«Não sou eu o primeiro dos
escritores, que, depois de impressas as suas Obras, as addicionão, e
supllementão como confessando, ou a fraqueza do discurso humano; ou
adquisição de novas luzes: Escritores de que podia fazer aqui hum
grande Catalogo» (Tratado prático de Morgados, por Manuel de Almeida
e Sousa de Lobão, 2." edição, fIs. 5).
CAPÍTULO I-1 – A
Casa que pertenceu a D. Vitória de Lacerda Cardoso
Botelho de Pinho Pereira e a seu marido Lourenço Huette Bacelar de
Sotto Maior
Quanto à espada recolhida no Museu
da Câmara Municipal da Feira, creio que o Dr. Vaz Ferreira laborou
em erro quando a identificou como sendo a do Marechal de Campo
graduado – José Joaquim da Silva Pereira.
Trata-se de uma espada tão modesta,
que, não é de crer que tivesse sido usada por oficial do exército de
tão alta patente. Demais, foi abandonada, na casa em que ele viveu
na Praça Velha e que seu neto, Dr. Fernando de Castro Matoso,
juntamente com sua mulher, vendeu a António Bernardo Coimbra, espada
que, seus filhos, ofertaram àquele Museu: não é verosímil que o
Marechal, quando abandonou a casa, para ir viver em Lisboa, onde
faleceu a 14 de Setembro de 1865, aí tivesse deixado a sua própria
espada de Marechal e ainda que o seu neto, ao vendê-la, não tivesse
o cuidado de a recolher, como especial recordação de seu avô.
Tudo leva a concluir que se trata de
uma espada sem valor, nem mesmo estimativo, simples peça de adorno
que, porventura, fazia parte de uma colecção de armas.
D. Josefa Violante de Vasconcelos,
mãe de D. Vitória de Lacerda, conhecida pela «senhora D. Josefa da
Praça», nasceu em 17 de Julho de 1710 e faleceu, na sua casa da
Praça Velha, em 6 de Maio de 1801. Num diário, que possuo no meu
arquivo, referente a esta época, o tabelião desta comarca – capitão
Manoel Gomes da Costa Pacheco, irmão do antigo dono da minha casa
das Ribas, onde vivo, Dr. Sebastião da Costa Pacheco – referindo-se
ao seu falecimento, diz que foi senhora honrada e muito amante dos
pobres sendo possuidora das mais belas e virtuosas qualidades pelo
que era «querida e reverenciada por todos desta Vila e Comarca».
CAPÍTULO I-1 – D
Notas curiosas
b) – No «Livro memorial da fazenda
deste convento para se dar principio ao Tombo tão necessário para a
sua administração» que existe na Biblioteca Municipal da Feira, da
autoria do P.e Jorge de São Paulo, referente ao convento
de São João Evangelista desta vila, a fls. 35, anotou e subscreveu
António da Anunciação Magalhães (reitor do mesmo Convento em
1648-49), «na primeira cova do corpo da Igreja n.º 5 esta sepultado
o abade Diogo Vaz de Pinho, em sepultura perpetua que comprou seu
sobrinho Salvador de Matos, para si e seus irmãos (sobrinhos do dito
abade), e todos os mais herdeiros deste Salvador de Matos, o qual
deu pelo direito da sepultura três mil reis para que em todo o tempo
conste fiz assento em 1649. declaro que deu três mil e duzentos
reis». Por outra letra, diz-se: «Abaixo logo esta sepultado Belchior
Lopes Anjinho abade que foi de Romariz faleceu neste Mosteiro».
Por sua vez, e por letra de Manuel
da Purificação Magalhães (que foi reitor do mesmo Convento em
1668-70), encontra-se ainda a seguinte anotação por ele subscrita:
«Domingos Homem Soares comprou uma sepultura nesta Igreja de São
Nicolau na qual está sepultada Maria d'Andrade Freire pela qual deu
dois mil reis e lhe puseram de sinal um S que quere dizer Soares
emquanto se não poe pedra e letreiro; e por verdade fiz esta
lembrança para não haver duvidas hoje 29 de Setembro de 1670».
Esclareço que aquela Maria d'Andrade
Freire era mulher de Domingos Homem Soares.
E ainda, mas por letra do reitor
Jacinto da Conceição (1671-73), que a firmou com a sua assinatura,
está escrito marginalmente «os herdeiros de Domingos Homem Soares
compraram uma sepultura em que ele se enterrou que é a 2.ª na 6.ª
fiada defronte de S. Sebastião. deram por ela dois mil reis em 2 de
Março de 672».
Neste livro do P.e Jorge
de São Paulo há uma planta das sepulturas que existiam dentro da
Igreja, com as seguintes indicações quanto ao que interessa a este
estudo:
1 – A quinta ao meio da 1ª fiada.
(por letra diversa) «A casa de Fijõ»
– Sepultura de Diogo Vaz de Pinho abade de Esmoriz e seus herdeiros
(Por letra diversa): «que hoje é de João de Castro».
2 – A quinta da 2.ª fiada por baixo
da anterior: Sepultura de Belchior Lopes Anjinho abade que foi de
Romariz (por letra diversa): «Esta é agora de Francisco Botelho
Pereira e de seus herdeiros,.. 2000».
/ 66 /
Nada mais consta que interesse a
este trabalho e particularmente ao referido nestas «Notas Curiosas»
alínea b) nas árvores genealógicas.
Ver transcrição feita por Dr. Vaz
Ferreira, no Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. 16, pág. 269 e 270.
CAPÍTULO I-2
Casa que hoje pertence a Francisco Plácido Resende
Quanto ao já falado António
Rodrigues Bucho: foi «alferes do Capitão Antão Pereira» e, como tal,
assinou, juntamente com outros capitães e alferes desta vila e
concelho, o auto de posse que, em 18 de Maio de 1708, foi dada, ao
Infante D. Francisco, do condado da Feira, por força da doação que
lhe foi feita por seu irmão, o Rei D. João V, por carta de 10 de
Fevereiro de 1708, «de todo o direito que a Coroa tinha ao Condado e
casa da Feira», que havia vagado por morte do Conde D. Fernando
Forjaz Pereira, ocorrida em 15 de Janeiro de 1700. Este António
Rodrigues que, por vezes recebia no seu nome «Bucho» como apelido e,
outras, como alcunha, foi casado com Joana da Fonseca: deste
casamento houve Rosa Maria da Fonseca que casou com André da Silva,
da Feira, filho de Domingos da Silva, de Espargo e de Maria de
Freitas. Do casamento deste André com a Rosa Maria da Fonseca nasceu
Francisco de Almeida Cabral, cirurgião, que casou com Rosa Maria do
Nascimento MaIheiro havendo, deste casamento, uma filha de nome
Teresa Luísa que casou com João Xavier Nogueira, filho de Pedro
Lopes Nogueira e de Plácida Teresa Xavier (Familiares do Santo
Ofício, pelo Dr. Jorge Hugo Pires de Lima, no Arquivo do Distrito de
Aveiro, Vol. 34, pág. 225 e 226).
Aquele cirurgião Francisco de
Almeida Cabral (que foi familiar de Santo Ofício por carta de 13 de
Maio de 1783) nasceu na freguesia de S. Nicolau da Feira e morou na
rua da Calçada do Correio Mor, da freguesia de S. IIdefonso,
extra-muros da cidade do Porto, mas os seus pais viveram na Feira
(cit. Rev., Vol. e pág.).
Dada a identidade de apelidos
convenço-me que este cirurgião era parente de Francisco José de
Almeida Cabral, já referido neste trabalho, que, por escritura de 27
de Setembro de 1806, tomou de emprazamento à Santa Casa da
Misericórdia da Feira, a casa hoje é pertença de D. Maria Júlia Rifa
de Araújo, que confrontava pelo sul com «as casas de baixo que foram
do dito António Rodrigues Bucho».
Este Bucho, por escritura de 2 de
Junho de 1679, comprou a Amaro Gomes, um assento de casas, nas
Eiras, desta Vaa de Feira, que confrontava do nascente com a estrada
que ia da vila para o Porto, do poente e norte com Gonçalo
Fernandes, o Casolo e do sul com o olheiro e estrada: pagava foro,
da casa, ao Castelo, e, do campo, a Diogo Moreira de Vasconcelos,
bisavô de D. Vitória de Lacerda (ver Huette Bacelar, cit. ob. fI.
207) que teve demanda com o referido genro do Bucho, de nome André
da Silva, em 21 de Março de 1695, para pagamento daquele foro.
A sorte não deve ter bafejado muito
o Bucho, pois, em 3 de Julho de 1689, foram ordenados,
judicialmente, os pregões «em todos os bens moveis e de raiz em que
se tem feito penhora a António Rodrigues Bucho pelo dinheiro que
esta devendo... para as obras da igreja da villa», a fim de serem
arrematados (tombo dos documentos do convento de S. João Evangelista
da Feira, vol. 10, pág. 26). Em 13 de Agosto do mesmo ano, nas notas
do tabelião João Lopes Correia, desta vila, ele vendeu a Manuel
Alvares e a seus cunhados, a renda de trinta e cinco alqueires de
pão meado, por certo para pagar aquele seu passivo (cit. tombo, vol.
10, pág. 21): no índice deste tombo, vem nomeada esta transmissão
como venda de António Rodrigues Bucho aos seus caseiros da freguesia
de Lobão.
–––––––––––
José Caetano Correia Gomes,
referido neste trabalho, era filho do capitão Frederico Correia
Gomes e de sua mulher Francisca Marques da Costa, todos da freguesia
de Sanfins; casou com Francisca Caetano de Almeida Cabral, filha de
Manuel de Almeida Cabral (já falecido em 12 de Novembro de 1737,
data em que se casou o José Caetano), e de sua mulher Joana Teresa
da Silva, todos da Feira.
José Caetano que foi escrivão do
tombo da Casa do Infantado e proprietário da casa já mencionada de
D. Maria Júlia Rifa de Araújo, faleceu, no estado de viúvo, em 20 de
Novembro de 1799, com 90 anos pouco mais ou menos.
O licenciado Matias Soares, que foi
tabelião nesta vila e tomou de emprazamento a casa do «escritório»
por escritura de 25 de Agosto de 1705, foi sepultado na Igreja
matriz de S. Nicolau da Feira, na 6.c fiada da parte do Evangelho.
CAPÍTULO I-3-A
Casa que foi de Duarte Pinto
Dissemos que D. Maria José deve ter
vendido à mãe a sua parte (1/4) da casa da Praça que lhe ficou
adjudicada no inventário por óbito de seu pai o Dr. José de Moura
Coutinho. Na verdade parece que assim sucedeu porque, na escritura
de venda da mesma casa a Francisco Pereira Pinto de Lemos, por
escritura de
/ 67 / 17 de Agosto de 1875,
a viúva D. Maria Máxima transmitiu o seu direito que, pelo preço
recebido, se averigua corresponder a % (2250$00).
CAPÍTULO I-3 B-1 – A
Casa de Pantaleão Pereira do Lago
Esta casa, em 17 de Dezembro de
1543, estava na posse de Braz de Oliveira, como se verifica da
confrontação dada ao prédio contíguo, que lhe ficava imediatamente
para o norte, que, por escritura daquela data, foi dado de
emprazamento, de natureza perpétua, pelo Conde da Feira, D. Manoel
Pereira, a Duarte Pinto.
Visita de El-Rei D. Manuel II à Vila da
Feira. Outro aspecto dos seus aposentos.
Podemos, agora, e pelo que passamos
a expor, afirmar que aquele Brás de Oliveira, em Dezembro de 1563,
trazia esta casa (de que foi mais tarde enfiteuta Pantalião Pereira
do Lago) de emprazamento à Casa da Feira, o que se deve ter mantido
até à sua morte que ocorreu em data anterior a 1586, pois, então,
sua mulher Antónia Lopes já era viúva. Há uma referência a esta casa
e ao emprazamento feito ao Braz de Oliveira, num alvará Rial de 17
de Dezembro de 1563, firmado pelo Cardeal Infante, transcrito de fI.
110 a 116 da «Allegaçam pratica e juridica sobre a posse, e sucessam
do título e casa da Feyra e Infantado a favor de D. Alvaro Pereira
Forjaz Coutinho ordenada pelos Doutores Joseph Correa Barreto e
Francisco Vaz Tagarro, com huma summaria recupilação do conteúdo
neste volume, que servirà de Indice aos documentos delle», da
autoria do Padre Mestre Pedro da Conceição, Conego Secular da
Congregação de S. João Evangelista «& legitimo irmão do Autor
pertendente» impresso, em Lisboa, em 1720 «em que se autorisa o
Conde da Feira D. Diogo e sua mulher D. Ana Meneses a dar, ao
Morgado do Castello da Feira, a villa e Terra de Pereyra, Couto de
Cortegaça e a Quinta de Ornei as em subrogação da tença e juro de
cento e doze mil e quinhentos reis, vendidos a D. Antam de Noronha,
que faziam parte desse Morgadio».
Como porém, aquela Vila e Terra de
Pereyra e Couto de Cortegaça, pertenciam ao dote da referida
Condessa por tudo ter sido comprado para esse fim, o Conde foi
autorizado, por esse mesmo alvará, a trocar este património por
outros seus bens, o que fez para não haver prejuízo nem para o
morgadio nem para o referido dote.
Assim reza a fl. 114: «& assim hey
por bem que o dito Conde, & Condeça possam dar, & sobrogar, ao dito
Morgado a dita Villa de Pereyra, & Couto de Cortegaça, com todos os
Casaes & cousas que lhe
/ 68 / pertencer: & assim a
dita Quinta de Ornei Ias, em lugar do dito juro, sem embargo da dita
Villa de Pereyra, e Couto de Cortegaça serem dotaes, & de
pertencerem á dita Condeça, por bem do seu dote. E isto sobrogando,
& dando o dito Conde em lugar da dita Villa, & Couto pera o dote da
dita Condeça, as Casas & Ilha da Villa de Ovar, & os Moinhos da
Ponte da Feyra, & o Casal de Espargo, & as Casas do prazo de Pero
Ferreyra e de Bras de Oliveira, & de Henrique de Araujo, da dita
Villa da Feyra q todos pretencem ao dito Conde, & lhe fazem foro
como bens seus patrimoniaes, & os trazerem as ditas pessoas
emprazadas em vidas, reconhecendo por direyto Senhorio dellas, os
quaes bens, & propriedades acima declarados, ficarão dotaes, &
seguirão á natureza dos bens do dote da dita Condeça, assim & de
maneyra que erão dotaes a dita Villa de Pereryra, & Couto de
Cortegaça, & como havião de ser regulares por as clausulas, &
condições, do dito dote, visto como pelas ditas diligências, & por
estromentos de consentimento, que me apresentarão, se mostra serem
as partes disso contétes, & requererem a dita troca, & ser em
proveyto do dito dote fazer-se pelas causas na dita petição
declarada».
Aquelas Casas de prazo, de Brás de
Oliveira, são, sem dúvida, aquelas de que ora tratamos. Não sei,
porém, onde se localizavam as outras, emprazadas a Pero Ferreyra e
Henrique de Araújo.
Creio que não estavam na Praça
Velha; muitas outras tinha a casa da Feira na vila, dadas de
emprazamento, como acontecia com as que eram possuídas pelos filhos
de Francisco Correia, em 1689 (hoje de D. Branca Alves de Castro
Mendes dos Santos), pelo licenciado José de Freitas e sua mulher
Maria Ferreira, em 1707, casas estas que mais tarde vieram ao
domínio da família Teixeira Guimarães, sita imediatamente para sul
da que foi de Veríssimo de Oliveira Guimarães que, por sua vez, era
contígua, imediatamente para sul, daquela que hoje pertence à
referida D. Branca Mendes dos Santos. No citado livro, na «summaria
recupilacam» feita pelo dito Padre Pedro da Conceição, denominam-se,
aquelas casas, como «três moradas de Casas na mesma Vila» e não se
diz na Praça da Vila, o que mais convence que nem todas estavam
implantadas na dita Praça: a dada de emprazamento a Brás de Oliveira
é que, seguramente, aí ficava localizada.
Quanto às outras talvez ainda se
venha a apurar onde estavam.
Aquele alvará, bem como os demais
documentos transcritos no referido livro, são os que serviam de base
à petição de embargos à sentença proferida nos «feytos da Fazenda, &
Coroa, na parte, que lhe não julgão a posse, que tomou dos bens
Reais, & jurisdicionais, que possuhia a Casa da Feyra», pleito que
teve lugar após a extinção da Casa da Feira por morte, sem
descendência, em 1700, do Conde da Feira, D. Fernando e da
incorporação desta casa na do Infantado, livro onde consta a
recupilação sumária do pleito e seus fundamentos pelo mencionado
Padre Mestre Pedro da Conceição, a petição de embargos pelo Doutor
Joseph Correa Barreto e a sustentação dos embargos pelo Doutor
Francisco Vaz Tagarro.
Sucede, porém, que os documentos
transcritos no mesmo livro, com excepção das certidões de fI. 130 e
132, são hoje considerados como falsos por força do estudo feito por
Anselmo Braancamp Freire, publicados no Boletim da Segunda Classe da
Academia de Sciencias de Lisboa (vol. XII –1917-1918, pág. 754 a
760) e referido nos Brasões da Sala de Sintra da sua autoria Livro
I, pág. 322 e seguintes, 2.ª edição.
Não obstante esta grave
circunstância, não podemos considerar como falsas todas as
referências neles feitas, como seja a da existência dos referidos
bens e da sua natureza enfitêutica: por isso, so'corremo-nos das
referências atrás feitas, aceitando-as como verdadeiras, o que
interessa ao nosso estudo, ou seja à casa que Brás de Oliveira
trazia de emprazamento à Casa da Feira.
CAPÍTULO II-1 – A
Paços do Concelho
Disse, neste trabalho, que Pinho
Leal, no seu «Portugal Antigo e Moderno», informa que «a casa do
tribunal das audiencias», ou seja o edifício dos Paços do Concelho
foi «paço dos Condes da Feira» (vol 3.º, pág. 157).
Não menciona título, ou razão, em
que se funda para o afirmar, outro tanto sucedendo àqueles que, por
certo com base nesta fonte de água tão inquinada de erros, têm
mantido e divulgado tal asserção.
Até hoje ainda não encontrei motivo
para retirar a crítica feita neste particular, nomeadamente no que
respeita a época posterior a 1556, ano em que já estava construída a
«Casa do Conselho, cadeya da Villa, Paso dos Vereadores e
Almotasseis» pelos três mestres do Porto.
Pode-se dizer, contudo, que, antes
deste ano, o edifício em qualquer época, podia ter sido destinado a
Paço dos Condes, ou seja a partir da instituição do Condado na
pessoa de Rui Pereira que, como diz Braancamp Freire (Brasões da
Sala de Sintra, vol. 3.º, pág. 330), já existia em Maio de 1481, ou
mesmo desde 8 de Abril de 1453, data em que D. João I fez doação, de
juro e herdade, das Terras de Santa Maria (Cabanões de Ovar), Cambra
e Refoios, com seus julgados e termos, a Alvaro Pereira, bisavô
daquele primeiro Conde da Feira originando, assim, a «nobre casa da
Feira e
/ 69 / AIvaro Pereira o seu
primeiro senhor» (cit. obra de B. Freire, vol. 3.º, pág. 510).
Não tenho conhecimento de qualquer
documento que convença ter o referido edifício pertencido à Casa da
Feira, quer antes quer depois de instituído o Condado: se o tivesse
sido, dificilmente seria alienado, sendo mais provável, a
transferência da sua posse, por meio de emprazamento. Não consta
que, em qualquer tempo, o edifício da «Cadeia» tivesse sido objecto
de contrato de venda, ou de enfiteuse, por parte da Casa da Feira.
Pode dizer-se que sim, mas é preciso prová-lo; e para que se
mantenha uma dúvida verosímil é necessário que sejam oferecidos
fundamentos sérios que a abonem.
Apenas conheço um documento que pode
causar certa confusão. Trata-se de uma suposta instituição de
morgadio, datada de 3 de Janeiro de 1512, que D. Leonor Coutinho,
viúva de D. João Pereira (filho ilegítimo de Rui Pereira), o Mulato,
teria feito, «nas casas do Castello da dita senhora», a favor de seu
filho D. Alvaro Pereira Coutinho, documento que, também com uma
suposta confirmação do vínculo por parte de D. Manuel, de 2 de Março
de 1512, serviu, juntamente com outros, como já dissemos nestas
adições, «para D. Alvaro Pereira Forjaz Coutinho reivindicar para
si, o título, casa e terras da Feira» (referida Allegaçam, fI. 127),
documentos que foram considerados, como falsos, por Braancamp Freire
na cito ob.
Isto não obriga, porém, a duvidar da
veracidade da existência de certos bens mobiliários referidos no
mesmo documento, pois a falsidade, neste particular, tornaria logo,
bem patente a que se procurava encobrir.
Ora, entre os bens que D. Leonor
nomeou a favor de seu filho, na instituição do vínculo, figuravam
«as casas de vivenda que me deixou o senhor Conde Ruy Vaz e quarto
novo que fiz que estava no cham e as mais obras nellas... e tres
seleyros as portas do Castello e as Casas grandes na Praça».
Na petição de embargos à sentença
que julgou improcedente a acção deduzido por D. João (cujo teor
consta da referida «allegaçam») esclarece-se aquele documento,
dizendo que por ele foram vinculadas, por D. Leonor Coutinho a seu
filho D. João, «17 as ditas casas grandes do Castello com o seu
terrado & quarto novo, & mais bem feytorias, que lhe tinha feyto e
assim mais as ditas dezassete moradas de cozas, que vão do Castelo
para Azinhaga, os tres seleyros á porta do Castello & os dezoito
estins de terra por detras do Castello no arrabalde da Vila da
Feira, & além disto a quinta nova chamada do Zambujal, no termo da
Villa de Feyra... humas cazas grandes na praça da mesma Villa da
Feira, e huma horta à beira do rio della», acrescentando no n.º 18:
«Provará que todos os ditos bens são de morgado patrimonial
instituído pela dita D. Leonor Coutinho, & confirmado pelo
Serenissimo Rey D. Manoel, os quais estão indevidamente incorporados
na Casa da Feira, & pertencem ao embargãte sucessor legitimo do
morgado da dita D. Leonor Coutinho & seu quinto neto por linha recta
masculina, & se lhe deve julgar a conservação da posse delles, como
de bens de morgado patrimonial, segundo a mesma decisão da sentença
embargada».
Em meu entender as casas «grandes da
praça» não dizem respeito ao actual edifício dos Paços do Concelho
nem a outro que, porventura, aí estivesse implantado outrora e que
aquele tivesse substituído através das diversas reconstruções ou
adaptações sofridas, antes sou de parecer que deve referir-se a uma
das casas existentes na Praça Velha, sujeitas ao domínio da Casa da
feira.
Consegui averiguar, como já referi
neste trabalho, que elas foram quatro:
a) – a denominada «Casa da Siso ou
da Almotaçaria» correspondente à extrema poente da casa hoje de
Francisco Plácido Resende (reconhecimento de obrigação do pagamento
do foro de cem reis feito à Casa da Feira em 17 de Agosto de 1754
(tombo da Casa da Feira – Infantado, fI. 158 a 161 do 1.º volume),
formada por uma sala sobradada que tinha, pela parte do sul, de
nascente ao poente, cinco varas e um quarto e, pela parte do poente,
do norte a sul, seis varas. Esta casa com a designação de «escriptório»
também era foreira ao Convento de S. João Evangelista desta Vila,
por contrato de emprazamento de 25 de Agosto de 1705, no qual lhe
foram atribuídas as seguintes medições: de norte a sul, cinco e meia
vor-as, de nascente a poente, cinco varas.
b) – a parte da extrema sul da casa
que foi pertença de Duarte Pinto, hoje pertencente ao Dr. Belchior
Cardoso da Costa, dada por título de prazo fateusim perpétuo, pela
Casa da Feira, àquele Duarte Pinto, por escritura de 17 de Dezembro
de 1543, tendo-se procedido ao reconhecimento desse foro em 20 de
Outubro de 1707: (citado tombo da Casa e Estado do Infantado, Vol.
1.º, fI. 128 a 132). Do título deste reconhecimento vê-se qu,e a
parte foreira «medida toda pela parte da rua tem de compri,do de
norte a su,1 catorze varas e quarta e de largo pello meyo dose varas
e duas terças».
c) – a parte da extrema norte do
prédio, hoje pertencente à casa dos herdeiros de José Soares de Sá
de que foi enfiteuta, por título de emprazamento perpétuo, Diogo
Moreira de Vasconcelos, conforme reconhecimento feito à Casa da
Feira (citado tombo, vol. 1.º, fI. 135 v.º), em 9 de j,unho de 1707,
por D. Joana Maria Pereira, constando do respectivo título que
tinha, juntamente com a parte rústica que lhe ficava para
/ 70 / nascente, do nascente
a poente vinte e nove varas e meia e de largo, pelo nascente, nove
varas e terça e pelo poente (lado por onde faceava com a Praça
Velha) sete varas.
d) – a parte central do mesmo
prédio, hoje também pertencente à casa dos herdeiros de José Soares
de Sá (que estava obrigada ao pagamento de senso serrado à Casa da
Feira) que «com seu inxido para a parte de traz» media de
comprimento, de nascente ao poente, trinta varas e meia e de largo,
pelo poente, dezassete varas e meia (lado por onde faceava com a
Praça Velha) e pelo nascente catorze varas e meia.
Do exposto concluiu-se que era esta
última, a maior das quatro casas, tomando como índice o comprimento
da fachada sobre a Praça Velha (quanto a estas duas útlimas casas
foi considerada a medição da parte urbana e rústica) que era de 17
varas e meia.
Pode-se supor que se tratava da casa
de Duarte Pinto, por ela ter sido objecto de um auto em que se fez
inquirição sobre a sua antiguidade e nobreza, a requerimento de D.
Joana de Magalhães Coutinho, em 11 de Agosto de 1729, tomando-se a
palavra «grande» no sentido da sua importância e qualificação e não
no da sua área.
Penso que não, não só porque a parte
dessa casa que era do domínio da Casa da Feira, faceava com a Praça
Velha apenas em 141,4 varas, mas ainda por que as testemunhas,
ouvidas naquele auto, não lhe referem nobreza que derivasse do
domínio que sobre ela tinha a Casa da Feira, ou posse que sobre elas
tivessem tido os Condes por nela terem vivido. E é curioso o facto
de Huette Bacelar (cil. ob. fI. 99) também chamar àquelas casas,
referidas na alínea d), casas grandes – «na Praça da Villa da Feyra
tenho uma morada de cazas grandes p.a a parte do nascente e defronte
das minhas pegadas á cadeia...».
As armas reais colocadas na ponte de
Fijô, reproduzidas, em fotografia, neste trabalho, são as que D.
Miguel adoptou, embora elas já fossem usadas por seus antecessores,
pois ele não as tinha privativas: foram as escolhidas para as moedas
do seu reinado, com o acréscimo de duas palmas. Foram usadas, na
parte final do século XVIII – até D. João VI exclusive pois este Rei
usou sobre o escudo a esfera armilar.
Depois da independência do Brasil e
morte de D. João VI voltaram os reis a usar aquelas armas.
Não consegui apurar a data em que as
mencionadas armas foram colocadas na ponte de Fijô, mas o que se
pode afirmar é que não o foram no reinado de D. Manuel I.
CAPÍTULO II-1-C
Capela de Santo António
Na casa de Francisco Plácido
Resende, referida no Capítulo 1-2 existe, e a fazer de padieira de
uma pequena janela interior, uma pedra com inscrições que só poderão
ser lidas quando for tirada da parede onde está incrustada, o que já
sugeri ao seu proprietário.
É possível que essa pedra tivesse
pertencido a esta Capela ou oratório de Santo António.
A «Geografia Portuguesa», de
Carvalho da Costa, editada em 1707, não faz referência à Capela de
Santo António entre as que, ao tempo, existiam na Vila da Feira:
porém, num artigo publicado no jornal desta vila «O Povo Feirense»
de 3 de Dezembro de 1918, V., que o assina, diz que encontrou um
exemplar dessa Geografia tendo, à margem da referência aquelas
capelas, uma notação inventariando outras nos termos seguintes:
«E outra da Piedade, outra de S.
Sebastião, capela de Dionísio Pereira homem principal: outra de S.
António na Praça da Vila, pequena, para os presos ouvirem missa, a
qual mandou fazer o Campelo. É hoje seu capelão o p.e Baltazar
Joaquim Pereira. Hoje 6 de Junho de 1742». Também aí se faz
referência ao Episcopologo de Pereira de Novais, concluído em 1690 e
editado por José Ferreira de Sampaio Bruno, onde apenas são citadas
como ermidas da Vila da Feira, de S. Nicolau do Castelo, de S.
Francisco, de S. André, Santa Margarida, Santa Luísa e Nossa Senhora
de Campos.
Não sei quem era aquele V., por não
haver, no jornal, qualquer esclarecimento a esse respeito, e por
isso, não posso aquilatar do merecimento da referência que ele faz
àquela notação, assim como não consegui apurar quem seria aquele
Campelo.
Se a notícia é verdadeira, o que é
de admitir, há que concluir que este nome se refere a pessoa da
época, o que tudo vem confirmar a tese, que defendo, de a Capela de
Santo António, ter sido construída em 1120. Pela mesma notícia
ficamos sabendo que, em 6 de Julho de 1742, era seu capelão o p.e
Baltazar Joaquim Pereira.
Feira, 1967. |