T12 / Dez. / 63.
Comecei por meter água muito
cedo, às quatro da manhã. E não me meti ao riacho para agarrar a lua,
porque ela se escondera longe, mas, porque não sendo bom equilibrista,
escorreguei da ponte, feita com dois troncos de palmeira.
Depois, na tarde, a ferver,
corri como um louco, como os outros que corriam à minha frente, sem
saber porquê. A razão só a soube, e de que maneira, quando me vi metido
numa emboscada de abelhas, que obrigaram muitos a atirar as armas por
terra para se sacudirem. De facto, era um exército aguerrido e bem
armado que criou pânico e deitou muitos por terra em penosa quietação. O
Napoleão ficou com as orelhas em sangue. E começaram a aparecer os
inchaços nas orelhas, mãos e olhos, que alguns esfregavam com dentes de
alho.
Pela violência do ataque,
emocionado, o cabo cento e oito caiu ensopado em suor de tanto correr.
Dizia que estava almariado. Deitou-se na maca, abriu-se-lhe a
roupa e até ao fim do dia andou aos ombros por veredas, entre mato alto
e capim, por tabancas e tabancas, todas vazias, mas com
sinais de vida: rebanhos e pegadas frescas. E ninguém pelos campos.
Entretanto, a noite
estugou-nos o passo e deu-nos
/ 43 /
uma fonte de água límpida para matar a sede que gretava os lábios. Ali,
perto, ficava uma tabanca de fulas armados.
Um velho, de barba branca,
com uma túnica verde, homem grande, trouxe uma tigela de leite e açúcar
para o capitão que, agarrando numas moedas, lhe agradeceu.
Bajudas enchiam
pequenas cântaras de barro na água corrente com os cabaços. Rente à orla
da mata, garotos nus, cheios de guardas de corpo, guardavam uma enorme
manada de vacas, numa algazarra quase festiva.
Depois de cavarmos os
abrigos e limparmos convenientemente os campos de tiro, num quase
descampado, alguns moços puxaram das latas de chouriço e começaram às
voltas com elas, devorando os nacos de chouriço com bolachas m. m.
(Manutenção Militar) e, às vezes, davam à língua, cavaqueavam:
– Caramba! Hoje, nem
bandidos, nem tiros! Dia de sorte!
– Talvez venham para a
batucada logo pela calada da noite... está mais fresco.
E, dando mais uma bocadada,
o Silva dizia, concluindo:
– Mas já sabem: homem que eu
enfie na arma é homem dobrado em dois.
Dormimos ao ar livre.
Havia estrelas para quem
fosse poeta e sonhador, mas dormir assim, aos dois e três, em constante
alerta, em círculo, metidos em buracos cavados à pressa, cobertos de
folhas e ramos tenros para afofar o leito, debaixo dum cacimbo que não
perdoa o bater do dente nem, de quando em quando, um arrepio pelo corpo
todo – era doloroso. Dormir, não se dormiu, porque o medo espanta e o
frio gela e o cansaço imenso agarrado aos pés amortece a vida. Mas,
quando surgiu a manhã, em dois ou três segundos, estávamos em marcha,
como se fôssemos um único homem.
À porta da tabanca
amiga, o homem de barba branca tinha um cesto de bananas que distribuía,
uma a uma, pela longa fila, enquanto, lá ao fundo, três burros bebiam
água num riacho distraidamente.
|