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Soares da
Graça,
Jornada da Rainha Santa à Galiza em 1325, Vol.
XVI, pp. 118-125. |
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A JORNADA DA RAINHA SANTA
À GALIZA NO ANO DE 1325
SUA PASSAGEM POR TERRAS
DO DISTRITO DE AVEIRO |
(◄◄◄
− Continuação da pág. 80)
É
BOA altura de tomarmos o nosso caminho, e vamos então percorrer o
trajecto que atrás já ficou esboçado:
seguiremos de perto a comitiva da Santa Rainha que só deixaremos quando
ela mais o seu real séquito se
aproximarem das acolhedoras e viçosas margens do Cértoma,
onde repousaram algum tempo das fadigas de mais um estirado lanço da
jornada
(1).
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119 /
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* *
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Como vimos atrás, D. Isabel de Aragão entrou em
Águeda pelo lado de Paredes, tendo assim, possivelmente,
tomado qualquer caminho que, partindo de Alagoa, ou até de ponto
anterior, ali viesse dar; seguiu pela estrada da
Corga na direcção do Sardão, e uma dúvida surge agora quanto ao caminho
que então tomou, chegada que foi a este
lugar: subiria ao alto do Atalho, trilhando assim a via romana,
ou seguiria qualquer outra que fosse dar ao cimo da Borralha,
em direcção à póvoa do Vale Grande, já da freguesia de
Aguada de Cima, indo depois retomar a velha estrada que
a levaria a Coimbra?... Ponho o caso, não porque ele
tenha grande importância em si, mas pelo facto de aparecer
nesta última povoação e na velha ermida que logo à entrada
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dela se ergue(2) uma imagem da Rainha Santa, em pedra, figurando-a de
freira clarista, trajo que adoptou logo após a morte de D. Diniz «como
sinal de viuvez, luto, tristeza e humildade»(3); apresenta os
atributos de romeira de S. Tiago (o bordão de peregrina não se vê ali
hoje, mas há sinais evidentes de o ter tido), conservando ainda a saca
das esmolas pendente da cintura, o que tudo autoriza esta suposição;
trata-se duma imagem muito antiga, que mostra a Rainha com uma
arregaçada de rosas, assentes no escapulário, que soergue, para esse
fim, com a mão esquerda. Do que me parece não haver dúvida, é de que
andou aliada à fundação da capela a ideia da passagem de D. Isabel de
Aragão por estes sítios. E assim, a Rainha seguiria direita à Ponte
Pedrinha, passada a qual nos surge Aguada de Baixo, acudindo-nos logo ao
espírito uma outra dúvida: o séquito real iria direito até Avelãs do
Caminho, ou tomaria antes carreira pelo campo, metendo-se no vale do
Cértoma e trepando a ladeira que conduz a Sangalhos, de onde partiria
por sua vez até alcançar a estrada que a trás tinham deixado? Se não foi
assim, porque preferiu o Mosteiro clarista de Coimbra exteriorizar de
forma tão brilhante o culto pela R. Santa na igreja de Sangalhos, nada
tendo feito a este respeito na igreja de Avelãs de Caminho, ambas elas
sob o domínio do seu Direito de Padroado?...(4) Problemas na verdade
para pôr. Mas não nos antecipemos: e à falta de notícias precisas para
nos orientarmos a este respeito, faremos a reconstituição da régia jornada mais directamente,
isto é, seguindo o lastro do caminho romano; mas abramos
agora um parêntesis na cronologia da jornada e, deixando Avelãs,
subamos a encosta que lhe fica fronteira, para a banda
do Poente, atravessemos o vale do Cértoma e subamos ao alto, para, em
rápida visita, irmos ao antigo templo de que é Patrono o mártir S.
Vicente e que foi construído no território reguengo de Sangalhos, doado pelo Rei D. Afonso IV
ao convento coimbrão, por Carta de 10 de Março de 1366,
dada em Coimbra. Quem entrar na igreja, logo ali nota, em
forte e bela expressão, o cuidado de perpetuar, em religiosa lembrança,
essa singular figura de Rainha e de Santa, que
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foi a modelar esposa do nosso Rei trovador; e nem outro
significado poderá ter o facto de ela ser ali representada de
duas maneiras diferentes: no tecto, como Rainha, em pintura a fresco,
destacando-se o seu vulto de entre os florões
e laçarias de vivo colorido que a circundam, ostentando trajos
de majestade, com amplo manto arminhado e coroa real, tendo
numa das mãos o ceptro, símbolo da realeza, enquanto que a outra,
carinhosamente a estende para um pobre que ajoelhado a seus pés espera
esmola; e na bela tribuna da capela-mor, da parte do Evangelho,
como
Santa, envergando o humilde hábito de monja sobre o qual realçam as
rosas vermelhas
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122 / poisadas numa dobra da vestimenta monástica, que a mão direita
segura(5).
Da parte da Epístola, ficava a imagem de Santa Clara, titular do
Convento ao qual andava inerente o direito de padroado, e a cuja
Abadessa se ficou devendo a iniciativa das importantes obras de
ampliação e decoração da capela-mor do templo, onde se reúnem trabalhos
em talha doirada de grande merecimento artístico, bem merecedores do
carinho do povo de Sangalhos e da protecção dos poderes públicos, não só
pelo seu real valor como obras de arte, mas ainda pelo que traduzem como
irradiação do culto e tradições coimbrãs relacionadas com a Rainha Santa
e com aquele histórico Mosteiro(6). Na parede do lado do Sul da Capela-mor da igreja, vê-se embutida uma lápide, em pedra de Ançã, onde
se lê
NO ANO DE 1720 MANDOU FAZER ESTA CAPELA D. LVIZA ViCENCIA DA INCARNACÃ
SENDO
AB.A NO REAL CÕV.TO DE S.TA CLARA PERA O Q.
DEV A RENDA DE HV ANNO AO CAPÍTAM MANOEL DE SANTIAGO PERA MANDAR FAZER A
DITA CAPELA SENDO VIGAIRO DESTA IGREIlA FRANCiSCO CORREIA DA SILVA.
Daqui se vê que foi com o produto das rendas cobradas
pelo Mosteiro de Coimbra, a título de senhorio daquelas terras, que tão
importante obra foi levada a cabo.
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E feita esta visita, ainda que rápida, retomemos o nosso caminho. Alguns
quilómetros andados, deixaremos à direita Mogofores, onde o culto da
Rainha Santa é bastante vivo, pois ali é festejada anualmente no mês de
Julho; lá está a sua imagem na tribuna da Capela-mor, do lado da
Epístola,
Imagem de Santa Clara
Igreja de Sangalhos, capela-mor − Séc. XVIII
encontrando-se na parte do Evangelho uma pequena imagem
de Santa Isabel, mas esta representa a prima de N.ª Senhora
(7).
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Avancemos alguns quilómetros ainda; e atravessando mais uma vez o
poético e manso Cértoma, detenhamo-nos por momentos na ermidinha
modesta, que em honra da Rainha Santa um grupo de moradores do lugar de
Espinhal, da freguesia de Tamengos, ali mandou erigir na primeira metade do século
XVIII
(8). Entremos no pequenino templo,
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125 /
que se acha com as suas portas abertas de par em par: presidindo, no
retábulo de pedra de Ançã, ainda de resaibo
renascentista, está, sorridente, a imagem de Santa Isabel; é de madeira,
talhada em gracioso recorte e ostenta os trajos
reais, mostrando no regaço um punhado de coloridas rosas(9). Na pedra
que encima a porta principal da ermida, lê-se esta
inscrição:
ESTA CAPELA MANDARAM FAZER MANOEL
FRANCISCO AFONSO E SVA MOLHER MARIA
GOMES E MANOEL DIAS E SVA MOLHER IZABEL RODRIGVES TODOS DESTE LVGAR .
TVDO POR DEVOSSAM . FOI DITA A PRIMEIRA MISSA COM FESTA EM 23 DE MAIO
D. ANNO DE 1734.
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Vamos dar por finda a caminhada, cumprindo assim
o que anunciámos de princípio: despedimo-nos da régia peregrina, cuja
caravana em breve retomará o caminho
de Coimbra; mas o rasto sagrado da Rainha Santa, ficará assinalado de
forma a não se apagar jamais: como expressivo e duradoiro padrão da sua passagem pela Bairrada,
e da antiga e arraigada fé desta boa gente para com Ela,
permanecerá, pelos tempos fora, a pequena ermida do Espinhal, onde a sua lembrança ano a ano se renova com a festa
que os moradores do lugar tão devotamente lhe fazem; e
em recordação do mesmo acontecimento, ficará para sempre
a corrente do Cértoma − de claras e remansosas águas
envolta no perfume da graciosa lenda isabelina, que amorosamente lhas
transformou, como regista a tradição. E, de
pestilentas que eram − se tornaram de «SINGULAR BONDADE»...
SOARES DA GRAÇA |
_________________________________________ |
(1)
−
Diz a Lenda do Cértoma que a Rainha Santa passando por ali
teve sede e quis beber da sua água, mas aconselharam-na a que tal não
fizesse, pois que tal água até aos animais fazia mal. A Santa provou-a
entretanto, mas logo disse: Certo má, e daí ficar o rio com o nome que
ainda tem. E a água, depois disso, ficou de singular bondade a ponto de
os gados que a bebiam criarem carne mais saborosa que os outros».
(Dicionário Geográfico do P.e Luís CARDOSO).
Não conheço nesta região mais lendas relacionadas com a passagem,
por aqui, de S.ª Isabel. Li no entanto há pouco uma, referida a Extremoz,
e que fala da estada ali da R. S., que estando nos Paços do Castelo a
bordar,
olhava saudosamente para os lados da pátria distante, pelo que,
distraída, deixava cair os bilros das mãos, que os passarinhos
apressados iam buscar para lhe levar − Vid. Extremoz e o seu Termo
Regional, de MARQUES CRESPO; 1950.
Uma outra, esta corrente em Ancião, e que me foi narrada pelo
Ex.mo Amigo Sr. P.e Euclides de Morais, culto e erudito investigador;
segundo ela, o povo dali vai banhar-se ao rio Nabão no dia da Rainha
Santa,
em recordação duma passagem sua por a Ponte.
E vem a propósito referir que a Câmara Municipal de Ancião, num gesto
muito louvável, mandou colocar um belo quadro de azulejo num fontenário público, representando um passo da vida da R. Santa. Porque
não
fazer o mesmo, embelezando qualquer recinto das terras por onde passou
S. Isabel, de igual modo?
(2)
−
Já se refere a esta ermida o
Dicionário Geográfico, manuscrito
de 1758 arquivado na T. do T.
(3)
− Prof. Dr. A. DE
VASCONCELOS, Evolução do Culto de D. Isabel de
Aragão, ob. cit.
(4)
−
Embora de época mais recente,
encontro várias determinações referentes ao direito sobre a igreja de
Avelãs de Caminho, do Mosteiro de S.ª Clara. Assim, porque a abadessa do dito convento também era
obrigada a olhar pela conservação e obras do templo, o Visitador, no
ano de 1703, reparava que ela não tivesse concluído a sacristia da
igreja; e em 1721, mandava que se dourasse o retábulo da capela-mór.
(5)
−
Esta imagem, foi dali indevidamente
retirada há já bastantes anos, e foi colocada no seu lugar a do
Padroeiro S. Vicente, que estava antigamente no Trono. Ficou assim
desfalcado o belo conjunto artístico
da Capela-mor, e bom era que a imagem da R. Santa, cuidadosamente
restaurada, fosse reposta no seu antigo lugar, assinalado num documento
do século XVIII.
Vide sobre este assunto, e acerca do Senhorio e Padroado de Sangalhos,
os belos estudos de ROCHA MADAHIL in Arquivo de Aveiro, vols. VI e
X
(6)
−
De um inventário antigo, respeitante
aos bens que o Convento de Santa Clara possuía em Sangalhos, anterior a
1792, constava que este Mosteiro tinha na igreja desta freguesia a capela-mor com a sua tribuna
de talha doirada, ostentando as armas de Portugal, e tendo ali as
imagens: do Padroeiro S. Vicente, de S.ta Clara e da R. Santa Isabel.
Possuía ainda o Convento alguns utensílios e adornos do culto, e dois
anjos de tamanho natural, em pedestais junto dos degraus da capela-mor.
− Vid. Arquivo de Aveiro, vol. VI, já cit.
À capela-mor actual, de formosas linhas e grande aparato ornamental, se
refere a lápide de que adiante damos cópia. Merece especial menção o
nome do Capitão Manuel de S. Tiago, citado na inscrição, que foi quem
tomou o encargo de mandar fazer aquela obra por ordem do Mosteiro de
S.ta Clara; e foi, decerto, por isso, que, muito justamente, lhe foi
dada sepultura no chão da mesma capela-mor, onde foi enterrado, depois
de lhe serem feitos ofícios grandes. O Capitão M. de S. Tiago, faleceu
a 21 de Janeiro
de 1771.
(7)
−
E vem a propósito referir este curioso episódio passado há anos em
Mogofores: havia ali, desde tempos muito antigos, uma confraria dedicada a
S.ª Isabel, que julgo existe ainda. Mas reconhecido que a
imagem era muito pequena para figurar nas procissões, foi resolvido
adquirir outra de maior vulto, sendo encarregados alguns membros dessa
confraria de a irem encomendar, o que fizeram; mas, caso interessante: a
imagem que trouxeram foi a da Rainha Santa, sem tirar nem pôr... E lá
está ela, de manto e coroa real, com as rosas no regaço, saindo
anualmente na procissão!...
(8)
−
Merecem mais detalhada referência os quatro fundadores da ermida da
R. Santa. Vê-se que eram pessoas de boa condição, e dotados de fundos
sentimentos religiosos. Tenho a seu respeito estas notas: dos quatro
mencionados, foi o Manuel Dias o primeiro a deixar o mundo, pois faleceu
no Espinhal a 6-12-1738. Baixou à cova amortalhado no hábito
de S.to António, e ficou enterrado junto à capela-mor da igreja de
Tamengos; a seguir, faleceu Maria Gomes, a 22-1-1742. Teve ofícios de corpo
presente, como pedia a sua qualidade; depois faleceu seu marjdo −
Manuel Francisco Afonso, a 25-12-1745; como aquela, não desceu à
sepultura sem os ofícios de 9 lições. E por último, entregou a alma a
Deus, também
no Espinhal, a 10-8-1749, Isabel Rodrigues. Foi amortalhada no hábito de
N.ª S.ª do Carmo.
(9)
−
Foi por louvável iniciativa do R.do Prior de Tamengos,
P.e Manuel
São Marcos, que imagem e capela foram restauradas.
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