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3
Diversos
a
Património
Rendimentos e encargos
Pelo que transcrevi do foral
concedido à «Feira e Terra de Santa Maria» em 1514, vê-se que a
capela tinha património privativo que, a partir de então, passou a
fazer parte de tombo autónomo: «E as outras rendas e foros da dita
capella posto que atee quij andassem nos tombos da dita terra
misticamente com as outras Rendas nossas Ouvemos por bem de as
apartar deste tombo nosso».
O mesmo foral especifica, conforme
texto já transcrito, o que pagava à Coroa Real «polla capelIa de
Santa Maria do Castelo» nomeando-se também o que pagava o «manistrador
desta capella», o que parece referir-se a encargo desta e não dele
administrador, como se fosse rendeiro ou enfiteuta.
Também se refere ao que pagava «João
da ponte polas rendas de Santa Maria do Castelo a nos cinquoenta e
quatro Reaes e pero de Aragam polla mesma capella de cevada cinquo
alqueires e quarta», o que se deve interpretar como encargos da
capela.
Sendo assim, estes João da Ponte e
Pero de Aragom deviam ser rendeiros de bens da capela que, por sua
vez, estavam obrigados à Coroa por serem de natureza reguenga.
É interessante a referência que se
faz a «vinhas», que denota a sua cultura de cepa e não de ramada, ao
contrário do que hoje é usual por aqui.
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Interior da capela de Nossa Senhora
da Encarnação. |
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Quando tudo isto se passava, já o
castelo e os seus bens estavam na posse, como donatários, dos condes
da Feira, ao tempo o terceiro – D. Manuel.
O único administrador da «Capela de
Nossa Senhora do Castelo», cujo nome me foi dado averiguar, foi o do
já referido D. José de Alem Castro, reportado ao fim do ano de 1755.
Altares, imagens, relíquias e
ornatos da capelão
Na capela existem três altares: um
defronte da porta principal e um outro de cada lado.
Todos são modestos e, como já se
disse, são ornados de talha em madeira de grande relevo, com as
pilastras idênticas às do portal da porta principal.
Estão dourados, mas o da direita
incompletamente, com o seu frontal por pintar.
Altar do lado
(o do norte) – St.ª Luzia, em pedra, entre duas pinturas sobre
madeira; St.ª Isabel (a da sua direita) e St.ª Luzia (a da sua
esquerda).
Altar central
– N. Sr.ª da Encarnação, de madeira, encimada por um painel
invocando a Anunciação.
/ 56 / [fac-simile
da página 56]
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Altar do lado
(o do sul) – S. Caetano, em madeira, entre duas pinturas sobre
madeira: S. Bento (o da sua direita) e S. Bernardo (o da sua
esquerda).
Em baixo: no centro a imagem de N.
S.ª do Castelo Velho, tendo à sua esquerda S. Roque e, à sua
direita, S. João Baptista.
Com excepção desta imagem, que é de
barro, as outras são de pedra.
A imagem de Santa Luzia, de pedra,
está coroada; esta, a da Nossa Senhora da Encarnação, a da Nossa
Senhora do Castelo Velho e a da Santa Luzia, de madeira, têm manto.
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Altar do norte e púlpito. |
Numa banqueta de madeira, entre o
altar da frente e o que fica para norte, está uma outra imagem de
/ 57 /
Santa Luzia, de madeira, com semelhante feitura e aspecto da da
Nossa Senhora da Encarnação.
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Estas duas imagens devem ter sido
mandadas fazer pela condessa D. Joana quando mandou reedificar a
capela em 1656 – e ambas devem ter tido posição nos seus respectivos
altares: a de Nossa Senhora da Encarnação onde hoje ainda está; e a
de Santa Luzia no referido altar que lhe fica à direita (o do
norte).
Quanto à imagem de pedra de Santa
Luzia, diz o Dr. Vaz Ferreira no seu «Ferro Velho» – Capela de Santa
Luzia – Correio da Feira, número 2929 de 19 de Março de 1955) e no
artigo «Santa Luzia do Castelo da Feira» (cit. Arq. Dist. de Aveiro
– Vol. VIII, pag. 5), que ela estava na ermida de Santa Luzia e que
foi recolhida pelo povo quando ela se desmoronou. Segundo este
cronista ela veio ter à mão do já mencionado Henrique Pinto Brandão,
que a ofereceu à capela de Nossa Senhora da Encarnação em 1893, como
já foi referido.
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Imagem de madeira de Santa Luzia |
A isto tenho a observar o que o
vigário Quintela disse na resposta ao questionário para o
«Dicionário Geográfico», em 1758 – conforme texto já transcrito,
referindo-se à Capela de Nossa Senhora da Encarnação:
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«Tem esta capela três altares, em um
dos quais esta novamente colocada a imagem de Santa Luzia por se ter
arruinado a capela da dita Santa que estava extra muros do mesmo
Castelo, sem romagem...»
Os termos em que está dada a notícia
faz crer que se trata da velha imagem e não da que foi mandada fazer
pela Condessa D. Joana e, assim, para conciliar esta posição com a
informação dada pelo Dr. Vaz Ferreira, temos que admitir que a
imagem transitou da velha ermida para a capela e que daqui foi
retirada, indo parar, depois de conhecer vários donos, à mão da
Henrique Brandão, que a ofereceu à capela.
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Santa Luzia. Antiga imagem de pedra. |
Se se trata da imagem mandada fazer
pela D. Joana, o que não é verosímil, não temos observação a fazer.
A imagem de «Nossa Senhora do
Castelo Velho» é muito antiga.
Não se sabe se proveio da capela
antiga de Nossa Senhora da Encarnação ou da velha ermida de Santa
Luzia. É natural, dada a sua designação, que tivesse pertencido
àquela.
Durante muito tempo esteve na
sacristia da capelão, ocupando hoje lugar principal no altar do sul,
onde anteriormente estivera a imagem de Santa Luzia (a similar, em
estilo, à de Nossa Senhora da Encarnação).
Em Novembro de 1924 e em 1925 foi
reparado o altar do sul por estar deteriorado em grande parte, pela
acção do tempo.
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Altar do centro. |
No dizer do «Correio da Feira»,
número 1421 de 3 de Janeiro deste último ano, ele foi reconstruído
quase todo de novo por estar destruído, quase inteiramente, pela
humidade, reconstrução que foi contratada, a fazer em castanho, pela
quantia de 2400$00.
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O sino foi fundido já neste século,
pois dele consta a seguinte gravação: «Fábrica de Sinos – L F Rocha
Porto – 1907».
A rica imagem de S. Sebastião que se
venera nesta vila e é levada em andor na tradicional «Festa das
Fogaceiras», que se realiza, nesta vila, a 20 de Janeiro de cada
ano, esteve depositada, durante algum tempo, na capela do Castelo,
confiada à guarda da Comissão de Vigilância, como consta de um auto
lavrado no edifício dos Paços do Concelho em 8 de Maio de 1943, em
que interveio o presidente da Câmara
/ 58 /
Municipal e o Dr. Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, como
presidente e em representação daquela Comissão.
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Imagem de Nossa Senhora da
Encarnação. |
Tinha dado entrada na capela a 25 de
Janeiro de 1944, o que resultou do que passo a relatar.
Em dada altura do meu mandato, como
presidente da Câmara Municipal, entendi que a imagem, que sempre
estivera arrecadada no edifício dos Paços do Concelho em precárias
condições para a sua salvaguarda e conservação, devia estar
depositada na Igreja Matriz, de onde partia e aonde recolhia a
procissão daquela festa das «Fogaceiras».
Depois de ela já estar na Igreja
entendi, para evitar futuras dúvidas sobre a sua propriedade, que o
pároco devia passar documento comprovativo de a imagem pertencer à
Câmara e não à Igreja.
Ele teve a infeliz atitude de se
esquivar a fazer o documento e, em consequência, após a festa de
1944, mandei levantar a imagem e depositá-la na capela do castelo,
na forma referida.
Em 4 de Fevereiro de 1944, o
referido presidente da Comissão de Vigilância, em resposta a um seu
ofício de 25 de Janeiro p. p., recebeu do chefe da repartição do
Património (Direcção-Geral da Fazenda Pública) um outro do seguinte
teor:
«Informo V. Ex.ª de que por despacho
desta Direcção Geral de 29 do mês findo, foi essa Comissão
autorizada a receber em depósito na Capela de N.ª S.ª da Encarnação
anexa ao Castelo dessa vila a imagem de S. Sebastião. Em relação às
duas imagens de Santa Luzia, embora as regras litúrgicas determinem
que só /
59 / uma delas deve permanecer no templo, esta
Direcção Geral entende que à autoridade eclesiástica local e não a
essa Comissão compete a escolha.
Altar do sul.
Todavia, vendo o assunto dentro de
um critério puramente histórico, parece que a imagem a retirar para
a sacristia deverá ser não a do século XVII, feita quando se
reconstruiu a capela, mas a imagem de pedra mais antiga, que
pertenceu à outra capela.»
Respondeu o presidente da Comissão
de Vigilância em 7 do mesmo mês, dizendo depois de agradecer a
autorização concedida: «Quanto às imagens de St.ª Luzia não há que
fazer escolha. Está de há muito feita. Em 1923 foi a imagem de
madeira do século XVII substituida no altar próprio pela velha
imagem provinda da capela de Santa Luzia, de acordo com a autoridade
eclesiástica e com especial aprazimento do povo. É esta imagem,
velha mas muito bem conservada, que tem o fervoroso culto desta
região. A outra, do século XVII, foi posta no terceiro altar que se
encontrava arruinado, porque ao tempo a capela não tinha sacristia
por esta fazer parte do prédio na posse de um particular, estando
entaipada a porta de comunicação. Reparou-se incompletamente esse
altar e a imagem lá se deixou indevida e irregularmente: agora
recolheu-se à sacristia, visto ela ter sido de novo afecta ao
serviço da capela. Cumpre-me ainda declarar que o valor artistico da
imagem velha de pedra, que ficou no altar especial e se deve
atribuir ao século XIV é muito superior ao da imagem de madeira do
século XVII, que ainda na sacristia será bem conservada como merece,
continuando a servir como é uso, na procissão anual.»
Em ofício de 14 seguinte a
Direcção-Geral da Fazenda Pública deu a sua concordância.
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Como já disse, a Santa Luzia de
pedra está hoje no altar do norte e a outra numa banqueta entre esta
e o altar da frente.
Na parede frontal da capela vê-se um
vitral com a cruz floreada dos Pereiras.
Foi mandado colocar pela Comissão de
Vigilância, em substituição de uma vedação insuficiente que lá
estava.
Os serviços dos Edifícios e
Monumentos Nacionais chegaram a mandar um para aí ser colocado, o
que não foi possível por inadaptação de medidas: ainda hoje se
conserva guardado na sacristia da capela.
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Imagem de pedra de Nossa Senhora do
Castelo Velho: duas posições.
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Dos cantos do hexágono, no interior
da capela, nascem as nervuras da abóbada.
/ 60 /
Em cada um deles existe um leão
muito tosco em calcário, segurando, com uma das garras, uma espada e
com a pata esquerda, um escudete em branco indevidamente pintados
por qualquer trolha.
No parecer do Dr. Vaz Ferreira é
possível que eles se destinassem a reproduzir os brasões das
famílias ligadas à Casa da Feira (citado «Ferro Velho» – A Capela do
Castelo – no Correio da Feira de 18 de Fevereiro de 1950 e «Guia do
Visitante do Castelo da Feira, pág. 22).
Como já disse, a capela de Nossa
Senhora da Encarnação possuiu, em tempos, «notáveis relíquias de
santos» (o Ceo aberto na terra – do padre Francisco de Santa Maria –
1697, repetido nos mesmos termos pelo padre António Carvalho da
Costa, na sua «Corografia Portuguesa», o que denota ser cópia da
anterior informação).
Em 1758 o padre José de S. Pedro
Quintela, nas respostas ao questionário à ordem do Marquês de
Pombal, ainda informa que «nela se guardam notaveis reliquias de
santos das quais muitas pelo curso do tempo tem levado descaminho».
Hoje já não existem.
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Banqueta de prata,
oferecida pelo infante D. Pedro (D. Pedro III) à capela de Nossa
Senhora da Encarnação. |
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Noto, porém, que no arrolamento
feito em 1753, à ordem da «Casa do Estado do Infantado» para a
organização do seu tombo, não se faz referência àquelas relíquias
nem mesmo às peças que as continham.
Em 18 de Outubro de 1911, na
sacristia da igreja matriz desta vila, onde se faziam as sessões da
Junta da Paróquia, procedeu-se ao inventário dos bens declarados
pertença e propriedade do Estado nos termos do artigo sessenta e
dois do decreto de 20 de Abril desse ano.
A diligência foi efectuada pela
respectiva «Comissão Concelhia de Inventário», composta pelo
administrador do concelho José Cândido Marques de Azevedo,
presidente, de Aníbal Huete de Bacelar, aspirante de finanças, da
Feira, servindo de secretário e do presidente da «Comissão
Paroquial» Manuel da Costa Pereira, indicado pela «Comissão
Municipal».
Depois de se ter procedido ao
arrolamento dos bens existentes naquela igreja, passou-se aos dos da
capela do castelo, conhecida «pela invocação de capela de Nossa
Senhora de Março, a qual se acha situada no lugar do Castelo em
terreno paroquial» (o sublinhado é meu).
Do mesmo auto consta «que tem a
forma exagonal contendo três altares, num dos quais se encontra, «o
do centro», com a imagem de Nossa Senhora da Encarnação, três sacras
ordinárias, duas jarras ordinárias com ramos, uma cruz e quatro
castiçais de madeira ordinários. Outro altar com quatro imagens,
cujos nomes se ignoram, tudo ordinário, outro altar com duas imagens
de Santa Luzia, três sacras ordinárias, um crucifixo de metal
ordinário dourado, dois castiçais de metal
/ 61 /
ordinário, quatro bancos, uma lâmpada de suspensão de metal amarelo,
duas cantoneiras de madeira, duas estantes para missal, uma arqueta,
vinte e quatro jarras de louça ordinária, quinze ramos de flores
também ordinários, uma sineta de campanário, um escadote para o
púlpito, outro escadote, duas toalhas brancas de altar, em bom uso».
Os arroladores encontraram na
palavra «ordinário» uma maneira fácil de ocultar os seus fracos
conhecimentos da especialidade e a boa vontade que tiveram em
simplificar o trabalho.
Objectos de culto, alfaias, ornamentos e pratas
A notícia mais antiga que encontrei
sobre estes bens da capela consta do já referido exemplar, que
existe na Biblioteca Municipal desta vila, do trabalho do padre
Jorge de São Paulo «Livro e memorial da fazenda deste convento...».
A fls. 51 diz, quanto ao inventário
do convento, na parte em que arrola os ornamentos:
«Além do que esta atraz assentado,
esta em hum caixão da procuração hua vestimenta e alva sem amito nem
cordão e hum frontal e três panos de estante hû grande e dous
pequenos e hûa bolsa sem corporais e hûas bandeiras destend artes
que tudo he da Hermida de Nossa Senhora do Castelo, que se da pera
lá quando se pede: e mais hûa pedra dara».
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Lâmpada
de prata, oferecida pelo infante D. Pedro (D. Pedro III) à
capela de Nossa Senhora da Encarnação. |
Tudo isto foi escrito pelo P.e
Jorge depois do exercício do seu triénio como Reitor (1636-1638).
No verso da fI. 51 diz: «Está nesta
nossa casa um calix grande de prata com sua patena, uns castiçais de
prata, umas galhetas de prata com sua salva também de prata, tudo
metido numa caixa de coiro preto que o Snr. D. António Pereira
mandou fazer para nossa Senhora do Castelo e eu o mandei fazer
vivendo no Porto por isso ele encomendar o quizesse mandar fazer, e
para que se saiba que não é deste mosteiro esta prata senão de Nossa
Senhora do Castelo deixei esta lembrança neste livro visitando esta
casa hoje 27 de Abril de 1616 P.e da Assunção reitor geral» (reitor
da Feira 1589-91). Nota por outra letra antes da assinatura «Já tudo
foi para o Castelo» (Arq. do Dist. de Aveiro, vol. XVII, fls. 45).
Carta genealógica da Família Soares de
Albergaria [pág.
62] – Ramo da Quinta do Paço, em S. João de Ver.
Já a fls. 200 do vol. XVI desta
revista constava, em referência a este livro: «§ 1.º – a fls. 51
verso, esta uma memória do padre reverendíssimo Pero d'Assunção
Geral que foi nesta congregação que diz o seguinte: «Um calix grande
de prata dourado com sua patena, dois castiçais de oratório: as
galhetas maiores com sua salva tudo de prata mandou fazer D. António
Pereira para a ermida de Nossa Senhora do Castelo; e assim todas as
vezes que fôr necessario para a dita ermida lho hemos de dar; e mais
o frontal e como tenho dito a fI. 51».
Por sua vez, a fI. 52 acrescenta,
sob a epígrafe «Inventário da prata desta Casa e de quem nola deu» =
«Oito castiçais de prata em que entram dois pequenos (entrelinhado
por outra letra) estes foram para o Castelo que eram da ermida... Umas galhetas com seu prato tudo de prata (por outra letra) «estas
foram para o Castelo» (cit. revista vol. XVII, págs. 46).
Todas estas notícias devem
referir-se à mesma prata.
João Frederico Teixeira de Pinho, no
seu livro – Memórias e datas para História da Vila de Ovar, a pag. 279, diz: «A linda capela do Castelo foi reedificada no ano de 1658,
no tempo da regência da Senhora D. Luisa Francisco de Gusmão, filha
dos Duques de Medina Sidónia. O Serenissimo Infante D. Pedro
brindou-a com uma cruz de prata e seis castiçais para a
/ 63 /
banqueta, no peso de setenta e seis marcos e uma oitava; dois
cálices com patenas douradas, no de cinco marcos, seis onças e seis
oitavos e meio; um prato de galhetas, no de quatro marcos, seis
onças e seis oitavas, um resplendor, no de cinco onças, uma alâmpada,
no de vinte e um marcos, cinco onças e três oitavas. Toda a prata
pesa cento e onze marcos, seis onças e duas oitavas e meia; mandou
também dois castiçais altos e Cruz à romana, de estanho para o
Altar-Mor, um missal encadernado em bezerro, bons paramentos de
cores, completos, e ornamentos para os Altares. Todas estas cousas
foram obradas em Lisboa, à ordem do Reverendo Beneficiado António da
Silva Leitão, por Vicente Francisco de Oliveira e João Ferreira
Bertes».
O autor não diz onde colheu esta
informação, velho defeito de muitos que escrevem sobre antiguidades,
esquecendo-se da necessária autenticidade que resulta da menção da
fonte da notícia dada.
Também não esclarece a que infante
D. Pedro se refere: se a D. Pedro II quando infante, se ao infante
D. Pedro, depois rei terceiro do nome.
Trata-se deste, que foi senhor da
Casa e Estado do Infantado, à qual pertencia a capela (como adiante
se confirma).
Não resta dúvida que não há qualquer
relação entre a reedificação da capela, feita pela condessa D. Joana
(em 1656 e não em 1658) e a dádiva do infante D. Pedro, pois a 25 de
Outubro daquele ano de 1656 faleceu o rei D. João IV deixando, como
regente, sua mulher a rainha D. Luísa de Gusmão que, como tal, se
manteve até 1662, data em que D. Afonso tomou conta do poder.
O infante D. Pedro assumiu a
regência do reino em 1667 e subiu ao trono em 1683 (sendo o segundo
do nome), o que tudo se processou ainda no tempo em que os condes da
Feira eram senhores donatários da capela.
E não é provável que, nesse tempo,
D. Pedro se interessasse pela capela, pois nenhuns laços de ordem
patrimonial o prendiam a ela.
Outro tanto não sucedia com o
infante, que veio a ser D. Pedro III (a partir de 6 de Junho de
1760, pelo seu casamento com D. Maria I), pois, até então, foi
senhor da «Casa e Estado do Infantado», à qual, como já disse,
pertencia a capela.
Em obediência a este critério
cronológico, integro, nesta altura, aquela informação.
Do já aludido inventário dos bens
pertencentes à «Casa e Estado do Infantado», para lançamento no seu
tombo – feito em 23 de Julho de 1753 – consta que existia na capela:
«Seis castiçais de prata, huma
estante de prata. Duas coroas de prata, uma grande e outra pequena.
Huma alampada de prata com hum arremate despregado. Dois vasos de
prata. Hum resplendor de prata com cinco pedras e hum coração. Hum
jogo de galhetas com seu prato e cobertouras de prata. Uma imagem de
Christo de prata. Hua Cruz de prata feita em bocados de filigrana –
sam sete bocadinhos. Hum calis com sua patena grande de prata
dourada. Huma cruz de prata pequena com pao por dentro e parte
descoberta. Outro calis com sua patena grande dourada. Huma cruz de
prata pequena com pao por dentro. Dois jogos de galhetas de prata –
pequena – com seus pratos. Mais outro calis de prata com sua patena
pequeno de prata. Dois sinos um grande e outro pequeno».
Como «Ornamentos» inventariaram-se:
«Um frontal velho com sua goarniçam
de veludo amarelo. Um frontal rouxo com seus festons de prata já
velho. Um pano de pulpito. Um frontal de seda roxo com uns ramos de
prata à roda – velho. Um frontal de Iam – de cores – vermelho. Um
frontal rico bordado e bolsa de prata já usado. Um frontal velho e
roto que parece de luto com flores azues. Um pano de seda já muito
usado e vermelho. Um pano de seda velho avermelhado com huns ramos
de ouro. Um frontal velho que parece de chita. Um frontal baixo como
huma espeguilha de prata – velho. Um frontal baixo com seu galão de
prata pequeno. Um frontal vermelho e roto e não se save de que he.
Um frontal muito velho pardo com torno de prata muito usado. Uma
vestimenta parda de seda com huns ramos e suas flores em bom uso.
Uma estola e manipolo roixo. Uma estola e manipolo de ramos – parda.
Um frontal pardo com sua renda de prata – usado. Duas almotolias
ricas de tenilha com suas guarniçoens de prata. Huma vestimenta do
mesmo. Huma capa de asperges do mesmo com suas vandas de prata. Huma
estola do mesmo. Dois manipolos do mesmo. Dois casulões irmãos. Um
veo de ombros. Um bocado de seda velha roxa. Quatro pedras de Ara.
Uma Alva rica com suas rendas. Mais outra do mesmo. Mais huma de
linho. Tres cordoens brancos. Uma Alva de linho. Quatro toalhas de
altar – velhas. Uns corporaes com huma Bolsa velha – media.
Huma casula, estola e manipolo. Huma
Alva. Um missal novo. Huma vestimenta com um manipolo Branco já
usado. E um ferro de ostias».
Consta do auto que todas as peças
arroladas estavam em depósito «pelo dito juizo da ouvidoria».
É de notar que grande parte, a
maioria, dos ornamentos estava muito deteriorada.
O Dr. Aguiar Cardoso, distinto
investigador da história regional, muito honesto e criterioso em
tudo que
/ 64 / nos informou, num dos seus
artigos «Migalhas de História do Concelho da Feira», intitulado «As
pratas e ornamentos da Capela do Castelo – 1756 a 1790» («Vila da
Feira», número 75 de 6 de Outubro de 1921) dá-nos uma curiosa
informação:
«num caderno encontrado em casa de
meu primo Benjamim Gama de Andrade, que vem ainda do espólio de seu
terceiro avô e meu bisavô, Bento José de Sousa, escrivão que foi e
administrador do Almoxarifado desta Vila, se colhe notícia daqueles
objectos da capela do Castelo e do destino que tiveram antes das
invasões francesas. Em primeiro lugar aparece nesse caderno inédito
a seguinte ordem do Senhor da Casa da Feira, que ao tempo era o
infante D. Pedro, mais tarde D. Pedro III, marido da rainha D.
Maria, «Almoxarife do Condado da Villa da Feira, etc.»
«Sendo informado que a omissão, que
tem tido os depositários dos bens, pessas e ornamentos da Capela do
Castela dessa Vila, declarados no rol junto assignado pelo Escrivão
da Fazenda que Esta ordem subscreveu, que lhe tem causado bastante
prejuízo e sendo sobre este particular ouvido o Procurador da
Fazenda de minha Casa e Estado do Infantado sou servido ordenar Vos
façais recolher tudo a capela e sacristia do Castelo, fechando tudo
nos caixões que na mesma Sacristia ha, seguros com chaves que tereis
em vosso poder, tendo entendido que não haveis de emprestar para
fora peça alguma, ou ornamento, deixando só ao Capellão o necessário
para o uso da missa quotidiana, e o lampadario o fazeis dependurar
na mesma capela, no seu costumado e antigo lugar, e sendo necessario
o mandareis limpar, e quanto aos sinos que forão da sobredita
capela, e se achão quebrados, e esta sem nenhum, mando ao ouvidor
dessa comarca, por ordem da data desta, mande fundir ambos para se
fazer hum para se por na torre da dita capela.
O serenissimo Senhor Infante Dom
Pedro a mandou pelos Ministros Deputados da Junta da dita sua casa e
Estado abaixo assignados. Escrito em Lx.ª a vinte e sete de Outubro
de mil setecentos e cincoenta e seis.
Lista dos Trastes de prata e
ornamentos pertencentes a capela do Castelo desta Vila da Feira de
q. he Sr. o Serenimo Sr. Infante D. Pedro q. D. g.e:
Seis castiçais de prata. Huma estante de prata. Duas coroas de
prata, huma grande outra piquena. Huma alampada de prata grande, com
hum remate despregado. Dous vazos de prata. Hum Resplendor de prata
com cinco pedras, e hum Coração –: Hum jogo de galhetas com seu
prato e coberturas grandes. Huma imagem de christo de prata. Huma
cruz de prata feita em bocados de filigrana, são sete pedacinhos.
Hum Calis, com sua patena, dourado, grande. Huma cruz pequena, com
pao por dentro e parte descoberto. (sic). Hum calis com uma patena
dourada grande. Huma cruz de prata piquena com hum pao por dentro.
Dois jogos de galhetas de prata piquenas com seus pratos. Mais outro
calis de prata com sua patena, pequena. Huma causula (?) de prata.
Dous sinos hum grande, outro piqueno. e quebrados»
Comparando este descritivo com o que
foi feito no inventário atrás referido vê-se que a lista foi feita
em conformidade com a do dito arrolamento, por vezes com leves
diferenças de termos que se devem atribuir a interpretação do texto.
Apenas merece referência o que o Dr.
Aguiar Cardoso descreveu na dúvida, como «Huma causula (?) de
prata», peça que não está descrita no inventário e, ainda, o facto
de os sinos serem dados como partidos, circunstância que não foi
notada no referido inventário.
Continua o articulista a mencionar
os «ornamentos» avisando, contudo, que «Por serem objectos de menor
importância transcrevem-se em resumo», o que nos impede de fazer a
comparação exacta com o que consta do inventário.
Posso verificar, contudo, que há
certa correspondência no número de unidades de cada espécie
«Ornamentos – 12 frontais, 1 pano de púlpito, 2 panos de seda, 4
casulas, estolas e manipulos, 2 dalmáticas, 1 capa de asperges, 2
capelos, 1 véu de ombros, 4 pedras de ara, 5 alvas, 3 cordões
brancos, 4 toalhas de altar, uns corporais, 1 missal novo, 1 ferro
de hóstias».
O Dr. Aguiar Cardoso acrescenta:
«Foi feita a entrega segundo a ordem atrás exarada. E já em 1760,
isto é, quatro anos depois, nova ordem do mesmo Infante D. Pedro
determina que se remeta tudo isso para Lisboa, a título de que assim
os ornamentos como o prata da «Capella dos Castellos» (sic) dessa
vila, necessitão de concertos ficando encarregado da remessa um
Domingos Pires da freguesia de Oliveira de Azemeis. E quem em Lisboa
havia de receber esses objectas era a Beneficiária Antónia da Silva
Leitão. Determinava essa ordem que apenas ficasse na capela uma
vestimenta com a qual se irá dizendo missa e o cálix melhor. Aparece
depois no mesmo caderno um requerimento do capelão P.e
Sebastião José Peixoto em que diz que tendo sua Alteza (referido a
D. João, depois sexto do nome), sido servido remetendo pelo correio
um caixote com algumas peças que o suplicante lhe tinha suplicado,
pedia para que o Escrivão do Almoxarifado fosse assistir à abertura
do mesmo caixote, tomando auto e nele declarando as peças que
continha.
O auto que é o último documento do
caderno e o primeiro lavrado por meu bisavô Bento José de Sousa em
/ 65 /
1790, enumera: «Hum missal novo. Hum frontal de seda. Huma
vestimenta e duas dalmacias com estolas e manipolos.
Huma bolsa para os corporais. Hum
veo de hombros. Um veo de calix. Hum turibulo e naveta de latão.
E nada mais. Não foram pois os
franceses que aliviaram a capela do Castelo das suas pratas porque
delas ficara já a linda capela aliviada por 1760, à ordem de D.
Pedro III».
O Dr. Aguiar Cardoso, continuando o
seu estudo, diz-nos, em outro artigo, que recebera uma carta
anónima, cujo remetente nunca chegou a descobrir, denunciando que as
pratas remetidas para Lisboa à ordem daquele rei haviam voltado ao
Castelo por mando do mesmo monarca e que, a quando da segunda
invasão francesa, foram escondidas e guardadas em lugar seguro
quando as tropas napoleónicas atingiram a Vila da Feira.
Comentando este passo disse, no
mesmo jornal e sob o mesmo título, com a epígrafe – Ainda as pratas
e ornamentos da capela do Castelo... (número 78 de 27 de Outubro de
1921).
«... Esclarece o anónimo autor da
carta referida que à entrada dos franceses na Feira (2 horas da
tarde de 31 de Março de 1809, que coincidiu com 6.ª feira da Paixão)
havia na capela, além de outras pratas, uma lâmpada e seis castiçais
de prata, peças de grande valor que tinha dado, para o culto divino
da sobredita capela, a real Beneficência do senhor rei o senhor Dom
Pedro Terceiro... Os franceses entrando na residência do capelão,
Sebastião José Peixoto, que tinha fugido, destruiram-Ihe o
mobiliário e penetraram na capela, levando as coroas e resplendores
de prata das sagradas imagens e ainda as galhetas e prato delas.
Escaparam à rapacidade dos invasores que, na linguagem do capelão,
eram «mais crueis que os neros, Dioclecianos, Maximinianos e outros
antigos», os castiçais e a lâmpada por a tempo serem retirados pelo
referido capelão que fugiu para Souto, à procura de pessoa que os
recolhesse e guardasse. Escusando-se toda a gente, com medo do
inimigo, prestou-se todavia a esse serviço o capitão João Pinto de
Bastos, do Salgueiral, bisavô paterno do actual representante da sua
casa, Sr. Manuel Pinto de Sousa Bastos.
Informa o mesmo anónimo que, expulso
o invasor, voltaram as pratas à capela do que se lavrou auto em 4 de
Junho de 1809.»
O certo é que, apesar dos esforços
do Dr. Aguiar Cardoso, não lhe foi possível conhecer o autor da
carta, o que o levou a finalizar o seu artigo, dentro do louvável
propósito que já enunciei – «É certo que só a qualidade e
procedência dos documentos podem dar autenticidade às notícias que
contem: e é por isso que nas notícias que venho publicando nunca
omito essas Circunstâncias importantíssimas e nem compreendo que em
caso algum se possam omitir».
Esta versão, nas suas linhas gerais,
coincide com a tradição, trazida de geração em geração, que lhe dá
como acrescento que o capitão João Bastos, também conhecido pelo
apelido de Sousa Bastos, uma vez na posse dessas pratas, para melhor
segurança, se refugiou com elas em S. Vicente de Pereira, em casa de
João Pereira Gomes.
Existem três documentos do ano de
1861 que respeitam directamente às pratas da capela do castelo,
cujas cópias se encontram no arquivo da «Comissão de Vigilância pela
Guarda e Conservação do Castelo da Feira»:
a) ofício da Repartição da Fazenda
do distrito de Aveiro, dirigido ao administrador do concelho da
Feira, em 30 de Outubro de 1861, remetendo a cópia autêntica da
portaria de 29 de Agosto do mesmo ano, expedido pela Direcção Geral
dos Próprios Nacionais do Tesouro Público, com as instruções que
desta resultam;
b) teor da mesma portaria, da qual
consta: «Sendo presente a Sua Magestade El Rei o requerimento em que
a Confraria do Santíssimo Sacramento da Vila da feira Pede lhe sejam
entregues para o fim sómente de servirem ao Culto Religioso na
Igreja Matriz da mesma vila as alfaias e objectos de prata
pertencentes à Capela de Nossa Senhora da Encarnação do Castelo da
dita vila, que se acham em poder do Depositário Geral do respectivo
concelho, ficando a propriedade dos referidos objectos pertencendo à
Fazenda Nacional e a suplicante responsável pela sua guarda e boa
conservação e conformando-se o Mesmo Augusto Senhor com o parecer da
Repartição, e opinião do Conselheiro Director da Direcção-Geral dos
Próprios Nacionais, e tendo em consideração a justa aplicação que
aos referidos objectos se pretende dar: Ha por bem conceder à
Confraria suplicante o uso das alfaias e objectos de que se trata e
constam de seis castiçais, uma cruz e crucifixo, uma alâmpada com
três fitas, prato e duas galhetas e uma corôa tudo de prata no valor
aproximado de setecentos mil reis; ficando a mesma obrigada a
assinar o competente termo em que se responsabiliza pela sua guarda
e conservação e a restitui-los á Fazenda Nacional, logo que assim
lhe seja ordenado»;
c) teor do respectivo auto de
entrega em 31 de Outubro do mesmo ano, lavrado na casa da
administração do concelho, onde se achava o presidente da Câmara
Municipal – Fausto da Veiga Campos, servindo
/ 66 /
de administrador do concelho e os oficiais da Confraria do
Santíssimo Sacramento – Mordomos Alexandre de Almeida Moreira e
Joaquim José Teixeira Guimarães, tesoureiro Domingos José Bento,
escrivão Demétrio António Gonçalves da Silva e pároco da freguesia,
o reitor Joaquim Celestino Albano Pereira, pelo qual se deu
cumprimento ao disposto naquela portaria.
Em obediência ao ordenado naquele
ofício de 30 de Outubro de 1861, começou por se exarar,
descriminadamente, o peso da prata do que resultou: «um prato e
galhetas, um quilo e noventa e cinco gramas; seis castiçais, quinze
quilos e nove hectogramas; um crucifixo com seu pedestal, quatro
quilos e um hectograma; uma alâmpada com tres fitas, cinco quilos e
um hectograma; uma corôa de Santa, dois hectogramas e trese gramas,
entrando neste peso os parafusos de ferro e a madeira da base dos
castiçaes.
A todos estes objectos de prata foi
atribuído o valor aproximado de setecentos mil reis, «não podendo
especificar-se o seu valor certo por não haver peritos competentes
neste concelho».
Acrescentou-se «sendo os castiçaes e
crucifixo que formam uma banqueta com lavores em relevo antigo, e de
altura cada castiçal cincoenta e cinco centimetros e a cruz
compreendido o pedestal um metro e cinco centímetros e a alâmpada de
gosto antigo com seus lavores em relevo, e a corôa bordada e as
galhetas e prato lisos sem lavor algum».
Em seguida e finalmente, procedeu-se
à entrega das pratas aos mesários da Confraria que se
responsabilizaram, como representantes desta, «á guarda e
conservação dos ditos objectos e a restitui-los à Fazenda Nacional
logo que assim lhe seja ordenado, o que prometiam cumprir por suas
pessoas e todos os bens da Confraria.
Hoje, em exposição na capela, só
existe, digno de registo, um lampadário, mas este mesmo de metal,
que veio substituir o antigo de prata.
Quando se procedeu, em 18 de Outubro
de 1911, ao arrolamento na capela do castelo; levantou-se um
incidente sobre as pratas da mesma, como consta do auto lavrado
naquele dia.
«Sendo do conhecimento do secretário
da Comissão de Inventário assim como o é do domínio público, que
existem objectos de prata de alto valor material e artístico, nesta
capela, e como eles não aparecem neste acto, requeiro se proceda em
continência a rigoroso inquérito sobre o paradeiro de tais
objectos.»
O presidente não deferiu ao pedido
de inquérito por ser descabida aquela diligência no acto de
arrolamento e por este só poder abranger os bens destinados ao culto
e à sustentação do pároco que à Comissão de Inventário forem
presentes.
Carta genealógica de João Ferreira da
Cruz. [página
67]
Não obstante, convidou aquele
secretário a relacionar aqueles objectos e os demais membros a
dizerem do seu conhecimento sobre a matéria.
Aquele disse que «além de outros,
determinadamente se refere a um crucifixo com incrustamento de ouro,
castiçais e outros objectos de que reserva o direito de mencionar
quando se proceder ao auto por ele requerido aqui».
O presidente, depois de declarar que
não era do seu conhecimento o alegado, passou a ouvir a Comissão
Paroquial, os membros presentes da Irmandade do Rosário, que
tomou sobre si o encargo da sustentação do culto nesta paróquia da
Feira, o juiz da Confraria do S. Sacramento, António Bernardo
Coimbra e o regedor da freguesia Armando Alves de Amorim, todos
presentes. (o grifado é meu).
Retomando o descritivo do auto:
«E pelo Presidente da Comissão
Paroquial Manuel da Costa Pereira, José da Silva Leite, António
Alves Ferreira e Alfredo Maria da Costa, foi dito. O Presidente
Costa Pereira disse que sempre tem ouvido dizer que do tempo dos
condes da Feira, existiam no castelo umas pratas de grande
merecimento artístico, estando hoje de posse desses objectos a
Confraria do Sacramento, considerando-as da posse da mesma
Confraria; e pelos vogais da Comissão referida, José da Silva Leite,
António Alves Ferreira, foi dito que essas pratas que existiam no
Castelo nunca souberam que pertencessem à paróquia mas sim à
Confraria do Sacramento; e pelo vogal Alfredo Maria da Costa foi
dito que desde pequeno ouviu dizer que as pratas que pertenciam aos
Condes da Feira, e de que agora se trata, foram legadas à Confraria
do Santíssimo erecta nesta igreja. Pelos mesários da Irmandade do
Rosário, João António de Andrade. António Augusto de Brito, José
Maria Fernandes Pereira, José da Cunha Sampaio, que pelo
conhecimento que tem ha mais de quarenta anos, sabem que essas
pratas pertencentes à capela do castelo, em tempo, passaram para a
posse contínua da Confraria do S. Sacramento; o vogal José Soares de
Sá disse que confirmava o que estes quatro últimos disseram; o vogal
Aquiles Gonçalves disse que todas as pratas que se acham em poder da
Confraria do Sacramento são suas (dela). Passando a ouvir o juiz da
Confraria do Sacramento aqui presente António Bernardo Coimbra, por
este foi dito que a Confraria do Sacramento está na posse das pratas
em questão ha muitos anos, pois estando aqui ha quarenta e cinco
anos nunca ouviu nem o contrário lhe constou. E pelo regedor da
Paróquia Armando Alves de Amorim foi dito que, por
/ 68 /
si e seus antepassados, sabe que as pratas aludidas sempre estiveram
na posse da Confraria do Sacramento, dizendo-se que elas foram dos
antigos Condes da Feira; mas este dito crê ser apenas por suposição.
Tendo neste acto a amabilidade de fazer mostrar as pratas em questão
o referido juiz de Confraria do Sacramento, verificou-se que, nem na
cruz, nem nos castiçais, ha qualquer dourado e menos incrustaçães de
ouro, sendo a custódia tanto no pé como na parte superior toda
dourada».
|
O administrador Presidente mandou
prosseguir no resto do arrolamento, excluindo dele as pratas que
foram vistas. Do arrolamento nada mais constou referente à capela do
Castelo, juntando-se um iracundo protesto, em duplicado, assinado
pelo Huete.
A questão não ficou por aqui.
Em 17 de Outubro de 1914 procedeu-se
a novo arrolamento na mesma sacristia da nossa igreja matriz, onde
compareceu a mesma «Comissão Concelhia de Inventário» composta pelo
administrador do concelho substituto, em exercício, António Soares
Vila Nova, como presidente, Raul Soares de Oliveira, aspirante de
finanças, servindo de secretário, como representante do Secretário
de Finanças deste concelho, do presidente da Comissão Paroquial
António dos Santos Carneiro, indicado pela Câmara Municipal para o
efeito do arrolamento.
|
Custódia arrolada em 1914, como
pertença da capela de Nossa Senhora da Encarnação. |
Segundo consta do mesmo auto, este
visou diversas pratas conhecidas por «pratas do Castelo», em virtude
do despacho do governador civil de Aveiro de 25 de Fevereiro de
1912. Arrolaram-se: «Uma lâmpada de prata grande, sete castiçais,
uma cruz com crucifixo, tudo de prata, sendo os castiçais de formato
igual e uma custódia de prata dourada», preciosas peças que
reproduzo em fotografia.
Todos estes objectos foram, depois,
depositados em poder da Confraria do Santíssimo Sacramento desta
vila, até decisão definitiva «sobre qual a entidade ou corporação a
quem de direito pertençam, se a mesma Confraria, nos termos dos
artigos sessenta e dois, setenta e oito, setenta e nove e oitenta da
lei da Separação de vinte de Abril de mil novecentos e onze,
reivindicar a sua posse e propriedade, ficando no caso de lhe não
vir a ser reconhecida essa propriedade a referida Confraria obrigada
a devolver as pratas arroladas ao Estado, Município ou Paróquia, com
a importância de qualquer receita que, durante o depósito e a partir
da data do inventário, tenha havido pelo seu aluguer ou emprego e
mais obrigada à boa conservação das sobreditas pratas».
Consta ainda do mesmo auto «que
assistiram a este acto, devidamente para ele convocados, os cidadãos
António Bernardo Coimbra, António dos Santos Carneiro, Augusto Maria
Valente de Almeida e Manuel da Cunha Sampaio, o primeiro na
qualidade de juiz presidente, o segundo na de secretário e os demais
na de mesários da Confraria do Santissimo Sacramento desta vila e
tomaram conta das pratas arroladas, das quais se constituiram
provisóriamente depositários nos termos indicados e para todos os
efeitos legais e de direito; e pelos mesmos foi neste acto declarado
que as pratas arroladas sempre foram consideradas propriedade
exclusiva da Confraria do Santíssimo Sacramento desta vila, que
representam, na posse das quais estas têm estado desde tempos
imemoriais Sem contestação de pessoa alguma ou de qualquer
corporação e, por isso, apenas em obediência ao douto despacho do
excelentíssimo Governador Civil deste districto que ordenou este
arrolamento, é que aceitavam o depósito das pratas arroladas e
assinavam o respectivo recibo, pois protestam reivindicar a posse e
propriedade das pratas arroladas, reservando-se empregar, para esse
fim os meios legais. Também assistiu a este acto a Junta de Paróquia
desta freguesia representada pelo seu presidente António dos Santos
Carneiro e pelos Vogais José Maria de Almeida e José Francisco de
Oliveira Fonseca, bem como assistiu a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário, desta vila, composta do Juiz–presidente doutor João Pereira
de Magalhães, do secretário Manuel da Cunha Sampaio, do procurador
fiscal dito António dos Santos Carneiro, do tesoureiro dito José
Maria de Almeida e mesários Francisco Gomes de Lima e Júlio
Fernandes Pinto, sendo esta irmandade na qualidade de encarregada do
culto religioso da Igreja Matriz desta vila».
Devo esclarecer que aquela custódia,
arrolada em 1914, não figura em qualquer dos textos atrás referidos,
não fazendo parte do rol das pratas dadas pelo infante D. Pedro à
capela de N. Senhora da Encarnação, a não ser que ela corresponda a
um resplendor nele falado, dada a forma de que se reveste a parte
cimeira da custódia.
Esta hipótese não é de aceitar dada
a natureza diferente de cada uma daquelas peças e até se deve
afastar pois aquele resplendor foi descrito como tendo cinco pedras
e um coração, o que não se encontra na custódia. Depois, o que julgo
argumento de força para se concluir que a custódia não fazia parte
dos mencionados bens da capela de Nossa Senhora da Encarnação,
verifica-se que entre os objectos que foram arrolados, como pertença
daquela capela, em 1861 e entregues à confraria, em mero uso, não
figuram, nem a custódia, nem o resplendor.
/ 69 /
b
A Trovoada
O referido Virtumil diz, no seu
mencionado folheto, publicado em 1840:
«Ha 50 anos, em Maio, Dia Santo, de
tarde de trovoada seca sobre o Monte do Castelo vista pelo
Infrascrito e família, do seu campo do Paemum em Villa Boa, um raio
ferio a Capela de Santa Luzia ha menos de dous seculos construida a
cisel em insignificante ponto junto e pegado muito mais baixa do que
a antiga Muralha do Recinto do Castelo sem lhe tocar: na Domus
Derûm.»
É evidente que se trata da capela de
Nossa Senhora da Encarnação e não da Ermida de Santa Luzia que já
tinha ruído em 1756. Em diversos textos lhe davam aquela designação,
como já disse.
Na capela não há vestígios deste
acidente, nem ele consta tradicionalmente.
O informador deve ter-se iludido
pela distância em que se encontrava.
c
Paredão do Castelo
Em 1904 ruiu uma parte do paredão do
castelo sobranceiro à capela da «Sr.ª de Março» (Correio da Feira,
número 2445 de 4 de Agosto de 1945).
A ruina já devia estar a
processar-se há muito tempo: com este facto e consequente
reconstrução da muralha apagaram-se os vestígios que nos podiam
esclarecer sobre as facilidades que proporcionaram, ao marechal
Silva Pereira, abrir a comunicação para a casa do capelão – ocupando
um dos seus cómodos – primeiro passo para a ocupação total do
prédio, que veio a efectuar em seguida.
d
Mudança da capela
Há quem sugira a mudança da capela,
para desafrontar o Castelo.
Parece-me não ser acertado.
Alinho com o parecer, bem
fundamentado, do Dr. Vaz Ferreira a favor da sua manutenção no lugar
em que se encontra, no já citado «Ferro Velho» – A Capela do Castelo
– publicado no «Correio da Feira», número 2669 de 18 de Fevereiro de
1950.
Entendo, como ele, que «Castelo e
capela» formam uma unidade histórica das terras de Santa Maria.
e
Administrador da capela
Quanto a administradores da capela,
apenas conheço o que está transcrito do foral concedido por D.
Manuel I à Vila da Feira e Terra de Santa Maria – em 10 de Fevereiro
de 1514 que nos revela «E ssoya de pagar o manystrador desta capella
pela vinha das eiras...» e ainda que:
Em Dezembro de 1755, como já disse,
era «administrador da Capela de Nossa Senhora do Castello» – Dom
Joseph de Alem Castro, fidalgo da Casa de Sua Magestade, comendador
das Comendas de São João de Trancoso e outras (Tombo da Casa e
Estado do Infantado).
É pouco..., mas já é alguma coisa.
/
70 /
f
Capelães
Pouco apurei quanto aos capelães que
tiveram a seu cargo a capela.
Tenho esperança de que, a pouco e
pouco, se encontrarão elementos para completar ou, pelo menos,
aumentar substancialmente o seu quadro.
O mais antigo que conheço é o
reverendo Bento Joaquim de Freitas, reportado a 30 de Setembro de
1754, como se vê do reconhecimento que fez, nesta data, à «Casa e
Estado do Infantado», do pagamento de «uma galinha sem ovos» – ou
seja uma franga por umas casas de que era senhor e possuidor a
título de património na rua, então rua Direita, nesta vila (fls. 85
do tombo desta Casa).
Depois, o Dr. Sebastião José
Peixoto, que exercia aquelas funçõles em 4 de Junho de 1809, «presbitero
secular, bacharel formado nos sagrados cánones e actual capelão
nesta Real Capela da Senhora da Encarnação do Castelo da vila, pelo
Príncipe Regente», como se intitulou na já falada declaração por ele
prestada sobre a recolha de objectos de prata do Castelo, aquando da
segunda invasão francesa.
Ainda se mantinha neste cargo em 1
de Março de 1811, pois, então, fez venda de uma leira de terra ao
Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, como consta do auto de posse
da «Quinta das Ribas de Cima do Castelo» a José Eleutério Barbosa de
Lima, em 19 de Novembro.
Ainda sei, como também já referi,
que o padre Agostinho de Santa Gertrudes e Sousa era o capelão em 29
de Outubro de 1827 – cargo que ainda mantinha em Setembro de 1831,
como consta do livro de registos da Câmara Municipal – respeitante a
24 de Setembro de 1831 (L.º 1827 – 1834, fls. 101v), como já anotei
anteriormente.
Era tio do Dr. António Augusto de
Aguiar Cardoso.
g
Desenho do Castelo
Pinho Leal (Augusto Soares de
Azevedo Barbosa), que viveu, muitos anos, neste concelho, desenhou o
Castelo da Feira, a capela de Nossa Senhora da Encarnação e as casas
a ela ligadas (face norte), em 1862, conforme se vê da fotografia
que se publica.
Dá-nos uma visão daquele tempo,
reportada a meados do século passado.
O original deste desenho está
guardado na Biblioteca-Museu desta vila.
h
Obras na antiga sacristia
Já estão concluídas as obras da sua
divisão, em compartimentos.
/ 71 /
Um, o da esquerda, que continua a
servir de sacristia, outros, os da direita, para sanitários, com
espaço para espera e acesso e finalmente outro, que abrange todo o
topo nascente, destinado a arrecadação para o guarda.
Incrustado na parede deste
compartimento ainda se distingue a base da pia para água benta, em
pedra.
Assim completo o que disse em
«Descrição».
LUGAR DO CASTELO
C
ERMIDA DE SANTA LUZIA
1
Descrição
Esteve implantada defronte da
muralha poente do castelo, assim como a capela de Nossa Senhora da
Encarnação, a umas dezenas de metros para sul desta: em relação ao
monumento, estava mais afastada do que a capela.
Pouco se conhece da sua estrutura
exterior e nada quanto à interior.
Em 1703, temos uma notícia curiosa
no «auto da forma e feitio do Castelo e Palácio dele» que, se
lavrou, como já disse, em 18 de Maio, para constar do tombo do
Condado da Feira (Casa e Estado do Infantado) – vol. 1.º, de fls. 17
v.º a 19 v.º.
«e tem de fora da muralha e entrada
huma Capella que he de Nossa Senhora da Encarnação... e na banda do
nascente tem outra Capella que he Redonda da invocação de Santa
Luzia...»
Pela publicação, em «Portucale», do
desenho de João Glama Stroberle – do século XVIII) e que o Dr. Vaz
Ferreira atribui a 1741, o que já apreciei, conhecemos a sua
perfeita forma, a sua estrutura na face poente e a sua verdadeira
localização, ficando confirmada a afirmação feita no auto de 18 de
Maio de 1703 – de a ermida ser redonda. Tinha a sua porta voltada
para poente (se mais não tinha), ladeado por uma janela: era
encimada por uma cúpula arredondada, ornada com motivos que parecem
pirâmides.
Este desenho, pelo testemunho dos
seus motivos, dá-nos a garantia da autenticidade da reprodução
feita, o que, por ser único e de tanto interesse, nos deu grande
satisfação.
O Dr. Vaz Ferreira, no seu citado
artigo sobre «Santa Luzia do Castelo da Feira», diz que, em 1940,
quando se abriu o arruamento envolvente do castelo, encontraram-se
«volumosas pedras no sítio da antiga capela, de certo restantes dos
seus alicerces».
2
História
Desconhece-se a data da sua
fundação, nem mesmo se foi anterior, coeva ou posterior à desta
capela.
Só a partir de 1623 é que tomamos
conhecimento dela pela referência que lhe faz o «Catálogo dos Bispos
do Porto» de D. Rodrigo da Cunha, incluindo a «ermida de Santa
Luzia» entre as existentes nesta vila e, depois, pela referência que
lhe fez o «Episcopológio» de Pereira Tavares, em 1690, editado por
José Pereira de Sampaio (Bruno), onde são citadas, como ermidas da
Vila da Feira, além de outras, a de Santa Luzia.
Logo em seguida, em 1693, o padre
Francisco de Santa Maria, diz, no seu aludido livro «O Ceo aberto na
terra»: – «tem mais esta Igreja – sete ermidas – : a segunda é de S.
Luzia Virge e Martir...»
De 1703 conhecemos o que já foi
anotado.
Nova referência encontramos, também,
juntamente coma capela de N. Senhora da Encarnação, em 1707, pela
pena do padre António de Carvalho da Costa – a pág. 107 do tomo II
da sua «Corografia Portuguesa»: «& estas Ermidas... Santa Luzia...»
Como já me manifestei, esta notícia
é uma repetição do que já havia dito o padre Francisco de Santa
Maria no «Ceo aberto na terra».
Em 1742 – D. Rodrigo da Cunha, no
seu «Catálogo dos Bispos do Porto» – Parte II, pág. 247, indica
entre as ermidas existentes nesta vila a de «...Santa Luzia...»,
coexistindo também com a de N. Senhora do Castelo.
Vejamos, agora, um outro documento
muito importante, também já referido no estudo desta última capela:
– o «Auto da forma como ao presente se acha o Castelo da Feira do
que consistem», dando-se, deste modo, continuação ao tombo da Casa e
Estado do Infantado que se iniciara em 1703 em relação à Casa da
Feira. Nesse auto (Vol. 1.º, fls. 40 a 44 e com data de 23 de Julho
de 1753), como já disse ao descrever o terreiro defronte da capela
de N. S. da Encarnação, afirma-se «que he onde se faz a feira de
Março e principiando a medição da capela de Santa Luzia que esta no
mesmo terreiro direito ao norte pelo meio tem oitenta e seis varas e
de largo, na cabeceira do sul vinte e nove varas e na do norte acaba
em penta aguda».
/ 72 /
Deste modo alcança-se uma área de
cerca de 125 varas, ou seja cerca de 138 m2.
Assim, tomamos conhecimento que,
quer a capela, quer a ermida, estavam implantadas no mesmo terreiro,
já falado, ou seja no espaço que as ligava, o que tem especial
importância para se conhecer a quem pertencia a ermida.
No referido tombo da «Casa e Estado
do Infantado», com data de 12 de Junho de 1755 (fls. 196 e 199),
está registado o título de reconhecimento de casas e orta que possue
Pedro Ferreira da Silva e sua mulher Ana Luísa moradores junto à
capela de Santa Lusia do Castelo desta vila».
Da respectiva descrição consta
«Casas sobradadas que possuem os reconhecentes... a confrontar... do
norte com o terreno da Capela de Santa Luzia...
......
...... ......
...... ......
...... ......
......
O inchido a orta que pertence as
mesmas casas... confrontava... do norte como terreno de Santa
Luzia...»
É este o último documento que nos
fala da ermida ainda erecta e nos dá a certeza de que para norte
dela ainda se estendia o terreno que a ligava ao da capela do
Castelo. Deste modo, pelo menos de norte e sul, ela confinava com
terreno, sendo natural que outro tanto sucedesse do nascente e
poente, devendo, deste modo, interpretar-se o passo atrás transcrito
– «que esta no mesmo terreno».
A notícia imediatamente seguinte,
como também já disse quanto à capela de N. S. da Encarnação», é-nos
dada pelo vigário José de São Pedro Quintela, na resposta ao
questionário feito pelo Marquês de Pombal em 1758 que, no tocante à
ermida, diz: «tem esta capela (a de N. S. da Encarnação) três
altares, em um dos quais está novamente colocada a imagem de Santa
Luzia por se ter arruinado a capela da dita Santa que estava extra
muros do mesmo Castello, sem romagem».
Confrontando este texto com o que
transcrevemos, de onde se infere que a ermida ainda existia em 12 de
Junho de 1755, temos que chegar à conclusão que ela ruiu entre esta
data e 1758.
Creio que podemos ir mais além.
No referido tombo da «Casa e Estado
do Infantado», a fls. 384 a 387, está registado o «título do Campo
chamado do Tronco sito junto ao Castello, pela parte do sul de que
são possuidores Manuel da Fonseca e sua mulher moradores no mesmo
lugar do Castelo», título que tem a data de 4 de Março de 1756.
Como são dadas, em confrontação, da
parte do nascente a muralha do Castelo e do poente o terreno da
Feira de Março é de crer que já não existia, então, a ermida, pois,
de contrário, do poente confrontaria com esta ou seu terreno e não
directamente com aquela Feira de Março.
Sendo assim, a ermida desapareceu
entre 12 de Junho de 1755 e 4 de Março de 1756.
Deste modo restringimos a presunção
que o Dr. Vaz Ferreira, no seu artigo «Santa Luzia do Castelo da
Feira», encontrou para a queda da ermida balisando-a entre 1741 e
1758 (17 anos), a um espaço de tempo muito reduzido – 1755 a 1758 (3
anos) se não Junho 1755 a 4 de Março 1756.
Opina o mesmo ilustre articulista
que não é natural que ela tivesse ruído por força do terramoto
daquele mesmo ano de 1755 porquanto, o mesmo padre Quintela,
respondeu ao número do mesmo questionário respeitante àquele
cataclismo: «Além desta ruína (a do campanário do torreão noroeste
da torre de menagem do Castelo) agora referida e da abóbada da
Misericórdia e do dormitório do convento como acima dissemos, não
houve ruína alguma memorável».
Pode ter razão mas também se pode
admitir que viesse a cair pouco tempo depois do terramoto que, pelo
menos, a devia ter abalado muito: «por se ter arruinado», como disse
o padre Quintela.
Se não caíu naquele ano de 1755, no
espaço compreendido entre 12 de Junho e 1 de Novembro – não se deve
ter mantido muito tempo depois do terramoto, pois tendo este
afectado o cubelo do castelo que lhe ficava mais próximo, mesmo
muito próximo, por certo comprometeu-a de modo a desmoronar-se pouco
tempo depois – pormenor que o prior não considerou pois apenas
cuidou das causas imediatas, desprezando as mediatas: assim se pode
justificar aquele período que prevejo de 1755 a 1756.
De qualquer modo a ermida deve ter
caído em meados da década de cincoenta, do século XVIII.
Penso que me foi possível trazer
para o conhecimento público muitos factos que, se tivessem sido
divulgados anteriormente, evitariam apreciações erradas sobre esta
velha ermida.
Quanto aos seus objectos do culto
nada mais posso adiantar além do que já disse ao estudar a capela de
N. S.ª da Encarnação.
/ 73 /
LUGAR DO CASTELO
D
CAPELA DE NOSSA SENHORA DE MONSERRATE
1
Descrição
Está implantada na quinta das Ribas,
além do castelo da Feira, no extremo nascente da sua casa de
habitação, com a qual alinha: de forma rectangular, tem a sua frente
voltada para norte.
O seu estilo corresponde ao usado no
fim do século XVII e princípios do XVIII.
Para sul, ajustando ao lado
nascente, tem uma pequena sacristia.
Exterior
O acesso principal faz-se pelo
portal que deita para o pátio que faceia a casa pelo norte, servida
por uma escadaria amurada, que se projecta sobre um pequeno patamar
que, por sua vez, se lança sobre aquele pátio por escadas, tudo em
pedra.
Capela de Nossa Senhora de Monserrate
nos meados do século XIX.
Tem outra comunicação para o
exterior, pelo nascente, enfrentando as escadas de granito que
servem o parque e outras dependências da quinta.
Em tempos, teve outra saída para
poente, com portal fronteiro ao desta serventia e com igual adorno,
como se verifica na fotografia que se publica.
Aquele portal principal é encimado
por um motivo triangular de pedra e está ladeado, de cada lado, por
uma janela, também de pedra, com gradeamento de ferro, sobreposta
por idêntico motivo triangular.
O que abre para nascente tem, sobre
si, uma cobertura de pedra sobreposta por uma janela gradeada, tal
qual se verificava na que estava voltada para poente.
Em seguimento e para sul, daquela
janela voltada para nascente, há uma Outra de igual formato.
A parte superior da frontaria está
ornamentada por uma cruz, colocada na junção das duas fiadas de
pedra que terminam, para nascente e poente, em forma de volutas,
junto das graciosas pirâmides de granito, apoiadas em grossos
cunhais de pedra.
Debaixo da cruz há um óculo de
granito que serve para iluminar a capela.
Na parte cimeira da fachada, do lado
do poente, firma-se um campanário de ferro, muito modesto, com um
sino de bronze, que tem a seguinte inscrição, na sua parte superior,
circundando todo o sino: IHS [■] MARIA [■] JOZEPH [■] ANNO 1709
[■]», com uma cruz gravada sobre «I H S».
Tema altura de 0,23 e a sua boca, de
forma circular, tem de diâmetro 0,24.
Penso que este sino foi colocado
numa das últimas décadas do século passado, pois não figura na
fotografia que se publica, que deve corresponder a princípios da sua
sétima década, a não ser que estivesse colocado na face nascente da
capela, Onde está a sacristia, face esta que se não vê na
fotografia.
A sacristia tem uma janela de
construção modesta, também de pedra e com grades de ferro, voltada
para norte.
Interior
Mantém a forma rectangular, com o
comprimento de 7,30 m, a largura de 4,80 m e a altura, no centro, de
5,90 m e, de cada um dos lados, 4,50 m.
Tem acesso à sacristia por um
pequeno portal de granito: esta tem de comprimento 4,45 m, de
largura 1,50 m e de altura 2,10 m e liga com o interior da casa.
Sobre aquele portal havia um côro
que abria para um quarto do primeiro pavimento da casa: foi tapado
para segurança desta, restando ainda vestígios da sua existência.
A capela tem, no seu topo sul, um
altar de rica talha dourada, estilo barroco petrino, com uma grande
/ 74 /
imagem de Nossa Senhora de Monserrate, toda de madeira, que assenta,
dentro de um grande nicho, muito ornamentado em talha, sobre um
plinto de madeira, tendo – de um lado um anjo tocheiro e, do outro,
uma pequena imagem de S. António.
No altar, ladeando aquela imagem
central, mas já fora do nicho, vêem-se as imagens de S. João
Baptista e de S. Francisco de Assis, também de madeira.
O acesso a este altar faz-se por
três degraus de pedra.
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Outro aspecto da capela de Nossa
Senhora de Monserrate. Princípios da década de 1860.
Joaquim Vaz de
Oliveira Júnior e a sua família. |
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Na parede poente há um outro altar,
que serviu de oratória na casa dos meus trisavô e bisavô,
respectivamente, João e José Joaquim Teixeira Guimarães, sita na rua
Direita (hoje do Dr. Roberto Alves) desta vila, o que merecerá
especial referência no competente capítulo. É muito modesto.
Entre o altar-mor e o do oratório
existe um jazigo onde se guardam as ossadas de pessoas de família.
O pavimento está revestido por lages
de pedra aparelhada: nele e defronte daquele altar estão abertas, na
rocha nativa, três sepulturas, com suas respectivas pedras
tumulares, que contêm os restos mortais de antigos donos da casa,
como direi.
O tecto é apainelado: deve ser da
época do altar-mor pelo testemunho dos seus florões, mas a sua
pintura deve ser muito mais recente.
Ao centro e pendente do tecto, há um
lampadário de luz de azeite e do lado direito da porta principal de
entrada, existe uma pia de pedra, para água benta.
Antigamente, a casa estava recuada
em relação à frontaria da capela, como se pode apreciar na já falada
fotografia, o que permitia a existência da porta e janela para
poente que, em referência ao seu interior, correspondia ao espaço
que decorre entre a sua frente (topo poente) e o altar do oratório.
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Casa das Ribas e capela de Nossa
Senhora de Monserrate, na actualidade (séc. XX). |
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A transformação da casa e capela,
para a sua actual estrutura, remonta a data posterior a 1866, ou
/ 75 /
seja após o falecimento, ocorrido nesse ano, de meu bisavô paterno –
Joaquim Vaz de Oliveira Júnior, em época correspondente às grandes
obras que, na casa, foram feitas por meu avô paterno Dr. Joaquim
Vaz.
2
História
A história de uma capela particular
completa-se com a da casa a que pertence, com a dos que a ergueram e
com a das famílias que as possuíram.
São peças de um conjunto que se
integram e se completam entre si.
Embora assim se alarguem as
proporções do estudo, à custa de um maior esforço de investigação,
não resta dúvida que se ganha em valorização, tornando-o mais útil
na medida em que se esclarecem muitos pormenores e se enriquece o
trabalho, de muito interesse, sobre as casas e famílias desta vila,
aliás já iniciado.
O estudo sobre esta capela de N.
Sr.ª de Monserrate já obedece a este critério que será continuado
nos demais
/ 76 /
que, por serem particulares, têm a sua existência ligada à casa mãe
e aos que as levantaram e sucessivamente a administraram.
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Capela de Nossa
Senhora de Monserrate. Retábulo do altar-mor. |
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Em algumas destas capelas a
materialização deste pensamento está expresso na aposição do brasão
de família, embora sujeita a autorização dada pelo bispo da diocese,
com certas limitações.
Assim, em cumprimento de doutrina
então em vigor, se consignou nas «Constituições do Bispado do
Porto», aceites no sínodo diocesano celebrado em 18 de Maio de 1687
(Livro 4 – Título I – Constituição VIII), que «sob pena de
excomunhão maior e de cincoenta cruzados nenhuma pessoa eclesiastica,
ou senhor, de qualquer qualidade ou condição que seja, ponha escudo
de armas, ou quaesquer outras insignias, ou letreiros, nos portais,
paredes, ou em outra parte de dentro ou de fora das Igreias,
Capelas, ou Ermidas de nosso Bispado, sem especial licença nossa, ou
de nossos sucessores, dada por escrito, a qual se concedera somente
aos fundadores, e dotadores que as dotarem de dote competente, de
maneira que, pela fundação, ou dotação fiquem adquirindo o direito
do padroado, ou concorrendo outra causa, que nos parecer justa, para
concedermos a dita licença, e dela, e das causas, porque se
conceder, se fará menção nos livros do nosso cartorio, e os autos se
guardarão na nossa Camera, e fazendo-se o contrario, alem da
sobredita pena e censura, os nossos visitadores as mandarão raspar,
e tirar, ou quebrar em termo breve aqueles, a quem pertencer, por
censuras, e penas».
*
Os documentos mais antigos que
encontrei, referentes à casa e quinta das Ribas, reportam-se aos
primeiros anos do século XVIII.
São duas escrituras de compra
feitas, pelo padre Simão Ferreira de Aguiar Franco, aos descendentes
de José Soares de Albergaria.
|
A primeira, foi lavrada em 24 de
Março de 1707, pelo tabelião João Lopes Correia, nas «Casas do
Castelo
/ 77 / da Feira», nela
outorgando como vendedores João da Silva e sua mulher Joana Soares,
moradores no lugar do Castelo, licenciado Luiz da Silva e Aguiar,
morador na sua quinta de Passo, da freguesia de S. João de Vêr, em
seu nome e como procurador de sua mulher Veríssima Vaz Correa e de
António Soares de Albergaria e Almeida «Assistente na quinta da
quintam do lugar de Passo, freguesia de Som João de Vêr».
|
Tecto da capela de Nossa
Senhora de Monserrate. |
Era ainda representante legal de sua
filha Angélica, por força da autorização dada por sentença do juíz
dos órfãos de 23 desse mês de Março, na qual foi nomeado curador ad
litem da referida menor o «Doutor Joam Brandam Abade de Rifana»: o
preço da venda foi de 300:000 reis.
Aquele comprador, padre Simão
Ferreira de Aguiar Franco, era natural da vila de Maçãs de D.
Maria, então morador em Lisboa, onde era clérigo do cabido de S.
Pedro, e foi representado no contracto pelo licenciado Veríssimo de
Oliveira Magalhães, com substabelecimento passado a seu favor pelo
procurador e irmão daquele sacerdote, João Ferreira da Cruz que,
neste trabalho, será muito nomeado.
O objecto do contrato foi o direito
a metade indivisa da «Quinta chamada das Ribas, sita no mesmo lugar
do Castelo que consta de cazas, campo, pinhais e matos, que tudo
está junto e parte...».
Esclareceu-se que à menor coube,
naquele direito, «a sexta parte de duas partes de a metade dele»,
porque, por falecimento da primeira mulher daquele licenciado Luiz
da Silva Aguiar, este ficou «meeiro dos bens que dantes pertenciam e
a sua dita filha erdeira em o Casal das Ribas, sito no Castelo da
Vila da Feira».
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Casa
das Ribas – Portão de entrada para o pátio fronteiro à casa e
capela – lado exterior. |
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Justificou-se a venda, conforme
consta da escritura, pela necessidade de pagar 70000 reis ao
contratador das rendas da Casa do Castelo, referido João Ferreira da
Cruz, por as terras não darem lucro e por os vendedores terem
necessidade de dinheiro e «por outros justos respeitos».
A segunda escritura foi lavrada em
22 de Dezembro do mesmo ano de 1707, na vila da Bemposta, pelo
tabelião daí – António Henriques, outorgando como vendedores Maria
da Cunha Soares, viúva de Amador de Aguiar Soares e sua filha
Mariana Soares de Aguiar representada por seu tutor João Godinho
Borges, ambas moradoras na quinta de Besteiros, do referido concelho
da Bemposta, em casa de quem se lavrou a escritura.
Esta titulou a venda da outra metade
da referida quinta das Ribas ao mencionado padre Simão que, nela, já
se declarou «atualmente morador no lugar do
/ 78 /
Castelo da Vila da Feira», pelo preço de 200:000 reis.
Justificaram a venda pela
necessidade de «remir suas nesicidades e sujeições» e pela
dificuldade de administração, dada a distância (três léguas) que
estavam delas e por serem terras «infrutiferas e de pouco
rendimento».
O comprador obrigou-se a pagar toda
a renda do Castelo da Feira que a dita terra era obrigada a pagar
«em cada ano na parte Reguenga e foreira ao dito Castelo».
Assim, o padre Simão reuniu, na sua
mão, toda a propriedade.
Noto que, em nenhum destes contratos
se faz referência à capela.
Pelo texto destas escrituras vê-se
que aquele José Soares de Albergaria e mulher foram senhores da casa
e quinta das Ribas como enfiteutas da «Casa e Estado do Infantado»,
sucessora que foi da dos condes da Feira – a partir de 1700, por
falecimento, sem descendência, do conde D. Fernando Forjaz Pereira
Pimentel.
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O mesmo portão
– lado interior. |
|
Desconheço o título de emprazamento
feito pelo José Soares, ou pelos seus antepassados e, nem mesmo
consegui apurar, em juízo de certeza, a rigorosa natureza desses
bens, se reguengos (senhorio real) ou foreiros (próprios daquelas
casas), o que foi objecto de discussão, como adiante referirei.
Desde já friso que, naquele segundo
contrato, se fala «na parte Reguenga e foreira», o que nos leva à
conclusão de que o prédio reunia ambas estas características.
Não resta dúvida que o José Soares
apenas tinha o domínio útil não só pelo reconhecimento enfitêutico a
que posteriormente ficaram sujeitos os seus posseiros, como pelo
facto de aquelas vendas terem sido feitas, além do mais, para
possibilitar o pagamento das rendas em dívida.
José Ferreira Brandão, em litígio
que teve com o Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, que foi senhor
da Casa das Ribas, refere-se a reconhecimentos e medições mandadas
fazer pelo juiz do tombo da «Casa e Estado do Infantado» em 1703,
sem dar qualquer outro esclarecimento.
Desconheço o texto.
*
O José Soares de Albergaria era
filho do licenciado Lopo Soares de Albergaria e de sua mulher
Antónia Pinto, da quinta de Pombos, desta vila e neto
/ 79 /
paterno de Amador de Aguiar Soares, da quinta do Paço, que foi juiz
dos órfãos do condado da Feira (já o era em 1632, segundo o Dr. Vaz
Ferreira) e de sua mulher D. Leonor de Meireles, ascendentes das
senhoras de uma das casas da Praça – D. Vitória de Lacerda Cardoso
Botelho de Pinho Pereira, casada com Lourenço Huete Bacelar de Sotto
Maior (meu estudo «Quatro Séculos de História – Vila da Feira – A
Praça Velha», na revista «Aveiro e o seu Distrito» e respectiva
separata).
Descende, assim, pelo lado paterno,
da família Soares de Albergaria, ramo que Felg. Gaio, no seu
Nobiliário», Tomo XXVII, L. 2.º, pág. 114:, designa por «Qt.ª do
Paço, em S. João de Vêr», com início em Lopo Soares e sua mulher
Maria Pereira, pais daquele Amador de Aguiar Soares.
Este Lopo era filho de João Soares
Homem, casado com D. Antónia Aranha «como diz o letreiro da sua
sepultura na Igreja de Vila da Feira, fª de Diogo Vaz Pinto» (cit.
ob. e. t. de Felg. Gaio – § 14 n.º 12, pág. 112).
Por sua vez, o João Soares era filho
do 2.º casamento de Lopo Soares de Albergaria, com Branca Coelho,
que foi senhor da quinta de Tarei, de Travanca, por mim já muito
falado naquele meu citado estudo e ainda em outro publicado na mesma
revista sob o título «Ainda a Praça Velha – Vila da Feira».
Manuel Soares de Albergaria Paes de
Mello no seu livro «Soares de Albergaria» – a pág. 252 dá este João
como filho de D. Leonor de Meireles.
Aquele Lopo era filho de Pedro
Soares Santar, casado com Branca Coelho.
A mulher de José Soares de
Albergaria, Mariana Ferreira de Albergaria de Pinho, era filha de
António de Almeida e de sua mulher Francisca de Pinho Carregosa.
Das citadas escrituras conclui-se
que o José Soares teve, da sua dita mulher, os seguintes filhos:
a) Amador de Aguiar Soares, casado
com D. Maria da Cunha Soares, ele já falecido à data daquele
contrato de 22 de Dezembro, havendo deste seu casamento uma filha,
então menor de vinte e cinco anos e maior de doze, de nome Maria
Soares de Aguiar, também conhecida por Mariana Borges Godinho que
vivia com sua mãe, na quinta de Besteiro do concelho de Bemposta;
b) António Soares de Albergaria e
Almeida, assistente na sua quinta da Quintã, do lugar do Passo, da
freguesia de S. João de Vêr, solteiro, o que tudo consta da
procuração com que se fez representar na mencionada escritura de 24
de Março;
c) Leonor Soares, casada com o
licenciado Luiz da Silva Aguiar, ela falecida nesta data de 24 de
Março e ele já então casado, pela segunda vez, com Veríssima Vaz
Correa, ambos moradores na «quinta do Passo, freguesia de S. João de
Vêr.
Nessa altura existia, como filha
deste Luiz Aguiar, do seu primeiro matrimónio com a Leonor Soares
Angélica, menor que era parente de Cristóvão Pereira Soares de
Albergaria, não se sabe em que grau, morador na sua quinta de Fijô
(a da capela de S. Miguel), de 30 anos de idade (1707), o que
averiguei pela referência à sua identidade no depoimento que
prestou, como testemunha, para o efeito da autorização judicial
solicitada para que aquela Angélica pudesse vender a sua parte na
casa e quinta das Ribas;
d) Joana Soares, casada com João da
Silva, moradores no lugar do Castelo, da Vila da Feira.
Correspondem estes filhos aos que
Felg. Gaio atribui, na cit. obra e tomo – pág. 114 – ao José Soares
de Albergaria, dando-lhes os nomes de Amador de Aguiar Soares,
António Soares de Aguiar, Leonor de Meireles e Joana de Pinho.
Também refere um outro filho,
Francisco Soares de Albergaria que, por ser nomeado em primeiro
lugar, deve ser o mais velho: em 1707 já devia ter falecido, sem
descendência, pois nem ele, nem seus sucessores, intervieram nas
aludidas vendas, como legítimos herdeiros do José Soares de
Albergaria.
Para melhor e mais fácil compreensão
junta-se uma carta genealógica referente a este José Soares.
Ainda hoje existem, no lugar de Paçô,
da freguesia de S. João de Ver, os Soares de Albergaria, que penso
representarem este ramo da família.
*
As compras feitas pelo padre Simão
provocaram grande reacção por parte do rendeiro das rendas do
Castelo da Feira – Domingos Leitão Pereira, que se envolveu em duas
demandas com aquele, pedindo a declaração judicial da sua nulidade e
a reversão dos bens vendidos à sua administração vitalícia.
Na primeira invocou,
fundamentalmente, a simulação – por o comprador se ter conluiado com
seu irmão, o já referido João Ferreira da Cruz, para este poder
beneficiar-se no pagamento da sisa, privilégio concedido
/ 80 /
ao padre Simão por ser clérigo do cabido de S. Pedro, de
Lisboa e por se ter declarado nas escrituras que o casal vendido era
reguengo para se «forrar a siza», acrescentando que, tendo esta
natureza, não podia ser comprado pelo padre, por isso ser vedado aos
clérigos.
Por sentença de 28 de Janeiro de
1712, as escrituras foram julgadas verdadeiras, deixando contudo
«seu direito reservado sobre a proibição da ley que o Reo tiber para
não poder como pessoa eclesiastica possuir o Casal da contenda e
sobre ser ou não foreira para o poder deduzir e prosseguir pella bia
que mais competente lhe parecer» e isto por esta matéria ter sido
alegada, embora não fosse incluída na conclusão do pedido.
No uso desta faculdade, em 28 de
Março de 1713, o autor fez citar o padre Simão para receber o libelo
de nova acção, baseando-se em mercê que lhe foi concedida por alvará
de 20 de Fevereiro do mesmo ano, fundamentando o pedido de anulação
das referidas escrituras no facto de o réu não poder comprar aquele
casal das Ribas por estar em terras reguengas e ser-lhe vedado, como
«clérigo de ordens sacras», possuir bens em terras de tal natureza.
O padre defendeu-se por excepção,
dizendo que já não possuía o casal das Ribas por o ter doado antes
de o autor ter alcançado aquele alvará, pelo que já não tinha lugar
a dispensa da Ordenação, nem contra ele podia prosseguir o litígio
visto não possuir o mesmo casal e que se ao autor assistisse
qualquer direito ele devia ser exercido contra o beneficiário da
doação.
Na verdade, por escritura de 12 de
Fevereiro de 1712, lavrada na cidade de Lisboa, junto ao adro de S.
Miguel, em casa do tabelião Manuel Gomes de Carvalho, ele doou,
«causa dotis», a casa e quinta das Ribas a sua sobrinha, menor, Luiza
filha do já mencionado João Ferreira da Cruz e de Francisca Luiza
Teresa, moradores na Vila da Feira, com a cláusula de «falecendo a
dita sobrinha ficarão os ditos bens a seus Pais».
O prédio já aí foi referido como
enfiteuta e não como reguengo.
Logo em 27 desse mês, o João
Ferreira da Cruz requereu, em nome de sua filha menor, aquela
donatária Luísa (que veio a usar o nome de Luísa Caetano Camelo de
Lemos) e como administrador dos seus bens, a posse judicial das
ditas quinta e casa, posse que lhe foi conferida nesse mesmo dia.
Como a excepção não foi recebida o
padre deduziu embargos e contrariedade com aquele fundamento e ainda
o das terras serem enfiteutas e não reguengas.
Depois de uma renhida luta judicial,
com diversos incidentes, foi proferida sentença, em 25 de Junho de
1715, julgando a acção improcedente com a consequente absolvição do
réu.
O autor deduziu embargos à sentença
pedindo a sua reforma, no que foi acompanhado, também com embargos,
pelo Procurador da Coroa.
Entretanto o autor faleceu e, por
sentença de 22 de Abril de 1719, foram rejeitados os embargos,
pondo-se termo definitivo ao pleito.
Não obstante o decidido na sentença
de 28 de Janeiro de 1712, tudo leva a crer que o casal das Ribas
pertenceu sempre, de facto, ao João Ferreira da Cruz, tendo seu
irmão, padre Simão, intervindo nas escrituras, por conveniência de
ocasião, como «testa de ferro».
Isto até se deduz do testamento de 6
de Fevereiro de 1736, com que faleceu aquele João da Cruz:
«Item declaro que a quinta em que
vive o dito meu genro Francisco António e a dita minha filha Dona
Luiza na vila da Feira ou Castelo foi comprado com meu dinheiro e eu
paguei o preço por que foi comprada suposto que a dita compra se
fizesse em nome de meu irmão a qual quinta conjuntei mais a parte
que na casa era dela e fis grandes bemfeitorias que hoje apoem com
grande valor de que tudo esteve de posse o dito meu genro sem que
lhe pertença que suposto aquela quinta que foi comprada em nome do
dito meu irmão por ele fosse doada a dita minha filha Dona Luiza o
foi por meu mandado e por minha contemplação emaginando eu que não
daria estado de casada a outra minha filha porem como sucedeo o
contrário quero que a dita quinta e os moveis que nela estavão
quando nela se meteo de posse, e de que estão, fassão para
complimento do dito seu dote e não querendo os ditos meu genro
Francisco António e filha Dona Luiza ser nesto e queirão usar da
dita duação que lhe fez o dito meu irmão, e então se farao que
abaixo ordeno, a respeito de minha tersa a qual quinta e moveis me
paresse valer dez mil cruzados» (padre João Vieira de Resende –
Monografia da Gafanha, 1.ª edição, pág. 23 e seguintes e Arq. do
Dist. de Aveiro «Aveiro e alguns dos seus homens no século XVIII» –
Vol. XXI, pág. 234).
O padre Resende, por equívoco,
afirma que o irmão a que ele se refere, no seu testamento, era de
nome Manuel, quando não pode restar qualquer dúvida de que se trata
do padre Simão.
Como já disse, esteve na base da
discussão, no segundo pleito, se a quinta das Ribas era terra
reguenga, isto é, se era terra da Coroa, como pretendia convencer
/ 81 /
o autor, ou do património privativo dos Condes da Feira, por
possuírem bens que não lhes provieram como donatários da Casa da
Feira, mas por «outro título particular» como afirmava o padre
Simão.
A sentença que pôs termo ao processo
não apreciou esta questão de fundo, por aceitar outra prejudicial
que derivava do facto de não se poder fazer «obra e execução» pelo
já referido alvará de mercê de 20 de Fevereiro de 1712 «por ter o
Reo passado a posse e senhorio do dito casal antes de ter sido
citado para esta causa».
Não obstante, não excluiu a
possibilidade de as terras serem reguengas sem, contudo, o admitir
expressamente: «suposto se mostre pela certidão folhas noventa e
sete verso serem reguengas as terras que fazem cerca do Castelo da
dita Vila da Feira».
O autor fundava-se no foral
concedido por D. Manuel I à «Feira e Terra de Santa Maria» em 10 de
Fevereiro de 1514, em referência às terras reguengas junto ao
Castelo, onde se destacam os seguintes passos a fls. 2 v – «E jaze
acerqua do castelo terras reguengas hermas que sendo justificadas e
demarcadas per ordem de Justiça se dará pollo senhorio pollos preços
que se auier».
Creio bem que esta passagem do
foral, por si só, não pode resolver o problema, por ser muito vaga e
imprecisa.
No dizer do padre Simão, na sua
contrariedade (o que não teve prova em contrário, segundo parece) –
«se a quinta fosse desta natureza (reguenga) havia de estar lançada
entre os mais bens do foral da Casa da Feira o que não consta por
modo algum e não pode sêr bastante o titulo de reguengo aplicado sem
fundamento».
Este argumento tem valor, mas não é
decisivo.
É possível que a classificação
daquelas terras reguengas já estivesse feita conforme está
preceituado no foral «demarcadas por ordem da Justiça», mas não há
título que o prove, sobretudo quanto àquelas que jaziam «acerqua do
Castelo».
Também podia ser elemento de
identificação o que estivesse estabelecido tradicionalmente, mas o
que é certo é que nenhum dos contendores invocou este meio de prova,
nem esclareceu esta matéria.
É natural que a quinta das Ribas
fosse, em parte reguenga e, em parte, foreira.
Na primeira escritura de compra
feita pelo padre Simão, a 24 de Março de 1707, de uma parte indivisa
daquela quinta, consignou-se que «era reguenga foreira a este
castelo a quem ele comprador pagará a renda que for obrigado de hoje
em diante» e que o comprador pediu para ser foreiro.
Não conheço qualquer escritura de
aforamento ou de reconhecimento de emprazamento feito pelo padre
Simão ou pela donatária, sua sobrinha, nem mesmo pelo João Ferreira
da Cruz, pois a primeira informação que colhi, a propósito, foi na
carta de emprazamento feita a favor de António José Saraiva Castelo
Branco – datada de 1756, precedida da sentença de 1755 que julgou o
reconhecimento por ele feito e a medição dos bens emprazados.
Se existisse é natural que o seu
traslado, ou simples cópia, constasse do arquivo da casa.
No contrato de compra feito pelo
mesmo padre, da restante parte indivisa da quinta das Ribas, de 26
de Dezembro de 1707, também se consignou que a venda se fazia, além
de outras razões, pela necessidade de se pagar a dívida «da renda do
Castelo da Feira que a dita terra he obrigada a pagar em cada ano na
parte reguenga e foreira ao dito Castelo».
Deste trecho também se depreende que
nem toda a quinta era considerada reguenga.
Lembro que, no tombo da «Casa e
Estado do lnfantado» – fls. 196 a 199 –, o prédio que o António José
Saraiva Castelo Branco reconheceu como foreiro, em 30 de Janeiro de
1755, foi denominado – Casa das Ribas e Casal de Traz o Castelo –,
pois no mesmo prazo incluiu-se a Casa das Ribas e o mato do Bita
que, em verdade, fica «Traz do Castelo».
Pode-se admitir que só a este mato
diga respeito o foral.
Porém no registo daquele
reconhecimento, no tombo, encontra-se a seguinte nota «É o que trata
o foral a fIs. 2 verso na verba que diz que jazem além (deve-se ler
acerqua) do castelo e a outra a fls. 4 do mesmo foral», o que
equivale a medir todo o prazo pela mesma rasa – a dos reguengos.
A afirmação, que resulta daquela
nota, pode-se considerar suspeita pelo interesse que a Coroa, por
intermédio da «Casa e Estado do Infantado», tinha em dar a natureza
de reguengos aos bens que lhe reverteram pela extinção da Casa
donatária dos Condes da Feira, mas também é certo que se tomou uma
posição definida.
/ 82 /
É curioso notar que, nos mencionados
pleitos, nenhuma das partes fez referência ao título de emprazamento
que obrigam o José Soares de Albergaria, nem a outro qualquer da
época correspondente à administração dos Condes que, de facto, são
desconhecidos.
No litígio entre José Ferreira
Brandão e o Dr. Sebastião da Costa Pacheco, aquele, depois de se
referir aos reconhecimentos e medições de 1703, feitos pelo juiz do
tombo da «Casa e Estado do Infantado» diz: «melhor se vê do prazo
antigo que se presume e ofereceremos herdeiros daquele tempo».
Se este Brandão não se quis referir
ao emprazamento do mato ou quinta do Bita de 1686, que adiante
estudarei, estamos perante um antigo prazo, anterior às compras
feitas pelo padre Simão, pelo qual, porventura, se regiam os
direitos e as obrigações entre a Casa da Feira e o José Soares de
Albergaria ou seus antecessores, prazo este que, já em 1798, data em
que foi feita aquela afirmação, só era conhecido por tradição.
O Brandão não invoca qualquer outro,
pois imediatamente se refere ao foral.
Na correspondência trocada entre
José Eleutério Barbosa de Lima e meu bisavô Joaquim Vaz de Oliveira
Júnior, que precedeu a venda que aquele fez a este da casa e quinta
das Ribas, versou-se o problema da natureza do prédio, se era ou não
reguenga, para o efeito de poder ser considerado alodial à face do
decreto publicado em 13 de Agosto de 1832.
Na carta de 9 de Março de 1841, José
Eleutério comunicou a meu bisavô: «Igualmente tenho a dizer a V. S.
que por investigação que acabo de fazer dos meus títulos – a quinta
é Reguenga, isto é propriedade da Coroa, o que não só consta do
Castelo (o que V. S. pode mandar certificar no L.º dos Recon.mos
fls. 200) mas até por outros títulos velhos, inclusive uma sentença
perante o Juíz da Coroa que todos são uniformes em declarar que a
quinta é Reguenga».
Conclui, em conformidade com o
parecer de jurisconsultos, por afirmar que, assim, elas estavam
abrangidos por aquele decreto de 13 de Agosto de 1832 e, deste modo,
passaram a alodiais.
*
João Ferreira da Cruz
nasceu em 1660, no lugar de Casais, termo de Maçãs de D. Maria,
sendo filho de Manuel Fernandes, ou Manuel Ferreira de Lemos e de
Isabel Ferreira: foram seus irmãos germanos, além de outros – padre
Simão Ferreira de Aguiar Franco, Manuel Fernandes de Lemos, casado
com D. Isabel Ferreira.
Casou com D. Francisca Luísa Teresa,
natural da freguesia de S. Miguel de Alfama, Lisboa.
Deste seu casamento teve os
seguintes filhos:
a) D. Luísa Caetano Camelo de Lemos,
casada com Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva,
da freguesia da Várzea do Douro, termo de Bemviver;
b) D. Micaela Luísa de Aguiar,
também conhecida por D. Micaela Luísa Anastácia, casada com António
José Saraiva de Castelo Branco, natural de Mogofores;
c) D. Josefa Violante Trindade –
freira;
d) Mais duas ou uma professas no
convento da Madre de Deus, em Sá, de Aveiro, mencionadas pelo pai no
seu testamento.
Tomei conhecimento da existência
daquela freira D. Josefa pela referência que lhe é feita pelo
aludido padre João Vieira de Resende, no seu trabalho «Aveiro e
alguns dos seus homens do século XVIII» (cit. Arq. Vol. XXI – pág.
226).
Admite a hipótese de esta ser uma
daquelas freiras do convento da Madre de Deus, no que deve ter
razão, pois, se assim não fosse, o Cruz não deixaria de a citar no
seu testamento.
Deste testamento averigua-se que o
João Ferreira da Cruz teve um sobrinho de nome Francisco Ferreiro.
O padre Resende, no seu citado
trabalho, diz que o Cruz «tinha capela na sua casa, onde celebrava e
vivia o sobrinho, o licenciado João Ferreira da Cruz.
Outro sobrinho era o licenciado
Francisco Ferreira da Cruz, e ambos lhe assistiam nos negócios: ao
filho de um destes, José António, deixou um vestido para «quando
quizer dizer missa nova».
Pelo referido testamento vê-se, com
clareza, que o mencionado José António era filho do «Doutor
Francisco Ferreira», que foi procurador da viúva do João Ferreira da
Cruz, D. Francisca Luísa Teresa, como se vê da escritura de 12 de
Julho de 1743, pela qual ela, como administradora do vínculo do neto
Francisco José, comprou determinada propriedade.
João Ferreira da Cruz veio para
Aveiro em data que se não pode precisar tendo exercido, durante a
sua vida, uma actividade que lhe permitiu granjear uma grande
fortuna, quer em bens mobiliários, quer de raiz.
Segundo informa o mesmo padre
Resende, na «Monografia da Gafanha» – 2.ª edição, pág. 22, ele
«possuía bens nos distritos de Lisboa, Santarém, Coimbra, Leiria,
Viseu, Porto e Aveiro; onde possuía inúmeras propriedades, quintas,
entre as quais a Quinta e Castelo da Feira, numerosas marinhas e
praias».
/ 83 /
O mesmo autor também nos diz (cit.
Arq., VoI. X, pág. 429) que os grandes e avultados rendimentos das
propriedades, foros e dinheiro emprestado constam da «conta do
vínculo» administrado pela citada viúva de João da Cruz, desde 1736
a 1744.
Vem a propósito salientar que o
padre Resende, nesta sua obra, como já o fizera na primeira edição e
nos artigos que publicou no cit. Arq. Dist. Av. designou aquela
propriedade por «quinta do Castelo da Vila da Feira» e «Quinta do
Castelo da Feira», o que está errado pois a quinta do Castelo é a
que, juntamente com a da «Cêrca», pertence hoje à Federação das
Caixas de Previdência e Abono de Família».
Aquela de que trato chama-se quinta
das Ribas, além do Castelo.
João da Cruz foi rendeiro do
Almoxarifado do Eixo, constituído pelas antigas vilas e concelho do
Eixo, Ois da Ribeira, Paus e ViIarinho de Baixo e arrendatário da
pesca do sável do Ribatejo, tudo pertencente à Casa de Bragança,
assim como foi arrendatário dos frutos dos celeiros de Verdemilho e
de Famalicão, pertencentes ao donatário de Carvalhais e ílhavo, dos
vinhos verdes da comarca de Esgueira, senhor do Marinhal de sal do
Aogoeiro na Gafanha, da quinta da laranjeira em Anjeja, etc.
Foi, ainda, procurador do tombo da
«Casa da Feira» e rendeiro dos bens da «Casa e Estado do Infantado»
e alcaide ou almoxarife e tesoureiro dos direitos do sal de Aveiro
onde, no parecer do padre Resende, «procedeu com muito acerto e
lisura como se prova por um documento de 12-10-1731 e outros».
E conclui «A sua probidade era
geralmente reconhecida pelos próprios remadores, seus serventuários,
um deles Francisco Fernandes Barbosa, de Aveiro, aos quais
particularmente protegia. Por outro lado, revelam-se traços ou
recortes da sua vida em que transparece e fica bem vincada a
delicadeza da sua consciência invulgar (cit. Arq. Vol. XXI – pág.
285).
João Ferreira da Cruz, como
procurador do tombo da Casa da Feira, morava no palácio dos Condes,
no Castelo, quando D. Francisco – irmão do Rei D. João V, tomou
posse do mesmo castelo em 19 de Maio de 1707, constando do
respectivo auto que aquele Infante «de presente, por Doação de Sua
Magestade, he senhor deste condado da Feira e esta de posse dele por
auto, que judicialmente dele se fez, para efeito de tomar posse do
Castelo da Feira e Palácio dele e, donde estavão por ordem de Sua
Magestade, que Deos guarde, João Ferreira da Cruz, Procurador do
tombo da dita Casa da Feira e Duarte Leite Pereira, Rendeiro da
Renda da dita Casa da Feira...».
Descrevendo, no estilo da época, os
actos de posse praticados pelo procurador daquele Infante – Doutor
Manuel Rodrigues de Figueiredo, do Desembargo de Sua Magestade,
Provedor e Contador da Fazenda Real com alçada daquele Senhor na
comarca de Esgueira, ficou consignado no auto e na parte referente à
posse do palácio, num simbolismo muito curioso: «lançou pela porta
fora aos ditos João Ferreira da Cruz e Domingos Leitão Pereira; e
eles se derão por despedidos do dito Palácio e Castelo e celeiros e
quinta; e, depois de estarem expulsados, os tornou a admitir à
morada do dito Castelo, o Palacio, e mais pertenças mandando-lhes
ficassem habitando nele em nome do Serenissimo Senhor Infante Dom
Francisco, e como os caseiros e colonos, em quanto o dito Senhor não
mandasse o contrario e mandando-o sahirão para fora a sua ordem, o
que prometerão fazer...».
João Ferreira da Cruz era muito
dinâmico e decidido, de grandes negócios, aproveitando-os em larga
escala, auxiliado por uma especial vocação, beneficiando-se, para o
aumento do seu vasto património, dos sucessivos empréstimos do seu
capital e consequentes execuções e da sua privilegiada posição de
rendeiro e administrador de várias casas e instituições, o que lhe
proporcionava muitas aquisições de bens como parece ter sucedido com
a desta quinta das Ribas, por intermédio de seu irmão – padre Simão.
Beneficiou-se, ainda, da herança
recebida de seus pais e do privilégio de só pagar meia sisa, em
compras, desde que passou a ser Cavaleiro da Casa Real e professo do
hábito de S. Tiago.
A sua avultada fortuna permitiu-lhe
instituir dois vínculos, como adiante será referido.
João Ferreira da Cruz, embora
residisse habitualmente na sua casa da rua de S. Paulo, da cidade de
Aveiro, passava grandes temporadas na casa e quinta das Ribas, onde
se demorava com certa permanência.
Encontrei referência a esta última
moradia em diversos títulos de 1715, 1722 e 1727 (cit Arq. Dist.
Av., Vol. X, pag. 300, XlX, pag. 228 e XXII, pag. 215, cit.
Monografia da Gafanha» – 1.ª ed., pag. 252 e 255 e 2.ª ed., pag. 58,
além de outros textos).
Em 1717 (como o padre Resende
comunicou em carta dirigida ao Dr. Aguiar Cardoso – em 10 de Julho
de 1935, cuja cópia tenho no meu arquivo, o João da Cruz interveio
numa escritura, feita «dentro do Paço do Castelo da Vila da Feira do
dito Infante e onde vivia Novaes da Costa».
/ 84 /
João da Cruz faleceu com testamento
cerrado, como já disse, escrito a seu rogo pelo Doutor Manuel
Rodrigues, em 26 de Fevereiro de 1736 e aprovado pelo tabelião da
cidade de Aveiro, António da Silva.
É curioso notar o erro que se
encontra nas cópias da certidão do testamento publicadas pelo padre
Resende: feito em 26 de Fevereiro de 1736 e com aprovação em 25
(cit. Monog. da Gafanha – 1.ª ed., pag. 23 e 2.ª ed., pag. 263 e Arq.
Dist. Av., voI. XI – pag. 118).
Além de diversas deixas a
particulares e de referência a passivo que reconhecia como
verdadeiro e cujo pagamento recomendava, este testamento contém
disposições de alto interesse no que diz respeito à quinta e casa
das Ribas e sua capela de Nossa Senhora de Monserrate e a pessoas da
família do testador, que facilitaram a organização da respectiva
árvore genealógica.
Por ele, temos como certo que:
a) lhe assistiram, na cobrança da
renda da Feira (Casa do Castelo), seu irmão Manuel Fernandes de
Lemos, das Vendas de D. Maria e o padre Luís de Carvalho;
b) dotou, para casamento, suas
filhas Micaela, casada com António José Saraiva de Castelo Branco e
Luísa, casada com Francisco António Camelo Falcão Pereira da Silva e
que nenhuma delas quis cumprir tais doações;
c) a casa e quinta das Ribas foram
compradas aos herdeiros de José Soares de Albergaria, com seu
dinheiro, embora a compra se fizesse em nome do irmão (padre Simão)
esclarecendo que «conjuntou à quinta mais a parte que na casa era
dela» e que nela «fez grandes benfeitorias que hoje a poem com
grande valor» – «de que de tudo esteve de posse o dito meu genro
(Francisco António) sem que lhe pertença»;
d) elas foram doadas por seu
referido irmão à filha dele testador Luísa, por seu mandado e por
«minha contemplação emaginando eu que não daria estado de casada a
outra minha filha»;
e) como sucedeu o contrário, dispôs,
como sua vontade, que «a quinta e os moveis que nela estavão quando
nela se meteo de posse, e de que estão, fassão para complimento do
dito seu dote, e não querendo os ditos meu genro Francisco António e
filha Dona Luíza ser nesta, e queirão uzar da dita doação que lhe
fez o dito meu irmão, e então se fará o que abaixo ordeno, a
respeito de minha tersa, a qual quinta e moveis me parece valer dez
mil cruzados», isto é, estipulava como sanção a perca do direito ao
morgadio que, pelo testamento, instituia em benefício do seu neto
Fernando José, a favor do outro neto, José Pedro, filho de sua filha
D. Micaela.
O João Ferreira da Cruz e sua mulher
«Para haverem de casar a senhora D. Micaela Luiza de Aguiar Franco
com o senhor Joseph Saraiva Castelo Branco» dotarão «à dita sua
filha D. Micaela, em primeiro lugar a sua benção e dipois dela para
os encargos do matrimonio que deles descenderem por conservação e
aumento de seo nome e familia davão e dotavão a dita sua filha
trinta mil cruzados em vínculo de Morgado» que «sempre andarão
permanentes e seguros em vínculo de Morgado na dita sua filha e se
os descendentes para sempre te ao fim do mundo em sua só pessoa...»,
o que tudo fizeram com as condições impostas no respectivo título
que está, em parte, transcrito no Arq. do Dist de Av. – VoI. X, pag. 236 («As Marinhas de Sal de Aveiro», pelo Padre José Vieira de
Resende) com a anotação de que está datada de «5 (sem dizer o mês e
o ano»).
Parece que os donatários não
aceitaram o vínculo nos termos e nas condições com que foi
instituído, concluindo o padre Resende, neste seu citado trabalho
(pág. 237 e 238) e pelas razões que aí aduz, que este morgadio não
chegou a existir e que os seus representantes vieram a falecer sem
sucessão.
Não consegui ver a escritura que
titulou a liberalidade feita à filha Luísa, para o seu casamento com
Francisco António Camelo, que pouco deve interessar a este trabalho,
a não ser na medida em que melhor se possa avaliar a fortuna dos
doadores, que permitiu a criação de dois vínculos.
Ao contrário do que sucedeu com sua
irmã D. Micaela, na escritura de dote para o seu casamento não foi
instituído qualquer vínculo, o que só foi considerado no testamento,
por certo em razão das condições que o João Ferreira da Cruz
desejava impor quanto à eficácia do dote feito pelo padre Simão, que
teve a particularidade de ser para um casamento que veio a realizar.
Quanto ao comportamento da filha
Luísa e marido, no tocante à imposição que lhe foi feita no
testamento, adiante se fará referência.
Finalmente, e como sua principal
disposição, o João Ferreira da Cruz, naquele seu testamento,
instituiu o referido vínculo, com a obrigação de três missas do
Natal na capela de Nossa Senhora de Monserrate, da quinta das Ribas,
da vila da Feira, nos seguintes termos:
«quero e é minha última vontade se
obre o dito e referido para sosego e quietação de todos, e depois de
satisfeitos os legados e o que fica dito se satisfaça e pague na
forma já referida, e de todos os mais bens
/ 85 /
moveis e de rais e açoins que crecerem e restarem de minha terssa
seja feito vinculo de morgado regular, para neles haver de suceder e
ser deles admenistrador meu neto Fernando José, filho de minha filha
Dona Luiza e de seu marido Francisco António Camelo, mas isto no
caso somente de que a dita sua mai e o dito seu pai não uzem da dita
duação do dito seu tio meu irmão, na dita quinta da Feira, já
relatada e fiquem com ela na forma que atraz digo, porque no caso
que da dita duação uzem ou queirão a dita quinta alem do dote que eu
e sua mai lhe fizemos, então quero e é de minha vontade e disponho,
que em os ditos bens do dito vínculo subseda e deles seja
administrador meu neto José Pedro, filho de minha filha Dona Micaela
e de seu marido António José Saraiva», com as seguintes condições:
«instituia o dito vinculo com a
obrigação e encargo de tres missas do Natal, ditas em cada ano na
capela da Senhora de Monserrate da dita quinta da Feira, e dos dez
mil reis atraz referidos e deixados as minhas filhas religiosas»
(deixou esta quantia, enquanto vivas, a estas suas filhas que
professaram no convento da Madre de Deus, em Sá, de Aveiro, a
satisfazer por quem suceder no vínculo) e que dos ditos bens que
assim a vinculo em Morgado de moveis e açoins que tocarem a dita
minha terssa, se comprarão bens de rais, livres e dezembargados,
para o dito vinculo e que os ditos bens dele nunca se poderão vender
nem alear para couza alguma, nem ainda para dotes ou alimentos
alguns, e que em os bens do dito vinculo subsedera na forma e
maneira de subseção regular dos morgados regulares, e no cazo de que
meu neto que no dito Morgado suceder não haja descendentes nem
parente algum de mim Instituidor, que deva suseder em os bens do
dito vinculo, então neles suceda a Santa Casa da Misericórdia desta
vila, para distribuir o rendimento em gastos do Hospital.
E que tambem quero e é minha vontade
e disponho que o pai do dito meu neto, que suceder no dito vinculo,
não tenha o uzufruto em os ditos bens vinculados, porque enquanto o
dito meu neto não tever idade de vinte e sinco anos ou não cazar
sera admenistrador dos ditos bens minha mulher Dona Francisca, e por
sua morte a mai do meu neto que no dito vinculo suceder, para que
dos rendimentos dos ditos bens comprarem bens de rais para o dito
vinculo se unirem e vincularem aos mais, e para que se posão
aproveitar da quinta parte do dito rendimento dos ditos bens pelo
trabalho de admenistração deles e do cuidado de comprarem bens de
rais das outras quatro partes dos rendimentos deles de se unirem ao
dito vinculo».
No mesmo testamento ainda declarou
que fez composição com o convento de Sá sobre as legítimas das
filhas religiosas que nele estavam, dispondo que «pelo que me ficou
pertencendo o acrecimo de uma das legítimas, tirado o que ao
convento se deve por conta dela fique unido ao sobredito vinculo que
aqui ei instituido com as clausulas e condiçõins declaradas, pela
outra estar vinculada por minha mulher».
*
Pelo exposto concluo que a capela de
Nossa Senhora de Monserrate foi erecta pelo João Ferreira da Cruz,
entre 1719 (ano em que, por sentença de 22 de Abril, foi decidida
definitivamente a favor do padre Simão, a acção que lhe moveu
Domingos Leitão Pereira) e 1736 (ano em que, pela primeira vez,
tomamos conhecimento da existência da capela pela referência que lhe
é feita no testamento do Cruz – 26 de Fevereiro).
A partir deste testamento a capela é
sempre falada nas descrições da casa e quinta, até com grande
destaque, como sucedeu na sentença que julgou o reconhecimento da
renovação de emprazamento da casa e quinta das Ribas e da quinta do
Bita, bem como no
texto das suas medições, sentença
que foi dada a pedido e a favor de António José Saraiva Castelo
Branco (que adiante apreciarei), onde se fala em «boas casas de
sobrado com sua capela pegada nas mesmas casas».
Na carta de 3 de Setembro de 1756,
que concedeu aquela renovação, diz-se: «boas casas sobradadas e
tambem algumas terreas, e hua boa capela... pateo que fica
confrontando com as ditas casas e capela...».
Anteriormente ao referido testamento
não encontrei qualquer referência à capela, nem nas escrituras de 24
de Março e de 22 de Dezembro de 1707, que titularam a compra da casa
e quinta, feita pelo padre Simão Ferreira de Aguiar Franco aos
herdeiros de José Soares de Albergaria, nem na de 12 de Fevereiro de
1712, de doação «causa dotis», feita por aquele clérigo a sua
sobrinha D. Luísa, filha de seu irmão João Ferreira da Cruz, nem no
auto de posse judicial dada a esta, na pessoa de seu pai, por força
daquela doação, em 27 do mesmo mês e ano.
Igualmente ela não foi falada nas
pendências judiciais que Domingos Leitão Ferreira moveu contra o
padre Simão, para anular aquelas escrituras de compra, processos que
se prolongaram desde 1712 a 1719.
Não é crível que o João Ferreira da
Cruz, que foi o verdadeiro interessado naqueles pleitos, no lugar do
padre Simão, se aventurasse a construir a capela e a adquirir o seu
altar tão rico, durante o período em
/ 86 /
que ainda não estava, judicial e definitivamente, determinado a quem
pertencia a casa e quinta.
Em abono desta tese podemos, ainda,
oferecer a arquitectura da fachada da capela e o estilo do seu
altar-mor que corresponde ao barroco petrino, como adiante será
estudado e o facto presumível de estas obras estarem no número das
que o Cruz refere no seu dito testamento: «à qual quinta conjuntei
mais a parte que na casa era dela e fiz grandes benfeitorias que
hoje a pôem com grande valor de que de tudo esteve de posse o dito
meu genro sem que lhe pertensa».
Também convence que a obra e a
compra do altar fossem feitas pelo João Ferreiro da Cruz, a
circunstância de ele ser possuidor de avultados meios de fortuna,
comprando bens em muitas arrematações, sobretudo nas execuções em
que tinha comprometidos os seus créditos, sendo de admitir que
tivesse adquirido o mesmo altar em arrematação de prédio, ou
isoladamente, em qualquer daquelas execuções.
Convém salientar que o João da Cruz,
no seu testamento, disse: «peço e rogo aos gloriosos São João
Batista e ao Arcanjo São Miguel e ao Anjo da minha guarda e a todos
os mais santos e santas da Corte Celestial e com especialidade o meu
Padre São Francisco de quem sou indigno filho e que sejão meus
advogados ante o tribunal divino».
Ora, os santos que adornam,
lateralmente, o altar são, precisamente, S. João Baptista e S.
Francisco de Assis.
Nem os antigos missais, nem os
impressos existentes na capela, dão luz sobre a data da sua
fundação.
Penso que o altar não foi feito para
esta capela pois deve ter tido sacrário, como se denuncia do nicho
onde se encontra o resplendor, das ranhuras laterais por onde devia
correr o respectivo painel, da banqueta onde hoje assenta o imagem
de N.ª S.ª e da pequena porta ou janela do fundo, por onde se faria
o acesso, hoje impraticável por o altar estar totalmente ajustado à
parede.
Anteriormente esta abertura podia
ser alcançada facilmente pois, de cada lado do altar, há uma porta
que dá acesso a uma galeria que devia dar comunicação com aquela
porta ou janela.
Estou convicto de que o altar serviu
em igreja ou capela com exposição do Santíssimo, com acesso pelo
lado de trás.
Acresce que, na parte superior do
interior daquele nicho, está implantada uma águia bi-fronte, símbolo
dos Agostinhos, oposição que não se justificava se o altar fosse
feito propositadamente para a capela.
Podemos mesmo admitir que a capela
fosse construída à medida do altar, pois ele ajusta-se perfeitamente
aos limites da edificação, ocupando, sem lugar a margens, todo o
topo sul da capela.
Devo notar, porém, que o apainelado
do tecto, que deve ser da época do altar, como já disse, já se não
ajusta à capela, na sua altura, pois cobre parte da abertura do
óculo que, praticado na parede frontal do edifício, a vaza até ao
interior, para lhe dar luz, o que não basta para contrariar a
hipótese formulada.
Procurei obter informações no Paço
Episcopal, mas daí comunicaram-me que, apesar das buscas feitas,
nada foi encontrado nos seus arquivos, referente à capela.
A imagem de Nossa Senhora de
Monserrate é de data anterior à do altar e, assim, adquirida para
ocupar o lugar que, porventura, estivera reservado ao Santíssimo.
Tem-me causado certa estranheza um
documento que existe no meu arquivo.
Trata-se de um impresso com a
dimensão de 0,42 x 0,30, com o «Sumario das Graças e Indulgências
concedidas por diferentes Sumos Pontifices, e novamente confirmados
pelo nosso Santissimo Papa Benedicto XIV A Casa Santuário e Câmara
Angelical de Nossa Senhora de Monserrate no Principado da Catalunha
e aos Irmãos de Sua Irmandande», impresso na «Oficina Joaquiniana de
D. Bernardo Fernandes Gayo Morador na Rua das Mulas MDCCXLlII».
No final tem, em manuscrito, os
seguintes dizeres: «Dª Fran.ca Mª de V.ª Boas se assentou
Irman da sobredª Snrª em 3 de 8 bro de 1744».
Não sei quem seja esta senhora, nem
como este documento veio a esta casa: a divulgação que dele faço,
por este meio, talvez ajude a um completo esclarecimento.
A sua data afasta a ideia que ele
esteja relacionado com a fundação da capela, pois é posterior a
1736.
Causa muita estranheza o Padre José
de São Pedro Quintela não ter incluído esta capela de N. S.ª de
Monserrate no rol das que enumerou, em 1758, nas respostas que deu
ao questionário para a elaboração do Dicionário Geográfico de
Portugal.
Mais um exemplo do pouco cuidado com
que foi feito o seu trabalho.
/ 87 /
Quanto aos demais livros que citei
no prólogo deste capítulo – Capelas, não podiam referir-se a
ela por a sua publicação ser anterior à sua fundação.
*
D. Luísa e o marido conformaram-se
com a vontade do testador, aceitando as condições que lhes foram
impostas no aludido testamento, pelo que seu filho Fernando José
Camelo foi investido no Morgadio, o que sucedeu quando ainda era de
tenra idade (tinha dois anos quando morreu o avô – Arq. Dist. Av.,
Vol. XXI, pag. 223), pelo que o vínculo foi administrado por sua avó
D. Francisca Luísa, mulher do instituidor João Ferreira da Cruz e
depois, por morte dela, pelos seus pais, até que ele atingiu os 25
anos e entrou, por isso, na posse e administração desse vínculo (o
que parece ter ocorrido em 1759 ou posteriormente, pois em parte
deste ano ainda ele era administrado pelos pais do Fernando José
(cit. Arq. Vol. XXVI, pag. 120 e seg.).
O património do morgadio no período
da sua menoridade foi muito aumentado por compras feitas e muito
mais foi acrescido com o falecimento de seus pais.
Fernando José manteve-se na
administração do morgadio até à sua morte, em 1792.
No testamento, com que faleceu, de
14 de Maio deste ano, instituiu como único e universal herdeiro dos
seus bens, sem individualizar «aquele, ou aqueles dos meus parentes
que se acharem mais proximos ao tempo da minha morte e que forem da
parte da minha mai» o que motivou grandes e graves pleitos.
Habilitou-se judicialmente, à
herança, João Lopes Ferreira (neto do irmão do João da Cruz – Manuel
Fernandes de Lemos, avô do referido padre Resende), como legítimo
herdeiro e administrador do vínculo, contra a pretensão de D.
Francisca José Ferreira (a quem aquele padre chama «a intrusa»), que
também era parente do João Ferreira da Cruz.
Segundo refere o mesmo sacerdote
(«As Marinhas de Sal de Aveiro» cit. Arq. Vol. X, pag. 233 e seg.)
aquele morgadio transmitiu-se, depois, para a filha daquele
Ferreira, de nome D. Josefa Maria Rosa e, finalmente, para o filho
desta – José Fernandes Teixeira.
O referido morgadio abrangia grande
parte da Gafanha litoral «toda a região ribeirinha, desde a mota da
Gafanha para a Costa Nova até ao estaleiro esteve encabeçado por
aforamento ao vínculo de morgadio instituído em 1736 na quinta e
Castelo de Vila da Feira (aliás quinta das Ribas) pelo meu
antepassado João Ferreira da Cruz a favor de seu neto Fernando José
Camelo M. P. da Silva e ainda outras propriedades, o que tudo foi
desbaratado após a morte de Fernando Camelo», de modo que «pouco
mais se salvou do que uma pequena parte do morgadio que ficava
circunscrita às redondezas do Vale de Ílhavo que João Lopes Ferreira
legou aos seus sucessores («Marinhas de Sá, Aveiro, cit. Arq. Vol.
X, pag. 239).
O padre Resende, a pags. 96 e 98 do
seu mencionado livro «Gafanha» – 1.ª edição, afirma que se pode
«fixar a data de 1759 a 1768 para o encabeçamento da Gafanha no
vínculo, pois que dos muitos documentos que possuímos de Francisco
A. Camelo só o de 1759, que é dos últimos dele, fala daquela
administração pela qual se devia interessar vinculando bens e o de
1768 é o primeiro em que Fernando Camelo age como herdeiro de seu
pai e senhor de sua casa. Neste interregno teve lugar o
encabeçamento» (pag. 96 a 98 do cit. liv. sobre a Gafanha).
Com a remição dos foros dos
herdeiros de Fernando Camelo, terminada em 1891 e com a remição dos
foros dos herdeiros de J. Dias Pereira, completada em 1904, ficaram
os habitantes de toda a Gafanha senhores e proprietários absolutos
de suas terras (cit. liv. «Gafanha», pag. 115).
De todo o exposto conclui-se que a
casa e quinta das Ribas não chegaram a fazer parte do morgadio que
foi instituído, por testamento, pelo João Ferreira da Cruz, embora
ligado a ele pela «obrigação e encargo de tres missas do Natal,
ditas em cada ano na capela da Senhora de Monserrate, na dita quinta
da Feira».
Em resumo, tudo se deve ter passado
nos seguintes termos:
O Cruz dotou a filha Luísa, para
casamento com Francisco António, em dinheiro, parte do qual foi
entregue até que estes, em dado momento, se recusaram a receber o
restante ficando, assim, em dívida, parte do dote. Aquele,
explicando isto no seu referido testamento, dispôs da quinta e casa
das Ribas e dos móveis que nela existiam, quando sua filha Luísa e
marido dela tomaram posse, a favor dos mesmos para «complimento do
dito seu dote», isto para o caso de eles não invocarem o direito que
lhes assistia por força de doação de seu tio padre Simão (de 12 de
Fevereiro de 1712).
Neste caso, depois de pagos os
legados e satisfeito o que deixou expresso no seu testamento «de
todos os mais bens móveis e de raiz e açoins que crescerem e
restarem de minha tersa» instituiu o referido vínculo morgado a
favor do neto Fernando José (que
/ 88 /
usou o nome e apelidos de Fernando José Camelo Falcão Pereira da
Silva), filho daquela D. Luísa.
Porém, caso eles invocassem o
direito à quinta e casa das Ribas, como donatários do padre Simão
(que assim deixavam de fazer parte do acervo da herança do João
Ferreira da Cruz, não podendo, com ela, compor-se a doação feita à
filha Luísa), como sanção, o morgadio ficaria instituído a favor do
outro seu neto José Pedro da Silva Ferraz, filho da outra sua filha
D. Micaela e de seu marido António José Saraiva Castelo Branco.
Como a D. Luísa e marido cumpriram a
vontade do testador, ficou instituído o morgadio a favor do Fernando
José e a quinta e casa das Ribas excluídos do morgadio e a pertencer
a seus pais em pagamento do seu dote.
Tanto assim foi que o morgado
Fernando José vendeu a quinta e casa, em 29 de Novembro de 1789, ao
Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco, o que não poderia fazer
respeitando-se as condições de instituição de vínculo.
Também se não pode esquecer que esta
quinta e casa, se não no todo, pelo menos em parte, era considerada
terra reguenga.
Penso que, assim, interpreto
correctamente todo o sucedido e designadamente o referido
testamento.
Assim se explicam, também, as outras
disposições do testamento e a realização dos demais contratos, a
eles referentes, que se passam a estudar.
Em 28 de Setembro de 1738, por força
do requerimento feito por Francisco António Camelo Falcão Pereira e
Silva – por parte de António José Saraiva Castelo Branco «hoje
assistente na quinta das Ribas do Castelo desta Vila da Feira» que
apresentou um precatório do juízo dos órfãos da vila de Aveiro – foi
dada posse àquele António José, pelo escrivão da vila da Feira,
Dionísio Ferreira da Silva «da mesma quinta das Ribas e outras mais
fazendas que ficarão de João Ferreira da Cruz, morador que foi na
mesma quinta»... «e bens moveis que se achavam na dita quinta e
casas della», cuja relação tenho no meu arquivo, constante de uma
certidão tirada do referido auto de posse.
*
Por carta de 3 de Setembro de 1756,
o infante D. Pedro (depois D. Pedro III), atendendo ao pedido feito
por aquele António, concedeu-lhe a renovação de emprazamento e
aforamento «em vida somente de tres pessoas e mais não, das
propriedades que «ele possue no condado da Vila da Feira... chamadas
a quinta das Ribas... foreiras à minha Casa e Estado do
Infantado...».
Do mesmo título consta que em 18 de
Março de 1795 «neste lugar do Castelo e dentro da quinta de Antonio
Jose Saraiva Castelo Branco da vila da Feira», na presença do Dr.
José dos Santos Ramalho «Juiz do tombo dos bens e rendas
pertencentes ao Estado e Casa da Vila da Feira», se procedeu à
medição dos bens emprazados, que preencheram, além de outros, os
seguintes itens:
«Item – a Quinta que possue Antonio
José Saraiva Castelo Branco que medida toda em roda... dentro desta
medição se achão umas boas casas sobradadas e tambem algumas terrias
e uma boa capela e uma portada de pedra de escoadria lavrada, com
seu cruzeiro em sima, com duas janelas, uma da parte do nascente e
outra do poente da mesma escoadria e dentro dela um pateo que fica
confrontando com as ditas casas e capela.
Item – a Quinta chamada do Bita que
possue o mesmo António José Saraiva Castel Branco... parte da
nascente com a quinta da Casa do Castelo e com a estrada».
A pensão enfitêutica, que era de
doze alqueires de trigo, cinco de centeio, sete de cevada, dois
capões, doze ovos, três galinhas e um carro de palha triga foi
acrescentada, nesta renovação de prazo, com mais dois alqueires de
milho graúdo: tinha de lutuosa, por falecimento de cada vida, três
carneiros «na forma do estilo», tudo posto no «Celeiro do Castelo da
dita Vila por dia de Som Miguel de Setembro», com laudémio de 5 –
1.º.
Foi designado aquele António José
Saraiva Castelo Branco como primeira vida «e a mulher com quem casar
a segunda vida e um filho ou filha a terceira vida e não o tendo
nomearão uma pessoa não defeza em direito»: findas estas vidas todos
aqueles prédios emprazados ficariam devolutos para a fazenda da
referida Casa e Estado do Infantado «com todo o melhoramento que
nele ouver», tudo com as condições costumadas nos contratos desta
natureza, entre as quais se contava a de não poderem vender sem
prévia licença.
Esta carta de emprazamento foi
registada no respectivo livro a fls. 11 v. em 30 de Outubro de 1756,
senda a referida renovação de emprazamento precedida de uma sentença
datada de 25 de Janeiro de 1755, lavrada pelo «Juis do tombo dos
bens e rendas pertencentes ao Estado e Casa da mesma Vila – José
/ 89 /
dos Santos Ramalho –» em que se julgou o respectivo
reconhecimento feito pelo António José Saraiva Castelo Branco e
ordenando a sua citação para pedir a «Sua Alteza a renovação».
Aquele reconhecimento está lançado a
fIs. 200 do livro de tombos (existente na Biblioteca Municipal da
Feira) sob a rubrica «reconhecimento dos casais das Ribas e do Casal
de tras o Castelo de que e possuidor Antonio José Saraiva Castelo
Branco da Vila de Aveiro. É o de que trata o foral a folhas duas
verso na verba que diz – jazem acerca do Castelo e outras a folhas
quatro do mesmo foral».
Nele foi consignada,
discriminadamente, a renda «pelo Casal das Ribas» e «pelo casal de
tras o Castelo».
Do mesmo documento consta a
declaração, feita pelo seu procurador, de ser verdadeiro o seu
constituinte possuir aquelas casas «as quais algum dia andarão
divididas em tres prazos e agora de presente se achavão unidas e vão
unidas a um só prazo por serem da mesma natureza e o mesmo
possuidor».
Das medidas dos referidos itens,
julgadas pela mesma sentença de 25 de Janeiro de 1755, que serviram
de base às descrições atrás referidas, consta em relação às da
quinta da Bita «a propriedade chamada de Tras o Castelo, a quem
chamam a quinta do Bita», o que confirma a sua natureza reguenga que
já foi posta em evidência.
Do título de aforamento de 22 de
Dezembro de 1831, em conformidade com o auto de apegação e medição
de 20 de Maio do mesmo ano, que adiante será especialmente referido,
feito, em 3 vidas, a José Eleutério Barbosa de Lima e mulher D.
Maria Teresa Pacheco Ferreira do prazo denominado das «Ribas e Bita»,
consta que, neste prazo, tinha «sido a primeira vida na ultima
investidura António Jose Saraiva de Castelo Branco, do qual passara
para Francisco António Camelo e deste para seu filho Fernando José
Camelo, o qual vendera a dita Quinta das Ribas a Sebastião Gomes
Costa Pacheco, do qual passara por herança para sua sobrinha Dona
Maria Tereza Pacheco Ferreira, casada com Jose Eleuterio Barbosa de
Lima, ambos estes ora Suplicantes, a cuja quinta se acha unida a
dita Propriedade do Bita atrás denominada as matas do Bita...».
Carta genealógica de António José de
Saraiva Castelo Branco. [pág.
90]
Vê-se, assim, que a designação
destas vidas foi feita ao abrigo da cláusula do emprazamento que
deu, ao António José, o direito de nomear quem lhe sucedesse no
prazo, no caso de não ter filhos, sem necessidade de se lavrar novo
título, o que também se depreende do que consta do auto de posse de
19 de Novembro de 1828, conferido ao José Eleutério e mulher,
adiante mencionado.
Deste modo, a quinta das Ribas, que
foi pertença da Casa da Feira e depois da do Infantado, sucedeu, em
posse por emprazamento de vidas, desde José Soares de Albergaria
até Fernando José Camelo, com maior ou menor regularidade, isto
é – desde os fins do século XVI até ao fim do século XVIII.
Não consegui apurar a razão por que
o António José Saraiva de Castelo Branco, casado com a D. Micaela
Luísa de Aguiar, foi empossada, em 1738, da quinta das Ribas e dos
seus móveis, quando ela fora doada à sua cunhada D. Luísa (casada
com Francisco António Camelo Falcão Pereira da Silva) pelo padre
Simão, em 1712 e ficou a fazer parte do seu dote por testamento de
seu pai, feito dois anos antes (1736), sabendo-se, ainda, pelo mesmo
testamento, que o Francisco António chegou a estar de posse da
quinta.
E ainda mais estranho é o facto da
precatória a solicitar que se conferisse essa posse, emanada do Juiz
dos Órfãos de Aveiro ter sido apresentada no Juízo da Feira pelo
próprio Francisco António morador em Aveiro que, no respectivo
requerimento de posse, dá aquele António José Castelo Branco, «hoje
assistente na quinta das Ribas do Castelo desta vila».
Para este efeito deve ter havido
acordo entre os dois casais, na partilha por óbito do João Ferreira
da Cruz, com possíveis compromissos, não obstante a doação feita à
D. Luísa pelo padre Simão e o testamento do João da Cruz.
Apesar dos esforços feitos, não
consegui ver o inventário por morte deste, onde tudo deve estar
esclarecido: deste inventário é que deve ter imanado a precatória
para a posse.
Na lógica daquela posse, já não é de
estranhar que o emprazamento de 1756 fosse feito em três vidas – a
do António José, mulher com quem ele casar, e filho ou filha.
Novamente ficamos surpreendidos ao
verificar que, depois deste emprazamento, o António José tivesse
nomeado em segunda e terceira vidas, respectivamente, o Francisco
António Camelo e o seu filho Fernando José.
Então, já tinha falecido a mulher do
António José Saraiva e, possivelmente, seus filhos.
Aquela quinta ou mata do Bita, hoje
integrada na quinta do Castelo, pertencente à Federação das Caixas
de Previdência e Abono de Família, que foi emprazada, juntamente com
a quinta e casa das Ribas, ao António José Saraiva Castelo Branco em
1756, tinha sido aforada pelos Condes da Feira – D. Fernando Forjaz
/ 91 /
Pereira de Menezes e Pimentel e sua mulher D. Vicência Luísa
Henriques a Manuel Gonçalves, por escritura de 18 de Outubro de
1686, lavrada pelo tabelião João Lopes Corrêa.
Posteriormente ao emprazamento de
1756, a quinta do Bita veio a pertencer ao Fernando José Camelo e a
sua mulher, como enfiteutas, por escritura de 5 de Outubro de 1776,
lavrada pelo tabelião Estêvão Luís Gomes, que a deram de
sub-emprazamento a José Ferreira Brandão e a sua mulher Francisca
Luísa Angélica, da Vila da Feira, identificando-a como quinta
chamada do «Vita, situada defronte da quinta dele outorgante e
reguenga do Castelo desta vila».
Naquela escritura de emprazamento de
18 de Outubro de 1686, os Condes, na procuração passada a Frey
Manuel Pinto de Carvalho, cavaleiro do hábito da Ordem de Cristo,
para os representar no contrato, são designados por «Condes da Vila
da Feira, Ovar, Cambra e outras».
Nomearam como objecto do contrato:
«um casal sito junto ao Castelo» que abrangeu diversos prédios dando
ao emprazamento as designações de «Casal das Ribas junto ao Castelo
da Feira» e «Casal chamado das Ribas de Valverde» denominando, deste
modo, a quinta ou matas do Bita.
À quinta das «Ribas de Valverde»,
junto ao Castelo, contrapunha-se a «quinta das Ribas» que estava
separada dos terrenos junto ao Castelo pelo caminho ou estrada de
Vinhais, que seguia para Fornos e autras partes.
Há necessidade de fazer esta
distinção para se desfazer qualquer confusão e não entrarmos em
erro.
*
Fernando Camelo, que vivia em
Aveiro, desinteressou-se do seu património nesta vila, tanto mais
que não tinha filho que lhe sucedesse e tinha «necessidade de
dinheiro para desempenho de outros maiores bens que estão empenhados
e hipotecados», como afirmou na escritura de venda que fez da quinta
das Ribas ao Dr. Sebastião Gomes da Costa Pacheco em 24 de Novembro
de 1789, não obstante ter sido proprietário de muitos bens de raiz,
nomeadamente na Gafanha e titular do já referido morgadio que devia
ser muito rendoso.
*
António José Saraiva de Castelo
Branco, que foi casado
com D. Micaela Luísa de Aguiar, filha do João Ferreira da Cruz, viu,
em sua vida, morrer os seus filhos sem descendência e, assim, se
explica ter nomeado Francisco António, casado com sua cunhada D.
Luísa, em segunda vida e o filha deste Francisco José, em terceira
vida, ao abrigo do contrato de emprazamento da quinta das Ribas,
como já disse.
Era filho de João Saraiva Ribeiro
Picado, fidalgo da Casa Real e Provedor dos marachões do Mondego por
sua mulher D. Escolástica Josefa Maria de Castelo Branco, filha
herdeira de Tomás de Sequeira Castelo Branco, provedar dos marachões
do Mondego e de sua mulher D. Serafina Moniz Mascarenhas, filha esta
de João Travassos da Costa.
Aquele João Saraiva Picado era filho
de Nicolau Ribeiro Picado que, segundo diz Luís Gama, foi fidalgo da
Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo e mestre de campo na guerra
da aclamação e de sua segunda mulher D. Maria Saraiva de Vila Lobos,
filha de João de Figueiredo de Mogofores e de sua mulher Catarina
Lobo de Oliveira, casados em 15 de Dezembro de 1654.
Para melhor conhecimento desta
família ver o artigo de Francisco de Moura Coutinho – «Picados,
Pericões e Migalhas, de Aveiro» (cit. Arq. V.I. XI, pag. 93 e
seguintes).
*
Francisco António Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva,
que foi casado com a outra filha do João da Cruz, D. Luísa Teresa
Caetano de Lemos ou Luísa Caetano Camelo Falcão, como lhe chama o
mencianado padre Resende, foi moço fidalgo e professo da Ordem de
Cristo, sendo natural de S. Martinho da Várzea, do Douro, termo de
Bemviver, comarca do Porto.
Segundo Felg. Gayo (cit. Nob. T. 23,
pag. 68 foi senhor da quinta do Bairro e casou em Aveiro com aquela
D. Luísa, da Vila da Feira, irmã da mulher do Morgado do Seixal e de
sua mulher D. Maria Camelo, concluindo-se, assim, que este Morgado
era o falado António José Saraiva de Castelo Branco, casado com a D. Micaela.
Era filha de Fernão Camelo da Silva
ou Fernando Camelo de Miranda e de sua mulher D. Maria Camelo Ângela
Pereira de Miranda.
Este Fernão era filho de Amaro da
Silva Camelo (e de sua segunda mulher D. Margarida) que, por sua
vez, era filha de Fernando Camelo de Miranda e de sua mulher D.
Brites de Maceda.
Este Camelo de Miranda era filho de
outro Fernão Camelo de Miranda, senhor de Vilar do Paraíso e da casa
de seu pai e de sua mulher D. Maria Fonseca Pinto (outros dizem que
foi casado com D. Maria Pinto, filha de Aires Pinto da Fonseca e de
sua parente D. Maria Vaz Pinto)
/ 93 /
O Fernão Camelo era filho de Aires
de Miranda e de sua mulher D. Joana Camelo, filha de Nuno Camelo,
senhor de Vilar do Paraíso.
Este Aires, por sua vez, era filho
de Fernão Pinto de Miranda e de sua mulher D. Antónia da Silva.
Fernão Finto de Miranda era filho de
Diogo Pinto e de sua mulher D. Mécia, filha de Vasco Pereira, senhor
de Fermedo e de sua mulher D. Isabel de Miranda «com a qual levou em
dote a q.ta de Villar Mayor».
Esta genealogia, que extrato do
citado trabalho de Felg. Gayo, está subordinada ao título «Srs. de
Travanca e Vilar Mayor (T. 23 e 30, pag. 64 e 65).
(Ver meu citado estudo – Quatro
séculos de história..., pag. 121 e seguintes).
Sobre a ascendência de Diogo Pinto
reproduzo o que disse naquele estudo a pag. 123 «Uns entendem que
este Diogo era filho de Gonçalo Vaz Pinto, filho de Ayres Pinto (a
quem alguns também chamavam Rui Vaz Pinto) e de sua mulher D. Melisa
ou Catarina de Melo e outros que era filho de um filho daquele
Gonçalo, também chamado Gonçalo Vaz Pinto – questão que tem menos
importância visto ambos pertencerem ao mesmo tronco – descendentes
de Aires Pinto e de sua mulher D. Guiomar de Castro, que eram os
pais daquele Gonçalo a que também chamavam Ruy (Felg. Gayo – cit. ob
T. XXIII, pag. 42 e 161 §245 – Pintos da Terra da Feira – afirma que
é erro chamar-se ao dito Gonçalo Vaz Pinto – Ruy Vaz Pinto»).
«O mesmo autor (cit. ob e T., pag. 64 § 30) perante estas duas hipóteses, inclina-se para a de Diogo
Pinto ser filho de Gonçalo Vaz Pinto (a quem chamavam Ruy e não do
outro Gonçalo Vaz Pinto, filho deste).
Carta genealógica de Francisco António
Camelo Falcão Pinto Pereira da Silva e de Fernando José Camelo Pinto
Pereira da Silva.
Nisto é apoiado pelo Ab.e
de Prozelha.»
Felg. Gayo ainda se abona no facto
de o primeiro Gonçalo Vaz Pinto, n.º 8 do dito § 1.º, se ter casado
no ano de 1481 «tempo mais chegado ao em que floreceo o dt.º Gonçalo
Vaz Pinto.
Pelo exposto e mais que arrazoei
naquele estudo, entendo que o Diogo Pinto era filho de Gonçalo Vaz
Pinto e de sua mulher D. Meliza (a quem também chamam Mécia), ou
Catarina de Melo e, assim, o considero na carta genealógica que
acompanha este trabalho.
Deste modo, Francisco António, que
foi senhor da casa e quinta das Ribas, pertencia à família dos
«Pintos», de onde são oriundos os da «Casa e Honra de Paramos», os
da «Casa da Portela», de Paços de Brandão, os da «Casa de Vilar do
Paraizo», a que pertenceu Lourenço Huete Bacelar de Sotto Maior,
senhor, pelo casamento com D. Vitória de Lacerda Cardoso Botelho de
Pinto Pereira, de uma das casas da Praça Velha e Duarte Pinto,
senhor de outra casa da mesma Praça, como já disse, além dos da casa
do «Outeiro de Travanca e de Villar Mayor, na terra da Feira (que se
deve ler Vila Maior, deste concelho da Feira).
*
Francisco António, do casamento que
contraiu com a D. Luísa, teve um filho:
Fernando José Camelo de Miranda
Pinto Pereira da Silva, natural da já referida freguesia de S. Martinho da Várzea, do Douro, do
concelho de Bemviver.
O padre Resende, no já citado livro
«Monografia da Gafanha» (1.ª edição, pag. 52) afirma que ele atingiu
a maioridade dos 25 anos, em 1755, tendo, assim, nascido em 1730.
Não obstante esta afirmação, o mesmo
autor, no seu artigo «As Marinhas de Sal de Aveiro» (cit. Arq. vol.
X – pag. 38) diz que «em documento de 1759 são os pais de Fernando
José que figuram na administração de seus bens e vínculo».
Outrossim, no seu artigo «Aveiro e
alguns dos seus homens no século XVIII» (cit. Arq. vol. XXI, pag. 223) diz que o Fernando José tinha 2 anos quando morreu o avô e,
assim, teria nascido em 1734, o que se concilia com a afirmação
feita em «As Marinhas de Sal de Aveiro», devendo ter-se como
equívoco o que se referiu na «Monografia da Gafanha».
Atingida a maioridade dos 25 anos
tomou conta da administração do mencionado vínculo instituido por
seu avô materno – João Ferreira da Cruz, administração que manteve
até à sua morte em 1792.
Felg. Gayo (cit. ob. T. 23, fls. 68)
diz que Fernando José, a quem chama «Fernão José Camelo, foi
«capitão de cavalos na côrte de que Ihe derão baixa por desordens».
Teve carta de familiar do Santo
Ofício, que lhe foi concedida em 20 de Abril de 1773 (m. 3 n.º 125 –
cit. Arq. Vol. XXX, pag. 77 – «Familiares do Santo Ofício, por Dr.
Hugo Pires de Lima) e foi moço fidalgo da Casa Real.
Casou com D. Maria Eufrásia Soares
de Albergaria Pereira, natural da freguesia de Oliveira do Conde,
Carregal do Sal, bispado de Viseu, filha de Manuel Soares de
Albergaria Pereira, mestre de campo de auxiliares da comarca da
Guarda, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e fidalgo cavaleiro da
Casa de Sua Majestade e de D. Maria Tomazia de Sequeira Guedes
Queirós, naturais da referida freguesia de Oliveira do Conde, onde
moravam, neta paterna de Francisco Soares de Albergaria Pereira, que
também /
94 / foi mestre de campo de auxiliares da comarca da
Guarda, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e fidalgo cavaleiro da
Casa Real e de D. Ângela Pereira de Miranda, da Vila de Midões e
materna de Manuel Guedes de Sequeira Queirós e de sua mulher D.
Florência Guedes de Carvalho ou Florência Josefa de Carvalho, da
quinta de Santiago, freguesia de Vila Marim, bispado do Porto.
D. Maria Eufrásia era irmã de
Francisco Soares de Albergaria Pereira, fidalgo da casa de Sua
Majestade, cavaleiro professo da Ordem de Cristo e mestre de campo
de infantaria auxiliar da cidade da Guarda e familiar do Santo
Ofício, casado com D. Maria Casimira Inácia Pequeno Chaves Lemos
Roxes e Menezes, natural da freguesia de Requeixo, bispado de
Coimbra, moradores em Aveiro.
Este Francisco Soares de Albergaria
Pereira foi dono da capela de S. Miguel e sua casa, no lugar de Fijô,
como oportunamente será referido.
Da mencionada carta de familiar
consta, apesar de não se verificar, com certeza, a naturalidade «da
Avo materna do habilitando, que se diz ser desta cidade e freguesia
de Alfama» que «ha boa informação de sua puresa no lugar de
domicilios, e de todos os mais consta que forão cristãos velhos sem
macula o Avô Paterno do habilitando Familiar do Santo Ofício e um
irmão da mulher chamado Francisco Soares de Albergaria, com o qual
posto que se recebesse, não consumou o matrimónio, e se acha a mesma
hoje Religiosa no Convento de S. Bento do Porto; consta tambem que
não fora mais vezes casado, e que tendo sido bem irregular o seu
procedimento hoje se acha emendado tem porem dois filhos ilegítimos
chamados Narciso José e Maria Barbosa, os quaes por suas Mais e Avos
maternos são de limpo sangue e geração; tem o habilitando os mais
requesitos necessarios na forma do Regimento para ser Familiar do
St.º Ofício como pretende e para que o julgo habilitado: Lisboa 7 de
Abril de 1773».
Em outro passo do mesmo processo
consta que aquele Narciso teve por mãe Joana Teresa, filha de João
Luís e de Maria da Encarnação, da freguesia de S. Miguel de Aveiro e
a Maria Barbosa teve por mãe Joana Maria Rabaça, filha de Fernando
Rodrigues e de Maria da Silva, da freguesia de S. Nicolau da Vila da
Feira.
Colhi estas informações no extracto
publicado no cito Arq. Vol. XXX, pag. 77 e numa cópia integral da
respectiva carta de habilitação que consegui da Torre do Tombo, por
gentileza do já referido Dr. Hugo Pires de Lima e ainda no livro de Paes de Melo «Soares de Albergaria»,
pag. 270 a 272.
Felg. Gaio, na cit. ob. e tom., diz
que Fernando José Camelo morreu sem descendentes.
Este, no testamento com que faleceu,
feito e aprovado em 14 de Maio de 1792 (cit. Arq. Vol. XI, pag. 21)
declara, quando se refere a sua mulher, «por não termos sucessão»,
em vez de dizer «sem sucessão», o que convence que não quis excluir
a sua sucessão ilegítima, cuja existência foi averiguada pelo Santo
Ofício, quando passou a referida carta de familiar.
Por não ter deixado sucessão
legítima, depois da sua morte, houve grande litígio para se
averiguar a quem deviam caber os seus bens e designadamente o
morgadio, em face da disposição daquele testamento em que instituiu,
como seu universal herdeiro, «aquele ou aqueles dos meus parentes
que se acharem mais próximos ao tempo da minha morte e que forem da
parte de minha Mai».
O padre Resende, em «O Morgado da
Vila da Feira (cit. Arq. Vol. XI, pag. 119) refere que corria em
tradição que Fernando José, do seu casamento com D. Eufrázia, tivera
dois filhos que, frequentando a alta sociedade de Lisboa,
enamoraram-se de duas damas aparentadas com a família real do que
resultou «procedimento repreensivel que chegou a ser escandaloso».
Acrescenta que o pai procurou «a
deportação dos filhos que, pela justiça vindicativa paterna são
compelidos a expiar em desterro africano os seus desregramentos
morais».
Se isto se veirificou só pode dizer
respeito à filiação ilegítima.
Por morte do Fernando José, como
disse, habilitou-se, com êxito, à sua herança, João Lopes Ferreiro,
filho de Teresa Maria Ferreiro de Lemos, que também usou os nomes de
Teresa de Jesus Ferreira e de Teresa Maria de Jesus, que era filha
de Manuel Fernandes de Lemos, irmão do João Ferreira da Cruz e,
assim, prima co-irmã de D. Luísa, mãe do testador.
A D. Teresa Maria de Jesus já tinha
falecido em 26 de Outubro de 1807, como se vê da escritura de
aforamento feito pelo filho João Lopes Ferreira e mulher («Freguesia
e concelho de IIhavo – Lugar da Coutada – padre Resende – cit. Arq.
Vol. XIX, pag. 294).
Diz o mesmo autor em «O Morgado da
Vila da Feira» que a D. Teresa Maria habilitou à herança seu filho
João Lopes Teixeira que entrou na posse dela em 1807 – transferindo
o seu domicílio de Casais (Maçãs de D. Maria) para a quinta do
Camelo, no Vale-de-ÍIhavo, apesar de já ter triunfado no pleito em
Novembro de 1797 (cit. Arq. Vol. X, pag. 239).
/ 95 /
O litígio estabeleceu-se com a já
mencionada D. Francisca Josefa Ferreira que invocava, a seu favor, o
direito que lhe conferia uma escritura de compra feita ao João Lopes
Ferreira, do direito ao morgadio, o que tudo está referido e
desenvolvido por aquele padre (Monografia da Gafanha – 2.ª edição,
pag. 79).
Este padre Resende, no já aludido
trabalho – «As Marinhas de Sal de Aveiro (cit. Arq. número 39 de
1944, pag. 242) arrola, do seguinte modo, os sucessivos morgados:
1.º Fernando José Camelo de Miranda
Pinto.
2.º João Lopes Ferreira.
3.º D. Josefa Maria da Rosa.
4.º José Fernandes Teixeira.
Finaliza dizendo: «Com o falecimento
deste em 1893 ficou extinto o vínculo que foi uma ligeira aparência
do que tinha sido no tempo do 1.º Morgado».
O mesmo autor, porém, na «Monografia
da Gafanha, 2.ª edição, pag. 22, impressa no mesmo ano de 1944,
afirmou:
«Por falta de sucessão directa do
instituído desapareceu com esta família o pouco duradouro morgadio»
e mais adiante: «o segundo primo do Camelo (João Lopes Ferreira) e
seu herdeiro que se desgastou em litígios não pôde unir na sua Casa
os avultados bens dispersos pelas mãos dos seus detentores –
morrendo o morgadio».
Nesta última passagem deve-se
entender que o autor quis dizer, apenas, que o morgadio tinha
morrido de facto, por estarem dispersos os bens em mão de
outros, o que também se deve concluir por o padre Resende ter
grifado a palavra morrendo.
Mas, da primeira passagem parece
concluir-se que ele quis afirmar que, de direito, o morgadio
se extinguiu com a morte do Fernando José sem descendência legítima.
Parece-me que aquele é o melhor
ajuste ao pensamento do padre Resende, pois ele sempre afirmou que o
morgadio se manteve durante o século passado.
Noto, porém, que o João Lopes
Ferreira e sua mulher Teodora Maria da Rosa, na escritura
esponsalícia, de 7 de Maio de 1809, de sua filha Josefa Maria
Teodora da Rosa, então de 18 anos, com António Fernandes Teixeira,
do lugar da Lomba, termo do chão do Couce, de 27 anos, filho de
Manuel Fernandes e de sua mulher Maria Gaspar, dotaram a referida
filha para melhor poderem sustentar os encargos do matrimónio com
diversos bens constantes da mesma escritura, acrescentando: «e que
outrosim em rasam da dotada futura noiva ser a primogenita das duas
irmans e por isso lhe pertencer na forma da lei o Morgado de que ele
dotante é administrador existente na cidade de Aveiro, querendo mais
beneficiar a dotada desde já sede nela o juízo (?) e administração
do dito vínculo de que poderá tomar posse cada vez que quiser,
reservando ele dotante o usufruto para si dos primeiros seguintes
sete anos e que nos restantes enquanto ele administrador for vivo
será ela dotada obrigada a lhe prestar anualmente dos mesmos
rendimentos para a sua congrua e sustentaçam metade do rendimento
liquido do dito Morgado e uma vez que falte a anual prestação da
dita metade então nesse cazo tornara ele desistente a apossar-se
novamente da administração do dito Morgado concorrendo então a ela
dotada com a sua metade do dito rendimento» (Freguesia e concelho de
Ílhavo – Lugar do Coutado» – padre Resende, cit Arq. Vol. XIX, pag. 293).
O que não posso aceitar é que o
vínculo se extinguisse em 1893 porque todos eles foram extintos por
lei de 19 de Maio de 1863.
As leis de 3 de Agosto de 1770 e 30
de Julho de 1860 já consideravam extintos os morgadios e capelas de
rendimento anual que julgaram insignificantes conforme os valores
que, respectivamente, consideraram.
Por aquela lei de 30 de Julho de
1860 e está expresso no seu regulamento de 19 de Janeiro de 1861,
foi ordenado o registo de todos os morgadios ou capelas nos Governos
Civis dos distritos onde os bens estivessem situados, excepção feita
ao apanágio do Príncipe Real sucessor à Coroa, constituído em bens
da Casa de Bragança, pela carta patente de 27 de Outubro de 1645.
O prazo para se fazer o registo era
de dois anos a contar daquela lei de 30 de Julho de 1860 e a sanção
imposta pela falta de registo era a da abolição do respectivo
morgadio ou capela.
Da Torre do Tombo não constam os
processos referentes ao distrito de Aveiro, assim como os de outros
distritos.
O Dr. Alfredo Pimenta, no seu
trabalho «Vínculos Portugueses – Catálogo dos registos vinculares
feitos, em obediência às prescrições da lei de 30 de Julho de 1860 e
existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo – 1932» diz a pag. X «...Sei que em Aveiro se fizeram registos (Portaria de 28 de
Setembro de 1861)... Mas na Torre do Tombo não existem os
Processos».
É pena, pois seriam preciosos
documentos para estudo.
Não obstante o que se deixou
referido quanto à doação feita pelo João Lopes Ferreira, em 4 de
Maio de 1816, na qualidade de «administrador do vínculo do
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Camelo», ele mandou citar Manuel dos Santos Batel para pagamento de
foros da Coutada (cit. artigo do padre Resende – Freguesia e
Concelho de Ílhavo – Lugar da Coutada – cit. Arq. Vol. XIX, pag. 295).
Por sua vez, em 24 de Fevereiro do
mesmo ano, apareceu o João Lopes Ferreira «como senhorio
administrador do Morgado Camelo e sua mulher Teodora Maria de Rosa e
o imediato sucessor do dito Morgado, António Fernandes Teixeira e
sua mulher Josefa Maria «a fazerem uma escritura de emprazamento por
3 vidas a Jacinto Fernandes» (cit. Monografia da Gafanha – 2.ª
edição – pags. 50 e 51).
O padre Resende, em carta que me
enviou em 20 de Janeiro de 1939, informou que o avô, cerca de
1830-1860, ainda ia levar a Aveiro «ignora a quem», a esmola das 3
missas.
Em 24 de Abril de 1871 – Francisco
Sousa M... pediu, em carta dirigida a meu avô, Dr. Joaquim Vaz, como
Proprietário da capela com a invocação de N. S.ª de Monserrate, na
vila da Feira, o pagamento das 3 missas anuais «desde 1840 a 1854»,
obrigação que meu avô repeliu, por carta de 27 desse mês e ano, por
a ela se não achar obrigado.
Tudo se relata por dizer respeito ao
morgadio, a que estava ligada a capela, que estudo, de N. Senhora de
Monserrate.
(Continua no próximo número –
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