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N.º 3 |
Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro |
Junho de 1967 |
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As «Janeiras», as «Pastoras» e os «Reis» |
Pelo Dr. António Tavares Simões Capão |
Professor do Liceu
Nacional de Aveiro |
(Continuação
do número anterior)
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OS REIS MAGOS
MANUSCRITO DA ALDEIA DA PALHAÇA
O dia 6 de Janeiro nasceu cheio
de luz; as nuvens não turvaram o firmamento, ameaçando chuva,
por isso, fomos assistir ao cortejo dos Reises à Palhaça.
É uma peça de teatro
representada ao ar livre; o palco onde corre a cena é a aldeia
inteira; os figurantes são numerosos, pois de cada casa vai uma
pessoa vestida com traje especial, levando a sua oferta.
Num largo onde vão dar três
caminhos, começa a apinhar-se o povo não só da aldeia mas das
povoações vizinhas; os carros de bois e as caminhetas,
ornamentados, ostentam os produtos da aldeia, e, representando
as suas indústrias, começam a dispor-se em fila.
Ai por volta das onze horas,
duas personagens coroadas e ricamente vestidas, montadas em
cavalos bem ajaezados, vindos por caminhos opostos, encontram-se
no largo; cada rei traz após si um grupo de pastores com as suas
ofertas; são essas duas personagens o rei Baltazar da Arábia e
Gaspar da Pérsia que pouco depois se juntarão a Belchior do
Egipto.
A representação começa pouco
antes do encontro dos três reis, quando Simeão, saindo da sua
cabana, vem ao encontro do Anjo que segura a estrela.
PERSONAGENS PRINCIPAIS
(1)
O velho Simeão
Anjo Anunciador
Anjo Gabriel
Baltazar da Arábia
Gaspar da Pérsia
Belchior do Egipto
Herodes
Guarda de Herodes
Cingo
Doutores da Lei
Pastores
O velho Simeão, vindo até
junto do Anjo, estabelece com ele o seguinte diálogo:
SIMEÃO – Tu da corte celeste,
virás tu dar-nos a grande nova da profecia de Daniel? Ter-se-á
cumprido a palavra do Sinhor? Terá nascido o tão desejado
Messias que é todo o nosso pensamento, toda a nossa esperança?
Serão dignas as nossas lágrimas, o nosso cativeiro e a nossa
dor?
ANJO ANUNCIADOR – Sim, tu o
disseste. Caminhai para a cidade de David, que Gabriel vos dirá
onde deveis encontrar o Menino, louro como espigas, puro como os
céus, brilhante como as estrelas! Esse é o Messias.
SIMEÃO – Sinhor, eu vos
dou graças em nome do povo de Israel, o povo que vós escolhestes
para vos amar e servir, desde a hora em que Jacob foi o vosso
mais humilde servo. Ah! Foi chegada a hora em que apareceu o
Messias!
Entretanto dirige-se para o
Anjo Gabriel:
SIMEÃO – Quem és?
ANJO GABRIEL – Chamam-me Gabriel
e venho das margens do Tibre
(2), guiando três Reis Magos que
abandonaram a populosa cidade Selêucia para me seguirem. (O
Anjo segue o seu caminho).
SIMEÃO (continuando atrás
dele, pergunta-lhe:) – Vens acaso livrar-nos da opressão dos
romanos?
ANJO GABRIEL – Venho
anunciar-vos o Messias prometido que acaba de nascer; Glória a
Deus nas alturas e paz aos homens, na terra, de boa vontade;
glória e paz, glória a Deus e paz na terra... Não temeis, porque
venho trazer-vos uma boa nova: é que hoje na cidade de David nos
nasceu um Salvador, que é Cristo, a quem achareis envolto em
panos, deitado numa manjedoura.
SIMEÃO – Antes de te retirares,
dize-nos ao menos quem és.
ANJO GABRIEL – Eu? Sou um Anjo
emissário de Deus sobre a terra.
/ 30 /
SIMEÃO – Abraam, Abraam... Deus
quer sem dúvida que voltem os teus bons tempos, pois o sol
começa a raiar por detrás das azuladas montanhas que servem de
pedestal ao sagrado bosque da Natureza. Cantai aves do Oriente,
das altas copas das árvores que vos servem de ninho; estendei as
vossas asas, porque já o Zéfiro matinal beija as vossas macias
plumas...
Rosas de Jericó... perfumadas
ervas do Carmelo, delicadas flores de Zabulon, violetas do
Jordão... estendei, sobre a terra, o perfume dos vossos cálices,
porque já a delicada aurora derrama sobre vós o cristalino rocio
que vos sustenta e aformoseia. Perfumai a terra, porque o céu
puro e radiante se sorri sobre vós; verdes palmeiras de
Jerusalém, associai-vos também, porque nunca dia tão belo, tão
risonho, estendeu sobre a fértil Palestina os seus radiantes
esplendores, a sua poética e formosa luz. Mulheres de Belém,
mostrai-vos alegres e prazenteiras e caminhai para a cidade de
David, como se fossem
(3) à Festa dos Ázimos da cidade santa,
porque os anjos acabam de descer do céu à terra para visitarem
os homens. Glória a Deus lá nas alturas e paz na terra aos
homens de boa vontade.
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Grupo de
pastores, ao lado dos quais se encontra a figura do velho
Simeão com a sua cabaça. |
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ENCONTRO DOS REIS MAGOS
BALTAZAR (encontrando-se com
o rei Gaspar) – Saúdo-vos Majestade, amigável e
respeitosamente; o que fazeis e para onde vos dirigis?
GASPAR – Majestade, vimos das
margens do Idaspe (4) e dos plainos de Suza
(5) da Pérsia.
Depois de longas viagens, através de diferentes caminhos, aqui
nos encontramos nós. De noite, acampámos nos campos de Senear...
BALTAZAR – Saúdo-vos, amigo;
Deus é grande
GASPAR – Que fazeis vós aqui?
BALTAZAR – Majestade, uma
estrela me apareceu à vista, na Arábia; a estrela do Messias
Salvador; ela deve conduzir-me ao seu berço; hei-de segui-la,
enquanto brilhar diante de mim; não a percamos de vista, que ela
marcará o termo da nossa peregrinação.
OS DOIS REIS SAÚDAM-SE E
SEGUEM AO ENCONTRO DO REI BELCHIOR
BELCHIOR – Saúdo-vos,
majestades. Deus é grande.
GASPAR – Que fazeis vós aqui?
BELCHIOR – Uma estrela apareceu
à vista nas paragens do sábio Egipto donde eu sou; nós, os
homens da minha cor, também temos fé; os homens do meu país são
tão dignos como os imperadores de Roma. Lá na minha pátria, que
é distante, existe o sinal do Sinhor, porque foi visto
pelos meus sábios eu próprio vi. E, ao ver esse maravilhoso
astro, o tenho seguido, debaixo de sol escaldante, atravessando
imensas montanhas, cobertas de enormes fragas e abismos. Depois
de muito cansado, o maravilhoso astro desapareceu-me
/ 31/ aqui, próximo das
planícies de Senear. E vós que fazeis aqui?
BALTAZAR – Oh! milagre! milagre!
Está provado que todos estamos para o mesmo fim. Ó astro
bendito, já que nos guiaste até aqui por caminhos tão
espinhosos, guia-nos, agora, até ao fim da nossa peregrinação,
para assim termos a dita de chegar ao berço do teu adorado
filho.
No fim deste quadro canta o
Anjo, depois do que cantam e dançam os pastorinhos.
CANÇÃO DO ANJO
(6)
O céu é minha morada
quem me dera lá estar,
com minha Mãe adorado,
para eternamente gozar.
O céu é minha morada
vou viver com o meu Rei;
feliz para sempre serei,
com a minha alma sempre
arroubada.
CORO
Vamos todos, pastorinhos,
à lapinha de Belém,
adorar o Deus-Menino,
nos braços da Virgem-Mãe.
/ 32 /
MARCHA INFANTIL
Esta marcha exibe-se em cima do
carro em que cantou o Anjo Anunciador; nela tomam parte crianças
dos dois sexos, com vestuário regional, tendo sido previamente
ensaiados.
PASTORINHOS DO DESERTO
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I
Com nosso rancho marchamos
por essas serras além,
guiados por uma estrela
que nos guia até Belém.
II
Cantam Anjos nas alturas
Glóri’ à Deus Redentor;
e na terr'às criaturas
cantam hinos ao Senhor.
III
Com nossas pobres ofertas
ligeiros e sem demora
vamos beijar o Menino
e beijar Nossa Senhora.
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CORO
Pastorinhos do deserto,
correi todos, vinde ver
a pobreza do presépio
onde Jesus quis nascer.
IV
Já brilha no firmamento
a estrela d'alvo fulgor
vamos todos, pastorinhos,
adorar o Redentor.
V
Já cá temos nosso Rei,
correi todos, vinde ver,
à lapinha de Belém,
onde Jesus quis nascer.
CORO... |
/ 33 /
Depois disto, os três reis
incorporam-se no cortejo, e seguem juntos para o palácio de
Herodes; ao aproximarem-se, brada-se às armas
(7); e, depois de
cumpridas as formalidades militares, aparece o escravo de Herodes, que começa o seguinte diálogo com os Reis Magos:
CINGO – Ilustres estrangeiros,
fazei alto, que eu vou prevenir a Herodes da vossa chegada.
(Bate à porta e Herodes responde de dentro).
HERODES – Quem está?
CINGO – Sou eu, meu rei e meu
Senhor, o vosso escravo Cingo.
HERODES – Ah! És tu, Cingo? Que
nova me trazes?
CINGO – Meu rei e meu senhor,
esta noite chegaram às portas de Damasco três ilustres
estrangeiros, que, a julgar pelos seus trajes e linguagem,
parecem de longes terras e informaram-se dum rei nascido, que
dizem para felicidade de Israel.
HERODES – Vêm para paz ou vêm
para guerra?
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Em primeiro
plano, o Chefe da guarda do palácio de Herodes e respectivos
soldados. Ao fundo, Herodes, na tribuna. Cingo e doutores da
Lei. |
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CINGO – (voltando à presença
dos reis, pergunta:) – Ilustres estrangeiros, vindes para
paz ou para guerra?
OS TRÊS REIS (respondendo em
coro) – Vimos para paz...
CINGO (voltando ao palácio)
– Meu rei e meu Senhor, dizem que vêm para paz.
HERODES – Vêm armados?
CINGO (voltando à presença
dos reis) – Ilustres estrangeiros, vindes armados?
OS TRÊS REIS – Apenas trazemos
uma espada.
CINGO (depois de passar
revista aos Reis, volta à presença de Herodes, dizendo:) –
Meu rei e meu senhor, os ilustres estrangeiros declaram que
apenas trazem a sua espada.
(8)
HERODES – Cingo, manda-os
aproximar, que tenho imenso prazer em receber esses senhores.
CINGO (voltando de novo à
presença dos Reis Magos) – Ilustres estrangeiros, Herodes,
meu senhor e grande rei de Judá, manda que se aproximem, pois
tem imenso prazer em vos receber. (Volta ao palácio de
Herodes e diz:) Meu rei e meu senhor, cumpridas as vossas
ordens, aqui tendes os três ilustres estrangeiros...
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...este ceptro
pertence-me. O vestuário difere de ano para ano nesta
representação: repare-se no vestuário do chefe da guarda e
de Cingo. |
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HERODES (Sai do palácio e
saúda os Magos) – Ilustres estrangeiros, quem sois, a que
vindes, o que há-de extraordinário que vos faz viajar pelos meus
domínios?
GASPAR – Majestade, somos os
Magos do Oriente; eu sou Gaspar, rei de Idaspe e senhor da
Pérsia; tudo no meu país é grande e majestoso. Já vimos
caminhando durante uma lua inteira; descemos as margens do
Eufrates, depois atravessámos a Mesopotâmia; passámos à Síria
através de ardentes solidões. Fomos passar em Palmira, cidade de
Salomão; aí, demorámos um dia a saudar essa rainha do deserto.
Vimos a soberba Damasco sob as montanhas do Hérmon, descemos à
Galileia superior, onde tomámos a estrada real que nos conduziu
à tua (9) cidade de Jerusalém. Através das planícies do Jordão e
dos rochedos de Judá, em busca do Messias prometido, porque uma
estrela nos anunciou o seu nascimento.
(10)
/ 34 /
HERODES – E tu quem és?
BALTAZAR – Majestade, eu sou
Baltazar, rei de Arábia. Lá no meu país foi visto por mim e
pelos meus astrónomos o sinal do Sinhor; segui-o através
de diferentes caminhos e penosas viagens e desapareceu-me aqui,
próximo da tua cidade; em todos os sítios por onde passávamos,
perguntávamos pelo Messias Salvador e ninguém nos sabia dar o
mais pequeno esclarecimento.
BELCHIOR – Majestade, procuramos
aquele que os sábios têm anunciado dizendo: uma nova estrela
há-de surgir nos céus. Nós, que a descobrimos, e ela nos fez
reunir nos campos do Senear, sendo nós de diferentes terras:
Gaspar de Idaspe; Baltazar da Arábia, e eu, Belchior do Egipto.
Seguimo-la até próximo da tua
(11) cidade de Jerusalém, onde
deixou de brilhar diante de nós.
BALTAZAR – Pensamos, senhor, que
o rei prometido a nossos pais está dentro destas muralhas; se
nos enganámos, desenganai-nos.
HERODES – Porventura aos
ilustres Babilónios
(12) interessa-lhe
(13) a sorte de um povo
que não é o seu?
BELCHIOR – Ninguém pode fazer
acreditar aos incrédulos nas misteriosas revelações do criador
do Universo.
HERODES – A fé não falta a
Herodes.
BELCHIOR – Então acredita que o
formoso astro nos apareceu no Oriente.
HERODES – Durante a noite?
BELCHIOR – Noite e dia, brilhou
sobre a cabeça dos nossos cavalos, guiando-nos com a sua luz os
nossos passos até Jerusalém, onde desapareceu.
HERODES – Mostrai-me um ponto do
céu, onde brilha essa estrela, quero vê-la.
BELCHIOR – Impossível,
impossível! O formoso astro desapareceu-nos, quando chegámos
perto da tua cidade.
HERODES – E para que a buscais
assim com tanto empenho?
BELCHIOR – Para depositar a seus
pés ouro fino como a príncipe, mirra como a homem, incenso como
a Deus; beijar-lhe os seus pés, render-lhe vassalagem e adorá-lo
como merece um enviado dos céus.
HERODES (para Cingo) –
Cingo, vai-me chamar os sábios Doutores da Lei, quero ver o que
eles me dizem acerca do nascimento desse Messias.
CINGO – (Vai ao palácio
chamar os doutores da lei voltando com eles à presença de
Herodes, dizendo:) – Meu rei e meu senhor, cumpridas as
vossas ordens, aqui tendes os sábios Doutores da Lei.
HERODES – Ilustres doutores,
dizei-me o que rezam as profecias acerca do nascimento desse
Messias?
Estes, então, informaram
Herodes de que o Messias nasceu em Belém de Judá.
(14)
Depois da leitura feita pelos
Doutores da Lei, Herodes diz:
HERODES – Ilustres estrangeiros,
poderosos reis do Oriente, sábios e grandes Caldeus
(15),
apresento-vos as minhas leais e sinceras homenagens.
Agradeço-vos a vossa visita ao meu país. Podeis contar com a
melhor protecção das minhas legiões que desde já ponho ao vosso
dispor. O caminho que deveis seguir é este. Segui, pois, a vossa
jornada até Belém. E se vós encontrardes esse Rei, esse Messias
como vós lhe chamais, voltai de novo à minha presença que eu
também o quero ir adorar. Esta coroa é minha, este ceptro
pertence-me. Ai daquele que tentar apoderar-se de ti (fala
para o ceptro). Cingo, acompanha-me à minha cambra
(16), para assim cumprires
(17) as minhas ordens.
/ 35/ Depois disto, os Reis
vão em procura da estrela, e, não a encontrando, voltam de novo
ao palácio de Herodes, onde o rei Gaspar, indignado, com a sua
falsidade, profere o seguinte discurso, terminado o qual se
dirige o cortejo para a igreja da freguesia; mas antes há uma
referência à matança dos inocentes por meio da declamação do
anjo. Nesta cena, podemos considerar dois quadros: a) Referência
à matança dos inocentes, por meio da declamação do Anjo; b) A
exaltação dos Magos por terem sido traídos por Herodes, através
das palavras enérgicas do rei Gaspar:
a) DECLAMAÇÃO DO ANJO
(18)
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I
Descido dos celestes coros,
Por Deus mandado escutar
Da infância as queixas, os
choros,
Para lhes ir confiar.
II
Desci. Na terra, nos mares
Tanta miséria
incontrei
Que os meus magoados olhares
Da terra e mar desviei.
III
Desci. E tantos gemidos
Tão dolorosos ouvi,
Que, turvados os sentidos,
Quis recuar, mas desci.
IV
Nesta crueza de dores
Pelo mundo todo andei;
No pranto dos pescadores
As minhas vestes molhei.
V
Vagueando dias e dias
Chegara a Judeia, enfim,
Quando um clamor d'agonia
Veio de longe até mim.
VI
Um sol, um sol Inflamado
Dessas terras orientais,
E no disco afogueado
Não sei qu'estranhos sinais.
VII
Suavemente distantes
Sinistros casos de dor:
Choros de mães de infantes,
Cantos de morte e terror.
VIII
Biliões de asas nevadas
Em bando subiam ao céu,
Quais pombas amedrontadas
Fugindo à voz do escarcéu.
IX
– Onde ides? Quem vos persegue?
A que tormentas fugis?
Um que, triste, o bando segue,
Estas palavras me diz:
X
– Somos as almas d'infantes
Mortos em guerra feroz;
Somos corpos triunfantes
Fugidos da vida atroz.
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XI
Nesta linda cidade,
Tão cerrada penetrei;
Ai! Da fera humanidade
Os meus olhos desviei.
XII
Que pena! Corre nas praças
Sanguinária multidão;
Como nuvem de desgraças,
As crianças em botão,
XIII
Caem por terra sem vida
Ternas crianças, às mil;
E uma turba enfurecida
Corre a matança febril.
XIV
As mães pálidas, chorosas,
Suplicam, pedem em vão;
Nessas feras sanguinosas
Não palpita o coração.
XV
Outras tentam, no delírio,
Os seus filhos disputar;
E com eles, no martírio,
Gostosas se vão juntar.
XVI
Sobre a terra ensanguentada.
Eu, soluçando, ajoelhei;
E d'intensa dor magoada
A Deus piedade implorei.
XVII
Chegada à pressa, uma estrela
No horizonte espantou:
Pura, cintilante, bela
O caminho me traçou.
XVIII
A uma escondida estância
Da venturosa Belém
Cheguei; vi um Deus na infância
Nos ternos braços da Mãe.
XIX
Minha colheita de dores
Naquele lindo berço a pus;
Não habituada a rigores,
Pedi remédio a Jesus.
XX
No doce olhar do infante,
Pairou suave fulgor;
Foi a aurora radiante
Qu'anunciou o Redentor.
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