1. – CABANÕES E OVAR
Primeiro chamou-se paróquia de
Cabanões e mais tarde de Ovar. Quando apareceria o segundo topónimo
a ofuscar o primeiro? Apontam-se algumas datas:
1539 – «igreja de Cabanões» e
«igreja de S. Cristóvão de Cabanões»
(1).
1550 – em 2 de Julho, o Cónego
António Leite tomou posse, em nome do Cabido da Sé do Porto, da ilha
do Corvo, como pertença da sua «Igreja de Sam Xpristouão
douar» ou «Igreja douar», expressões estas repetidas uma vez.
Não se fala na Igreja de Cabanões
(2).
1588 – Começou uma demanda entre o
Cabido da Sé do Porto e o «Reitor da Parrochial de Sam Xpristouão
de Cabanões», por causa da «porção» que lhe era devida. Aparecem
dois recibos de pagamento, em que este se declara «Vigario
de Sam Xpristouão de ouar»(3).
1597 – em 25 de Agosto, fizeram uma
fiança os P.P. António Rodrigues e Valentim Dias, por causa dumas
Bulas. Menciona-se «são cristovão dovar» três vezes, «são cristovão
de cabanois da villa dovar» uma e «são cristovão de cabanois morador
na dita villa dovar» também uma
(4).
1630 – na demarcação entre Ovar e
Arada, fala-se duas vezes na «freguesia de Ovar»
(5). Em
outro documento, na sentença do Cabido contra Pero da Silva sobre o
casal de Cabanões, aparece «Vila do Var», «Igreja de São Christovão
de Cabanoens», «Igreja d'Ovar» ou «Igreja do var»
(6).
Não obstante Ovar ter sido elevada a
Vila, e não Cabanões, mesmo assim, ainda se diz, indiferentemente,
em 1630, Igreja de São Cristovão de Ovar e Igreja de São Cristovão
de Cabanões.
2. – IGREJA
Em 7 de Agosto de 1762, nas notas do
tabelião Luís José Coelho de Almeida, do Porto, foi feita uma
escritura de contrato entre o Cabido e os moradores de Ovar, para a
reedificação da Capela-Mor e sacristia da Igreja.
O Cabido fez-se representar pelo seu
Procurador, P.e Manuel da Costa Moreira, e o Juiz e Eleitos da
Igreja (Licenciado Francisco Ferraz da Cruz, Juiz, P.e José
Rodrigues da Graça, Escrivão, Manuel da Costa Mendes, Procurador, e
mais sete Eleitos) fizeram seus Procuradores o P.e Dr. António José
Pereira Pinto, de Ovar, e Francisco Luís de Oliveira.
A Capela-Mor, então existente, media
de comprido, do nascente a poente, 34 palmos e, de largo, do norte a
sul, 43. E a sacristia, de comprido, tinha, de nascente a poente, 34
palmos e, de largo, de norte a sul, 21 e, de altura, 15. Todavia a
Capela-Mor, «por se achar arruinada, e incapaz», precisava ser
reedificada e aumentada em comprimento. O Cabido combinou dar
400$000 reis e os Mesários fariam a obra
(7).
Por uma comunicação de 17 de Março
do ano seguinte, dirigida ao Cabido, verifica-se que reinava o
entusiasmo, pois se achava «a nossa obra da Capella mor, e
Sanchristia mais de mera feita», pedia-se para a mandar examinar,
«com toda a brevidade, porque a queremos concluída», para poder vir
«o resto do nosso ajuste»
(8).
Verificou-se mais tarde ter havido
erro de medição, pelo que, em 15 de Fevereiro de 1765, no mesmo
tabelião, foi feita uma escritura de declaração, segundo a qual a
Capela-Mor antiga media, de comprido, não 34 palmos, mas 45 e um
quarto, e tinha sido acrescentada em mais 30 e um quarto, ficando,
pois, com 75,5 palmos
(9).
3. – PORÇÃO
A contribuição que o Cabido dava ao
Vigário para a sua côngrua sustentação não era demasiada. E assim o
Fr. Marcos de Lisboa, Bispo do Porto, ao visitar canonicamente Ovar,
ordenou se acrescentasse mais um carro de pão de segunda e 5$000
reis à dita contribuição ou
/ 25 /
porção. A causa foi a tribunal, sendo condenado o Cabido, no Juízo
eclesiástico do Porto, em pagar os 5$000 reis, e não o carro de pão,
pois já estava o Vigário a receber, de porção, antes da Visitação,
30 alqueires de trigo e 15 de pão de segunda. Sentindo-se em sua
razão, o Cabido apelou para Braga, sendo confirmada a sentença dos
5$000 reis e pagaria mais o carro de pão da Visitação, desde o tempo
em que era Vigário da dita igreja o réu. Pretendeu ainda o Cabido
recorrer para a Santa Sé, mas como a demanda era duvidosa, preferiu
compor-se com a outra parte. O contrato foi elaborado em 16 de
Setembro de 1588, entre os seus Procuradores, o Dr. Manuel de Faria,
do Desembargo Real e Arcediago do Porto, o Licenciado Melchior
Caldeira, Cónego prebendado da Sé, e o «Senhor Antonio Rodriguez»,
Vigário ou Reitor de Cabanões. Pagaria os 5$000 reis; quanto ao
carro de pão, dá-lo-ia, enquanto este Vigário estivesse à frente da
igreja, mas a partir do ano seguinte de 1589
(10).
Novo contrato de composição foi
feito em 13 de Outubro de 1591, entre as duas partes, sendo agora
representado o Cabido pelos Cónegos prebendados e Licenciados Miguel
de Figueiroa, Vigário Geral, e Melchior Caldeira, Provisor do
Bispado. Quanto ao Vigário António Rodrigues, «hauia duuidas e
letigio sobre a sua porsão que tinha nos pasais da dita igreja de
que estaua de posse de receber em cada hum anno trinta alqueires de
triguo, pela rrasa uelha e outrosi cinquo alqueires de centeio e
cinquo de ceuada, tudo pela rrasa uelha, e alendisso, quatro
galinhas». Por si e seus sucessores, desiste do direito de acção
que podia ter nos passais, deixa de receber, como o faziam os seus
antecessores, a porção da mão dos caseiros e será o Rendeiro a
pagar-lhe «os dittos trita alqueires de triguo e cinquo de
centeio e cinquo de milho e cinquo de ceuada, pela medida atras
ditta e quoatro gualinhas
(11).
Os passais andavam emprazados e
pagavam, de foro e pensão, 58 alqueires e uma quarta de trigo, 16 de
pão meado, 2,5 de cevada, 24 galinhas e $400 reis, além dos direitos
de lutuosa e laudémio
(12).
4. – USOS E COSTUMES EM 1780
«De couheçença da Quaresma he
pagar os moradores da Ruela, Villa, Ribeira, Ponte Nova, Ponte Reada
cada fogo sendo cazado 100 Reis; veuvos 50 Reis, Solteiros 25 Reis.
E os moradores da Lagoa, Colhal, Assoens, Granja, S. João,
Barreiros, Cabanoens, Salgueiral, Simo de Villa, Sande, S. Duado,
Guilhovai, Sobral, hum alqueire de milho groço, ou meio de trigo
sendo cazado; veuvos meio alqueire de milho, ou huma 4.ª de trigo;
Solteiros uma 4.ª de milho, ou meia de trigo.
He tambem uzo pagar /digo/ dar de
folar 20 Reis em dinheiro, e por liberalidade o que quizerem. Também
tem o Parocho de cada cabeçeira, que morre sendo cazado e primeira
cabeça 8 alqueires de trigo, Segunda 4 alqueires, o que se recebe em
espeçia, ou dinheiro, Solteiros nada enquanto a este uzo.
Tem mais as ofertas de todos os
acompanhamentos de pessoas de maior 200 Reis em dinheiro e huma
vella de sera branca de quarta, ou 100 Reis, e tem a mesma oferta em
cada hum dos tres offiçios sendo pessoa de maior legitimada. Sendo
filho familias maior de 14 annos hum officio prezente, e hum noturno
de 4 Padres, e se ementa por tempo de seis mezes, 500 Reis, e
pessoas de maior hum anno 1000, e no domingo seguinte tem de oferta
50 Reis.
Se o acompanhamento do defunto he
alto continuado com offiçio prezente tem o Parocho de ofertas em
dinheiro 200 Reis, e huma bella de 4.ª de Sera porem sendo actos
separados tem a mesma oferta dobrada.
Nos acompanhamentos tem cada
clerigo 50 Reis e 200 Reis por cada, officio, excepto nas Irmandades
que se pagam as offertas do Parocho comforme os estatutos que tem.
Nas festas que se fazem he uzo
darem ao Parocho duas gualinhas na vespora, 300 (?) Reis em dinheiro
da Missa cantada.
Nos baptizados tem 100 Reis ou
huma bella de 4.ª, oferta do padrinho e de prata, ou mais ou menos.
Nos reçebimentos, na vespora
costumão dar em satisfação dos banhos, ou uma couza ou outra
comforme o arbitrio, ou galinha, ou peixe, ou dinheiro, e no tempo
do reçebimento uma oferta de prata. Estes ção os uzos que achei no
libro de uzos, e costumes desta freguesia a que me reporto. hoje 20
do mes de outubro de 1780.
O Encomendado Jacinto de Oliveira
Fontes
Declaro tem fogos........... 2698
Pessoas maiores............ 7031
Menores...........................0837
O que consta do Rol desta
freguesia do prezente anno a que me reporto. era ut supra.
O Encomendado Jacinto de Oliveira
Fontes (13)».
5. – ALGUNS DOS SEUS PÁROCOS
1 500 – o Cabido apresentou, para
ser colado, Fernando Vazo
Março de 1512 – foi colado João
Pinto, por se ter demitido António Machado.
Maio de 1514 – foi apresentado João
Pais, Cónego de Cedofeita, por se ter demitido Manuel de Sá.
Maio de 1573 – foi apresentado
António Fernandes Louro, por morte de Francisco Rodrigues.
21 de Maio de 1586 – era Vigário
António Rodrigues. Ainda cá estava em Outubro de 1 591.
/ 26 /
16 de Janeiro de 1624 – tinha
falecido em Janeiro deste ano Valentim Dias, sendo, naquela data,
apresentado o Bacharel Pantaleão Dias Salvado, beneficiado da Sé,
filho de Gonçalo Dias e Maria Salvada. Tendo, depois, renunciado,
sucedeu-lhe André Vaz de Pinho.
Janeiro de 1650 – por morte do dito
André Vaz de Pinho, foi apresentado Gaspar Ferraz, que depois
renunciou, em favor de seu irmão Domingos Ferraz.
1667 – foi apresentado Francisco
Barbosa Coelho, por ter falecido Domingos Ferraz
(14).
1781 – tendo morrido o Vigário João
de São Bernardino Leite, da Póvoa do Varzim, foi o benefício a
concurso público. Pretenderam-no António Barreto, depois abade de
Vermoim, o Dr. Caseta, Reitor de Paramos (sic), Francisco José de
Campos Pirralho, Reitor de Fânzeres, João Sequeira Monterroso e
Melo, clérigo minorista, António Martins Sampaio e o Reitor de
Azurara (irmão do Cónego Joaquim Pereira Caxeta).
Foi apresentado pelo Cabido e
provido na igreja de Ovar, não por concurso, mas por eleição, João
Sequeira Monterroso e Melo, de Oliveira de Azeméis, licenciado em
Cânones, pela Universidade de Coimbra, e irmão do Cónego Bento
Sequeira.
Esperava-se fosse, antes,
apresentado o Reitor de Fânzeres. A pedido deste, em Julho do dito
ano de 1781, foi lido à Missa conventual, em três dias festivos, um
aviso nas igrejas de Santo Ildefonso, Vitória, S. Nicolau e
Miragaia, em como João Sequeira tinha sido provido por suborno e
simonia, e daí instaurar-lhe um processo de nulidade. Nos autos,
também aparecem testemunhas a dizer que o dito Reitor de Fânzeres,
ao pretender Ovar, usara, igualmente, de suborno e simonia
(15).
Monterroso e Melo conseguiu da Santa
Sé Bula de confirmação para a igreja de Ovar. Outro tanto tinha
alcançado Campos Pirralho. De ambas, foi nomeado Juiz executor
delegado o Arcebispo de Braga, que, por sua vez, cometeu os seus
poderes ao Provisor do Arcebispado. Monterroso e Melo requereu-lhe,
então, em Janeiro de 1782, não se entregasse a igreja em disputa a
Campos Pirralho, sem, primeiro, o contendor mostrar a legitimidade
do seu título em Tribunal. O Provisor citou o Sacristão e, sob pena
de excomunhão, suspensão e prisão, o Encomendado da dita Igreja,
para a não entregar, nem dar posse, sem ordem sua, a Campos
Pirralho. A Mitra do Porto entendeu que estas duas citações
judiciais, em território seu, sem ter, antes, o Delegado da Santa Sé
apresentado a Bula com o respectivo Beneplácito Régio, era
intromissão, «força e violencia» e, por isso, recorreu em 4 de
Fevereiro seguinte ao Tribunal da Coroa contra o referido Provisor
de Braga. A sentença foi proferida, a favor do Porto, em 4 de Junho
(16).
1829 – em Julho, foi o Abade Joaquim
de Sequeira Monterroso e Melo processado pelo Desembargador Promotor
Fiscal da Justiça Eclesiástica, Dr. José Francisco Valente. Era
acusado de não cumprir a legislação eclesiástica sobre casamentos,
de insultar, da cadeira paroquial, os seus freguezes, de negligência
em atender moribundos.
No fundo, parece tratar-se de
desinteligência e inimizade entre o Abade e os denunciantes, P.P.
Manuel de Almeida Pinto e António Lopes Vinga, seus freguezes. O
Tribunal mandou em 2 de Dezembro seguinte «se imponha silencio nos
autos», o Abade pague as custas e ambas as partes vão reconciliar-se
perante o Vigário de Vara e Abade de Avanca, P.e Francisco de Paula
de Sá Farinha (17).
6. – CONSOADA
Pertencendo os dízimos ao Cabido,
tinha este, entre outras obrigações, de dar aos fregueses de Ovar a
Consoada, na noite de Natal, constante de dois alqueires de trigo,
dois de castanha, um de tremoços e dois almudes de vinho, paga pelo
seu Rendeiro.
Havia este costume «hen todas as
igrejas da Terra da Feira ahomde quen lIeuaua os dizimos, daua as
ditas consoadas».
Acontecia que a população ia
aumentando e os dízimos, pelo que entendiam os fregueses também a
consoada devia crescer. Na verdade, diziam, estava acomodada à
freguesia, quando tinha, apenas, 120 fogos, mas agora, já há anos,
contava mais de 400, com 1000 pessoas de comunhão e 300 de
Confissão. Além disso, sendo Visitador o licenciado João Alves
Moutinho, abade de S. Jorge, no ano de 1599, mandou passasse a
consoada a ser de seis alqueires de trigo, quatro de castanhas, três
de tremoços e seis almudes de vinho. E, no ano imediato, sendo
Visitador o próprio Bispo, D. Jerónimo de Meneses, ordenou se
guardasse o estabelecido na visitação anterior.
Em face de tal, os fregueses de Ovar
processaram o Cabido, pedindo fosse condenado em lhes dar a Consoada
taxada nas visitações. Respondeu este que, sendo imemorial
determinada consoada, não podia o Visitador aumentá-Ia, sem
consentimento daquele. A causa foi julgada pelo Vigário Geral, o
licenciado Francisco Vaz, em 20 de Dezembro de 1601, sendo absolvido
o Cabido (18).
7. – MULTA E QUARTILHO DE AZEITE
Por costume antiquíssimo e de
consentimento do povo, pagava-se, em 1759, 120 reis de cada casal
(ou 60 de meio casal), a que se chamava finta ou multa.
Com esta verba, reparavam-se a igreja, do arco cruzeiro para baixo,
e 11 Capelas que havia na freguesia, pagava-se ao Sineiro e ao
Pregador da Quaresma, ocorria-se às despesas da Semana Santa,
Endoenças e outras.
/ 27 /
Aconteceu, porém, que António da
Silva, Cristóvão de Resende, João da Costa Monteiro, Francisco da
Costa Monteiro e outros dirigiram-se ao Rei D. José, dizendo que a
freguesia tinha mais de 2.000 fogos e ignorava-se o destino do
dinheiro da multa. Não obstante ter este mandado saber a
verdade e informado de que o Visitador, já havia anos, quando
procedia à Visita canónica, costumava tomar as contas, ordenou, em
carta de 5 de Fevereiro de 1759, dirigida ao Provedor da Comarca de
Esgueira, que, pertencia ao Juizo secular a sua aprovação, como
também a cobrança, pelo que as contas deviam passar a ser tomadas
pela Provedoria.
Também por outro costume
antiquíssimo, que ainda vigorava em 24 de Dezembro de 1817, a Câmara
Municipal de Ovar dava o padrão das medidas do azeite à Confraria do
Senhor da igreja paroquial, para que os almocreves que quisessem ir
a Ovar vender azeite só o pudessem medir por aquela medida, dando de
esmola à Confraria um quartilho de cada carga
(19).
8. – DESENVOLVIMENTO DA LAVOURA – AS LEZÍRIAS
Elaborou-se, em 12 de Maio de 1525,
um «instrumento de Contente e amigável Compozisão», nas notas do
Protonotário Apostólico, Bacharel Afonso de Melres, entre os Cónegos
prebendados, Chantre, Dr. Pero Rodrigues, Protonotário Dom Martinho
Correia, Mestre-Escola, Pero da Silva, Tesoureiro e Arcediago do
Porto, Manuel de Sá, Protonotário e Arcediago de Oliveira, Dom
António Fernandes, Francisco Vieira, Rodrigo Afonso, Gonçalo Luís,
Pero Lourenço, Jorge Ribeiro, João Alvares Pais, Jerónimo Afonso,
Manuel de Lemos e Álvaro Ferreira, «juntos em Cabido e Cabido
fazendo por som de Campatangida», e o Conde da Feira, Dom Manuel
Pereira. Dizia este tinha semeado, no passado ano de 1524 algumas
lezírias em Ovar, colhendo o Cabido, por inteiro, os dízimos e
premícias, sem desconto algum. Ora, como tais terrenos, por estarem
alagados, traziam, para serem cultivados, grande despesa, punha em
dúvida fabricar outras mais, se os Senhores do Cabido «lhe não
fizessem alguma quita e compadecessem ao trabalho».
Ficou combinado se pagaria, por
inteiro, o dízimo das lezírias fabricadas, anteriormente a este
contrato. Quanto a outras que viessem a lavrar-se, concedia o Cabido
a quarta parte dos dízimos, pagando o Conde o restante e as
premícias. Esta «quita e graça» seria para a Casa da Feira e seus
descendentes em linha recta e não poderia dar a outra pessoa as
terras que cultivasse até à foz de Aveiro. Quem rompesse este
contrato, a confirmar pelo Papa, à custa do Conde, pagaria à outra
parte 1.000 cruzados de ouro.
Logo a seguir, no dia 22, o Conde
recebia, no seu Paço, em Ovar, os Procuradores do Cabido, Cónegos
Tristão Pinto e João Alvares Pais, que vinham ver as lezírias.
Concordou-se que da Togosa, Espinhosela, Talhadouro e Fozelhas se
pagariam todos os dízimos e do Monte Salgueiro, Pau, Torrão do
Lameiro e quaisquer outras que mandasse abrir ficaria o Conde com a
quarta parte dos dízimos para suas despesas, pagando-se o restante
ao Cabido (20).
9. – PESCADORES
Desde longa data, sentiram os homens
de Ovar o apelo das ondas, chamando-os à faina da pesca. Em alguns
pontos do litoral, ficou marcada a sua passagem. De 1725 a 1734,
morando em Ovar, encontramo-los no Rio Douro «com todo o genero de
redes (...) sendo tambem pescadores no Mar»
(21). A última
vez que os vemos no Douro é em 1759
(22).
Porque se furtavam ao pagamento dos
dízimos, que pertenciam ao Cabido, houve este, várias vezes, de
defender seu direito.
Tinham de pagar o direito da dízima
na banca da Praça da Ribeira – a que não faltavam – e também solver
aos rendeiros do Cabido o dízimo do pescado em Ovar ou em V. Nova de
Gaia, consoante o caso – e aqui principiava a questão.
Pertence «o dizimo do peixe que
pescão no mar fora da Barra de S. João da Fós, e na veya de agoa do
Rio Douro, e do peixe meudo que arrastão para a terra, a esta dita
freguezia de Ouar, aonde são freguezes, e moradores como também o
Dizimo do peixe de Corso que uem a ser Sauel, e Lamprea que arrastão
nas prayas, e arinhos dentro dos lemites da freguezia de Vila Noua
de Gaya, a Igreja da dita freguezia de Uilla Noua
(23)».
Às vezes, aparece notícia duma pesca
famosa: assim em 1731, pescaram no Douro, num só lanço 600 sáveis!
Até 1725, bem pagaram os marmoteiros
– eram assim comummente chamados – «sem repugnancia alguma» os
dízimos, mas não daí em diante, pelo que o Cabido lhes pôs, em 7 de
Janeiro de 1726, um libelo em tribunal, sendo condenados, em 2 de
Janeiro de 1732, a pagar as custas dos autos e os dízimos em dívida.
A sentença tinha sido contra «Manoel
Rodrigues Brandam, e seus filhos, Antonio Pinto, e seus
companheiros, Valentim Soares, e seus companheiros...».
Ao todo nomeiam-se 22 pescadores «e
seus companheiros», parecendo tratar-se de 22 companhas. Além
destes, cujos nomes se mencionam, foram condenados todos «os mais
pescadores da freiguezia de Ouar chamados Marmoteiros que pescão no
Rio Douro e mar deste destrito do Porto». É que só pagavam os
dízimos, quando estava presente o Rendeiro. Do que pescavam no mar,
deviam pagar em Ovar, mas lá diziam que o tinham feito no Porto... e
nem numa ou noutra parte o faziam. Vendiam o peixe no Porto, S. João
da Foz, Vila do Conde e outros lados.
/ 28 /
Quando viriam os marmoteiros para o
Douro? Em 1726, dizia-se tinham começado a pescar aqui, há menos de
vinte anos. Eles, porém, afirmavam que, pescando ali, havia mais de
quarenta anos, nunca pagaram ao Bispo mais que a primeira lampreia e
o primeiro sável (24).
Convencidos a pagar os dízimos, fez
o Cabido representado pelo Procurador, o Vigário de Ovar, P.e
António de Sousa Cirne, em 18 de Janeiro de 1734, um contrato de
composição «com todos os pescadores moradores» nesta sua freguesia.
Reuniram-se, então, na Capela de Santo António, com o Pároco, 127
marmoteiros, dos quais 88 eram lampreeiros no Douro e 39 pescavam
com chinchorro, no mesmo rio. Presentes também 92 mulheres. Ao todo,
pois, 219 pessoas, dedicadas à pesca no Douro
(25). Mas não
eram ainda todos. Passada uma semana, em 25 de Janeiro, mais 30
apareceram ao Pároco, para fazerem idêntico contrato. Quiseram
obrigar-se, como os mais, já que a sentença de 2 de Janeiro de 1732
tinha sido contra todos os pescadores de Ovar
(26).
Neste contrato, o Cabido
desobrigava-os do pagamento das custas dos autos referidos, que
foram 8$123 reis, e dos dízimos em dúvida, pela «suma mizeria dos
Reos».
A última vez que, pelo mesmo motivo,
foram processados foi em 6 de Novembro de 1760. Ao todo, nomeiam-se
43 pescadores. Estavam em falta os dízimos de 1757 a 1759
(27).
Não será, de todo, despiciendo
apontar-se os nomes completos dos pescadores réus, cujos apelidos
sejam mais significativos, como ajuda para outros estudos,
relacionados com as gentes do mar.
1734: – Manuel Rodrigues Brandão,
António André Bitó, Manuel Rodrigues Ouriço, Manuel André, filho do
Arrais do Ourré, Manuel de Oliveira Camossa, Francisco de Oliveira
Trongaia, Manuel Rodrigues Manteiro, Manuel Rodrigues Ovelha, Manuel
Rodrigues Cassaco, Manuel Gomes Faia, Manuel de Oliveira Vinagre,
Manuel de Oliveira Rã, António Pinto Chorre, António Rodrigues
Tátaro – deve estar por Tártaro, José Rodrigues Faneco, Francisco
Gomes Preto, João de Oliveira Belo, Manuel Rodrigues Sarassa –
talvez o mesmo que Sarça, Manuel de Oliveira Cação, Manuel Fernandes
Castelhano, João de Oliveira Cação, Manuel Fernandes Castelhano,
João Rodrigues Serena, Manuel de Oliveira Manão, Manuel de Oliveira,
genro de Diogo da Ligeira, Fernando de Oliveira, genro do Cotuludo,
Manuel Pinto, genro do Garrido da Praça, Francisco Pinto França,
Manuel da Silva Parracho, Manuel Fernandes da Graça, João Lopes
Cossário – deve estar por Corsário, João Rodrigues Formigal,
Francisco, filho do Glórias, Ventura de Oliveira Cadamolho,
Francisco Pinto Ramalhadeiro, António de Oliveira Neto e Gabriel
Rodrigues His.
1760: – Ventura Rodrigues Sereno,
Gabriel da Silva Índio, Bernardo Gomes Cascarejo, José Rodrigues
Zagalo, Manuel de Oliveira Massarrão, Manuel André Dornas, João de
Oliveira Meireles e Francisco de Oliveira Muge.
____________________________________
NOTAS:
(1)
– Arq. Distrital do Porto – Cabido, 777, fls. 66 e segs.
(2)
– Idem, 763, fls. 194 e segs.
(3)
– Idem, fls. 207 e segs.
(4)
– A. D. Porto – PO. – 2, n.º 9, fls. 27 v.
(5)
– Cab., 777, fls. 107 e segs.
(6)
– Cab., 777, fls. 22 e segs.
(7)
– Cab. 725, fls. 154 e segs.
(8)
– Ibid., fls. 172 e segs.
(9)
– A. D. Porto – Mitra, 192, maço 4.º.
(10)
– Cab. 763, fls. 207 e segs.
(11)
– Ibid., fls. 218 e segs.
(12)
– Cab., 10, fls. 19V – 20.
(13)
– Mitra, 192, maço 4.º.
(14)
– Idem, 757, fls. 1 e segs.; 758, fls. 296 e segs.
(15)
– Mitra, 192, maço 4; Cabo 786, fls. 215 e segs.
(16)
– Mitra, 213.
(17)
– Idem, 211.
(18)
– Cab., 763, fls. 41 e segs.
(19)
– Mitra, 192, maço 4.º.
(20)
– Cab. 799, fls. 55 e segs. No «Arq. do Distrito de Aveiro» de 1938,
pgs. 68, dá Mons. Miguel de Oliveira um resumo do documento nas suas
longas e preciosas notas sobre «A Vila de Ovar – Subsídios para a
sua história até o século XVI».
(21)
– Cab., 758, fls. 163 V.
(22) - Ibíd., fls. 258 - 265.
(23)
– Ibid., fls. 161 v.
(24)
– Ibid., fls. 229-266
(25)
– Ibid., fls. 157-171 v.
(26)
– Ibid., fls. 253-256 v
(27)
– Ibid., fls 258-265 |