Jumbembem, 11 / Junho / 65.
Deitado na cama de rede,
fixo o calendário, feito de papel quadriculado e cravado na parede. E
cada dia que passa é preenchido, sujo com lápis de cor, quando o relógio
marca meia-noite. Cada mês que passa é esquecido com dois traços em
cruz.
Mas que é para nós um
calendário? Uma estrada monótona de cômoros sem amoras e borboletas; um
pedaço de papel que podia não ter existido, um ponto morto. Mas diz-me
tanto o calendário cravado na parede! Quadradinhos vermelhos: dias
doridos de poentes de sangue; carne anavalhada por estilhaços de morte,
enrodilhada de medo, atrás duma árvore ou nas bermas das picadas, ou
montada em gloriosos corcéis de batalha, vencendo tudo e todos; combates
ensopados em chuva ou lama para lavar as feridas; minas que desfazem
viaturas, levando-as pelo ar com os homens; sangue, muito sangue, morte.
Quadradinhos negros: dias
feitos de nada, inúteis, como uma folha que o cacimbo apodreceu;
dias impossíveis de construir, em que atiramos a alma para trás das
costas, de braços caídos nos braços da cadeira, porque era grande o peso
das sombras que lhe iam por debaixo; dias de humor negro, a
olharmos as paredes sujas, as mãos sujas, a selva, as angústias
vermelhas como os olhos, e a incerteza do dia seguinte e os malabarismos
do Biscaia. / 154 /
Que é o calendário para nós?
Quadradinhos vermelhos, negros. Sei-os de cor: os dias, as horas, os
minutos, a vida, a morte.
Horas que amanheceram a
sorrir como crianças, frescas como elas; horas paradas, a ouvirmos as
inesquecíveis anedotas do Júlio ou música trepidante; horas cobertas de
esperança a desenhar o mar azul, o regresso, os abraços, o cais.
Minutos que humedeceram os
olhos, porque veio a morte roubar os sonhos; horas tristes, porque o
avião não veio lançar o saco azul do correio.
Ai tanto que eu não contei,
mas que sei de cor pelo calendário, pela cor do sangue: combates,
mortos, feridos, lágrimas, fome, sede.
Dizem que as avestruzes
quando pressentem tempestades, escondem a cabeça nas areias. Quantos
homens assim com medo da verdade? Para quê?
Há ainda quadradinhos
brancos: 36. Vazios. Que cor os vai sujar? Quando diremos? – Pátria,
presente! Missão cumprida! A guerra continua a queimar-nos a alma, a
quebrar os nervos.
Calendário: quadradinhos
vermelhos, negros…
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