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N.º 2

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1966 

 

Cinegétiga – Factor turístico da região Aveirense

 

Por Daniel Constant

Jornalista

 
 

 
 

Uma embarcação motorizada é condição essencial para os caçadores se transportarem velozmente aos locais da Ria onde se encontra a caça.

 

Quanto mais analisamos as condições naturais de Aveiro e da sua maravilhosa região, mais nos convencemos de que isso constitui um dos maiores potenciais turísticos do País. Do ponto de vista cinegético reúne tudo quanto se possa imaginar de melhor para o exercício do salutar desporto da caça, em especial das espécies aquáticas.

Um dia de caça na Ria de Aveiro é um dia inesquecível. A paisagem singular e grandiosa, o espectáculo da imensa laguna, a abundância de caça e a deliciosa liberdade do ar livre, são um conjunto de predicados difíceis de se encontrar em qualquer outro ponto da Europa, até porque durante a época venatória a Ria adquire as suas melhores condições climáticas, principalmente com o desaparecimento dos ventos predominantes.

 

 
 

Na esteira da lancha fica a ilha de Monte Farinha, onde a caça é muito abundante.

 

Diz um nosso amigo, apaixonado da Ria e devoto de Santo Huberto, que pode ali passar-se um dia sem se ter uma peça de caça a tiro, mas basta assistir-se ao espectáculo da movimentação dos grandes bandos de lavancos, negras e alfanados, para dar esse dia por bem empregado. Concordamos com esta opinião porque toda a região lacustre, onde em plena época de caça poucos tiros se ouvem, parece, pela riqueza da sua fauna, uma imensa reserva de caça.

A par de variadíssimas espécies de patos bravos, são numerosas as garças e garçotes, os maçaricos reais, as aves de rapina, galinholas e narcejas, galispos, tarambolas, galeirões e / 32 / vêem-se também abetardas e cegonhas. Nos milheirais ribeirinhos é abundante a codorniz.

O «sossego» de tiros a que aludimos deve-se ao facto de ser pouco acessível o exercício da caça sobre a água ou nas numerosas ilhotas. Em terra firma isso já não se observa, e aí acorrem os caçadores, mas sem as possibilidades daqueles que possam movimentar-se através dos grandes lençóis lacustres e dos esteiros, até aos recônditos da região lagunar.

 

 

FONTE DE ECONOMIA

A caça sobre a água, à procura dos grandes bandos, ou de espera, a coberto da vegetação marginal ou insular, requer embarcação apropriada, veloz, e outros requisitos que não são comuns. Pode dizer-se, portanto, que esse desporto, assim praticado, é quase, ainda, um privilégio de poucos, embora um desejo de muitos, quer caçadores nacionais quer estrangeiros.

Sabemos de um grupo de turistas escandinavos que o ano passado visitaram a Ria na época de caça, por acaso, para tomar conhecimento com toda a sua beleza. As excepcionais condições cinegéticas que então se lhes depararam, deixaram-nos absolutamente surpreendidos e comentaram, com razão, que isso significava uma riqueza desperdiçada.

A caça lacustre pode ser, de facto, uma fonte de economia e uma atracção de visitantes à região de Aveiro, e para dar o pontapé de saída basta apenas que um empresário, ou o próprio órgão local de turismo, lhes facultem os meios, mediante retribuição apropriada, para usufruírem o prazer da cinegética na incomensurável beleza da Ria. O filão encontra-se à vista, está descoberto, mas o que importa é saber explorá-lo com inteligência.

Com simplicidade de projecto e de materiais deveria instalar-se, numa das numerosas ilhotas da Ria, um abrigo de caçadores, com uma dezena de quartos, sala de refeições, bar, uma ponte-cais e uma pequena flotilha de embarcações motorizadas; não faltaria um grupo de guias de caça facilmente recrutados entre o povo ribeirinho, homens que conhecem a laguna e os seus tentáculos como os dedos das suas mãos.

Caçadores nacionais e estrangeiros que anseiam por caçar na Ria, mas aí não dispõem de barco motorizado próprio, não conhecem os locais de caça nem sabem de quem lhes possa servir de guia, encontrariam, assim, solucionado o seu problema, e até de uma forma mais económica e prática do que a de adquirir um barco, andar com ele a reboque do automóvel ou deixá-lo em qualquer ponto da laguna e ter de pagar a quem o guarde e cuide dele.

Em numerosas regiões do mundo, nem todas com as mesmas condições da singular e formosa região aveirense, este sistema de apoio aos caçadores encontra-se em prática há muitíssimos anos, com o melhor resultado, sob todos os aspectos, mas especialmente o turístico.

Quantas vezes, nas nossas digressões pela Ria, ao desembarcar numa dessas ilhotas perdidas, cheias de pitoresco, onde se aspira gulosamente o ar salino e iodado, e onde o sol é mais radioso, temos sonhado o que seria ali o abrigo de um ligeiro tecto e uma paisagística varanda em que se pudesse saborear uma frugal refeição. Quanta beleza perdida e quanta comodidade e economia desaproveitadas!

 

 

RESERVA DE BELEZA NATURAL

A Ria, a exemplo de uma sugestão que há tempo demos, na Imprensa diária, para a Ribeira Lima, devia ser considerada como «reserva de beleza natural», não se permitindo, assim, que a sua paisagem fosse conspurcada, que em nada se alterasse a natureza nem fossem desvirtuados os seus valores etnográficos. Tudo quanto a mão do homem aí criasse não poderia desafeiçoar, em nenhum pormenor, o «clima» dessa maravilhosa e vasta zona lacustre. Só assim o seu potencial turístico seria vantajosamente explorado, e então a caça representaria para todas as localidades ribeirinhas, mas especialmente para a cidade de Aveiro, um dos seus grandes factores económicos.

   
 

Neste ponto do Rio Novo do Príncipe vê-se um barco,  transportado a reboque do automóvel, para um dia de caça na Ria de Aveiro.

 

O turismo, matéria impalpável, um todo feito de pequenos nadas, tem encontrado dificuldades em se fazer acreditar como sólido factor de economia. As suas razões dispersas, só em países muito evolucionados, do ponto de vista turístico, são habilmente exploradas. Nós, Portugueses, estamos ainda encarando o turismo unicamente sob o seu aspecto climático, e daí o nosso apetrechamento ter-se realizado apenas nas estâncias balneares da beira-mar, sobretudo nas meridionais. Por algum lado, aliás, se tinha de começar, mas é tempo de observarmos que outros motivos existem para fomentar turismo, e Portugal é deles milionário.

Aveiro e a sua região podem considerar-se, sem sombra de dúvida, um somatório de raros requisitos para o exercício do turismo, e a cinegética, insistimos, é entre eles um dos mais importantes, até porque um desenvolvido programa de caça poderia colmatar, turisticamente, a grande brecha provocada pela «época morta», comum, de resto, a quase todas as regiões do País, onde o turismo vive apenas durante o verão.

O tempo se encarregará de nos dar razão no assunto aqui exposto, mas preferível seria, releve-se-nos a liberdade da imagem, que os homens se antecipassem ao tempo e tomassem como lema o conhecido axioma: «não deixes para amanhã o que possas fazer hoje».

 

páginas 31 a 33

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