FILHO
muito ilustre da cidade de Aveiro e desembargador da Casa da Suplicação,
foi um dos Mártires da Liberdade, enforcado na Praça Nova, mais tarde
Praça da Liberdade, da cidade do Porto, no dia 7 de
Maio de 1829.
Foi-lhe cortada a cabeça e trazida para
Aveiro, pregada
num poste e colocada em frente da casa onde vivia.
Os cadáveres deste e outros supliciados estiveram encerrados, até ao dia
19 de Junho de 1878, num mausoléu, no pátio da igreja da Misericórdia,
sendo nessa data trasladados para o cemitério do Prado do Repouso, com
um imponentíssimo acompanhamento.
A sentença que condenou Francisco Gravito e mais outras doze vítimas foi
lavrada no dia 9 de Abril de 1829 e ordenava:
...«que ficavam exauctorados e privados de todas as honras,
previlegios e dignidades de que gozavam e condennados a que, com baraço
e pregão, fossem levados pelas ruas publicas do Porto, até ao largo da
Praça Nova, e na forca que na mesma se havia de levantar, morressem
enforcados, sendo-lhes depois cortadas as cabeças, para se afixarem em
alto póste, nos logares do delicto.»
Também lhes foram confiscados todos os bens.
Parece-me que são desconhecidas as circunstâncias em
que foi feita a sua prisão e que há pouco tempo conseguimos averiguar.
Quando a causa liberal parecia perdida, ele, para fugir à perseguição,
pois era um dos elementos de grande valor do
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liberalismo, saiu de Aveiro, metendo-se num barco, levando duas
malas ou baús, onde guardou jóias e dinheiro que à
pressa pôde reunir e, navegando em direcção ao Norte, veio
aportar a um esteiro de Bunheiro, chamado «Ribeira do
Gago» e também conhecido pelo nome de «porto pequeno».
Este «porto pequeno» fica uns duzentos metros a Sudoeste
da igreja matriz.
Desembarcando, não se dirigiu para o Norte, para a
igreja, naturalmente para que a sua presença não fosse
notada, mas sim para o caminho que se dirige para o Sul e, andando uns
100 metros e encontrando outro caminho que
se dirigia para Nascente, por ele enveredou, pois na realidade
ia dar a sítio mais recôndito e solitário.
Andando alguns passos, deparou-se-lhe, no sítio da
Lagoinha, uma casa humilde que lhe pareceu propícia para o seu isolamento.
Pediu guarida aos seus locatários, que eram conhecidos
pelos «Gregos».
Os «Gregos», extremamente pobres e vivendo num
autêntico tugúrio, à vista de pessoa tão distincta, desculparam-se,
alegando não possuírem aposentos onde Gravito se
pudesse instalar, mas logo se ofereceram para lhe ir indicar onde ele poderia ser recebido e alojado convenientemente.
Aceitou e lá foram para casa de Frei Manuel Vinagre,
onde (diziam os Gregos) não só encontraria melhores comodidades, mas,
também, sólida e vantajosa protecção se dela viesse a necessitar.
Frei Vinagre concedeu-lhe a hospedagem solicitada e
Gravito lá se instalou com a sua preciosa e valiosa bagagem.
Confiado, contou toda a sua vida e situação ao seu hospedeiro que, pelo menos aparentemente, parecia merecer-lhe
toda a confiança.
E tanto que, como cautelosa prudência, propôs ao foragido que seria de boa prevenção e cautela esconder, cuidadosamente, as malas onde guardava os seus tesouros.
Foram enterradas no pátio e nesse sítio foram levantadas
grandes medas de palha e junco para melhor ocultar a terra recentemente
revolvida e para maior segurança contra qualquer cilada, roubo ou
traição.
Passados alguns dias, Gravito manifestou desejos de ir,
furtiva e cautelosamente e de noite, à sua casa de Aveiro.
Mas necessitava de barco e de barqueiro de absoluta
confiança.
Frei Vinagre encarregou-se de obter o que Gravito
desejava.
Alguns dias depois Frei Manuel anunciou ao Gravito que tudo estava
preparado para em determinada noite se
realizar o seu desejo.
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E lá partiu o barco com o confiado viajante, singrando suavemente ao
longo da ria até ao escolhido (e talvez combinado) porto de desembarque.
Apenas aí chegado, surgiram logo alguns soldados miguelistas que
rodearam o barco e intimaram a entregar-se
quantos nele se encontravam.
Gravito foi preso.
As circunstâncias em que esta prisão se deu levam a crer
ou, pelo menos, a suspeitar, que houve prévia denúncia às autoridades
miguelistas da ida do Gravito a Aveiro, dia, hora e local do
desembarque, pois não é muito verosímil admitir uma simples casualidade
nessa prisão.
E as malas, com o seu valioso recheio, lá ficaram
enterradas.
Frei Manuel Vinagre tinha vivido vários anos em Aveiro
devendo ter nesta cidade bastantes relações.
Tinha um irmão − Frei José − que a esse tempo se devia encontrar na
comunidade de qualquer Ordem religiosa e cujos ascendentes eram de
condição humilde e simples vendedores ambulantes de vinagre, donde lhes
proveio o nome ou apelido vulgar por que eram conhecidos.
Passado algum tempo, esta família adquiria numerosas e grandes
propriedades, vindo a tornar-se grande proprietária da freguesia.
Ainda hoje existem algumas pessoas que destes factos tiveram
conhecimento por tradição de família e o referem com mais pormenores,
que para o caso não interessam.
Murtosa, 30 de Maio de 1951,
JOAQUIM JOSÉ FERREIRA
BAPTISTA |