da população no decénio 1951-1960

 
 

Concelhos

Variação da população residente

Saldos fisiológicos

Atracção

Repulsão

Atracção ou repulsão

--------------------- x 100

População residente em 1950

Águeda

3 621

2433

--

1179

--        3,5

Albergaria-a-Velha

919

3593

-- 3330

--        8,4

Anadia

263

6182

-- --

--      11,6

Aveiro

7493

3768

1 311 --

3,2          --

Ílhavo

3783

4800

15 1407

0,1          --

Mealhada

545

1952

-- 2563

--        8,1

Oliveira do Bairro

- 508

2055

-- 2011

--      14,8

Vagos

1299

3310

-- 2105

--        9,9

Estarreja

504

2609

-- 2293

--        8,5

Murtosa

-844

1449

-- 2293

--      17,4

Oliveira de Azeméis

4893

7821

-- 2928

--        7,0

Ovar

1972

4891

-- 2919

--        8,7

Vale de Cambra

1211

3021

-- 1 810

--        9,4

TOTAL

25 151

47 884

1 326 24059

 

                                                             Saldo

22733

6,9

 

Na região, no decénio em referência, o aumento do número de habitantes, 25151, foi ligeiramente superior ao número de habitantes «repelidos», 22733, que foram engrossar as correntes de emigração ou se fixaram noutras regiões do país.

Embora a situação tenha melhorado na década 1951-60, todo o pesado lastro tradicional de incultura e atraso a que a gente do campo paga o principal tributo, fica bem patenteado pelo impressionante registo das taxas de analfabetismo, relativo a 1950 (Quadro IV).

   

QUADRO IV – Taxas de analfabetismo na população maior de 7 anos em 1950

   
   

Concelhos

%

Águeda

Albergaria-a-Velha

Anadia

Aveiro

Ílhavo

Mealhada

Oliveira do Bairro

Vagos

Estarreja

Murtosa

Oliveira de Azeméis

Ovar

Vale de Cambra

 

Continente

30,0

36,0

33,1

27,5

28,1

35,1

36,0

39,8

35,1

35,1

32,6

35,9

39,8


40,3

   

A importância da Agricultura como actividade económica pode ser apreendida, a partir da repartição sectorial do Produto Interno Bruto e da População Activa, no âmbito distrital.

 

QUADRO V – repartição sectorial do Produto Interno Bruto e da População Activa (em %)

 
 
   

Agricultura
e pesca

Indústria

Serviços

Distrito de Aveiro

P. I. B.

32,6

45,6 21,8
População activa 40,3 28,5 31,2
Continente

P. I. B.

28,1 35,9 36,0
População activa 43,6 20,7 35,7
 
 

Fonte: «Níveis Desenv. Agrícola Cont. Português», Fund. Gulbenkian, 1963. Prof. Eugénio Castro Caldas e Dr. Manuel Santos Loureiro.

 

 

Como se verifica, à escala do distrito de Aveiro, existe um desequilíbrio profundo entre o Sector Secundário (Indústria) e o Sector Primário (4) (Agricultura e Pesca) no ponto de vista de produtividade e de eficácia económica, necessitando este último quase do dobro da população activa para obtenção de uma quota-parte do P. I. B., que é mesmo assim inferior à do Sector Secundário. É preciso, no entanto, ter em conta a debilidade intrínseca e estrutural da Agricultura em relação aos outros Sectores que lhe confere desvantagens, nomeadamente na formação dos preços, mesmo em economias evoluídas.

A expansão do Sector Secundário num ritmo capaz de absorver o fluxo humano proveniente do Sector Primário, as características das unidades fabris a instalar, bem como a sua localização, serão factores / 35 / decisivos da valorização regional e condição necessária para o progresso da sua Agricultura, permitindo-lhe atenuar o fosso que, quanto ao nível de vida, a separa actualmente da Indústria.

Um dos factos mais característicos dos estádios iniciais do desenvolvimento económico é a transferência de mão-de-obra e capitais da Agricultura para a Indústria e Sector Terciário que vão produzindo bens de procura mais elástica pela progressiva modificação da estrutura dos consumos e de passo vão expandindo e diversificando o seu aparelho produtivo pelo influxo do progresso técnico. Assim se vão criando e aumentando os empregos da Indústria em detrimento dos facultados pela Agricultura, cujo número vai declinando.

Deste modo a observação da estrutura do emprego nos diversos concelhos (Quadro VI) pode reflectir, aproximadamente, a disparidade que o espaço da Região apresenta sob o ponto de vista do desenvolvimento económico. Aparecem-nos com estruturas pouco evoluídas, tipicamente agrícolas, os concelhos de Vagos e Oliveira do Bairro com mais de 70 % de população activa no Sector Primário e apenas com a proporção de 10 %, singularmente baixa, no Sector Secundário; num segundo escalão vêm os concelhos de Vale de Cambra, Anadia e Murtosa. Contudo é preciso considerar que nos agrupamentos de concelhos assim constituídos, há uma grande dose de simplificação que aconselha à prudência nos juízos, dado que existem concelhos onde se praticam culturas economicamente mais importantes, como a vinha (exemplo de Anadia, Oliveira do Bairro, etc.) e outros não (exemplo da Murtosa), etc. Por outro lado, como os dados de apreciação são relativos a 1950, é possível que no transcurso de mais de 10 anos, a posição relativa dos concelhos tenha sofrido alterações, não se perdendo também de vista que o empolamento do Secundário em determinados concelhos pode ter resultado, em parte, da importância que neles ocupavam actividades artesanais.

 

QUADRO VI - Repartição sectorial da população activa dos concelhos em 1950 (em %)

 
 

Concelhos

Sectores

Primário

Secundário Terciário

Águeda

Albergaria-a-Velha

Anadia

Aveiro

Ílhavo

Mealhada

Oliveira do Bairro

Vagos

Estarreja

Murtosa

Oliveira de Azeméis

Ovar

Vale de Cambra

56

52

64

42

48

56

73

80

52

63

36

35

68

23

29

15

25

30

18

10

10

29

18

49

45

19

21

19

21

33

22

26

17

10

19

19

15

19

13

 

Mesmo numa apreciação que não tenha pretensões de aprofundamento, não deixam de verificar-se, relativamente às actividades industriais da Região, os seguintes factos:

a) A sua importância global relativamente ao panorama económico do país (5.º lugar à escala distrital, segundo a estimativa global do Prof. Castro Caldas e Dr. Santos Loureiro, depois dos de Lisboa, Porto, Braga e Setúbal);

b) A extrema profusão de tipos de indústrias ligeiras, algumas assinaláveis pela técnica e qualidade do seu fabrico, outras pelo adequado dimensionamento das unidades;

c) O alfobre de empresários de iniciativa que estão a modelar o futuro de alguns pontos do espaço económico regional (Aveiro, Ovar, Águeda, S. João da Madeira, etc.);

d) A possibilidade da realização de economias externas nas instalações fabris, quer pela utilização económica de energia eléctrica, quer pela sua apreciável rede rodoviária e férrea, em ligação estreita com o segundo pólo de desenvolvimento do país, o Porto.

Entre a grande variedade de indústrias existentes podem referir-se: celulose e papel, adubos, motores eléctricos, construção naval, fundição, metalo-mecânicas, porcelana, cerâmica, lacticínios, espumantes, conservas de peixe, moagem, descasque e branqueamento de arroz, têxteis, serração, carpintaria, resinosos, tintas, vernizes, bicicletas, etc.

Como infra-estrutura ligada ao Sector Terciário, o Porto de Aveiro, mesmo na fase actual longe do seu completo apetrechamento, é uma realidade de extraordinária importância dinamizadora da economia regional.

Apenas se apreciarão, com base nos elementos estatísticos disponíveis, (Inq. Expl. Agr. Cont., 1953, I. N. E.), alguns aspectos da estrutura agrária. Verifica-se que no conjunto dos concelhos, praticamente;

a) cerca de 70 % das explorações possuíam uma área de cultura arvense inferior a 3 ha.;

b) cerca de 30 % das explorações estavam fragmentadas em mais de 5 parcelas.

Paralela à verificação das reduzidas dimensões e da fragmentação elevada das explorações, sabe-se (se / 36 / bem que não assente em dados estatísticos) que também a propriedade rústica sofreu um «processus» de pulverização, fragmentação e dispersão acentuados que modelaram profundamente a estrutura agrária.

QUADRO VII – Tipos de Empresa (em %), (Inq. Expl. Agr. Cont., 1953, I.N.E.)

 
Concelhos Número de explorações Familiares perfeitas (a) Familiares imperfeitas (a) Patronais

Águeda

5570

34,3 55,3

10,4

Albergaria-a-Velha

3174

30,2 50,3

19,5

Anadia

5553

26,7 53,0

20,3

Aveiro

3945

30,7 54,8

13,5

Ílhavo

2089

40,4 43,4

16,2

Mealhada

2875

38,7 59,4

11,9

Oliveira do Bairro

2772

40,3 28,5

31,2

Vagos

3601

66,2 24,6

9,2

Estarreja

3726

41,2 35,7

23,1

Murtosa

2091

23,0 15,2

61,8

Oliveira de Azeméis

5561

24,6 60,7

14,7

Ovar

3444

23,7 42,3

33,9

Vale de Cambra

2807

39,2 49,6

11,2

TOTAL

47212

     
 
 

(a) As empresas familiares estão extremadas em dois grupos: aquelas cuja fonte de rendimento é unicamente a actividade agrícola (perfeitas) das que tinham outra fonte de rédito (imperfeitas).

(b) No Distrito de Aveiro (lnq. Expl. Agr. Cont.. 1953, I. N. E.) havia 62138 explorações agrícolas.

 

É bem evidente que apenas uma classificação das explorações segundo a sua estrutura e rendimento, dada a variação dos sistemas de produção, permitiria o seu agrupamento significativo do ângulo económico-social.

De um modo geral as explorações da Região são demasiado pequenas e excessivamente fragmentadas, essencialmente assentes no trabalho humano e na energia forneci da pelo gado bovino, com fraca utilização da máquina.

Quanto à estrutura do trabalho nas empresas, pode admitir-se que, no conjunto dos concelhos, pelo menos cerca de 70 % das explorações utilizavam exclusivamente trabalho familiar e as restantes, além do trabalho familiar, recorriam também a assalariados e daí o serem englobadas genericamente na categoria «Patronais», designação bastante indefinida. Com efeito dentro da categoria de «Patronais» há muitas explorações que, por certo, utilizam assalariados apenas como complemento ao trabalho familiar em períodos de ponta, por conseguinte, melhor lhes cabendo a expressão de familiares (Quadro VII).

Pela estrutura do trabalho, características dos empresários e da actividade produtiva, bem como pela origem e natureza dos meios energéticos e equipamento utilizados, a maioria das explorações do espaço geográfico delimitado para estudo pode considerar-se predominantemente do tipo familiar e artesanal.

O Quadro VIII, dá-nos a imagem, algo desactualizada, da estrutura das explorações sob o ponto de vista dos elos jurídicos do empresário com a terra. Que nos revela de um ângulo geral sócio-económico? Talvez (dada a importância e segurança que a posse da terra conferia aos seus proprietários) que a proporção de explorações de conta própria associada ao arrendamento e as de renda simples reflictam, em face duma determinada pressão demográfica da população agrícola, um equilíbrio provisório e uma fuga à proletarização para aqueles a quem a sorte não favoreceu na partilha da terra. / 37 /

QUADRO VIII – Explorações agrícolas segundo a forma da exploração (ibidem) – em %

 

Concelhos

Número de explorações

Formas de exploração

Simples (a)

Mistas (b)

Conta própria

Renda ou sub-arrendamento

Águeda

5570

60,6

10,7

28,7

Albergaria-a-Velha

3174

51,8

16,9

30,9

Anadia

5553

67,1

10,4

21,4

Aveiro

3945

58,3

17,1

23,8

Ílhavo

2089

65,0

8,5

26,6

Mealhada

2875

81,5

3,6

13,9

Oliveira do Bairro

2772

78,4

2,3

19,3

Vagos

3601

50,4

12,1

37,5

Estarreja

3726

58,3

7,1

34,6

Murtosa

2091

83,8

1,0

15,2

Oliveira de Azeméis

5561

60,4

18,6

21,0

Ovar

3444

53,2

17,4

29,4

Vale de Cambra

2807

66,0

17,3

12,5

TOTAL

47212

     
 
 

(a) A forma de exploração de Parceria não foi discriminada pela sua reduzida importância, com percentagem inferior a 1 % em todos os concelhos, à excepção do concelho de Vale de Cambra onde figurava com 4,2 % do total.

(b) Nas formas de exploração mistas. apenas tem importância relativa, a conta própria associada ao arrendamento.

 

A importância relativa, em valor, da Produção Agrícola de origem vegetal e animal na Região estudada, pode inferir-se, aproximadamente, a partir da Estrutura do P. I. B. da Agricultura no distrito de Aveiro (Quadro IX).

Na estimativa do Quadro IX verifica-se que o valor da Produção Pecuária é apenas de 32,9 % o que, atendendo às boas condições agro-climáticas para a produção forrageira na Região, pode ser interpretado, duma maneira muito genérica, como um desvio das actividades agrícolas relativamente às potencial idades naturais.

Na estimativa dos mesmos autores, o valor das produções agrícolas principais no distrito, escalonava-se do seguinte modo (ano de 1957, em contos):

1.º – Carne de açougue -- 140 000

2.º – Cereais (o milho é de longe o mais importante) -- 112 000

3.º – Vinho e aguardente -- 109 000

 

 

QUADRO IX – Estrutura do Produto Interno Bruto da Agricultura (1957)

 
 
 

P. I. B. da Agricultura
(milhares de contos)

Decomposição do sub-total (em %)

Decomposição do Sector Agro-Pecuário (em %)

Total Rendimento em auto-investimento Sub-total Agro-Pecuária Silvicultura e pesca Vegetal Animal
Distrito de Aveiro 758 10 748 84,2 15,8 51,3 32,9
Continente 14248 14054 83,7 16,3 60,6 23,1
 
  Fonte: «Níveis Desenv. Agric. Cont. Porto», Prof. E. Castro Caldas e Dr. M. Santos Loureiro. Fund. Gulbenkian, Lisboa, 1963.  

  / 38 /

4.º – Legumes e tubérculos (a batata e o feijão têm importância saliente) -- 104000

5.º – Leite -- 69000

As produções de carne (sobretudo de vaca e de porco), milho, vinho, batata, feijão e leite constituem as actividades agrícolas mais importantes, sendo seguidas, a muita distância, pelos produtos hortícolas, a fruta, o azeite, etc.

De um modo geral a produção pecuária é uma actividade artesanal, não especializada, inserida nas explorações agrícolas tradicionais.

No aspecto global, porém, avulta a sua grande importância económica. Assim, na produção do leite de vaca e Indústria transformadora respectiva, bem como na dimensão do efectivo leiteiro (vacas turinas), o distrito de Aveiro detém o primado no Continente. É todavia uma actividade muito dispersa e pulverizada (a média do número de vacas por estábulo, no distrito não atinge duas unidades), o que agrava os custos de produção ao nível das explorações agrícolas e se repercute desfavoravelmente na eficácia económica das operações de recolha e concentração do leite deprimindo por vezes, e obviamente, a sua qualidade.

A produção de carne de vaca é uma actividade complementar da produção de leite (bovinos de raça turina) ou da produção de trabalho (bovinos mirandeses, marinhões, etc.).

A criação de porcos em «chiqueiros» e de aves de capoeira, de grande relevo na economia das explorações agrícolas minifundiárias, nas quais se insere e das quais depende e se nutre quase exclusivamente, destinados a auto-consumo e à venda, tem também uma feição tradicionalista não especializada.

O progresso técnico-económico da exploração de bovinos na produção de leite e carne esbarra, a curto prazo, com dificuldades consideráveis, pois trata-se de uma actividade, em grande parte do ciclo produtivo, economicamente ligada à produção de forragens no campo e como tal vinculada às vicissitudes da aglutinação de explorações minifundiárias ou à necessária coordenação e colaboração de pequenos empresários ciosos da sua independência.

A porcicultura e avicultura modernas podem ao contrário escapar às servidões que a reduzida dimensão das explorações agrícolas e estrutura agrária defeituosa impõem; funcionam como verdadeiras indústrias agrícolas, com dimensão e investimentos orientados segundo a capacidade de absorção dos mercados de consumo, com riscos meteorológicos anulados por não dependerem directamente da produção de forragens no campo e alimentadas por fábricas de rações autónomas e especializadas.

A economia vitícola, com múltiplas explorações de muito escassa dimensão, enferma também de limitações idênticas às já assinaladas na actividade pecuária.

Com base nos elementos de informação disponíveis dividimos, muito genericamente, a Região, sob o ponto de vista dos sistemas de produção, nas seguintes zonas: (5)


Zona A
– Ao norte do Vouga, engloba os concelhos de Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra e ainda os de Ovar, Estarreja e Albergaria-a-Velha à excepção de uma pequena faixa litoral. Está assente em formações geológicas antigas do Arcaico e Precâmbrico, do Primário (sobretudo Câmbrico) e Granito.

A parte interior da zona é muito ondulada, ora cavada em vales largos, ora em vales estreitos e profundos, a litoral, quase plana.

Zona climaticamente húmida e dotada de uma rede hidrográfica muito importante que tornam fácil o recurso à rega com água de rios, ribeiros, minas, nascentes e poços.

Caracterizada pela cultura muito intensiva de forragens (azevém nas terras baixas, quando possível «limado», ferrãs de cereais, nas terras altas, etc.) compatível com a exploração do solo por empresas familiares de muito pequena dimensão.

O milho, a que se associa muitas vezes o feijão e abóbora, de longe a cultura arvense economicamente mais importante, sucede no ciclo anual às culturas forraginosas intercalares. Com efeito, pela regularidade de produção, melhor capacidade produtiva relativamente aos outros cereais, fácil conservação, pelas suas múltiplas utilizações é a cultura chave insubstituível do sistema de produção para a estrutura demográfica actual da zona em referência, que exige a máxima intensificação cultural à base de trabalho.

Clicar para ampliar.
Couval magnífico em terreno de areia conquistado à duna e utilizado na cultura intensiva (Gafanha).

Além do milho que ocupa praticamente todas as folhas de cultura anualmente, temos a produção de leite (gado turino e arouquês) e carne (produção subsidiária do gado de trabalho «marinhão», «crias» das vacas de leite, porcos).

A batata tem somente importância social, sendo-lhe reservada anualmente nas explorações uma pequena superfície (que não deixa contudo de produzir milho nos regos), cujo produção se destina ao auto-consumo.

A vinha (em «ramadas» delimitando os socalcos e terras de cultivo) tem importância económica somente no concelho de Vale de Cambra e na freguesia de asseia (Oliveira de Azeméis) integrados na região demarcado dos vinhos verdes. Realizam-se aqui quase as condições do sistema minhoto de exploração.

Horticultura pobre, à base de couve-galega, para auto-consumo e venda de excedentes nos mercados / 39 / locais. De assinalar apenas a produção de cebola em Maceda, Ovar, alfobres para venda, em regra de couves, em Pinheiro da Bemposta (Oliveira de Azeméis), etc.
 

Zona B – Ao sul do Vouga; engloba fundamentalmente o concelho de Aveiro (menos as aluviões dos «campos» do Vouga) e o de Oliveira do Bairro, se bem que a ela se possam agregar algumas freguesias limítrofes dos concelhos de Águeda, Anadia, Vagos e Ílhavo.

Assente sobretudo em formações do Pliocénico e Cretácico. Orograficamente é, na sua maior parte, uma grande planície. Abundante toalha de água permite a cultura intensiva regada por meio de poços.

Climaticamente é uma zona de transição, polimorfa do ponto de vista agrológico, tem porém uma característica comum que a identifica: a grande diversificação cultural, a boa aptidão dos seus solos e a qualidade de muitos dos seus empresários, patenteada no apuro técnico de algumas culturas (trigo, batata, ele.).

Sistemas de produção à base de milho, feijão, batata, forragens e trigo no concelho de Aveiro, passa-se no de Oliveira do Bairro para outros em que a vinha (6) (na qual se pratica por vezes a cultura intercalar de batata), a batata de folha, milho, feijão e forragens intercalares dão carácter. O grosso da produção de batata é estival, de Junho a Julho.

Horticultura praticada sobretudo para auto-consumo com venda de excedentes nos mercados locais; assinale-se, no entanto, a riqueza e variedade de espécies cultivadas (couves, tomate, pimento, cebola, etc.). Em alguns pontos, a produção de couve repolho e nabo para mercados longínquos (Lisboa, por exemplo) em S. Bernardo (Aveiro), etc.

A cultura do arroz tem sobretudo importância nas aluviões do Cértima (concelhos de Águeda e Oliveira do Bairro) e Levira (concelho de Oliveira do Bairro).

Gado turino para leite e «marinhão» para trabalho e carne; porcos, cruzados de bísaros e Large White, em que se verifica grande absorção do sangue da última raça.


Zona C
– Ao sul do Vouga; engloba os concelhos de Águeda (menos os «campos» de Águeda e a zona serrana) e os de Anadia e Mealhada, pertencentes à região bairradina (menos a zona serrana).

Geologicamente as formações predominantes pertencem ao Pliocénico, Triássico e Jurássico. Planície, encostas e planalto.

Predomínio económico da vinha. O sistema à base de milho, feijão e forragens, bem como a cultura da batata, têm apenas um papel subsidiário.


Zona D
– Ao norte do Vouga; constituída pelo concelho da Murtosa e pelas freguesias de Pardilhó e Veiros do concelho de Estarreja.

Areias do Moderno.

Pode dizer-se que esta zona repete menos bem o sistema de produção base descrito na Zona A: milho, feijão e forragens anuais intercalares. (7) Ecologicamente o solo de areia limita as produções de milho se bem que a incorporação de matéria orgânica (moliço e estrumes) se pratique larga e intensamente; talvez, em parte também responsável por este facto, a economia de água pouco apropriada na vegetação do milho (toalha de água superficial cujo nível depende de vários factores, nomeadamente dos climáticos).

Outro tanto se pode dizer das forragens, não encontrando o azevém o seu óptimo ecológico em terrenos de areia mesmo quando bem providos de matéria orgânica, a que se junta, em muitos casos, a falta de drenagem no período outono-invernal que muito prejudica a sua vegetação.

À excepção de alguns oásis de cultura, em aluviões riquíssimas, junto à Ria, o sistema de produção referido só parece jogar em cheio no caso do feijão.

A importância da cultura da batata é muito secundária.

Produção de leite (gado turino); criação, recria e trabalho (gado «marinhão») e carne (gado «marinhão» e porcos).


Zona E
– Gafanha (litoral dos concelhos de Ílhavo e Vagos).

Areias do Moderno e Dunas. Por vezes os terrenos são rebaixados e constituem-se sebes de abrigo. Abundante incorporação de moliços provenientes da ria de Aveiro, além do estrume do curral, permitem a adopção de sistemas de produção intensivos, à base de trabalho, particularmente nas terras mais ricas em matéria orgânica e favorecidas pela proximidade da toalha / 40 / de água. Têm particular importância, nos sistemas referidos, a batata, o feijão e ainda a ervilha, chicória para café, forragens (ferrãs de cereais), além do milho que alterna com a tremocilha nas terras mais secas e menos providas de matéria orgânica. Acrescente-se ainda, parece que em explorações mais bem dimensionadas, a cultura da couve lombarda e do repolho para mercados longínquos (Lisboa, por exemplo).

Relativamente recente a grande generalização do gado turino para a produção de leite.

Esta zona favorecida pelo clima, relativamente às outras zonas da Região, possuindo solos leves, de textura arenosa que permitem as lavouras em qualquer época do ano e a produção de batata no cedo, em Abril e Maio (cultura semi-temporã), o que muito a valoriza em grandes mercados nacionais Porto e Lisboa), torna-a também, por essa razão, susceptível de interessar a exportação, como em alguns anos tem acontecido.

Constituída também por terrenos de areia, a Gelfa é a zona do concelho de Vagos compreendida entre o rio Boco e a Gafanha. Sistema de produção intensivo à base do milho e forragens intercalares anuais. Tal como no caso da Murtosa, o feijão é uma cultura importante. A produção forrageira (ferrãs, serradela, trevo encarnado, nabo), é mais variada e o escalonamento da produção do Outono à Primavera é talvez melhor conseguido. A batata tem sobretudo importância para auto-consumo. Godo bovino (turino e «marinhão») e gado porcino.


Zona F
– Aluviões sujeitas a inundações periódicas de água doce (cheias do Vouga e afluentes e outras «linhas de água» no período outono-invernal) ou de água salgada (marés-vivas no período estival). Constituída pelo Baixo-Vouga, «campos» de Canelas e Salreu, «campos» do Vouga e do Águeda, etc.

Não se define propriamente nesta zona um sistema de produção autónomo, em virtude de todos os terrenos em referência estarem inseridos em explorações agrícolas ribeirinhas.

O seu aproveitamento ora se faz com o arroz ou milho, precariamente quase sempre pelo condicionamento das cheias, pela pastagem extensiva de ervagens naturais (sobretudo na recria de gado bovino «marinhão») ou são «incultos», por vezes produtivos (plantas aquáticas denominadas por «matos» e «estrumes»).

Sem se pretender realizar a análise e caracterização dos aspectos psicológicos e sócio-económicos da evolução que parece subverter actualmente o mundo rural, não deixa de ter sentido enunciar com brevidade os determinantes imediatos geradores da crise.

Um facto, a que já anteriormente nos referimos, convém reter: o crescimento económico, em termos globais, desequilibrado da Região, que confere à Indústria uma capitação do Produto amplamente superior à da Agricultura. Outro facto assinalámos sem que nos tivesse sido possível de momento caracterizar adequadamente: o apelo que representa o nível de vida de outros países (França, Alemanha, etc.)

Deste modo a fuga acelerada dos campos vai abrir brecha no aparelho produtivo das empresas de dimensões reduzidas da Região, ao desfazer o velho equilíbrio entre mão-de-obra superabundante e meios técnicos reduzidos e arcaicos, pela incapacidade de, a curto prazo, o adaptar (por meio de uma recombinação eficiente dos factores de produção) a um contexto socio-económico de rarefacção humana progressiva.

Surge assim a necessidade do redimensionamento das empresas, em face das grandes transformações do meio social e do meio técnico, e é crível admitir-se, que, pela acção mais ou menos profunda do Estado, dada a ineficácia dos mecanismos espontâneos. Levanta-se, por outro lado, aos planificadores e às massas rurais conscientes, o problema central da adequação dos sistemas de produção às condições do meio físico e humano e às perspectivas do mercado. Com efeito, de nada servirá projectar novas unidades produtivas sem encontrar resposta à questão: que produzir?

Assumem, assim, carácter prioritário, em relação a todos os outros aspectos, a reconversão cultural e o ordenamento agrário.

Imediatamente se apresenta o ilogismo dos circuitos comerciais em que se insere a actividade do agricultor, que duplamente o esmaga, comprando, quase sempre aos outros sectores a preços de retalho e vendendo os seus produtos a preços inferiores aos preços de grosso, circunstância que agrava a tendência que parece inevitável, a longo prazo, para a deterioração dos termos de troca da Agricultura.

O problema particular da redução das margens comerciais interessa tanto ao agricultor como ao próprio consumidor.

A especulação parasitária de alguns intermediários não deve, no entanto, cegar a visão para a importância e as reais dificuldades, riscos e custo que comporta a distribuição dos produtos agrícolas, nem os progressos técnicos de que é susceptível e que só uma organização eficiente possibilita, estranha ou não ao sector agrícola.

Como afirma Marc Latil «a modernização da Agricultura, isto é, a participação dos agricultores no progresso geral, implica ao mesmo tempo, uma produtividade acrescida e um êxodo rural importante». Esse aumento de produtividade deve procurar-se nas próprias explorações agrícolas, conseguindo arranjos mais eficientes dos factores de produção, com especialização / 41 /

Clicar para ampliar.

Imponente conjunto de socalcos, sustendo o solo arável e defendendo-o da erosão. Com larga representação nas zonas serranas, em que ainda se pratica frequentemente um sistema intensivo de duas culturas de ciclo anual (erva e milho; aveia e milho; centeio e milho, etc.) sobrevivente do passado, actualmente em declínio nestas condições. (Vale de Cambra).
 

de actividades, dando maior participação ao factor terra e à máquina e utilizando técnicas renovadas, objectivos que exigem empresários modernos, bem preparados. Além disso, quer nos circuitos dos factores que chegam às unidades de produção, bem como naqueles em que os produtos agrícolas partem, realizando-se a sua distribuição até aos consumidores, podem os empresários agrícolas reforçar a sua posição económica (além de adquirir ganhos na produtividade) com vista ao incremento do rendimento da Agricultura.

É bem evidente a insuficiência que apresenta um possível elenco de todos os problemas que interessa resolver nos limites geográficos da Região, secamente enumerativo, sem tomar em devida conta as disparidades espaciais, por vezes, tão flagrantes. Procurámos mostrar em esboço, através de alguns indicadores demográficos e económicos, a pluralidade de aspectos que apresentam os concelhos estudados.

É pois chegada a altura de apresentar os problemas da Agricultura regional que carecem mais urgentemente de solução:

I – Ordenamento agrário e reconversão cultural. Reforço da posição económica dos agricultores nos circuitos de distribuição

Somente a promulgação da lei de Orientação Agrícola, cujo texto já foi apresentado para apreciação ao Conselho de Ministros para Assuntos Económicos, poderá dar uma linha de rumo segura à Agricultura da Região. Por certo marcará opções globais no campo da Agricultura Nacional que poderão ser objecto de regionalização adequada.

Convém, contudo, delimitar, de acordo com os elementos disponíveis, alguns aspectos do que se afigura desejável para a Região, mesmo que seja somente a título indicativo:

 

ZONA A

Milho, forragens, etc.

Dever-se-á por todos os meios possíveis empreender a generalização dos milhos híbridos para forragem e a melhoria da sua técnica cultural, e antes que / 42 / seja demasiado tarde, isto é, antes que as empresas patronais dos regadios do Sul, estejam em condições de o produzirem quantidades maciças e a baixo custo. Nas melhores terras e com o esmero da técnica cultural as produções unitárias podem ser muito elevadas. Não parece provável que o aumento do preço indicativo do milho possa resolver em profundidade qualquer problema das pequenas explorações desligado de outras medidas.

Parecem altamente desejáveis subsídios para aquisição de sementes de milhos híbridos (8) e aperfeiçoamento da sua técnica de cultivo.

A introdução de forragens (trevo ladino, trevo violeta, azevém vivaz, etc.), consentida pela estrutura das explorações, parece ser também de manifesto interesse.

Uma cultura que não convém perder de vista é o trigo, pois poderá ser de futuro uma cultura adequada para substituir (ou alternar) com o milho em terras menos dotadas de água de rega: o nível elevado de produções unitárias que é possível atingir pode torná-la interessante em determinadas condições, muito embora as áreas de cultura nas explorações agrícolas não permitam a utilização de máquinas de colheita e debulha de muito elevada rentabilidade.


Produção pecuária

A especialização e expansão da actividade pecuária, baseadas no aumento da produtividade das explorações, acompanhada da melhoria da produção forrageira (de essencial importância na alimentação dos bovinos), são objectivos fundamentais do progresso económico da Agricultura regional.

A comercialização de gado bovino e porcino realiza-se ainda, em grande parte através das feiras. Estes mercados tradicionais têm um carácter múltiplo e complexo, visando a transacção de animais vivos que constituem, quer produtos finais do sector agrícola, quer produtos intermediários destinados a alimentar determinadas fases do ciclo da actividade pecuária dentro das explorações agrícolas:

gado porcino

            – leitões, (machos e fêmeas), para abate e recria;

– bácoros (machos e fêmeas), para recria;

– porcos, para abate;

gado bovino

            – vitelos (machos e fêmeas), para abate e recria;

– novilhos (machos e fêmeas), para abate e recria;

– adultos (machos e fêmeas), no fim ou não do seu ciclo económico;

nas diversas raças existentes, o mirandêse o marinhão, estão em declínio; o turino, para leite e carne, em expansão.

Nas feiras uma multidão de pequenos produtores não especializados e independentes, com poucos animais (muitas vezes com um ou dois apenas), afronta-se com um grupo escasso de compradores, comerciantes e marchantes, qualificados no ramo de negócio e conhecedores das condições reais da procura. A capacidade de financiamento dos componentes deste último grupo é quase sempre muito superior à da maioria dos produtores, quantos deles, pressionados a vender para a obtenção urgente de uma receita ou por imposição da escassez de forragem no campo.

O reforço do poder de negociação do primeiro grupo formado pela massa de pequenos produtores é uma necessidade evidente: a constituição de associações ou grupos de criadores unidos para a venda (e para outras finalidades) poderia ser um meio eficaz. Todavia a pequenez e o regime de poliprodução não especializada das explorações são barreiras quase intransponíveis. Poderá porventura qualquer associação humana perdurar sem a adesão profunda dos seus membros?

A informação periódica das tendências do mercado, com a publicação de cotações médias nas diversas zonas do país, amplamente divulgada, poderia também ser uma medida muito apropriada, a completar o efeito dos preços mínimos de garantia oficiais.

A transacção de gado nas feiras seria depurada das usanças antigas e obsoletas, substituindo-as por normas objectivas e comercialmente idóneas (assim a venda de gado pelo aspecto e a «olho» seria abandonada e adoptar-se-ia a transacção baseada na qualidade e peso vivo, etc.).

A existência de grupos dinâmicos de produtores especializados poderia contribuir para uma revolução pacífica no saneamento e organização do mercado da carne que atingiria a instalação de infra-estruturas apropriadas (matadouros modernos, câmaras frigoríficas, etc.). Num estádio avançado o sector agrícola firmaria a sua posição económica, integrando horizontalmente e verticalmente, actividades produtivas, de transformação, de abate, de «stockagem» e distribuição.

No que diz respeito ao circuito do leite parece indicado que seja a organização da Lavoura, como único interlocutor válido de que actualmente os produtores de leite dispõem, quer a regular as entregas de leite à indústria capitalista, quer o fornecimento de leite em natureza aos principais centros urbanos. (9). / 43 /

 

ZONA B

Batata, culturas hortícolas, etc.

Pelas características que possui esta zona parece ser nevrálgica no ponto de vista da valorização regional.

A justificarem-se, como opção económica desejável, as culturas hortícolas, seriam as áreas actualmente dedicadas ao milho e à batata diminuídas parcialmente.

Uma solução possível seria a instalação de uma fábrica entregue a uma empresa que já tivesse dado as suas provas na concorrência dos mercados estrangeiros, se possível, com a comparticipação de capitais da Lavoura. As relações comerciais da fábrica com os agricultores regular-se-iam mediante contrato.

Evidentemente será necessário, relativamente a esta ou outras possíveis soluções, e com toda a urgência:

            a) proceder às sondagens e estudos suficientes no plano económico;

            b) realizar ensaios de adaptação de culturas horto -industriais;

que marcarão, em definitivo, a linha de rumo a seguir.
 

Milho, forragens, produção pecuária, etc.

O mesmo que na Zona A. 


ZONA C:

Vinha

No plano regional salienta-se a sua grande importância socio-económica. A cultura da vinha implica a mobilização de capitais importantes e, por outro lado, só passados alguns anos após a instalação, começa a dar rendimento. Além disso valoriza terrenos em muitos casos impróprios para outra cultura, pelo menos, de rendimento comparável ao que a vinha confere. Os amanhos culturais que exige ocupam uma grande massa de rurais.

A produção de vinho nesta zona gerou um sem número de actividades económicas de relevo: caves de espumantes, fabrico de garrafas, construção de pulverizadores, destiladores e outras máquinas, produção de sulfato de cobre e outros fungicidas, comércio, transportes, etc. Mais do que uma actividade produtiva limitada a vinha cria, assim, um tipo de civilização com implicações económico-sociais e políticas.

A crise na viticultura, a que o êxodo rural acelerado dá um carácter de acuidade, é um facto incontestável que transparece nos índices de repulsão da população: no decénio 1951/60 (vide Quadro III), os indicadores demográficos de repulsão apresentam as taxas mais elevadas nos concelhos de Oliveira do Bairro e de Anadia (à parte a taxa do concelho da Murtosa também muito elevada).

A reconversão cultural ou o redimensionamento da cultura vitícola exigem a aplicação de capitais vultosos. Talvez a crise tenha provocado uma reacção psicológica favorável a uma intervenção.

 

ZONA E

Gafanha Batata e culturas hortícolas

As condições climáticas, como já se disse, permitem a produção de batata semi-temporã, o que a favorece muito no preço relativamente à produzida na Zona B; no mercado interno; pode também interessar, como já se tem verificado em alguns anos, à exportação.

Deverão continuar-se os ensaios de adaptação de variedades de curto ciclo vegetativo susceptíveis de interessar aos consumidores estrangeiros do Norte da Europa.

Algumas culturas hortícolas têm amplas possibilidades nesta Zona.

Milho, produção pecuária, etc....

O mesmo que na Zona A.

 

ZONA F

A reconversão cultural desta zona apenas será possível quando se realizar o estudo para a valorização da Bacia do Vouga que permita a correcção do regime das cheias e que torne completamente profícuas as outras obras complementares necessárias.

Sobre este importante problema, assim se pronunciou uma comissão de técnicos, em comunicação apresentada ao Conselho Regional de Agricultura, em sua sessão de 11-12-1961, «Obras de defesa e enxugo mais importantes:

– Estudo para correcção do regime das cheias dos rios e a regularização dos leitos na bacia do Vouga e de todos os cursos de água que directa ou indirectamente afluem à ria de Aveiro;

– Defesa e possível recuperação dos terrenos vizinhos da ria de Aveiro;

– Obras destinadas a evitar os efeitos nefastos da poluição das águas no rio Vouga e afluentes;

– Melhoramento dos regadios existentes através da renovação e multiplicação dos seus órgãos de rega e drenagem». / 44 /

 

II – Saneamento e disciplina do comércio fornecedor de meios de produção importados ou provenientes de outros sectores de actividade

O crescimento económico imporá cada vez mais a integração da Agricultura na Economia Nacional e a sua capitalização acrescida.

Nesta era de progresso da técnica a Agricultura da Região é invadida por uma torrente de produtos, os mais variados, – insecticidas, fungicidas, adubos, máquinas, etc. – que vão embater directamente pela mão do agente de vendas, da casa comercial das cidades e vilas, do retalhista da aldeia de encontro ao empresário agrícola de boas letras ou de letras «gordas», suportando a grei rural, as custas de um circuito de distribuição complexo. Diz-se: o agricultor é individualista e, por isso, não se defende. Terá, contudo, mais sentido afirmar que é isolado e inerme, já que o seu individualismo é, em muitos casos, de natureza extrínseca, (isolamento geográfico, incultura, estrutura sócio-económica das empresas, etc.).

Impõe-se, e assim, pensam os lavradores esclarecidos da Região, o saneamento e a disciplina do comércio. Seria de interesse para a lavoura subir, em relação a alguns factores de massa por intermédio das suas Organizações, pelo menos, até ao estado de grosso, pois razões de natureza macroeconómica podem desaconselhar que vá mais longe.

 

III – Valorização humana e profissional do agricultor e assistência à família rural

A promoção humana do mundo rural através da Educação e Previdência Social são tarefas urgentes e prioritárias que exigem pela sua complexidade colaboração estreita de planificadores, realizadores e dos próprios interessados.

Deverá também acelerar-se o aperfeiçoamento, intensificação e valorização da assistência e vulgarização técnica.

Essa finalidade será melhor alcançada se for assente metodicamente na experimentação agronómica local e na análise económica de explorações agrícolas representativas.

Importa promover, paralelamente a medidas de interesse genérico, outras de carácter selectivo junto dos empresários agrícolas mais aptos e capazes de vencer, pelo seu espírito de inovação e audácia, as perturbadoras dificuldades do presente, auscultando os seus problemas, reduzindo os entraves às suas iniciativas, estimulando as suas acções, sem chegar contudo a um paternalismo de excepção. Serão eles a força motora mais eficaz nas diversas zonas agrárias da Região. O êxito económico dos melhores empresários poderá constituir um incentivo para o despertar de vocações em jovens com qualidades, tão necessários à renovação e rejuvenescimento do conjunto dos chefes de exploração regionais, no qual o peso percentual de gente idosa se tem acentuado.

 

IV – Meios correctores de funcionamento e adaptação das explorações agrícolas e da melhor utilização da terra como factor económico

Crédito e subsídios

Os benefícios que as empresas comerciais e industriais retiram do crédito devem ser estendidos, com preserve rança e rapidez, à actividade agrícola.

O crédito a curto prazo ao capital circulante (adubos, fungicidas, etc.) deverá ser generalizado o mais depressa possível por intermédio das Organizações da lavoura.

O crédito a médio e a longo prazo e a juro baixo de factores fixos de produção (máquinas, etc.) e melhoramentos fundiários (já instituído e regulamentado pelo Estado pela lei de Melhoramentos Agrícolas) é também uma necessidade. Deverá contudo a sua aplicação ser integrada no planeamento de valorização regional que permita perspectivar os problemas das unidades produtivas isoladas, em virtude da sua atribuição comportar sérios riscos de ser improfícua ou pouco rentável. Parece-nos de grande importância para estimular e abreviar as adaptações necessárias, a concessão de subsídios sobretudo em factores de produção de rentabilidade elevada e imediata (semente de milhos híbridos, de forragens, etc.).

 

Redimensionamento das explorações – emparcelamento e associações de agricultores (10)

O emparcelamento da propriedade rústica, regulado pela Lei n.º 2110 e Decreto n.º 44647, poderá ser um instrumento de valorização económica na Região desde que se reúnam condições favoráveis ao seu empreendimento, como sejam:

– abalo psicológico provocado pela crise agrícola que facilite a adesão dos proprietários a uma possível intervenção de emparcelamento;

– conhecimento suficiente das opções regionais no plano das actividades agrícolas compatíveis com o contexto económico nacional;

– estudo de explorações-tipo capazes de proporcionar um rendimento adequado;

– existência de espírito empresarial.

O encorajamento à constituição de Associações de Agricultores, nomeadamente de Cooperativas, é plenamente justificado, sobretudo na transformação tecnológica / 45 / dos produtos e a sua comercialização em sectores chave da economia agrícola nos quais se torna evidente a reduzida capacidade organizadora dos agricultores isolados (leite, vinho, gado, etc.) e ainda na utilização em comum de determinados instrumentos de produção (tractores, máquinas, etc.).

A constituição de Associações que visem o redimensionamento das explorações e sua actividade produtiva, pela agregação de diversas propriedades, também de grande interesse, é talvez mais delicada no plano jurídico e encontra certamente mais dificuldades no plano humano, sobretudo nas relações empresa-propriedade da terra que exigem diversas condições e massas humanas evoluídas aptas a aceitar limitações a um individualismo extremo. Nunca se poderá perder de vista, por outro lado, que, num contexto de economia capitalista, o espírito de empresa é fundamental e que, só à luz deste critério, se deverá apreciar e decidir o grau de intervenção de forma a evitar que resultem estruturas demasiado rígidas e ineficazes no plano económico.

 

V – Coordenação dos Serviços afectos ao sector agrícola

Sobre esta importante questão assim se pronunciou uma comissão no parecer já referido, apresentado ao Conselho Regional de Agricultura em sua sessão de 11-12-1961.

«É indispensável também que o Governo tome medidas no sentido de determinar uma completa e lógica cooperação entre todos os Serviços, Oficiais ou Oficializados, que servem a Lavoura».

*

Será um facto incontroverso a desvalorização social da Agricultura, não nas leis que procuram corrigir quadros institucionais caducos, mas na mente do cidadão comum?

Como reage, no âmbito regional, a massa de agricultores perante as outras classes e como é encarada a profissão agrícola pelos não agricultores?

Entre as duas guerras mundiais ainda a tradição imperava profundamente nos costumes e técnicas de cultivo; a posse da terra conferia estabilidade e segurança por vezes superiores às de outras actividades, permanecendo o campo como fonte directa de subsistências de inúmeras famílias de agricultores da Região. Constituía máxima ambição de muitos rurais emigrantes desse período o minerar dinheiro em países estranhos para, no regresso à Pátria, se instalarem por conta própria como agricultores, «colocando-o» em parcelas de terra que iam acrescentar o património herdado. Quem não reconhecerá em muitos agricultores sexagenários do termo de A veiro, ao admirar as suas minúsculas explorações cultivadas com arte e esmero, os activos granjeadores de poupança retirada aos salários da plantação e apanha de espargos, da safra de arroz e outras tarefas, nos longínquos vales da Califórnia?

Culminam também, por essa altura, transformações fundiárias prodigiosas no conjunto, da iniciativa de muitas gerações de agricultores isolados, investindo nelas o seu trabalho e o dos seus familiares (predominante também nas tarefas agrícolas correntes), e, assim, conferindo dimensão sociológica à frase que, há cerca de três lustros, ouvimos da boca de um gandarês: «quem tem muitos filhos é rico, quem tem poucos é pobre»...

A árdua faina do gafanhão, murtoseiro ou gandarês, transformando, peIo «rebaixamento» dos terrenos e incorporação maciça de moliço, areais estéreis em magníficas parcelas de cultura intensiva, o denodado esforço do camponês valecambrense, arouquês, severense ou aguedense, semeando de socalcos íngremes encostas de cerras e montes, conquistando à montanha o ambicionado chão de cultura ou o industrioso empreendimento de agricultores ribeirinhos dilatando a capacidade produtiva dos solos de planície, ao abrir poços para rega em pequenos retalhos de terra arável, são suficiente e significativo atestado, num amplo espaço geográfico, da reduzida mobilidade profissional, típica dessa sociedade tradicionalista a que a pressão demográfica crescente obrigava aos actos heróicos.

O inevitável abandono à exploração florestal e a prados ou pastagens estáveis de áreas alcantiladas, de socalcos minguados ou terrenos com declives pouco próprios à cultura mecanizada e a racionalização progressiva do trabalho no campo com amplo emprego de equipamento e técnicas eficientes, bem como a renovação do habitat rural, acompanhada da expansão dos meios de comunicação e transporte, integrarão pouco a pouco o agricultor regional na nova era, aliviando-o da servidão do espaço e do isolamento geográfico.

Em oposição ao trabalho repetitivo da produção em série do operário fabril, com rotinas estabelecidas, a faina do agricultor moderno não deixará de exigir, na sua complexa natureza, atenção no pormenor, imaginação relacionadora, adaptação permanente a condições meteorológicas imprevistas. Como actividade económica a produção agrícola constitui vital e insubstituível alicerce de todas as comunidades humanas. A Agricultura suporta, não obstante, as vicissitudes do aleatório no plano da / 46 / produção, bem como as dificuldades resultantes do seu carácter descontínuo e estacional, e de identificáveis mecanismos de mercado que jogam frequentemente em seu desfavor. Por outro lado o surto e a diversificação de novas actividades estão a criar oportunidades de emprego frequentemente em condições menos penosas e ou (paradoxalmente, por força das leis de marcado!) de melhor remuneração que as da Agricultura.

Para que o êxodo rural, amplo fenómeno social, característico das Economias em crescimento, não esvazie o campo de conteúdo humano, dessorando completamente a Agricultura da juventude e de homens aptos, será, afinal, concretizável a necessária revalorização do sector agrícola, urgente e acelerada, perante o fascínio da vida dos grandes centros urbanos, nível de salários e outras regalias proporcionados pela Indústria e Serviços?

Compreenderão, o citadino e o não agricultor, as virtudes e necessidades de interdependência social, a amplidão dos problemas e ajustamentos requeridos, a natureza do drama que sob os seus olhos se desenrola?

_____________________________________ 

NOTAS:

(1) Nomeadamente a criação da «Uniagri». União das Cooperativas de Agricultores de Noroeste, com sede em Vale de Cambra.

(2) Para a elaboração dos quadros de indicadores demográficos socorremo-nos do trabalho de R. Dias da Cruz: «Identificação e Delimitação de uma zona diminuída no centro do país», «Agros», 46 - Jan. Fev. 1963.

(3) Segundo o reconhecimento efectuado pelo S. R. O. A. em 1954-55 a utilização do solo no distrito fazia-se do seguinte modo:

 

     Utilização

(hectares)

agrícola

94 726

florestal

128 729

agro-florestal

286

outras utilizações

56 230

TOTAL

279 971

 

(4) Nas actividades do Sector Primário, além da Agricultura, salienta-se o sal (com 272 salinas, ocupando uma área de 1 400 ha.) com uma produção média anual de 55000 toneladas a que correspondem cerca de 15700 contos e a pesca que ronda o valor de 120 000 contos.

(5) Não serão abordados quaisquer aspectos da exploração florestal.

(6) O concelho de Oliveira do Bairro e a freguesia de Nariz do concelho de Aveiro pertencem à região vitícola da Bairrada.

(7) O recurso a prados temporários com base no trevo violeta e azevém vivaz, se bem que importante, não tem o carácter de generalidade.

(8) Concedido recentemente (campanha agrícola de 1971), se guindo outras medidas já promulgadas anteriormente.

(9) Ao longo da década de 1001-70 tem sido promulgada legislação variada para regulamentar a produção de leite e carne e sua comercialização.

(10) Ao ser elaborado este parágrafo foram voluntariamente excluídos, por razões de brevidade, inúmeros problemas jurídicos, e económicos que se ligam à terra e ao capital fundiário.
Existem actualmente diplomas legais pelos quais o Estado concede empréstimos, subsídios e comparticipações por meio de fundos administrados pela Junta de Colonização Interna que permitem corrigir e renovar as estruturas de produção e comercialização (Decretos-Lei sobre o Fundo de Fomento de Cooperação de 23 de Novembro de 1962; sobre Agricultura de Grupo, de 11 de Agosto de 1969 e sobre o Fundo de Reestruturação Fundiária, de 8 de Outubro de 1969).

 

páginas 31 a 46

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte