«Com tal aproveitamento,
consegue-se:
– o domínio das cheias do Vouga e,
como consequência, as condições para serem recuperados ou
beneficiados no Baixo Vouga cerca de 11 000 ha de bons terrenos
agora pouco produtivos;
– a garantia de um elevado caudal de
estiagem no Vouga, e portanto: a possibilidade de intensificar e
alargar as culturas de regadio; eliminação das dificuldades no
abastecimento de água às indústrias ribeirinhas e do problema da
poluição das águas do rio;
– aumento de tráfego no porto de
Aveiro decorrente da valorização do Baixo Vouga.
Com o estudo económico-social
apresentado no Volume I do Anexo 3 procurou-se não só avaliar as
implicações nesse campo do esquema do aproveitamento preconizado,
mas principalmente lançar a iniciativa do estudo de um plano de
desenvolvimento da região que tende à melhoria de emprego da
mão-de-obra local e, consequentemente, à subida do seu nível de vida
e à descida da taxa de emigração.
O objectivo deste Plano Geral é o
aproveitamento hidroeléctrico. Ele não pode, porém, ser
esquematizado sem se terem em consideração as suas implicações sobre
o uso da água para outros fins.
Com efeito, criadas embora as
albufeiras com vista à produção de energia, elas também regularizam
as cheias e possibilitam assim a recuperação de terrenos incultos; e
também garantem maiores caudais de estiagem, que podem ser
utilizados em novos regadios ou para fins industriais. Duma maneira
geral há, portanto, benefícios a contabilizar para além dos
hidroeléctricos.
No Rio Paiva eles não são sensíveis.
Já no Rio Vouga podemos separar duas zonas com características e
problemas bem distintos:
/ 36 /
– uma, o «Vouga», até à foz do Caima
(1 030 Km2 de bacia hidrográfica). Rio de planalto e de montanha,
com interesse essencialmente hidroeléctrico;
– outra, o «Baixo Vouga» (1 370 Km2,
incluindo os afluentes Caima, Águeda e Cértima), em que o problema é
de domínio de cheias para melhoria e defesa das explorações
agrícolas e de garantia dos caudais e estiagem necessários para a
rega e usos industriais.
Ao elaborar o esquema do
aproveitamento do Vouga, houve portanto que analisar o problema sob
três aspectos, dos quais o primeiro não é por certo o mais
importante:
– o aproveitamento hidroeléctrico;
– o domínio das cheias, avaliando a
importância dos seus benefícios e por conseguinte a força dos
condicionamentos que ele virá a introduzir na produção de energia;
– as dotações de água necessárias em
estiagem, comparando-as com o caudal garantido nessa época.
Quanto aos aspectos não
hidroeléctricos do problema, essa derivação apresenta uma vantagem
(o mais fácil domínio das cheias) e um possível inconveniente (a
redução do desarmazenamento estival garantido na albufeira de
Ribeiradio), inconveniente que, como veremos, não é efectivo, uma
vez que o caudal de estiagem garantido pela parte da bacia não
derivada é bastante para as necessidades previsíveis.
No anexo 3-VoI. 2, dá-se uma ideia
geral dos benefícios de natureza hidroagrícola a colher da
regularização dos caudais no Baixo Vouga, representados pela
possibilidade de recuperação ou beneficiação de cerca de 11 000
hectares de bons terrenos agora improdutivos ou explorados em
condições deficientes, e traduzíveis num aumento de rendimento anual
bruto e 60 a 70 mil contos.
Nesse VoI. 2 determinam-se também as
necessidades de água para rega no Baixo Vouga (44 x 106 m" por ano),
largamente excedidas pelos desarmazenamentos estivais da albufeira
de Ribeiradio (194 x 106 m2) garantidos em qualquer ano pela bacia
do Vouga não derivada para Alvarenga.
Com o esquema de aproveitamento
hidroeléctrico proposto para o Vouga domina-se o maior contribuinte
para as cheias no Baixo Vouga. O domínio destas seria praticamente
completo com a regularização, na albufeira de Rio Côvo, dos caudais
do Águeda, o outro contribuinte importante. A água armazenada nesta
albufeira (107 milhões de m3 garantidos em qualquer estiagem)
poderia no caso de a excedente do Vouga se destinar à indústria, ser
utilizada na rega dos campos a sul de Aveiro, campos incluídos no
plano elaborado em 1935 pela Junta Autónoma de Obras de Hidráulica
Agrícola para o aproveitamento do Rio Mondego como susceptíveis de
serem regados a partir deste rio, mas que, podendo agora dispor-se
para tal de água, sê-lo-ão sem dúvida em condições mais vantajosas a
partir do Baixo Vouga.
Quanto às necessidades de água para
a indústria elas são actualmente representadas pelas da Fábrica de
Cacia, da Companhia Portuguesa de
/ 37 /
Celulose, e à sua satisfação não causará embaraços a derivação do
Vouga para Alvarenga.
Sob o ponto de vista
económico-social o aproveitamento dos rios Paiva e Vouga terá duas
ordens de consequências:
– a produção de energia, a integrar
no sistema nacional e portanto de interesse geral;
– os benefícios, de ordem
hidro-agrícola ou industrial, resultantes de regularização do regime
dos rios – de âmbito regional.
CORRECÇÃO DO REGIME DO RIO VOUGA OBTIDA COM A EXECUÇÃO DO ESQUEMA DE
APROVEITAMENTO PROPOSTO
Dado que têm características bem
distintas, separámos, por comodidade de ordenação, o troço do Rio
Vouga situado a jusante da foz do Caima, designando-o por «Baixo
Vouga», do restante do rio, a que chamámos simplesmente «Vouga».
Ao Baixo Vouga afluem, além do
Vouga, os Rios Caima, Águeda e Cértima.
Domínio das cheias
O domínio das cheias no Vouga tem
interesse na medida em que ele é o maior contribuinte para as do
Baixo Vouga, dado que a montante da foz do Caima o rio corre em vale
encaixado, sendo de pouco significado os prejuízos resultantes das
cheias. Estas ficam praticamente dominadas na albufeira de,
Ribeiradio, onde afluem 90 % da bacia do Vouga e onde se consegue um
caudal de cheia regularizada não superior a 60 mais em cerca de 90 %
dos anos, valor que representa uma pequena fracção do caudal de
cheia natural,
Domínio do caudal sólido
Não efectuámos medições de caudal
sólido no Vouga, nem dispomos de dados a não ser os que resultam da
simples observação directa. Estes, porém, aliados à natureza
geológica da bacia hidrográfica e ao estado de cultura dos terrenos,
levam-nos a concluir que, embora sem transportar elevado caudal
sólido, o Vouga é também sob este aspecto o responsável pelas
dificuldades no Baixo Vouga.
Ainda neste caso a albufeira de
Ribeiradio, retendo o material sólido, teria papel decisivo no
desassoreamento do leito do Baixo Vouga, que parece começar a
esboçar-se no troço final talvez por virtude de melhoria da barra de
Aveiro.
Represamento dos Rios Águeda e
Alfusqueiro, em Rio Côvo
O Rio Águeda e o seu afluente
Alfusqueiro drenam as vertentes norte e oeste da Serra do Caramulo,
muito declivosas e de elevada pluviosidade. Com uma bacia
hidrográfica e 431 Km2 e sujeito a cheias bruscas e de grande
amplitude, o Águeda é o outro grande contribuinte para as cheias no
Baixo Vouga.
O domínio das cheias do Vouga
representa sem dúvida um passo decisivo para a resolução deste
problema. Se se pretender, porém, um domínio praticamente completo
das cheias no Baixo Vouga, então torna-se necessário corrigir também
o Águeda.
Isso seria possível represando o Rio
Alfusqueiro na garganta situada
/ 38 / nas
proximidades da povoação de Rio Côvo e derivando o Águeda para a
albufeira assim formada. Com o represamento até à cota 90 m
dispor-se-ia de uma capacidade útil de armazenamento de 140 milhões
de metros cúbicos e com ela seria possível regularizar as cheias por
forma a não ultrapassagem 50 m3/s em cerca de 90 910 dos anos.
ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DE CARÁCTER ECONÓMICO-SOCIAL DA EXECUÇÃO DO
APROVEITAMENTO DOS RIOS PAIVA E VOUGA
Consequências de ordem
hidroagrícola
Nos vales do Paiva e do Vouga (a
montante da foz do Caima) seriam sem significado os benefícios de
natureza hidroagrícola derivados da regularização do regime dos
rios. Já outro tanto não pode dizer-se do Baixo Vouga, onde extensas
zonas de bons terrenos se encontram agora permanentemente
encharcadas ou sujeitas à acção das cheias. O Vol. 2 do anexo 3 é
inteiramente dedicado à análise do aproveitamento hidroagrícola do
Baixo Vouga e dele se conclui que o domínio das cheias
possibilitaria a recuperação ou beneficiação de cerca de 11 000
hectares desses terrenos, com um aumento de rendimento anual da
ordem dos 60000 contos. As necessidades de água para a sua rega são
calculadas em 44 000 000 m3, volume excedido em muito pela garantia
anual da albufeira de Ribeiradio (194000000).
A regularização das cheias do Vouga
em Ribeiradio é essencial para o aproveitamento dos 11000 ha e
permite sem dúvida, por si só, que se leve a cabo em boa parte
deles. Seria, porém, necessário um estudo adequado das cheias do
Águeda e do Baixo Vouga para se concluir se o domínio das do Vouga
bastaria para o aproveitamento total desses terrenos, ou se pelo
contrário haveria necessidade de regularizar também as cheias do
Águeda.
Os 150000000 m3 sobrantes em
Ribeiradio, e eventualmente mais os 107 000 000 m3 garantidos na
albufeira do Rio Côvo, poderiam ser elevados para rega dos campos
que se desenvolvem, até cerca da cota de 50 m, para sul de Aveiro e
Fermentelos. Dispondo-se de água bastante para tal, seria ainda de
encarar a intensificação do regadio nos campos de Murtosa a Pardilhó,
sugerindo-se para talo estudo da possibilidade de se criar um
armazenamento no Laranjo, junto de Murtosa. Assim se poderia
beneficiar uma área que decerto facilmente atingiria a ordem dos 15
000 ha.
É portanto de encarar a
possibilidade de recuperação ou valorização de cerca de 25 000 ha de
bons terrenos numa zona densamente povoada, com os benefícios de
ordem económico-social daí decorrentes, traduzidos na melhoria do
nível de vida da população rural e sua consequente fixação.
Reflexos nas indústrias
ribeirinhas
Vimos já como é reduzido o caudal de
estiagem no Baixo Vouga, mesmo em anos muito chuvosos, o que cria
dificuldades a indústrias já instaladas junto dele, nomeadamente à
de celulose existente em Cacia.
Por outro lado o desenvolvimento em
projecto do porto de Aveiro estimulará por certo o desenvolvimento
do parque industrial da região pela maior facilidade e acesso em
matérias-primas e de saída dos produtos fabricados. As
/ 39 /
pesquisas de água subterrânea levadas a efeito na zona parece não
terem conduzido a resultados muito animadores, e, se as perspectivas
não melhorarem, a carência de água doce poderá vir a constituir um
forte condicionamento à instalação de bom número de indústrias.
Garantindo a albufeira de Ribeiradio
um caudal permanente de cerca de 15 m3/s, deverá ser vista como
factor de grande importância não só na melhoria das condições de
exploração de indústrias já existentes, mas ainda para a montagem de
novas indústrias.
Cabe nesta nota referir que é já
considerável o valor industrial da região que margina a Ria de A
veiro; só nos concelhos de Aveiro, ílhavo, Estarreja e Ovar o valor
bruto da produção atinge cerca de 1 500 milhares de contos, num
total e 20000 milhares no Continente (excluindo Lisboa e Porto).
É portanto real e imediato, sob o
ponto de vista industrial, o valor da garantia de elevado caudal de
estiagem no Baixo Vouga, mesmo sem contar com o desenvolvimento que
ele proporcionaria nas indústrias com base agro-pecuária.
Diversos – Melhoria de ligações
rodoviárias
Tanto no Paiva como no Vouga, as
barragens previstas serviriam para melhorar as comunicações entre as
duas margens. Parecem-nos contudo merecer especial referência: a de
Alvarenga, que viria estabelecer a ligação da margem norte do Paiva
com Arouca, possibilitando assim a saída pelo porto de Aveiro dos
produtos da zona florestal da Serra de Montemuro; a de Portela que
proporcionaria boa saída para a zona florestal da Serra de Leomil; a
de Castro Daire que melhoraria grandemente o acesso a esta Vila; a
de Ribeiradio que poderia vir a constituir uma alternativa para a
velha ponte de Pessegueiro na passagem do Rio Vouga.
Situando-se as albufeiras em zonas
essencialmente povoadas de florestas ocorre ainda perguntar se elas
próprias não poderiam ser utilizadas para o transporte de parte dos
produtos florestais e sua concentração junto das barragens, onde
seriam recolhidos e eventualmente trabalhados.
Pesca fluvial – Turismo
O Rio Paiva e os seus afluentes
possuem condições fisiográficas excepcionais para o habitat da truta
(Salmo trutta fario, L) constituindo uma das bacias hidrográficas do
nosso País onde este salmonídeo melhor se desenvolve. Além disso,
nele entra a truta marisca (Salmo trutta, L) peixe migrador
particularmente apreciado pelos adeptos da pesca desportiva e que
muito valoriza as possibilidades haliênticas deste curso de água.
Aumento do tráfego no porto de
Aveiro
O aumento da produção agro-pecuária,
a instalação de novas indústrias, e, em suma, o desenvolvimento do «hinterland»
do porto de Aveiro, a processarem-se como é de prever,
traduzir-se-iam num aumento do tráfego nesse porto. Para tal daria
sem dúvida apreciável contribuição o plano de aproveitamento agora
apresentado, quer directamente, como no sector agro-pecuário e no
das indústrias dependentes da permanência de água no rio, quer
indirectamente, como por exemplo na eventual localização junto das
barragens de indústrias à base de produtos florestais, conforme
atrás sugerido». |