«as lágrimas de Ílhavo»
pelo «Maria da Glória»
Ao Comandante Henrique Tenreiro,
− grande Amigo dos que não voltaram...
Ainda há pouco, − há bem pouco, ainda,
O lugre vogava!...
Era Vida e Trabalho.
Vogava airoso
Com as velas enfunadas;
E, ao calor, e ao virar do seu motor
Ajudando, vigoroso,
As vagas azulíneas recortava...
Era alegre este barco: e a sua rota
Ele seguia
Com bandeiras nos mastros desfraldadas;
E também no costado, bem
pintadas,
As letras − «Portugal» − como a dizer,
− A quem quisesse ver,
Do seu rumo de Paz... fora da Guerra!
Marujos Ilhavenses, descuidosos,
Cantavam. − Cantavam.
Lembranças dos dias amorosos,
Cá na Terra.
E, enquanto manobravam no velame,
Os da máquina apitavam
Como a fazer reclame
Da razão porque ali vão...
Mas, naquele dia,
A neve caía num forte nevão!
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E, porque o barco era grande,
Eles andavam
Lidando, de cá para lá,
Pois todos sabiam
Que, − quem se mexe... se aquece.
Há poucos dias largaram do pesqueiro,
E regressavam, confiadamente,
Nas ondas vagalhonas, em galope,
'Com brisa de feição...
As bandeiras, nos mastros adriçadas,
Vão a tope
E bem iluminadas,
P'ra que não possa haver engano ou confusão,
'Com este barco de Paz.
Assim, porque é neutral,
Confiam que ninguém lhes fará mal,
E lá vão...
No mar de Cristo os homens são melhores;
− São mais irmãos do seu irmão!...
E o barco vogava donairoso e veloz.
Os farois de bombordo e estibordo
Rebrilham mais com a luz dos projectores,
Que a noite caminhou escura e breve...
Luz e mais luz!!! − Com luz, ninguém se atreve
A ignorar sua missão.
Senhor, Senhor! − as noites, no mar,
Com fantasmas da guerra
Nos corpos de afogados, a boiar,
Devem ser de pavor!...
Mas se vier a procela?
− Saberão vencê-la
Como a outras, que venceram, antes,
Que todos são de Ílhavo,
− A terra do Senhor dos Navegantes!...
Não estarão nos borralhos,
Talvez de joelhos,
Novos e velhos
A rezar por eles?
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O pior são as minas derivadas,
Arrastadas com os gelos!...
Tantas passaram; e se não lhes tocaram,
... Milagre tem sido!...
Por este favor
Esquecem o medo; e, − é vê-los
E ouvi-los, confiados e tranquilos:
− A uns, que cantavam no rancho da proa;
Outros, dormiam e talvez sonhassem
(Se a pesca foi boa),
Na fartura dos ganhos, para o lar.
Pudessem, quando a Hora da Saudade,
Não só ouvir, mas... a seguir falar!...
Que desejo é este que lhes dói no peito?
Como será a cara do menino que lhe dorme no leito
E lá nasceu,
E eles no pesqueiro a labutar?
E o sonho, em suas asas, voa alto
E vara o espaço para ser embalo
De trazer, para ali, − num breve salto,
Lembranças de regalo!...
Na mente adormecida,
− A casa, a leira, a horta, a filharada
Perpassam numa fita colorida...
Parece ouvir a voz − (como a chamá-lo),
Da mulher a lidar, em roda-viva!...
Mas de repente acorda... Um estremeção
Seguido dum abalo de trovão
Batendo em cheio,
Faz-lhe ver e sentir que o barco range,
Afrouxa e treme
p'ra se empinar de ré... quebrado ao meio!!!
E a campanha (tão nova!) que cantava,
Mais os que dormiam e sonhavam,
E os do leme e os do quarto que rumavam,
E as bandeiras nos mastros adriçadas,
Ainda iluminadas
A falarem de Paz, de Portugal,
... No mesmo segundo
Vai tudo p'ra o fundo!!!
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Senhor! Senhor!
− Que de traições no Mundo!!!...
E a noite tão negra,
Com neve a frisar
Farinha do céu!
Ó homens feras, corações de pedra:
Olhai o mar, cismai no mar à roda,
Só mar... e mar, a ulular
À negridão de breu!
...Nem tempo lhes deram
De dizer que morreram!
Outro barco que passa,
Por um dory, aboiado, contou a desgraça!
E as lágrimas em Ílhavo brotaram
E correram piedosas;
Os lutos se vestiram e usaram,
E as luzes votivas se acenderam
Perguntando à Esperança, lacrimosas:
É certo que morreram?
− Vivem? − Voltarão?
Senhor dos Navegantes milagreiro:
Fazei novo milagre, bom Jesus!
Trazei a salvo os homens do veleiro,
P'las Cinco Chagas, − Deus, p'la Vossa Cruz!
Filhos, Esposo, Noivos, − onde estais?
Não voltarão?
Amanhã, outro barco e outros homens, seguirão
Talvez... p'ra nunca mais!!!...
Ílhavo, Dezembro de 1943.
VAZ CRAVEIRO |