Tem de se confessar que a laguna de
Fermentelos é sem dúvida a mais encantadora beleza turística do
nosso concelho. Quando os nenúfares erguem, na Primavera, a sua
cândida flor sobre as águas azuladas, a lagoa toma a expressão
maravilhosa dum jardim encantado. A sua beleza é, com efeito, um
sugestivo de milagre de luz e cor do céu azul, do verde da
paisagem, das largas e copiosas folhas dos nenúfares espalmados
sobre as águas com a brancura frágil da flor acenando no ritmo da
aragem que enruga mansamente as águas.
Vai desde EspinheI até lá abaixo a
Requeixo, onde uma ponte, junto do rio Águeda, aperta as águas
resplendentes da luz, na doce tamização das sombras caídas dos arcos
sob os quais elas deslizam para se prenderem adiante na
imobilidade dos pegos toldados pela sombra dos salgueiros que lhe
tocam com a ponta cariciosa dos seus ramos. Grande mágoa que Raul
Brandão não conhecesse o suave encanto desta laguna e numa das suas
páginas não fixasse para a eternidade o milagre de luz e cor das
águas e da paisagem que os cerca e que impressiona a nossa
imaginação em sugestões paradisíacas.
Temos de concordar que a beleza dos
cenários pede instintivamente à nossa imaginação a presença duma
nova Eva. Sem a presença da mulher, estamos em crer, que a beleza
natural das paisagens não a tinge o seu mais amplo significado. A
nossa imaginação perante a suprema maravilha das coisas pede que o
lugar admirável seja compartilhado por alguém mais, que a sugestão
edénica do ambiente seja coroada pelos propósitos festivos do Amor –
que o homem, enfim, não concebe a beleza do Paraíso sem a presença
duma mulher. E quando ela surge, as circunstâncias de tempo e lugar
perdem o seu significado – então o Mundo reduz-se nos dois entes; a
Terra é só o lugar que eles pisam.
A Morte virá um dia de manso sem que
dê fé o coração nas suas pancadas aflitas; os sete sinos das igrejas
que rodeiam a lagoa dobrarão a finados; um caixão estreito
atravessará numa barca a laguna a caminho do cemitério na hora
triste em que o vermelho do poente se transforma nas trevas
cinzentas do anoitecer.
E as aves que dormem à noite nas
águas mansas seguirão o esquife como homenagem a quem as não
sacrificou ao prazer estúpido de as matar.
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Lagoa de Fermentelos |
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