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N.º 10

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1970 

Problemas da reconversão agrícola na orla marítima de Aveiro à Figueira da Foz

Pelo En.º Agr.º Eduardo A. Ramalheira

Este artigo foi baseado quase na íntegra numa palestra dirigida em Junho do ano corrente a lavradores e técnicos num colóquio promovido pela Liga Agrária Católica em Mira.

O tema que nos fora proposto inicialmente «A orla marítima de areias de Cantanhede à Figueira da Foz – Monocultura ou Policultura? Horticultura ou Fruticultura?» foi posteriormente alargado.

O texto descreve sumariamente a sub-região considerada, focando aspectos caracterizadores da actividade agrícola, aflora problemas técnicos suscitados pelas exigências de modernização da Agricultura, nomeadamente o da matéria orgânica, de vital importância para a valorização dos solos de areia e permanência deste sector económico e aborda, por fim, de um modo genérico, aspectos relativos à Horto-Fruticultura numa perspectiva de desenvolvimento.

O valor da produção agrícola da sub-Região é considerável, se bem que de difícil estimativa. Se apenas fixarmos, na zona agrícola da Gafanha, a produção da batata, concluiremos, apesar da incerteza dos números globais, que o seu valor, mesmo em anos de baixa cotação do mercado, se cifra em mais de 30 000 contos!

A Agricultura depara amiúde com a profunda ignorância que os seus problemas encontram noutros sectores sócio-profissionais, geradora de indiferença e até de hostilidade; no entanto, a civilização urbana tem nela um dos seus suportes mais evidentes em homens, capitais e alimentos. Actividade dispersa no espaço por milhares de empresas, a concentração das unidades produtivas tão comum na Indústria esbarra nela com dificuldades intrínsecas e extrínsecas consideráveis. Apesar de tudo, numa visão realista da vida económica que subjaz às aparências enganadoras, poderá continuar-se a minimizar este importante sector de actividade? 


A orla marítima de areias de Aveiro à Figueira da Foz é uma extensa planície que liga a Bacia Hidrográfica do Vouga à do Mondego, participando assim das zonas de influência económica de Aveiro, ao Norte, e Coimbra, ao Sul.

No aspecto geomorfológico apresenta uma grande unidade, sendo constituída na fachada marítima por dunas do Moderno e em imediato contacto, pela parte interior, por uma faixa alongada de areias do Pliocénico.

O clima desta sub-região marca a transição do domínio atlântico ao Norte para o domínio mediterrânico ao Sul; ou se se preferir, de uma zona em que as influências marítimas sobrelevam as mediterrânicas, para outra em que ambas as influências se equilibram (carta fitoclimática de Pina Manique e Albuquerque.

A extensa superfície de dunas não agricultadas tem sobretudo valor de uso florestal (conforme a Carta de Capacidade de Uso do Solo do Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário).

A proximidade do mar e da Ria de Aveiro imprimem uma influência profunda sobre as condições da actividade agrícola desta sub-Região, o primeiro actuando como regulador do clima, a segunda / 12 / principalmente fornecendo o moliço, fonte essencial de matéria orgânica para a manutenção da fertilidade das areias. Definem-se nela fundamentalmente duas zonas agrárias bem caracterizadas no aspecto humano e agrícola, a saber:

 

1.º – a faixa litoral constituída por areias do Moderno que bordeja a Ria de Aveiro nos concelhos de Ílhavo, Vagos e Mira – a Gafanha (com cerca de 4000 ha. ***) e

2.º – a faixa alongada e estreita de terrenos arenosos em imediato contacto com o Rio Boco pela parte leste, com predomínio de areias do Pliocénico, nos concelhos de Vagos e Mira, a Gelfa, zona de transição da Gafanha da qual está separada pela Mata Nacional, para a zona a sul de características semelhantes, que se alarga nos concelhos de Mira, Cantanhede e Figueira da Foz e se estende até às imediações da Serra da Boa Viagem a Gândara (à volta de 20000 ha. ***).

Embora a Gafanha tenha muitas afinidades com a Gândara, dela se diferencia contudo na utilização do solo, nas condições de clima e fertilização com moliço que se vai esbatendo a pouco e pouco na Gândara com o agravamento do custo do seu transporte, a partir dos locais em que é recolhido na laguna.

Como aspectos fundamentais da estrutura agrária deve assinalar-se a proporção dominante de explorações diminutas, parceladas, como resultante directa do «processus» de pulverização, fragmentação e dispersão da propriedade rústica durante várias gerações.

O tipo de empresa de importância esmagadora é a familiar – o trabalho necessário à produção, na totalidade ou em parte, é fornecido pela família, justapondo-se na mesma unidade (a família) a actividade produtiva e a de consumo, pelo menos parcialmente.

Por estas características e pelo equipamento ainda utilizado largamente, têm também um cunho marcadamente artesanal, que tende pouco a pouco a esbater-se. Ressalve-se, neste contexto predominante, a Gafanha, que possui um núcleo de explorações bem dimensionadas com carácter capitalista, em que o empresário, capital e trabalho se encontram diferenciados.

Assinale-se portanto o carácter predominante, pré-capitalista, e a rigidez estrutural da actividade produtiva desta sub-Região a diluir-se progressivamente com o êxodo rural e emigração, sofrendo não obstante em ressaca, as vagas dominadoras do mundo do negócio na compra de alguns factores de produção e na venda de bens produzidos.

Sendo a autonomia a regra nestas pequenas empresas, o preço da decisão independente na compra e na venda, real ou ilusória, é muito grande. Poderá David vencer Golias, nesta nossa era em que a concentração económica dita sempre a palavra, a lei do mais forte?

Pequenez não significa de nenhum modo simplicidade e quem alguma vez se debruçou para dentro destas empresas fica maravilhado com o mundo complexo que nos é descerrado.

O gafanhão e o garandês souberam laboriosamente, com uma tenacidade sem limites, fazer prodígios num solo ingrato, à custa de engenho e do maior bem que a natureza lhes concedeu, uma toalha de água riquíssima que eles utilizam quase gratuitamente em sub-irrigação nas terras húmidas, frescas ou «baixas» ou elevada de pequena profundidade nas terras secas ou «altas». A cultura é contínua e intensiva, por vezes com sucessões anuais de 3 culturas, graças à manutenção do fundo de fertilidade à custa de moliço, de estrume de curral, de tremocilha para siderar e à natureza do solo que permite trabalhos aratórios fáceis e oportunos em plena época de chuva. Só excepcionalmente existe o afolhamento e a rotação de culturas. As rotações, quando ocorrem, são curtas, quase sempre bi-anuais, fazendo alternar em dois anos duas sucessões de culturas.

O milho e o feijão, (e a batata em oásis de cultura) ocupam a maior parte da superfície agrícola útil dedicada à cultura arvense no período primaveril-estival. Em complemento as culturas forraginosas de leguminosas e cereais ocupam a mesma área, não como culturas únicas, bem se vê (como acontece em determinadas regiões de cultura extensiva entrando em «folhas» dos sistemas de produção em que o afolhamento é a regra), mas comprimidas no tempo, só subsistindo praticamente como culturas intercalares ou furtivas outono-invernais.

Esquematicamente 3 tipos de sucessões anuais de culturas ocorrem mais frequentemente nas duas zonas:

Intercalar – sachada – sachada;

Intercalar – sachada;

Cereal – sachada.

 

SUCESSÕES CULTURAIS

GAFANHA

Areias secas

a) não regadas

– tremocilha para siderar – milho e feijão com ferrã

– tremocilha para semente.

b) regadas

– erva (cevada, aveia, centeio) – milho e feijão; – couve repolho – millho e feijão. / 13 /

Areias medianamente húmidas

– batata – couve lombarda (plantada) ou feijão;

– cevada para grão – batata ou feijão ou abóbora porqueira;

– ervilha para vagem – batata.

Areias húmidas

– erva (cevada, aveia, trevo encarnado) por vezes nabo – batata – chicória para café (plantada) ou couve lombarda (plantada).

GELFA E GÂNDARA

Areias secas ou medianamente húmidas (sem rega)

– erva (ferrã de cereais e tremocilha) – milho e feijão

 

– tremocilha

– aveia

– centeio

trigo

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    para grão  
     
   


Areias medianamente húmidas ou regadas

– erva (centeio, cevada, aveia, trevo encarnado e serradela e por vezes nabo ou
                                                                              tremocilha) – milho verdeal e feijão;

– erva (ferrã de cereais) – batata – milho verdeal e feijão;

– cevada para grão – milho verdeal e feijão.

Nota: – Por vezes ao milho associa-se a cultura de abóbora porqueira; na bordadura dos campos planta-se por vezes couve galega e beterraba forraginosa.

Areias húmidas (em oásis de cultura)

– ferrã de cereais e ou serradela – feijão com milho – batata;

– batata – feijão – batata;

– cevada para grão – feijão ou batata.

Os sistemas de produção na Gafanha são mais variados que na Gândara e têm uma feição comercial mais evidente, mobilizando os agricultores em áreas reduzidas avultados capitais; assentam fundamentalmente na batata e subsidiariamente noutras culturas de rendimento (ervilha para vagem, chicória para café e couve lombarda) e no milho e feijão.

Na Gândara o sistema de produção baseia-se praticamente na monocultura do milho (a que se associa o feijão e a abóbora), monocultura mitigada no entanto pelas culturas outono-invernais para forragem. Apenas a interessante cultura do linho para fibra quebra de onde a onde esta uniformidade.

Dominadas as nortadas frescas com sebes ou corta-ventos de manchas de pinhal, a água com valas de enxugo bem localizadas e o espaço (pelo menos potencialmente para o futuro) nesta vasta planura onde a introdução da máquina é muito fácil, conseguirá o agricultor gandarês igual domínio no controle de húmus das areias, base necessária da fertilidade e de agricultura permanente?

 

Gafanha à parte, com a sua produção hortícola de carácter comercial, caso «sui-generis» de profunda originalidade no país, a agricultura gandaresa entronca, apesar das suas características peculiares, no tipo de Agricultura do Noroeste. Nesta parte do País o milho detém há séculos o primado como cultura chave dos sistemas de produção, sendo de longe a cultura herbácea social e economicamente mais importante. Pela regularidade das produções, maior capacidade produtiva relativamente aos outros cereais, fácil conservação, pelas suas múltiplas utilizações (alimentação humana e pecuária, bovina e porcina) e a possibilidade de se lhe associarem outras culturas (o feijão e abóbora) foi o alicerce em que mergulhou suas raízes uma densa população acantonada no Noroeste, que exigia para sobreviver a máxima intensificação cultural com base no trabalho humano.

Quebrado este equilíbrio tradicional pelo progresso técnico e económico, evolução dos géneros de vida, êxodo rural e emigração, tudo parece indicar que passará ainda a caber ao milho um papel dominante na profunda reconversão cultural que vai nutrir as novas necessidades de consumo.

Neste novo contexto as variedades de milho híbrido para alimentação de gado substituirão as tradicionais menos produtivas e paralelamente o armentio bovino para leite e carne irá render o gado bovino, motor de trabalho.

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Campo de serradela associado a aveia (Mira)
Respigador de descarga lateral voltando e encordoando a erva previamente cortada com ceifeira-gadanheira.

 

O porco suportará idêntica revolução: desbordará os «chiqueiros» e dos limites das explorações tradicionais para entrar em sistemas de criação bem dimensionados, alimentado pelas empresas originárias renovadas, ou mais radicalmente passará para pocilgas industriais, apenas vinculadas ao fluxo de rações do mercado.

Nos últimos 15 anos, o efectivo bovino de gado marinhão e mirandez de trabalho tem declinado rapidamente na Gafanha e na Gândara, sendo substituído por vacas turinas. A vaca de leite permite um aumento de receita notável, em «crias» e leite, distribuída ao longo do ano, o que confere à sua exploração um enorme valor social em empresas pequenas de débil economia. Vem realizando também parte do trabalho de tracção outrora dependente do bovino mirandez. Assim se explica a generalização fulminante / 14 / da vaca turina na Gândara, de Vagos à Figueira, como símbolo de uma Agricultura mal estruturada. Não basta já que o bovino forneça o trabalho, a carne, o estrume... Exige-se-lhe uma quarta virtude, a da produção leiteira!

Paralelamente a este fenómeno de um extremo dinamismo, os milhos tradicionais pouco produtivos mas também pouco exigentes continuam incrustados na Agricultura Gandaresa.

Haverá lugar para o cultivo generalizado dos milhos híbridos?

A cultura de milhos híbridos para pecuária nestas condições de meio apresenta evidentes limitações:

a) exigem avultadas reposições anuais de matéria orgânica que atenuem as más condições ecológicas das areias para a sua cultura, o que cria um artificialismo muito caro para a finalidade que se visa; por outras palavras – o uso da matéria orgânica, factor limitante e raro da cultura em areias, deve ser o mais económico possível, reservando-se de preferência para culturas de rendimento.
 

b) demandam sementeiras em linhas abertas, e sachas e mobilizações na quadra mais quente do ano, o que em solos muito permeáveis de areia conduz inevitavelmente à delapidação rápida da matéria orgânica do solo pelo arejamento muito intenso.

Deste modo, segundo nos parece, a cultura de milhos híbridos exigentes deverá ser reduzida ao limite do indispensável.

Se a reconversão da cultura tradicional do milho oferece evidente dificuldade em solos de areia, a posição do agricultor gandarês na produção forraginosa de sementeira outonal é muito mais sólida com as ferrãs dos cereais, o nabo, o trevo encarnado e uma leguminosa preciosa, a serradela, muito rústica com aptidão notável nestes solos, de excelente qualidade, que permite prolongar a produção de matéria verde até fins de Maio e princípios de Junho. Alguns retoques são possíveis, como, por exemplo, com a introdução de trevo da Pérsia em determinadas situações.

Interessa particularmente em areias pobres que a cultura de forragens assegure, se possível, a manutenção  / 15 / do tear de matéria orgânica do solo ou favoreça o seu enriquecimento em húmus – base da sua fertilidade.

Uma solução promissora nesta perspectiva está na instalação de prados temporários com duração à volta de 3, 4 anos com base na associação de uma leguminosa com uma gramínea e mesmo na de prados multi-anuais.

A introdução de prados temporários em rotação com ervagens de leguminosas e gramíneas anuais e culturas de rendimento permitiria estabelecer um sistema de policultura equilibrada que assegurasse um nível de fertilidade necessária à cultura permanente.

Com a exploração destes prados poderia resultar:

– a diminuição de consumo de estrume numa área determinada da exploração e o seu consequente desvio para as parcelas de cultura intensiva;

– o enriquecimento do teor de matéria orgânica do solo com os resíduos e raizame deixados pelas leguminosas e gramíneas;

– a regularização da produção de forragem ao longo do ano (na Gândara o período mais crítico da produção de matéria verde costuma ser no fim do Verão, princípio de Outono);

– o abaixamento do custo da produção pecuária;

– o aproveitamento de terras de arrozal dispersas nesta zona de rentabilidade marginal.

A tremocilha para siderar, uma descoberta de sécuIos valorizadora dos solos de areia, adaptada sabiamente pelo agricultar gafanhão e gandarês, deverá merecer renovado interesse no futuro.

A apanha de moliço na Ria de Aveiro é uma actividade profissional em declínio o que pode ser comprovado pela diminuição de barcos moliceiros inscritos nesta faina de ano para ano. Mais do que a Gafanha são os clientes longínquos da Gândara e de outras zonas limítrofes que animavam, ainda não há muitos anos, singularmente, o comércio do moliço, que parecem ser afectados.

Será a colheita tradicional do moliço na Ria, penosamente feito a braço e à mercê da ocorrência de vento favorável, susceptível de uma reconversão?

Um processo de recolha do precioso produto orgânico, baseado em energia motriz, salvaguardará esta riqueza, remetendo muita embora para museus etnográficos, irremediável e tristemente, os belos moliceiros, como espécimes arqueológicos?

O estrume de curral continuará a ter um papel saliente como base da fertilidade dos solos do Noroeste e das areias da Gândara. Perderá contudo o seu carácter de quase exclusividade?

O estrume foi até há pouco considerado como subproduto obrigatório da exploração pecuária.

Parece não ser este mais o caso. Esta concepção deixou de ser aceite unanimamente – assim há estábulos modernos sem camas nos quais os dejectos dos animais são removidos por via hidráulica para fossas anexas em virtude da mata e palha não serem abundantes, reservando-se o chorume das fossas para rega dos campos em cultura ou para rega de pilhas de mata ou palha, etc., que, após «curtimento», são utilizados na fertilização dos solos. Por outro lado, um sucedâneo do estrume, o estrume artificial, pode ser fabricado a partir do mato, palhas e outros resíduos orgânicos, em completa independência da exploração pecuária.

Como sub-produto o estrume subsistiu durante séculos e jamais alguém se interrogou sobre o seu custo em pequenas empresas familiares de trabalha não remunerado. Num contexto de empresas modernas capitalistas a determinação do seu custo impor-se-á – será por certo muito variável de exploração para exploração na sua complexa teia de operações que incluem a roça e transporte do mato, a sua manipulação no assento de lavoura e a sua incorporação no solo. O seu custo, sendo muito variável, é elevado por vezes, e com despesas praticamente incompreensíveis; noutras o seu custo é susceptível de ser reduzido.

O problema da matéria orgânica é nevrálgico e limitante em cultura de areias e o seu estudo aprofundado impõe-se nesta época de mudanças.

Só a investigação e experimentação agronómica conduzida em base realista poderá determinar a influência relativa sobre a fertilidade e o custo de diversos meios disponíveis de actuação sobre o tear de matéria orgânica do solo:

– prados temporários;

– culturas de sideração;

– ervagens intercalares e resíduos de culturas;

– estrume de curral;

– moliço;

– outros produtos orgânicos.

A presença do gado turino nesta vasta sub-Região deveria ser motivo de reflexão para todo o lavrador gafanhão e gandarês consciente.

Em relação à bovinicultura e às duas opções fundamentais – produção de leite, produção de carne – escreveu Mario Scapaccino, Director da Produção Agrícola, sobre o seu país, a Itália, mas que flagrantemente reflecte os nossos próprios problemas:

«Quando se fala da criação de bovinos, o primeiro dilema que se apresenta é o da escolha entre a exploração bovina e a de vacas leiteiras. Em geral, nas zonas de Itália do Norte (podíamos dizer nós, no Noroeste / 16 / Português), onde o clima é fresco e as produções forraginosas naturalmente abundam, desde há séculos que a produção leiteira predominou sempre.»

E continua o mesmo autor:

«A escolha, dizia eu, estava em relação com o clima, com as condições do meio e com a qualidade das forragens disponíveis. Hoje as coisas tendem a mudar e em toda a parte, apesar das advertências contínuas dos técnicos e as indicações inequívocas dos mercados, nota-se uma orientação sempre mais decidida para a produção leiteira. Nós conhecemos todas as condições dos mercados internacionais em face dos dois produtos e todos nós sabemos que na Europa, pelo menos, salvo algumas oscilações estacionais da oferta, há uma diferença negativa, constante, entre as disponibilidades e a procura de carne, diferença que aumenta de par com a melhoria do nível de vida das populações; o consumo de carne vem aumentando entre os povos mediterrânicos e mesmo que se não possa nunca pensar em atingir os níveis de consumo dos povos do norte por motivos evidentes de condições climáticas, há ainda um longo caminho a percorrer antes de se satisfazerem, pelo menos, as exigências mínimas da ração quotidiana em proteínas animais. Pelo contrário as disponibilidades de leite, de gorduras e de outros lacticínios excedem as necessidades e, se mesmo para estes últimos, sobretudo para o leite e queijos, se pode prever um aumento futuro para os povos do Mediterrâneo do consumo total e "per capita», este consumo, por mais considerável, não chegará nunca a absorver os excedentes sempre em aumento.

Em todo o caso será necessário sempre resolver o problema dos excedentes de manteiga, resultante da concorrência formidável dos sucedâneos (margarinas).

«Conhecem-se os embaraços das organizações agrícolas dos países europeus por causa dos excedentes de manteiga, leite em pó e queijo.»

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Campo de serradela associado a aveia (Mira)
Enfardadeira de baixa pressão enfardando feno..


A generalização recente da vaca turina no Sul do País, nomeadamente no Alentejo, é um facto de grande alcance. Se parece fora de dúvida oferecer ao Noroeste melhores condições de meio para a exploração de bovinos de leite e como é certo ser um dos seus distritos, o de Aveiro, que detém a primazia económica na indústria de lacticínios no Continente, então estes factos deveriam provocar uma tomada de consciência na Lavoura do Noroeste, em que se integra a Gândara, para, perante os poderes públicos, se discutirem as opções fundamentais neste sector, a fim de serem objecto de regionalização adequada.

A bovinicultura é um sector económico importante, na Agricultura da Gafanha e Gândara e sê-lo-á porventura no futuro, constituindo uma actividade imposta antes de mais pela própria estrutura da produção agrícola nas explorações, para valorização e aproveitamento: 

de ervagens outono-invernais de difícil substituição neste período, que como culturas de cobertura são muito eficazes na protecção do solo de areia sem as quais ficaria sujeito a intensa lavagem no período de chuvas intensas;

de prados temporários, alicerce da fertilidade dos solos;

de sub-produtos da exploração (no caso da Gafanha, batata porqueira, chicória e couves).

 

Em resumo, pode assinalar-se, em síntese:

NO PRESENTE

NA GAFANHA

Policultura intensiva com base em culturas hortícolas e de rendimento e secundariamente no milho, associada a ervagens forraginosas de outono e à tremocilha (recursos de matéria orgânica – moliço e estrume); pequenos retalhos de searas.

Poliprodução

– culturas de rendimento:

hortícolas (batata e outras)

            industriais (chicória para café)

– carne (bovinos e porcos) e leite (bovinos).

NA GÂNDARA

Quase-monocultura do milho, mitigada pelas ervagens forraginosas outonais, com produção mais variada que na Gafanha, e na tremocilha; pequenos retalhos de searas (recursos de matéria orgânica – estrume, por vezes, moliço).

Milho, feijão, leite, carne (raramente linho).
 

NO FUTURO

EM AMBAS AS ZONAS:

Policultura intensiva de culturas hortícolas e outras (nomeadamente industriais) associadas a ervagens forraginosas de outono, à tremocilha e a prados temporários e secundariamente o milho.

Produção especializada

– culturas hortícolas e outras;

– bovinicultura, etc.

/ 17 / A expansão do consumo de produtos hortícolas e de frutas, bem como de carne, vai-se acentuando em detrimento de produtos alimentares muito importantes na dieta tradicional – pão, legumes secos e outros produtos de massa, à medida que o poder de compra da população aumenta (esta lei económica tem sido verificada nos países ricos do Norte da Europa e nos da América do Norte).

Deste modo os produtos horto-frutícolas devem ser encarados numa reconversão cultural de acordo com as potencialidades naturais quer para satisfazer necessidades do mercado interno quer com vista à exportação.

Os solos arenosos desta sub-região (com a possível excepção dos citrinos) não são favoráveis à produção frutícola.

Escreveu o grande mestre, Prof. Vieira Natividade:

«A fruticultura só pode ser lucrativa desde que se cultivem as árvores nas condições de ambiente que lhes são mais propícias. Logo que o ambiente não é por completo favorável ao desenvolvimento do arvoredo, há declínio de vigor, menor resistência às pragas, menor produtividade, menor crescimento, menor longevidade. As colheitas mais fracas e menos valiosas requerem mais dispendioso cultivo, daí a impossibilidade dos produtos concorrerem vantajosamente com as que provêm de regiões mais favorecidas.»

A tradição da cultura da laranjeira e a existência de pomares ou de núcleos de laranjeiras junto dos assentos de lavoura constitui uma produção digna de apreço económico e uma fonte de receitas para o agricultor gandarês.

Com efeito desde que não falte a água e a fertilização seja adequada e o clima permita, os solos arenosos prestam-se perfeitamente à cultura dos citrinos que são muito favorecidos pelo intenso arejamento do seu sistema radicular.

Como podemos considerar o clima da Gândara para a cultura de laranjeiras?

Um especialista português em citricultura estabeleceu há anos (1964, Eng.º Parreira da Gama) uma carta de aptidão climática da laranjeira, dividindo o Continente em regiões classificadas provisoriamente (na aspecto cultural) como muito boas, boas, regulares, sofríveis e más. A zona da Gândara foi classificada apenas como sofrível. / 18 /

O mesmo autor considerava, contudo, honestamente, numa análise ao seu próprio trabalho e em palavras textuais que aqui transcrevemos:

«Assim nasceram estas cartas de aptidão macroclimática em que tudo é discutível desde o rigor dos dados da partida, até ao método de trabalho e aos critérios de classificação.»

Com estas dúvidas tão claramente expressas importa esclarecer em profundidade este problema de tão grande interesse para esta sub-Região.

As espécies hortícolas com carácter comercial têm presentemente importância na Gafanha. A cultura recai em espécies de maior poder de conservação (a batata, a couve lombarda) ou perecíveis (a ervilha) em que há a alternativa de venda em vagem ou em grão seco, o que se por um lado dá melhor defesa ao agricultar na sua comercialização, explica, pela sua limitação, as dificuldades em que este comércio se processa. O seu carácter especulativo sem estruturas de conservação (apenas existem armazéns de batata) caracteriza um circuito comercial de tipo tradicional e arcaico pois não permite quaisquer progressos na diversificação cultural ao produtor isolado nem qualquer melhoria de abastecimento ao consumidor, inserindo-se entre ambos o negociante, que salvo raras excepções infelizmente é muitas vezes apenas um especialista na especulação e outras mero transportador de ofício.

A diversificação e generalização de uma horticultura comercial eficiente e moderna depara, a curto prazo, com as limitações em que se exerce a actividade agrícola, particularmente no que diz respeito à Gândara, em que a proporção de pequenas unidades de produção é esmagadora. Dentro do tipo de exploração minifundiária os progressos imediatos para a modernização da Agricultura e introdução de culturas hortícolas são difíceis e as opções culturais não podem ser muito flexíveis.

Micro-proprietários gerem estas pequenas unidades de produção, como repúblicas independentes, mau grado o sopro de progresso que vai arruinando esta concepção, aumentando a solidariedade económica entre os agricultares e criando o ambiente favorável à renovação das estruturas de produção e comercialização.

A escolha de culturas hortícolas a introduzir para a valorização deste importante e promissor sector da actividade agrícola deveria considerar simultaneamente:

1.º – A sua maior ou menor aptidão para os solos arenosos;

2.º – as que com crescente interesse no mercado interno possam também vir a interessar à exportação pela sua qualidade e preço;

3.º – aquelas que ofereçam boas perspectivas em cultura de primor na zona favorecida neste aspecto, a Gafanha, aferindo-se a precocidade pelos padrões dos grandes mercados importadores (a batata semi-temporã em Abril e Maio e o espargo, de meados de Fevereiro/ Março, etc.);

4.º – as que ofereçam interesse para a produção de estação, quer na Gafanha, quer na Gândara (o espargo, a cenoura, o feijão verde, a ervilha para fresco, e ainda a salsa, a cebolinha, etc.).

Para dinamizar todo este sector será contudo necessário criar as estruturas agora inexistentes que modernizem o circuito comercial, promovam uma política de qualidade, permitam levar ao consumidor nas melhores condições de apresentação, valor nutritivo e preço os produtos hortícolas, incluindo os perecíveis.

O estabelecimento de um centro de recepção, transformação e comercialização necessita, antes de mais, de homens bem preparados com capacidade para esta transcendente tarefa, no plano comercial, no plano da produção agrícola e da transformação tecnológica.

O progresso nas técnicas de produção e de transformação tecnológica é hoje muito rápido e no sector comercial, à ampla informação das características dos mercados, requere-se um espírito realista e exacto, impregnado de bom senso e perseverança e sentido do progresso que possa vencer as barreiras da competição acesa nos mercados externos e conquiste a confiança dos compradores estrangeiros.

Daí que a associação da Lavoura com industrial competente e com provas dadas pudesse ser talvez uma fórmula desejável.

O segundo ponto seria a instalação das estruturas materiais necessárias em fases sucessivas de acordo com um plano de prioridades enraizado bem fundo nas perspectivas comerciais e na experiência ganha progressivamente.

O centro comportaria um ou vários dos seguintes elementos, de acordo com os estudos e opções de produção tomadas:

– equipamento de transformação permitindo realizar, segundo a qualidade dos produtos e as condições dos mercados uma ou as duas operações seguintes:

– conservação «por appertização», ou seja, conserva por esterilização em latas;

– desidratação;

– estrutura para escolha, calibragem e acondicionamento susceptível de garantir, segundo as exigências / 19 / internacionais, a normalização, a selecção e embalagem de produtos frescos destinados à exportação;

– equipamento frigorífico apto a assegurar a pré-refrigeração, a «stockagem», a congelação ultra-rápida (quick-freezing) em ligação com uma cadeia de frio.

É notória a crise que avassala a Agricultura desta Sub-Região, paralela à que afecta todo o Noroeste. A deterioração do nível de vida dos agricultores em relação às outras classes bem a evidencia.

A relativa rigidez das suas unidades de produção de dimensões liliputianas num contexto sócio-económico, em que a propriedade e a exploração estão demasiado identificadas, não tem facilitado a mobilização do factor terra em novos arranjos de produção mais conformes com as exigências de modernização da Agricultura.

Existem actualmente os diplomas legais pelos quais o Estado concede empréstimos, subsídios e comparticipações, por meio de fundos administrados pela Junta de Colonização Interna, que permitem corrigir e renovar as estruturas de produção e comercialização (Decretos-Lei sobre Emparcelamento, Agricultura de Grupo, Fundo de Melhoramentos Agrícolas, Fundo de Fomento de Cooperação, Fundo Especial de Reestruturação Fundiária).

Virá o suporte financeiro do Estado, agora dotado de tão poderosos meios, na hora justa das aspirações da Grei Rural, mal definidas ontem e por isso frustradas, hoje alicerçadas no conhecimento lúcido, na consciência exacta do que importa renovar e construir urgentemente?

Encontrará porventura uma massa de agricultores receptivos aptos a vencer o desgaste das situações sem mudança e a derrubar o isolamento no tempo e no espaço que sustenta um acabrunhante e ultrapassado individualismo?

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(***) – Números que representam apenas ordens de grandeza aproximadas.

 

páginas 11 a 19

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