D. Brites de Lara e Meneses
é uma das figuras de maior relevo na sociedade aveirense, na primeira
metade do século XVII. Apesar de não ser natural de Aveiro, aqui viveu
grande parte da sua vida, e aqui faleceu e foi sepultada.
Pertencia à mais alta nobreza de Portugal. Era filha de D. Manuel de
Noronha e Meneses, quinto marquês e primeiro duque de Vila Real, e de
sua mulher D. Ana da Silva
(1).
Nasceu cerca do ano de 1564 e faleceu no dia 4 de Junho de 1648 no seu
paço de Aveiro.
D. Pedro de Médicis, filho de Cosme I de Médicis, grão duque da Toscana
e príncipe de Florença, e irmão dos duques D. Francisco e D. Fernando de
Médicis, casou em segundas núpcias com D. Brites de Lara e Meneses e
ambos
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foram residir em Madrid
(2). Ela enviuvou em 1604 sem
descendência, e veio então viver para a vila de Aveiro,
cujos duques, D. Álvaro de Lencastre e D. Juliana de Lencastre, eram seus parentes.
No sítio do Terreiro desta vila comprou D. Brites de
Lara umas casas, nas quais passou a residir na companhia
de algumas senhoras de sua família. Passado algum tempo
recolheu-se no mosteiro de Jesus, onde esteve dezoito anos, e
entretanto, no local das suas casas mandou edificar um paço para sua
residência, mas de construção já adequada a nele poder estabelecer um
convento de religiosas carmelitas descalças. Não conseguiu, porém,
durante a sua vida realizar este objectivo por não lhe terem sido dadas
as necessárias autorizações. Só passados alguns anos após a sua
morte é que o seu herdeiro e sobrinho D. Raimundo de
Lencastre, duque de Aveiro, conseguiu a licença régia para
a fundação do desejado convento.
Simultaneamente D. Brites de Lara e Meneses interessava-se pela fundação de um convento de religiosos carmelitas descalços
em Aveiro. Vamos ver como ela colaborou na fundação deste convento.
Os frades carmelitas descalços tinham resolvido fundar
em Aveiro um convento desta ordem, por sugestão do fidalgo
Pedro Tavares, aqui residente, e para tal, trataram aqueles de conseguir
as necessárias licenças. Em 22 de Julho de 1613
obtiveram-na da Câmara de Aveiro. O auto foi lavrado pelo
respectivo escrivão, Sebastião da Rocha Pimenta, e assinado pelo juiz de
fora Gaspar Corado e ainda por Miguel Afonso
Migalhas, José Coelho; António de Almeida da Costa, Diogo
Vieira Guedes, Tomás da Costa Corte-Real, Jerónimo Cardoso, José
Barreto, António Coelho, Brás Pereira, Andrade
Lançarote, Pedro de Araújo, e Miguel da Veiga.
O bispo de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco e o
duque de Aveiro, D. Álvaro de Lencastre, deram também
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231 /
licença para a fundação do convento, em 12 de Outubro do referido ano.
Os frades instalaram então o convento numa casa próximo da capela de S.
Gonçalo, casa que tinha pertencido a Gil Homem da Costa e situada na
rua hoje denominada das Salineiras. Esta casa ainda existe hoje, embora
alterada em parte.
Os frades não obtiveram, porém, autorização do rei, então Filipe III de
Espanha (1598-1621), e por isso, a Mesa do Desembargo do Paço mandou
encerrar o convento passado um ano. A Câmara e a nobreza de Aveiro
representaram então com muito interesse ao rei para que este
autorizasse a fundação do convento, o que fez por provisão de 16 de
Julho de 1615.
A casa do convento era. porém, pequena, e desabrigada e insalubre por
estar na orla das salinas. Por isso, mandaram os frades construir outro
edifício para o convento na
rua de S. Paulo, hoje denominada rua do Carmo, próximo do lugar de Sá.
O paço que D. Brites de Lara tinha mandado construir para sua habitação
e futuro convento já estava concluído, mas ela continuava recolhida no
mosteiro de Jesus. Então ela permitiu que os ditos frades vivessem nele
desde 18 de Março de 1618 até à conclusão do edifício da rua de S.
Paulo. Mas como os recursos dos frades eram poucos e por isso demorava
a construção do convento, D. Brites de Lara tomou a seu cargo a
conclusão das obras.
No começo do ano de 1620 estava concluído o convento, e no dia 15 de
Março deste ano foi aqui rezada a primeira missa. Os frades ocuparam o
novo convento e, passado algum tempo, D. Brites de Lara passou a viver
no seu paço do Terreiro.
Faltava agora construir a igreja do convento, mas para tal também os
frades não tinham recursos. A sua protectora D. Brites de Lara fez então
um contrato com eles, em 25 de Agosto de 1626, em virtude do qual ela
fazia a igreja à sua custa e a doaria a eles, com a condição de ser ela
a padroeira do convento, e ficar senhora da capela-mor, das duas capelas
no corpo da igreja, e dos dois altares colaterais do cruzeiro.
Estipulou-se também no contrato que, por sua morte, o padroado do
convento passaria para o representante da Casa de Vila Real e que ela
teria o seu jazigo na capela-mor.
A escritura do convento foi feita pelo tabelião Belchior Correia de
Vasconcelos, sendo procurador de D. Brites de Lara e Meneses o seu
veador João da Maia Araújo. O contrato foi aprovado em 30 de Setembro de
1626 pelo padre geral frei João do Espírito Santo.
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232 /
A primeira pedra da igreja foi lançada no dia 15 de
Outubro de 1628, e a igreja ficou concluída no ano de 1643,
ainda em vida de D. Brites de Lara, faltando apenas construir a sacristia. No cimo do arco cruzeiro foi colocado um brasão de
pedra com as armas de D. Brites de Lara e Meneses e na frontaria da
igreja foram colocados dois brasões com estas mesmas armas.
Do convento já nada resta presentemente. A igreja ainda
existe hoje, tal como foi construída, e perfeitamente conservada. E espaçosa, de uma só nave, e de planta em forma
de cruz latina. Desconhece-se o autor do seu traçado.
O muro que separa actualmente o adro da
igreja da rua
do Carmo foi construído em 1711, como se vê pela data existente sobre o
portão de entrada para o adro. Este portão foi
elevado há algumas dezenas de anos por motivo de serviço religioso
externo.
Em 9 de Julho de 1635 fez D. Brites de Lara e Meneses doação da capela do lado do Evangelho, que veio a chamar-se
da Senhora do Pilar, ao seu veador João da Maia Araújo, para si e seus
sucessores, e pouco tempo depois, fez doação
da capela do lado da Epístola, que veio a denominar-se de
S. Sebastião e também do Santo Cristo, à sua camareira-mor, D. Inês da
Silveira.
PINHO QUEIMADO, na sua Memória sobre Aveiro, de 1687,
dá-nos a seguinte notícia acerca do convento:
«No extremo opposto da villa para a parte do norte,
está o convento dos carmelitas descalços fundado em 1613
pela ex.ma D. Brites de Lara, mulher do ex.mo D. Pedro
de Lara, digo, D. Pedro de Medicis irmão do gran-duque
da Toscana, que como padroeira está sepultada em um
alto e magnifico sepulchro de jaspe de várias cores na capella-mór da
parte do evangelho; este convento é casa
de professos, e moram nelle trinta e cinco religiosos.»
(3)
O padre CARVALHO DA COSTA amplia esta notícia nos
seguintes termos:
«No opposto extremo da Villa para a parte do Norte
está o Convento de Carmelitas descalços, da invocação
de nossa Senhora do Carmo, que he o sexto na preeminencia em a sua Provincia, & no edificio o mayor della:
com apraziveis, & recatadas vistas, aceada, & fecunda
horta, fonte, pomares, e largueza de officinas. Foy fundado no ano de 1613, pela excellentissima Dona Brites
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de Lara, mulher do excellentissimo Dom Pedro de Medicis, irmão primeyro
do Grão Duque da Toscana; que como Padroeyra, está sepultada em hum
alto, & magnifico sepulcro de jaspes de várias cores, na Capella mor
da parte do Evangelho.
Dotou duzentos mil reis para quatro Capellanias, & outros duzentos para
se despenderem em obras: & assim cada vez se aumenta, & aperfeiçoa o
edificio do Convento, & Igreja; a qual he de architectura levantada, &
sumptuosa, (mayor em proporção que as da planta commua) com excellentes
retabolos, devotas imagens, & venerandas reliquias.»
(4)
Frei MANUEL COELHO DE OLIVEIRA, vigário da freguesia
da Vera Cruz de Aveiro, na sua informação paroquial de 1721, acerca
desta freguesia, escreveu:
«Como tambem há nella hum convento de Religiozos
Carmelitas Descalsos, por invocação de N.ª Sr.ª do Carmo;
foy fundado pella Sr.ª D.ª Brites de Lara, e Menezes em o anno de 1613.»
(5)
D. Brites de Lara e Meneses sempre foi, portanto, considerada fundadora do convento da Senhora do Carmo, de
Aveiro.
D. Brites de tara e Meneses fez o seu testamento em 13 de Maio de 1647, o qual foi lançado no livro de notas do escrivão
Baltasar Pais Coelho, da vila de Aveiro. A Casa de Vila Real tinha,
porém, sido extinta em 1641 com a execução do marquês de Vila Real D.
Luís de Noronha
e Meneses e de seu filho D. Miguel, duque de Caminha,
respectivamente irmão e sobrinho de D. Brites de Lara e Meneses, os
quais tinham tomado parte na conspiração contra o rei D, João IV.
Prevendo, no entanto, esta senhora que depois do seu falecimento poderiam surgir demandas ou dúvidas acerca do seu
testamento, padroado do convento ou doação das duas capelas laterais,
exarou no testamento o seguinte:
«Mando que o que agenciar as tais demandas, e impugnar por execução
deste meu testamento, escritura e provisões se lhe dê por dia tanto
quanto parecer a meus testamenteiros
o que efectivamente se pagará.»
Para mais segurança, D. Brites de
Lara e Meneses fez
ainda no dia 8 de Fevereiro de 1648, poucos meses antes de
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falecer, uma escritura de declaração em que determinava que
o padroado do convento não passasse para qualquer seu
parente ou herdeiro, e que nele não existisse outra memória além da sua.
Com esta declaração os frades ficaram descansados;
tinham nas suas mãos o padroado e a capela-mor da igreja
do convento de Nossa Senhora do Carmo.
D. Brites de Lara e Meneses faleceu aos 4 dias do mês
de Junho de 1648 com cerca de 84 anos de idade, e foi sepultada na
referida capela-mor, no túmulo de mármore que ela
mesmo tinha mandado fazer e que ainda existe hoje.
Aveiro, Outubro de 1950.
FRANCISCO FERREIRA NEVES |
(1)
−
Acerca da ligação dos Noronhas com os Meneses, lê-se na
Crónica dos Reis de Portugal, por DUARTE NUNES DE LEÃO, 1677, foI. 80
v.º:
«D. Afonso, conde de Gijon e senhor de Noronha, filho bastardo do
rei D. Henrique de Castela, casou em 1375 ou pouco depois, com D.
Isabel, filha natural do rei D. Fernando, de Portugal.
Tiveram D. Pedro de Noronha que foi arcebispo de Lisboa, e deixou
muita geração:
D. João de Noronha; D. Fernando de Noronha que foi conde de Vila Real e
segundo capitão de Ceuta, de que vem a Casa de Vila Real com o apelido
de Menezes por ter casado com D. Beatriz de Menezes, filha herdeira de
D. Pedro de Menezes, conde de Viana e primeiro capitão de Ceuta; D.
Sancho de Noronha que foi conde de Odemira de que descendem os herdeiros
daquela casa.»
(2)
−
D. Pedro de Médicis, tinha vindo para Portugal a comandar a
infantaria italiana que fazia parte da expedição portuguesa a Marrocos
no ano de 1578, mas abandonou este comando por motivo de doença.
O desastre militar de Alcácer Quibir em 4 de Agosto de 1578 teve como
consequência perder Portugal a sua independência em 1580. D. Pedro de
Médicis passou então ao serviço de Espanha. Em 1581 ainda se encontrava
em Portugal como se prova com uma carta que escreveu em Lisboa, datada
de 27 de Dezembro de 1581, para Giulio Veterani, secretário do duque de
Urbino, a recomendar-lhe uma pretensão de Filipe Terzi, arquitecto e
engenheiro militar italiano que desde 1577 ou princípios de 1578 estava
ao serviço de Portugal, tendo tomado parte na batalha de Alcácer Quibir
onde foi feito prisioneiro dos mouros.
Veja-se a obra Filipo Terzi, architetto e ingegnere militare
in Portugallo
(1527-97). Firenze, MCMXXXV, pág. 86.
(3)
− Arquivo do Distrito de Aveiro, voI.
III, pág. 95.
(4)
−
Corografia Portuguesa, tomo 11, pág. 69, 2.ª edição.
(5)
−
Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. II, pág. 153, e vol. IV, pág,
53.
|