F. de C. da Silva Canedo, Um bastardo do último duque de Aveiro, Vol. XIII, pp. 267-269

UM BASTARDO DO ÚLTIMO

DUQUE DE AVEIRO

DISSE na Explicação Prévia da minha obra genealógica A Descendência Portuguesa de El-Rei D. João Il, que ela não era, nem podia ser, uma obra completa, embora estivesse convicto de ser a mais completa que via a luz da publicidade.

De antemão sabia que com o decorrer do tempo outros descendentes portugueses daquele Rei, de mim ignorados, haviam de vir ao meu conhecimento e alguns mesmo surgiriam no decorrer de investigações que em nada se prendessem com o assunto daquele meu trabalho.

Foi de facto por um feliz acaso que, há meses, pelas Habilitações «de Vita et Moribus» (Ordens) da Câmara Eclesiástica de Lisboa que se guardam na Biblioteca Nacional, tive conhecimento de haver tido o 8.º Duque de Aveiro e 7.º Marquês de Gouveia, D. José Mascarenhas, um filho natural de nome Manuel José Mascarenhas.

É minha intenção. se Deus me der vida e saúde, publicar num futuro mais ou menos próximo um Suplemento àquela minha obra em que será mencionado tudo quanto até então tiver chegado ao meu conhecimento (e para ele já muito material possuo) e onde terá o seu lugar o bastardo do justiçado de Belém.

Dado porém que não venha a ser possível realizar aquele meu intento e porque suponho ser ignorado o ter tido, o Duque de Aveiro, aquele bastardo, pensei, já que o caso mo revelou, dá-lo desde já a conhecer através de qualquer publicação.

E porque se tratava do Duque de Aveiro, em nenhuma outra poderia ficar melhor arquivada esta notícia do que no Arquivo do Distrito de Aveiro, tanto mais que já o mesmo arquivara a minha opinião, aliás desprovida de autoridade, sobre a pessoa em quem recaia hoje o direito ao uso do / 268 / título de Duque de Aveiro e à representação da Casa Ducal de Aveiro(1).

Aqui deixo, pois, transcritos os dois documentos, que constam do processo 15 arquivado no Maço 15-M das mencionadas Habilitações da Câmara Eclesiástica de Lisboa.

São eles o requerimento do referido Manuel José Mascarenhas, pedindo para ser admitido a «prima tonsura», e a certidão do assento de baptismo, pelo mesmo requerida, que se encontra junta.

O primeiro é do teor seguinte:

Emm.º Senhor

Diz Manuel José Mascarenhas filho natural de D. José Mascarenhas que foi Marquez de Gouvea e Duque de Aveiro e de May incognita q. elle sempre teve grande vocação e desejo de servir a Deos no Estado Ecleziastico e porqe Sua Magde por sua real piedade houve por bem de lhe tirar a prohibição q. por suas reaes Ordens tinha por causa do dito seu Par por seo real Aviso remetido a V. Emmcia pertende que V. Emmcia o haja de admitir á prima tonsura havendo por bem por sua natural benevolencia de o dispensar das deligencias e papeis do estillo: portanto

P. a V. Emmcia seja servido por serviço de D.s determinar assim se fôr de seo agrado.


O referido requerimento tem lançados os dois seguintes despachos:

− lnfre o Parº com juramento em carta fechada sobre o procedimto do Supp.te sua vocação e freq.ª de Sacramtos.

Junqu.ª 25 de 8br de 1784.
(rubrica do prelado)
− Matricule p.ª Prima Tonsura com effeito
Junqueira 3 de Novbrº de 1784
(rubrica do prelado)

 

O segundo documento é do teor seguinte:

Exmo e Rev.º Snrº

Diz Manuel José de Mascarenhas filho natural de D. José Mascarenhas que foi Marquez de Gouvea e Duque que foi de Aveiro que p.ª sertos requerimtos que tem se lhe faz preciso o tior da certidão do seu Batismo portanto

Pede a V. Excia seja servido mandar que o Rdo Parricoda Fgª de Sam Miguel de Alfama lhe pace por certidão o que constar do dito asento
                                             E. R. M.

/ 269 /

No verso tem lavrada a certidão requerida nos seguintes termos:

O Pe Joaquim Manoel de Carvalho Prior da Parochial Igreja de S. Miguel de Alfama desta cidade certifico que revendo os livros dos baptisados desta Igreja no que teve o seu principio no anno de mil setecentos e vinte seis e findou no anno de mil setecentos e quarenta e sete a fIs 285 Vº se acha hum assento cujo tior he o seguinte = Aos trinta dias do mez de Outubro de mil setecentos e quarenta e seis baptisei e puz os S.tos Oleos a Manuel filho natural de D. José Mascarenhas Marquez de Goveae de Mai incognita. foi padrinho João Luiz do termo de Coimbra e a Snrª do Rosario e para constar fiz este assento que assignei era ut supra. O Prior Francisco Martins = E não se continha mais no dito assento ao qual me reporto. Lxª 11 de Novembro de 1784.

O Prior Joaquim Manuel de Carvalho.
Reconheço a letra e sinal assima do Rdo Prior nele conteudo.
Lxª 11 de Novembro de 1784
(sinal do tabelião)
Em Testº De ser vde
Igncio de Szª Pavia Sarda


Nada mais consegui saber deste Manuel José Mascarenhas, ignorando portanto se chegou ou não a tomar ordens.

No entanto, aqui fica dada a notícia da sua existência e talvez outrem, mais feliz do que eu, possa vir a desvendar o que para mim constitui mistério.

FERNANDO DE CASTRO DA SILVA CANEDO
Tenente-Coronel

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(1)Arquivo do Distrito de Aveiro, 1945.

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