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        INTRODUÇÃO 
        
        A abertura da Nova Barra de Aveiro é um acontecimento notável em si, pelas suas transcendentes consequências, e muito mais ainda pelos cuidados e desvelos de 
        S. A. R.
        para salvar os povos, deste vasto país noutro tempo florescente, mas que depois a miséria e a morte quase aniquilaram, empreendendo uma operação que os esforços repetidos de outros reinados não puderam realizar depois dos maiores 
        sacrifícios, e dos mais empenhados trabalhos, calculados e
        dirigidos por hábeis engenheiros, hidráulicos, e outros sábios
        tanto nacionais como estrangeiros, empregados em diversas épocas nas diferentes tentativas que se fizeram; as quais serviram só para estabelecer no ministério, no reino, e fora
        dele, a desgraçada opinião de sua impossibilidade pelo bom
        fundamento de haverem sido nulos os resultados de todos
        os planos, e tentativas até ali sempre infelizes e malogradas.
        S. A. R., arrostando novamente esta empresa já desesperada,
        esqueceu todas as dificuldades que ela apresentava para seguir unicamente os magnânimos sentimentos do seu paternal
        coração tocado pela suma desgraça de Aveiro, que na última
        agonia invocou a régia clemência, dirigindo respeitosamente
        aos pés do Trono as suas humildes súplicas pela intervenção do esclarecido e sempre ilustre D. Rodrigo de Sousa Coutinho, depois conde de Linhares; cuja opinião quase singular,
        bem pronunciada, firme e decidida a favor de uma nova tentativa de abertura da barra para salvar 
        Aveiro, restaurar o
        seu porto, e o país mais imediatamente interessado, habitação e património de mais de 100.000 vassalos, era conforme
        aos desejos de S. A. R., e foi a que o mesmo senhor adoptou com heróica 
        firmeza: e confiando ao mesmo tempo este importante negócio ao activo ministério daquele incansável ministro nos fins de 1801, foi pela sua repartição que emanaram
        no real nome em Janeiro de 1802 as ordens para a formação
        dos planos relativos aos trabalhos da restauração física de
        Aveiro; a qual foi felizmente realizada no sempre memorável
        dia  
        3 de Abril de 1808 pela  
        efectiva abertura da Nova Barra;
        dia em que Aveiro presenciou admirada, e nos transportes
        de alegria que se não exprimem, o magnífico espectáculo de 
        
        /
        38 /
        uma segunda criação, sim, um vasto e mui rico país, que
        havia sido abismado pelas águas, condenado à nulidade e
        confusão, e reduzido a um foco maligno de enfermidades,
        saiu do Caos e viu a luz neste dia para sempre memorável; dia 
        venturoso, e com que prazer eu o digo!! Em que ficou
        erigido um eterno padrão de grata memória à real munificência no mesmo país restaurado, e regenerado nos mais
        dificultosos tempos, e extraordinárias circunstâncias da imortal regência de S. A. R. o Príncipe Regente Nosso Senhor. 
        
        Este notável e tão feliz acontecimento merece ser 
        geralmente conhecido no mundo, e com todas as circunstâncias
        pela nação que se tem feito imortal nos nossos dias por tudo
        quanto há de grande e particularmente pelo seu amor, fidelidade e confiança para S. A. R. supremo árbitro dos seus
        gloriosos destinos; assim como ser transmitido à posteridade
        para que as mais remotas gerações, que hão-de participar
        como a presente dos seus importantes e transcendentes resultados, possam como a actual ter mais este grande motivo
        para abençoar para sempre o augusto nome de seu restaurador. 
        
        Não quero passar mais adiante sem apresentar ao público os documentos 
        que provam o estado lamentável a que chegou
        a  barra de Aveiro, e todo o país dela dependente, e como se
        havia desesperado já de abrir a dita barra para a mesma
        cidade pela dura e custosa experiência dos baldados esforços
        feitos em outros reinados; quando o Príncipe Regente Nosso
        Senhor tomou a heróica resolução de a empreender novamente. Estes documentos escolhidos entre os mais principais são do 
        n.º 1 até n.º 10, lançados no fim da introdução;
        eles foram fielmente copiados do Livro I do Registo da Superintendência da mesma barra, onde com outros muitos se 
        acham registados. 
        
        Sobre o estado deplorável a  que chegou Aveiro, é muito
        notável o documento n.º 1 da data de 1756 no qual se lê: − «Faço saber a vós bacharel João da Fonseca da Cruz, 
        Superintendente da obra da barra da vila de Aveiro, que, atendendo às representações que me fizeram os oficiais da Câmara,
        nobreza e povo da mesma vila de se acharem os seus moradores reduzidos a 
        grande pobreza e miséria, sem terem meios
        para poderem satisfazer o cômputo do seu cabeção, que é de cinco mil 
        cruzados, os quais lhes impuseram em atenção aos
        direitos da barra, que já não tinham em razão de estar totalmente 
        areada em forma que por ela não podia entrar nem sair o mais pequeno 
        barco, e não só tinha cessado de todo
        o comércio, mas também se inundava muita parte da vila
        com as cheias pelas águas não terem expedição para o mar, do
        que resultava irem desamparando a terra, o que também me
        constava por várias informações, à vista das quais fui servido 
        
        /
        39 / mandar o 
        engenheiro Carlos Mardel examinar a dita barra, e fazer planos da obra». 
        
        Achar-se-á da mesma sorte pelos mesmos documentos a nulidade dos 
        resultados de todas as tentativas de abertura da barra até 1802, porque, 
        1.º Dos planos e projectos do engenheiro Carlos Mardel em 1756, de que 
        fala o documento n.º 1 já citado, nada resultou  
        
        (1). 
        2.º Dos.planos de que por ordem
        de Sua Majestade fora encarregado, em 1758, Francisco
        Jacinto Polchet com seu adjunto Luís d'Alincourt, e o sargento-mor engenheiro Francisco Xavier do Rêgo com seu
        adjunto o tenente Adão Venceslau Hedes, acompanhados
        todos pelo desembargador da Relação do Porto, Manuel Gonçalves de 
        Miranda, e pelo capitão-mor João de Sousa
        Ribeiro (documento n.º 2), nenhum resultado houve favorável para a 
        barra. 3.º Igualmente não houve efeito da
        comissão sobre a mesma barra, a que veio mandado o
        tenente-coronel engenheiro Guilherme Elsden com o capitão do mesmo 
        Corpo, Isidoro Paulo Pereira, e ajudante do mesmo Corpo, Manuel de Sousa 
        Ramos em 1777 (documento n.º 3). 4.º Que dos planos e projectos do 
        arquitecto hidráulico João Iseppi, aprovados por Sua Majestade, que o 
        encarregou ao mesmo tempo da sua execução em 1780 (documento n.º 4), e 
        das enormes despesas consumidas nestas obras nada resultou de útil em 
        favor da barra; pelo contrário ela fugiu muito mais para o sul, e piorou consideravelmente durante e depois das obras, que foram suspendidas por 
        aviso régio em 1783, e mandado recolher o dito engenheiro hidráulico
        João Iseppi, seu filho, e outros italianos empregados com ele, 
        
        /
        40 /
        depois de se lhes fazer suas contas, contando-lhes tudo até
        chegarem à Corte (documento n.º 6). 5.º Em 1781, Sua Majestade mandou ao desembargador superintendente das obras da
        barra, Francisco António Gravito, que patenteasse os planos, as obras, 
        as máquinas hidráulicas, e tudo o mais que o professor hidráulico, lente de Matemática da Universidade de
        Coimbra, José Monteiro da Rocha, quisesse ver e examinar,
        para ele formar clara ideia de tudo, recomendando-o muito
        honrosamente. Não sei qual foi o resultado da visita deste
        sábio, que faz tanta honra à nação portuguesa, nem o conceito que ele fez da questão e das obras; só se sabe que dois
        anos depois foram suspendidas as obras da barra, em que se
        trabalhava ao tempo da sua visita hidráulica (documento
        n.º 5). 6.º Em 1788, Sua Majestade mandou o marechal de
        campo, depois tenente-general inspector de Artilharia e do
        Corpo de Engenheiros, Guilherme Luís António de Valleré,
        acompanhado de dois oficiais seus ajudantes (documento
        n.º 8), a fazer um exame circunspecto do estado das obras
        da Barra de Aveiro e das mais que nela se haviam projectado, e formar o  projecto do seu adiantamento para continuarem. Mas deste exame nada resultou que fosse visível.
        7.º Finalmente em 1791, ficou inteiramente malograda uma
        última tentativa de um rigueirão que se mandou abrir no
        areal meio quarto de légua abaixo de S. Jacinto ou Senhora
        das Areias, com o fim de entrarem os barcos, e escoar as águas 
        encharcadas e pestilenciais da Ria, em razão de se não
        ousar já tentar abrir barra para navios, como coisa sumamente dificultosa e 
        mais do que se pensava (documento n.º 10). Este projecto, antes que fosse executado por Nuno
        de Faria da Mata, provedor que servia de superintendente,
        e pelo engenheiro Luís d'Alincourt, foi ainda examinado de
        ordem superior, pelo professor hidráulico Estêvão Cabral, que o 
        Ministério preferiu a todos os engenheiros da profissão que até ali 
        tinham sido mandados a Aveiro, que era muito
        acreditado então, e dirigia as obras hidráulicas do Mondego;
        mas não obstante tantos cuidados e desvelos empregados em
        favor de Aveiro, tudo foi baldado, e de tais trabalhos nada
        existe; em lugar do rigueirão pretendido para barcos em que
        se fizeram grandes despesas, existiam em 1802 altas lombas,
        que ainda hoje existem, e dunas continuadas até à Barra
        Velha, quatro léguas para o sul do referido local onde se
        cavou no pretendido rigueirão, que não chegou a existir. 
        
        Foram malogrados tantos esforços feitos por homens tão
        escolhidos e acreditados, intentados em diversas épocas e
        circunstâncias; pois sem ofensa da verdade, nem pretensão
        de macular o crédito de tantas e tão respeitáveis pessoas que
        eu muito e muito prezo, pode dizer-se que nada havia, e nada
        existia em 1802 de tantos trabalhos e tantas despesas; e que 
        
        /
        41 / a Barra de 
        Aveiro em desprezo de todos os esforços da Arte  até ali 
        praticados se achava, distante de léguas, ao sul de todos os lugares 
        onde se tem pretendido abrir ou segurar na  sua marcha ruinosa para o 
        sul, que nenhum poder até então tinha suspendido nem estorvado. 
        
        Tais eram os fundados motivos que chegaram enfim a estabelecer a opinião desgraçada de que em Aveiro se não podia abrir 
        uma barra para navios. Esa opinião se vê expressamente manifestada nos 
        dois documentos n.º 9 e 10 mencionados, relativos ao rigueirão de 1791, 
        o 1.º dos quais diz assim: «Este rigueirão ou canal deverá ser limitado 
        na sua largura como aquele que somente se prepara para dar saída às 
        águas encharcadas, e entrada aos barcos que frequentam este porto, 
        removendo por ora toda a ideia de abertura da Barra ou canal para 
        entrada de navios, pois que, tendo mostrado uma custosa experiência 
        tantos anos, que nesta obra maior se tem trabalhado debalde, deve merecer maior 
        consideração o tentá-la de novo por meio de novas medidas e novos 
        planos... » etc. E o 2.º dos ditos documentos se explica deste modo: 
        «As obras da Barra, quanto à abertura há tantos anos projectada, outros 
        tantos há que por custosas experiências se tem visto serem de maior 
        dificuldade do que se pensava... etc.». 
        
        Por esta análise dos dez citados documentos, e pelo mais que eles 
        encerram, e sem ser necessário apontar outros, verá o público que muitas 
        vezes se tem pretendido abrir a barra
        de Aveiro em diversos reinados, e diferentes ministérios, inclusive no 
        do marquês de Pombal; assim como o grande
        número e importância das pessoas e facultativos chamados e empregados nesta empresa nas respectivas épocas; e como se havia 
        desesperado de o poder conseguir pela dura e custosa experiência da 
        nulidade absoluta dos resultados até ao ano de 1802 em que S. A. R., eu 
        o repito, tomou a heróica resolução de empreender novamente tão 
        escabrosa empresa já reputada impossível, e pouco depois, em 1808 teve a 
        glória imortal de realizar! Este conhecimento era muito preciso para que 
        o público pudesse estimar no seu justo valor as dificuldades de toda a 
        espécie que S. A. R. teve a vencer para salvar esta parte dos seus povos 
        e dos seus Estados. 
        
        Sem dúvida seriam estes os generosos motivos que inspiraram aos redactores do 
        Jornal de Coimbra os desejos que eles me 
        manifestaram de inserir no seu periódico o plano de uma circunstanciada notícia do processo dos efectivos trabalhos hidráulicos empregados na abertura da nova barra de 
        Aveiro, e 
        das suas resultantes consequências; pois que eles  foram os primeiros 
        que, por via do seu judicioso jornal, têm perpetuado o facto da 
        restauração física do porto e país de Aveiro: tais serão também (se eu 
        posso ousar interpretá-lo) 
        
        /
        42 /
        os motivos que o sábio providente paternal Governo que nos
        dirige, e que tanto promove e anima os actuais trabalhos da
        mesma Barra, terá para apoiar a execução; assim como são
        todos eles os que me movem hoje, e com muito gosto, a
        prestar-me à sua publicação; poderia obrigar-me a expor a
        tanto a minha insuficiência, e até a esquecer por um pouco
        os deveres da modéstia, que raras vezes consente o falar de nós mesmos, o que algumas vezes não poderei evitar.
        Fica-me, porém, o sentimento de que não fosse uma  pena hábil, e já 
        exercitada a quem hoje incumbisse este lisonjeiro
        e importante dever; mas espero que o público, conhecendo
        os meus fundados motivos, e a necessidade de ser eu mesmo
        o instrumento, fará os precisos descontos, e terá comigo
        generosa indulgência. 
        
        Tendo feito uma introdução à Memória(2) 
        que fiz em 1802
        sobre o plano e projecto de abertura da Barra de Aveiro, que
        então apresentei a S. A. R. na conformidade das ordens régias,
        cuja Memória faz quase toda a matéria da 1.ª parte das cinco
        em que divido o meu assunto, e não querendo agora nem
        devendo alterar um escrito feito naquela época, a ela me
        refiro para não repetir mais neste lugar as mesmas ideias lá
        expendidas, o que não pude evitar inteiramente, não obstante
        ser este o mais próprio, e onde elas teriam o melhor cabimento, mas que não teriam o mesmo valor; este grande
        motivo me obrigou também a transcrever agora o mesmo
        escrito tal qual então foi dado para satisfazer às ordens, e à
        brevidade que se exigia, como se verá, e sem lembrança de
        que um dia ele seria publicado. 
        
        Divido, como disse, o assunto em cinco partes, por haverem outras tantas épocas notáveis no decurso e progresso
        desta empresa, e nas quais os trabalhos tomaram em certo
        modo uma nova marcha pela mudança, e variedades das circunstâncias que ocorreram. 
        
        A primeira parte compreenderá a história resumida do
        começo desta empresa, e trabalhos preparatórios para a formação do plano expendido em uma memória e mapa apresentado depois a S. A. R; a régia 
        aprovação, e as ordens
        do mesmo Senhor para sua execução. Seguir-se-á a cópia
        dessa mesma memória e plano então feitos, apresentados e
        honrados com a aprovação de S. A. R., e terminará pela 
        
        /
        43 /
        cópia das ordens régias mais análogas, e pelas que me respeitam, e me 
        foram dirigidas sobre tal comissão nos primeiros sete meses de Janeiro até Julho de 1802, que abrange esta 1.ª 
        parte; as quais se acham registadas nos  livros do Juízo da 
        Superintendência das Obras da Barra de Aveiro, cujos originais conservo; 
        estes ofícios ou régios avisos vão textualmente copiados no fim desta 
        parte, assim como o serão nas outras os que respectivamente lhes 
        pertencerem. 
        
        Na segunda parte se descreverá a efectiva execução dos principais 
        trabalhos, as maiores dificuldades que se encontraram, e como se 
        venceram desde o princípio da obra em 1802 até fins de 1803; época 
        notável para a história dos Encarregados, e na qual deixei de ter 
        companheiro nesta comissão,
        porque S. A. R. foi servido nesse ano encarregar-me da inspecção e 
        direcção das obras da Barra de Aveiro, e por então mesmo da direcção 
        das da Barra do Porto, como se verá das ordens régias, que igualmente no 
        fim desta 2.ª parte se darão por íntegra, com outros papéis ou extractos 
        que achei mais próprios para a documentar. 
        
        Na terceira parte se continuará a descrição dos trabalhos feitos, e 
        dificuldades vencidas desde o fim de 1803, em que fiquei só encarregado 
        das obras até à época memorável da
        efectiva abertura da nova Barra de Aveiro, que felizmente consegui abrir 
        no dia  
        3 de Abril de 1808; mostrar-se-á qual era o estado da obra em 
        diversas épocas antes, e ao tempo da abertura da mesma barra; e no fim 
        desta 3.ª parte, como nas precedentes, se dará cópia das ordens régias, 
        e respectivos documentos. 
        
        Na quarta parte se descreverão os imediatos e importantes efeitos da 
        nova Barra na pronta restauração de todas as marinhas de Aveiro, de 
        muitos campos, da saúde pública,
        e franca navegação para grandes vasos; ver-se-á a perfeita coincidência 
        dos resultados obtidos nesta 4.ª época das obras (que forma a competente 
        parte deste escrito) com os prometidos, e já calculados, e prevenidos 
        seis anos antes na
        Memória e plano que então fiz, tenho executado, e agora apresento na 1.ª 
        parte. Descrever-se-ão todos os trabalhos feitos, e todas as mudanças 
        acontecidas nas obras, na barra
        e no rio, e todas as dificuldades vencidas e trabalhos executados desde 
        1808 em que foi aberta a referida barra até agora; e como as precedentes, 
        será documentada. 
        
        Na quinta parte finalmente se dará uma ideia geral do que ainda resta a 
        fazer para ampliar as já obtidas vantagens desta nova barra, para a sua 
        perpetuidade e transcendência a outros objectos da maior importância; e 
        do mais que respeita
        a este novo e belo porto de mar, que, tendo já restaurado as melhores 
        porções de duas comarcas, deve um dia pela sua, influência duplicar o 
        valor de meia Província da Beira. 
        
        /
        44 / 
        
        Tive a fortuna de poder 
        documentar, como se deixa ver pela divisão 
        que deixo feita, o que se dirá neste escrito. É verdade que nas invasões de Soult, 
        e Massena, e quando
        o serviço militar me chamou para os Exércitos(3), sofri mui
        rigoroso saque, principalmente no ano de 1809, nos subúrbios
        da cidade do Porto no quartel que eu muitos anos havia
        ocupado em Lordelo do Ouro, ora como encarregado, ora
        como empregado nas obras da barra daquela cidade e rio Douro, e conto a perda e extravio de muitos papeis que agora
        me fazem falta; mas assim mesmo ainda conservo os mais importantes sobre Aveiro e os que bastam; algumas épocas,
        porém, nem sempre poderão ir designadas com exacção de
        dia e mês, por quanto os meus diários entram no número dos papeis que perdi; assim como perdi quase toda a minha 
        correspondência com o Ministério dos primeiros anos sobre esta comissão 
        de que apenas escaparam alguns avulsos e
        trancados papeis; mas felizmente salvei em Aveiro quase todos
        os ofícios que me foram dirigidos para ali nesse tempo, e sobre esta matéria, por onde se conhece a existência, e a natureza 
        daquela correspondência oficial. 
        
        Em todas as cinco partes verá o público com prazer,
        reconhecimento e admiração, qual tem sido, durante onze anos de trabalhos nunca interrompidos(4), na mais desgraçada época  de que 
        os homens possam recordar-se, pelo flagelo da guerra
        actual, qual tem  sido a constante predilecção de S. A. R. a bem dos seus povos de 
        Aveiro; predilecção mais visível e
        decidida a favor destes, por isso que eles eram tão infelizes
        no meio da grande família que Ele rege com tanta glória sua como proveito nosso. Retirado nos seus vastos domínios
        além do mar, habitando outro hemisfério e outro mundo, quando a 
        tormenta política ameaçava a existência dos Estados e das Nações, Aveiro interessava ainda o seu coração! De lá e então mesmo S. A. R. faz ao Governo que o representa nestes reinos as mais positivas recomendações para que este 
        
        /
        45 / continue, 
        e anime quanto lhe for possível as obras da barra de Aveiro. 
        
        Feita a restauração de Lisboa e do reino, e quando pude participar ao 
        mesmo augusto Senhor o feliz acontecimento da abertura da mesma barra, 
        S. A. R. se dignou mandar-me expressar em aviso datado do Rio de Janeiro 
        a 10 de Janeiro de 1809, entre outras coisas bem lisonjeiras, que «eu 
        não
        podia ter dado uma notícia que lhe tosse mais agradável.». Depois, em 
        aviso de 30 de Agosto de 1810 me foi participado que S. A. R. reconhecia 
        os meus serviços feitos na barra de Aveiro, no rio Vouga, e terrenos por onde corre este rio. E em aviso de 24 de Outubro de 1811 se me 
        participa para minha satisfação, que por tais serviços 
        Sua Alteza Real 
        havia declarado «que eu merecia a sua especial e real protecção» 
        
        (5). 
        
        Tal foi o vivo interesse com que o mesmo augusto Senhor viu consumada a 
        felicidade de Aveiro!! Os documentos de tudo isto terão o seu lugar na 
        4.ª parte deste escrito, mas dos factos não pude deixar de fazer menção 
        aqui em prova do que digo neste §, e até (seja-me desculpada a minha nobre ambição, e nobre orgulho) o estimei por desejar antecipar, e que de antemão o mundo inteiro conheça a sensibilidade e todo o 
        efeito que excita em mim uma tão avultada recompensa dos meus trabalhos 
        e fadigas nesta parte do seu real serviço; pois uma tal declaração do 
        Soberano é a maior
        recompensa que S. A. R. podia fazer-me, ou a que um
        vassalo possa aspirar e conseguir; tão avultada, eu o repito, que a 
        minha vida será mui curta, e tudo quanto eu possa fazer de bom mui pouco 
        para acabar de merecê-la! 
        
        O nosso Governo activo e 
        paternal, que nestes reinos
        representa S. A. R. durante a sua ausência saudosa, e em tempos tão 
        dificultosos tem feito prodígios em favor da obra do novo porto de 
        Aveiro. Foi ele quem melhorou as finanças quase aniquiladas da mesma 
        obra por efeito da guerra, e as pôs no melhor pé; ele tem dado as 
        providências, para
        que nada tenha faltado; e isto quando havia tão pouco, e
        eram tantas as precisões! Quando se trabalhava para salvar a Nação 
        inteira, o Governo repartia ainda os seus cuidados e vigorosos esforços, 
        e fazia quase impossíveis por esta parte dela, cuja felicidade era o 
        objecto constante, e que tanto
        havia tocado o paternal coração de S. A. R. Na 4.ª parte se verão os 
        factos, e se mostrará que Aveiro é um exemplo 
        
        /
        46 / dos muitos prodígios obrados pelo esclarecido Governo que nos dirige. 
        
        Devo mencionar neste lugar, que o Governo Provisional
        do Porto logo nos primeiros dias da começada restauração em 1808, mandando suspender as obras públicas por uma
        sábia e necessária medida de economia comandada pela primeira e mais 
        imperiosa necessidade, a salvação da Pátria, exceptuou a obra da barra 
        de Aveiro, a qual continuou sempre. Também, como por um milagre da 
        Providência, Aveiro não viu inimigos, apenas de passagem algumas dúzias de prisioneiros feitos nos primeiros ensaios precursores de tantos 
        e tão 
        incríveis triunfos! E os trabalhos da sua barra não foram jamais 
        estorvados por esse inimigo da espécie humana,
        que devastou e profanou as nossas belas províncias. Esta circunstância, 
        e o haver eu sido constante e eficazmente auxiliado pelo Governo de S. A. R., me puseram na feliz situação de poder, 
        no meio da tormenta política e transtorno geral, e mesmo 
        captivo, cumprir as ordens que S. A. R. me havia
        deixado; e Aveiro foi feliz no meio da desgraça geral!! Tal  é a escala 
        por onde Aveiro deve medir, e certamente mede, os benefícios, e 
        privativos favores do melhor dos seus príncipes, e calcular a rigorosa divida da sua 
        eterna gratidão! 
        
        A eficaz assistência e protecção de S. A. R., e do Governo que nos 
        deixou e tão dignamente o representa nestes reinos, se tem manifestado 
        sempre nos sucessivos ministérios dos Ex.mo Conde de Linhares, Conde de 
        Anadia, Luís de Vasconcelos e Sousa, Conde de Vila Verde, António de Araújo de
        Azevedo, D. Miguel Pereira Forjaz, e por diferentes maneiras no decurso 
        desta grande empresa; sendo muito notáveis o do Ex.mo Conde de Linhares 
        em que foi criada e começada; o do Ex.mo António de Araújo de Azevedo que a sustentou em uma
        extraordinária crise de negras imputações contra a obra, e de suma 
        pobreza a que estava reduzida; e o do Ex.mo D. Miguel Pereira Forjaz; 
        sendo uma das providências, que muito tem concorrido para o bom êxito 
        da empresa, a escrupulosa e acertada escolha dos magistrados 
        superintendentes encarregados do ramo civil e económico das obras, o 
        provedor, depois desembargador do Senado, João Carlos Cardoso Verney; 
        e o seu digno sucessor o desembargador da Suplicação, Fernando Afonso 
        Giraldes, os quais são dignos do maior elogio; não é possível encontrar 
        mais zelo nem mais honra; eles me prestaram sempre uma pronta e mui eficaz cooperação para 
        executar as diferentes partes dos meus planos, e concorreram pela sua 
        parte, e quanto lhes foi possível, para o seu feliz resultado; eu terei mais de uma ocasião de fazer ver esta 
        verdade, sendo bem lisonjeiro para mim o possuir as provas dela para 
        produzir em seu lugar, e fazer conhecer os seus importantes serviços. 
        
        /
        47 / 
        
        O esclarecido Conde de Linhares sustentou com o mais 
        heróico entusiasmo 
        os interesses, e já desesperada causa de  Aveiro; a actividade e firmeza 
        do seu carácter elevado venceu dificuldades e oposições de toda a 
        espécie, e até o peso  das opiniões desfavoráveis de muitos sábios e 
        facultativos,
        reforçados desgraçadamente pela experiência custosa da nulidade dos 
        resultados das passadas tentativas; ele pareceu exceder mesmo a sua natural actividade promovendo o começo  dos trabalhos 
        para um esforço último a favor de Aveiro, aplanando todas as 
        dificuldades para a execução efectiva, e rápido adiantamento dos mesmos 
        trabalhos, enquanto não foi interrompido na carreira do seu ministério. 
        É admirável, e o público ouvirá com interesse e sensibilidade, que o 
        mesmo Ex.mo Conde no seu retiro, pelos anos de 1804, 1805, e 1806, 
        honrando-me algumas vezes com a sua correspondência particular, jamais 
        o assunto principal, ou para dizer melhor, todo o assunto deixou de ser 
        a Obra da Barra que me estava confiada. Estas cartas de que farei menção 
        na 3.ª parte, onde elas terão o seu devido lugar, mostrarão qual era em 
        circunstâncias tão diferentes a igualdade do seu grande ânimo, e a 
        firmeza dos seus inalteráveis princípios; no seio do seu retiro 
        político, os seus contínuos cuidados,  e os seus votos eram sempre pela 
        prosperidade destes povos, e bem do serviço de S. A. R., que foi sempre o constante objecto 
        da sua vida preciosa. Toda a Nação lhe deve muito, porém, Aveiro sabe, 
        que depois de S. A. R. a ele deve o princípio da sua nova existência. 
        
        Mas se é tão raro encontrar o virtuoso entusiasmo 
        desenvolvido pelo Ex.mo Conde de Linhares para salvar Aveiro,  que se dirá da 
        extraordinária constância e heróica modéstia do Ex.mo D. Miguel Pereira 
        Forjaz, continuando com esforçado zelo uma empresa que ele não havia 
        criado? O ser ela do empenho de S. A. R. e utilidade dos povos é quanto 
        basta para lhe merecer os maiores desvelos. Não é a glória de a  criar, 
        a que a tem produzido muito boas e grandes causas, quem a convida nesta 
        ocasião, assim como lhe é absolutamente desconhecido o ciúme dos 
        sucessores, que tem muitas vezes sepultado no esquecimento, e às vezes 
        no desprezo, as mais belas e úteis concepções só porque são alheias. 
        
        O Ex.mo D. Miguel Pereira Forjaz encarregado das secretarias de Estado 
        dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e da Marinha, quando era necessário 
        criar tanta causa, ou para melhor dizer, criar tudo para a salvação  do 
        Estado, que o inimigo havia quase destruído, naqueles tempos marcados
        pelas desgraças de que foi vítima a nossa pátria infeliz, e em
        que a apatia tomava o lugar das nossas mais fortes e puras afeições pelo 
        iminente perigo de uma desgraça inevitável cuja horrorosa lembrança 
        ainda nos aflige! Quando tudo 
        
        /
        48 /
        enfim conspirava para fazer esquecer, ou ao menos abandonar 
        temporariamente os trabalhos do porto de Aveiro; ao contrário todos 
        esses tempos estão marcados amiúdo pelos traços das suas providências, 
        e actos da maior energia; e pelos seus incessantes cuidados, pela sua 
        intervenção e pelos meios mais suaves o nosso providente Governo 
        melhorou as finanças da obra, que estavam no maior abatimento como 
        disse; e quando ela estava mais precisada; e quem ousaria esperar tanto 
        quando a Nação estava tão pobre, e suportava o peso das mais enormes 
        despesas!! 
        
        O serviço da obra da barra de Aveiro foi então equiparado ao do próprio 
        Exército para ser mais prontamente assistido; no meio enfim dos mais 
        imperiosos embaraços nada tem faltado, tudo se fez, até o que parecia, e 
        parecerá para sempre impossível! O público terá mais de uma ocasião de 
        comparar estas ilustres personagens, em épocas e circunstâncias tão 
        diversas, animadas do mesmo entusiasmo para consumar e perpetuar a 
        felicidade de Aveiro, que era tanto do empenho de S. A. R. Os factos e 
        os documentos o demonstrarão, e por eles conhecerá também esta cidade, e 
        os mais povos interessados a extensão da sua dívida, e a gratidão que 
        deve a este ilustre benfeitor; e saberão melhor apreciar a glória de ser 
        o objecto imediato de tantos e tão generosos cuidados. 
        
        Consinta-se-me neste lugar, 
        e até como um desafogo à minha justa 
        saudade, na falta de uma pessoa a quem estava estreitamente ligado, e 
        para fazer justiça, não ficar no esquecimento o brigadeiro Reinaldo Oudinot, oficial que pelas suas qualidades e reconhecidos talentos fazia 
        honra ao Corpo no qual teve a honra de servir a S. A. R., e feito pelo 
        espaço de 45 anos os relevantes serviços, que o mesmo Senhor tem 
        reconhecido e remunerado. 
        
        Este oficial sendo coronel foi assim como eu fui, e 
        consta dos 
        documentos da 1.ª parte, encarregado também dos planos e execução da 
        obra da barra de Aveiro desde 1802 até 1803, ano em que S. A. R., 
        encarregando-me inteiramente da inspecção e direcção das mesmas, mandou 
        ao dito coronel, então feito brigadeiro, em comissão para a Ilha da 
        Madeira, onde faleceu em Fevereiro de 1807. Desejava nesta ocasião não ser seu 
        genro para não ser suspeitoso; e ter o crédito necessário para fazer 
        digna menção deste hábil engenheiro, e do muito que ele no seu tempo 
        trabalhou, e concorreu para o feliz sucesso da empresa de Aveiro. 
        
        Um mapa mui circunstanciado da parte mais importante do país, e daquele 
        que era mais preciso conhecer (o qual então acompanhou a Memória que fiz 
        sobre o plano da abertura da Nova Barra, e com ele apresentei em 1802), 
        acompanhará agora a 1.ª parte para sua inteligência e necessárias 
        
        /
        49 / [
        Vol. XIII - N.º 49 - 1947]
        referências que a ele farei; igualmente haverá nas outras partes 
        estampas com figuras para fazer perceptível tudo quanto me tenho 
        proposto escrever. 
        
        Tive grande cuidado de omitir constantemente, como
        já havia feito em 1802, e se verá na Memória lançada na 1.ª parte, a ostentação de cálculos, e teorias sublimes com que as 
        Matemáticas auxiliam o ramo dificílimo da Hidráulica, tanto porque a 
        sua aplicação à prática de tais questões deixa
        ainda bastante que desejar (e nunca talvez satisfará perfeitamente), como também para melhor me fazer entender ainda
        hoje de todos em uma questão, que foi ao princípio necessário pôr tão clara como a luz, e popularizar naquela época
        dos muitos incrédulos da sua possibilidade e bom sucesso;
        motivos que me obrigaram também a uma certa difusão, que
        se observará na Memória referida; defeito em que muito de
        propósito me deixei cair então, preferindo a todas as outras
        considerações a de fazer entender, e acreditar a possibilidade
        da empresa, convencer qualquer opinião contrária aos interesses de 
        Aveiro e de S. A. R. que pudesse suscitar-se como
        eu tinha motivos de recear, e no que podia ser, eu não tornasse mais a ser ouvido, nem pudesse outra vez advogar e
        promover os interesses desta parte tão considerável, e tão importante 
        dos seus reinos. 
        
        _________________ 
        
        N.º 1 − Documentos relativos à Introdução 
        
        A folhas 5 do Livro I do Registo das Provisões e
        Ordens Régias, vindas ao Juízo da Superintendência da
        Barra, se acha registada a provisão régia do estabelecimento e criação do subsidio real da Obra da Barra, que
        é datada de 27 de Maio de 1756, expedida por Resoluções imediatas de S. Majestade Fidelíssima, de 6 de
        Outubro de 1755, e de 21 de Maio de 1756, a qual Provisão no seu 
        preâmbulo diz assim: 
        
        «Faço saber a Vós Bacharel João da Fonseca da Cruz,
        Superintendente da Obra da Barra da Villa de Aveiro, que
        attendendo ás representações que me fizerão os Officiaes da Camara, 
        Nobreza e Povo da mesma Villa de se acharem os seus moradores reduzidos 
        a grande pobreza e miseria, sem terem meios para poderem satisfazer o
        cômputo do seu cabeção, que he de 5.000 cruzados, os
        quaes se-lhes-imposérão em attenção aos direitos da Barra, que já não 
        tinhão em razão de estar totalmente
        areada, em fórma que por ella não podia entrar nem sair o mais pequeno 
        barco, e não só tinha cessado de todo
        o Commércio, mas tambem se-inundava muita parte da 
        
        /
        50 / Villa com as cheias pelas aguas não terem expedição para o mar, de que 
        resultava irem desamparando a terra; o que tambem me constou por várias 
        informações à vista das quaes Fui Servido Mandar ao Engenheiro Carlos 
        Mardel examinar a dita Barra, e fazer Planta da Obra; e por constatar 
        ultimamente por informação do Provedor da Comarca de Esgueira terem 
        rendido 4.933.000 reis o dôbro das cisas,  e imposição dos dous reaes 
        em cada quartilho de vinho, e arratel de carne da mesma Villa e seus 
        ramos, que por
        Resoluções Minhas Mandei applicar para a Obra da dita
        Barra pela grande utilidade que d'ella resulta à dita Villa
        e a toda a Comarca de Esgueira; e tendo outrosim consideração ao que 
        se-me-representou em Consulta da Meza do Meu Dezembargo do Paço para 
        se-dar pronta providencia n'esta matéria, e se-fazerem prontos os meios 
        para se-executar esta Obra, cuja Superintendencia vos -Tenho 
        encarregado: Hei por bem que os dous reaes
        já antigamente concedidos em cada quartilho de vinho, e em cada arratel 
        de carne se-appliquem para o pagamento do Cabeção da dita Villa de 
        Aveiro, com declaração, que ésta contribuição durará somente por espaço 
        de 15 anos, porque se dentro d'elles se executar a Obra da Abertura da 
        Barra não necessita mais a Villa d'éste subsídio para
        podêr satisfazer o Capital; porêm ésta applicação para o
        Capital não terá lugar no producto dos ditos reaes, que se acha 
        depositado em Cofre, e destinado para a Abertura da Barra por se não 
        dilatar mais ésta Obra, divertindo-se para outro fim o dito depósito; e outrosim Hei por bem que não só a 
        Villa de Aveiro, e seus ramos contribuão com um novo real em cada 
        quartilho de vinho, e outro em arratel de carne para a dita Obra da 
        Barra emquanto ella durar, mas toda a Comarca de Esgueira, que participa 
        da  mesma conveniencia, sem embargo  de não serem ouvidas algumas Camaras da dita Comarca, attendendo a que n'este negocio se trata da sua 
        propria utilidade; e tendo alguma Câmara ou Concelho justa causa de 
        escusa, a todo o tempo se lhe poderá deferir pela Meza do Meu
        Desembargo do Paço, precedendo as informações necessarias.» 
        
         
        N.º 2 − 
        Aviso régio para se tirar a planta da Obra
        da Barra. Registado a fol. 21. L. I. 
        
         
        «Sua Magestade He servido que Vm. passe logo á Villa de Aveiro, levando 
        por seu Adjunto a Luiz de Alincourt, para que n'ella com o Sargento-Mór 
        Engenheiro Francisco Xavier do Rego, que leva por seu Adjunto o Tenente 
        Adão 
        
        /
        51 /
        Vencesláo de Hedes, tire uma exacta Planta de todo o terreno que jaz 
        desde o Rio Vouga até á Barra, que novamente se-abrio na dita Villa, na 
        conformidade das Reaes ordens da Cópia inclusa dirigidas ao Dezembargador da Relação do Porto Manuel Gonçalves de Miranda, que ha-de 
        assistir à execução da referida Planta com o Capitão Mór João de 
        Sousa Ribeiro. E ao Marquez de Tancos se-avisa para que na Vedoria se-dem a Vm., 
        e ao dito Luíz de Alincourt os respectivos transportes e 
        Cavalgaduras que lhes-hão de ser pagas em todos os dias continuos e 
        successivos que correrem até se-restituirem a ésta Côrte com o 
        pagamento dos seus soldos, que ficaráõ cobrando os Procuradores, que Vm. 
        e o dito seu Adjunto nomearem, em quanto andarem occupados n'ésta 
        Diligencia, que o Mesmo Senhor lhes-ha por muito recommendada.= 
        Deos guarde a Vm. Belem a 10 de Junho de 1758.
        = Sebastião José de Carvalho e Mello. = 
        Sfir. Francisco Jacintho de Polchet.» 
        
         
        N.º 3 − 
        Carta do engenheiro Elsden aos seus adjuntos. Registada no L. I. fol. 31. 
        
        «Conforme as Ordens de Sua Magestade dirigidas 
        no dia 20 de Outubro do 
        presente ano pelo Ill.mo e Ex.mo Sñr. Visconde de Villa Nova da 
        Cerveira, Ministro e Secretario de Estado, etc., etc., etc. 
        
        Devem V. m.cês, logo entrar a tirar a Planta Topographica da Barra de 
        Aveiro que presentemente existe; e da mesma situação o outro Rio que 
        tem seu curso para o Sul na direcção da lagôa de Mira. D'este mesmo 
        ponto  da Barra continuar para o Norte na direcção do Rio Salgado (que serão 4 legoas e meia até 5), até á desembocadura do Rio Vouga, notando com individuação as  entradas de todos os 
        Rios, Lagôas, Canaes, etc., que cairem no dito Rio Salgado. 
        
        Tambem se-devem calcular as ondas da mesma  Barra, e no dito Rio Salgado 
        do Sul para o Norte nas distancias de 250 braças no tempo da baixa-mar 
        das aguas vivas para se-combinarem as differentes alturas  das aguas d'este canal, suas Lagôas, 
        etc., com as do mar largo; para sôbre a dita 
        Planta se-determinarem todas as mais operações sôbre a nova Barra de 
        Aveiro; e a respeito das despezas, e mais cousas necessarias para a dita diligencia, o Doutor Corregedor tem Ordem de Sua Magestade para 
        providenciallas; das quaes despezas se formará folha que V. m.cês assinaráõ durante a minha 
        
        /
        62 /
        ausencia para descarga do mesmo Doutor Corregedor.=Aveiro, 27 de Novembro 
        de 1777.=Guilherme Elsden, Tenente coronel.=  
        
        Sñrs. Isidoro Paulo Pereira Capitão de Infantaria, com exercício de 
        Engenheiro, e Manuel de Sousa Ramos Ajudante de Infantaria com o mesmo 
        exercício.» 
        
         
        N.º 4 − 
        Aviso régio para se dar princípio ás obras
        da Barra. Registado a fol. 35 L. I. 
        
        «Sua Magestade tem Resoluto que se-comecem a pôr em execução os Planos 
        que-lhe forão apresentados para as Obras necessarias de se-melhorar e 
        abrir a Barra d'essa Cidade, de se-desempedirem os Esteiros, e 
        enxugarem as terras inundadas, que contribuem a fazer doentio e máo o ar 
        da mesma Cidade, e concorrem para o máo serviço actual da mesma Barra. 
        
        Semelhantemente tem a Mesma Senhora Resoluto, que se-procure facilitar 
        quanto for possivel a Navegação do Rio Vouga em beneficio do Commércio 
        d'essa mesma Cidade e Provincia; e que todas éstas Obras se-hajão de 
        fazer conforme a Direcção do Arquitecto Hydraulico João Iseppi, cujos 
        Projectos Sua Magestade tem Approvado, e pelo qual serão apresentadas a 
        Vm. todas as Ordens relativas a éstas Obras, com toda a jurisdicção e 
        forças que se-fizerem necessarias para o progresso d'éllas. 
        
        Em ordem a êste fim, e para que 
        hajão dinheiros prontos, Ordena Sua 
        Magestade que Vm. vá adiantando,
        e fazendo cobrar tudo quanto fôr possível pertencente às contribuições applicadas a éstas Obras, de maneira que effectivamente se-recolha ao 
        Cofre d'ellas a maior quantia que podér ser; e que Vm. ao mesmo tempo 
        escreva á Companhia do Douro para que vá aprontando o dinheiro
        que lhe-for possivel, e tem em si pertencente ao mesmo Cofre, a fim de 
        estar certo, e pronto à primeira Ordem que a Mesma Senhora Mandar 
        expedir á dita Companhia para d'elle fazer entrega no referido Cofre. 
        
        E tendo Sua Magestade conhecido a 
        justa necessidade de se-fazer a Obra 
        do Caes, e Esteiro da Ribeira; a cujo he Servida que logo se-dê principio 
        a ella, e se-faça a despeza da mesma Obra pelo Cofre dos dinheiros das
        contribuições da Barra, sem necessidade de outra alguma Ordem além 
        d'ésta. E pelo que respeita ás Obras do Aqueducto da Fonte da Praça, 
        Paço do Concelho, e Cadêa
        Publica, Ordena Sua Magestade que Vm. mande tirar a Planta de cada uma 
        d'éstas Obras com o orçamento a cada uma d'éllas pertencente, e com 
        informação de Vm. em que fórme o seu juizo sÔbre elas, para que sendo  tudo 
        
        /
        53 /
        presente á Mesma Senhora Resolva ao dito respeito o que for Servida. = 
        Deos Guarde a Vm. Palacio de Queluz  em 2 de Agosto de 1780. = Visconde 
        de Villa Nova da Cerveira.= 
        
        Sñr. Francisco António Gravito.»  
        
          
        N.º 5 − 
        Aviso régio por onde o Doutor José Monteiro da Rocha, lente de Matemática, veio visitar 
        as obras da Barra. 
        Registado a fol. 51. L. I. 
        
        «A Sua Magestade foi presente, que o Doutor José Monteiro da Rocha, 
        Lente Cathedrático da Faculdade de Mathematica na Universidade de 
        Coimbra passava a essa  Cidade de Aveiro para visitar as Obras da Barra, 
        e as mais que são concernentes à Sciencia Hydraulica que he do seu 
        instituto ensinar Theoricamente na mesma Universidade; e porque em circunstâncias tão attendiveis, como
        são as da instrucção d'esta util Sciencia á vista dos objectos praticos 
        d'ella, se deve facilitar a este digno Professor tudo quanto a este 
        respeito elle quizer vêr e examinar; 
        
        He a Mesma Senhora Servida que Vm. lhe-facilite iodos os Projectos, 
        Planos, Mappas, e Máquinas que elle quizer especular, e miudamente 
        examinar, para que possa em beneficio da mesma Sciencia fazer um claro juizo das
        referidas Obras, tratando-o Vm. com toda a distincção e  acolhimento que 
        se deve a um Professor tão benemérito,  e tão digno da Recommendação de 
        Sua Magestade. = 
        
        Deos Guarde a Vm. Palacio de 
        Nossa Senhora
        d'Ajuda em 6 de Dezembro de 1781.= Visconde de Villa
        Nova da Cerveira.= 
        
        Sñr. Francisco António Gravito.» 
        
         
        N.º 6 − 
        Aviso régio. Registado a fol. 50. 
        
        «A Sua Magestade forão presentes as Contas de Vm., que trouxerão as datas de 27 de Maio, de 24 de Junho,  e 8 de Julho d'este anno; e He a Mesma Senhora Servida,
        que Vm. pague ao Engenheiro Hydraulico João Iseppi, a
        seu filho, e aos mais Italianos que com elle vierão para serem 
        empregados na Obra da Barra d'essa Cidade, tudo o que se-lhes dever, 
        fazendo-se a conta até chegarem a
        ésta Côrte; declarando-lhes Vm. que Sua Magestade os Manda recolher a 
        élla: em consequencia d'ésta Determinação Ordena a Mesma Senhora que o Sargento Mór Engenheiro, Isidoro 
        Paulo Pereira fique encarregado da referida
        Obra; com o qual justamente se-espera que Vm. viva em
        boa harmonia concorrendo cada um zelosamente da sua 
        
        /
        54 /
        parte para tudo o que for utilidade da mesma Obra, evitando questões, e 
        tendo por unico, e principal objecto o serviço de Sua Magestade; e muito 
        mais quando Vm., e elle tem o facil recurso de-me darem conta do que 
        entenderem sôbre este assumpto, para que, pondo na Real Presença da 
        Mesma Senhora, Haja de resolver o que fôr
        Servida. E tudo o referido Ha Sua Magestade por muito Recommendado a Vm.,e se-participa ao dito Sargento Mór. Quanto ás 
        Cisas sonegadas, em que Vm. falla na sua Conta de 27 de Maio, ainda a 
        Rainha Nossa Senhora não tomou a final Resolução sôbre este negocio. = 
        Deos Guarde a Vm. Palacio de Queluz em 25 de Agosto de 1781. = Visconde 
        de Villa Nova da Cerveira. = 
        Sñr. Francisco António Gravito.= 
        Cumpra-se. Gravito.» 
        
         
        N.o 7 − Aviso régio. Registado a fol. 50. L. l. 
        
        «Sua Magestade tendo-lhe sido presentes as successivas Contas, que Vm. me-tem dirigido em diversas
        datas, sôbre os objectos que respeitão á Commissão de que Vm. se-acha 
        encarregado, e conhecendo que as referidas Contas encerrão materias que 
        na sua ordem necessitão de séria consideração, e madureza, He Servida 
        que
        mandando Vm. suspender por ora toda e qualquer obra que for de maior 
        despeza e trabalho, se-fique sómente continuando n'aquellas que a 
        necessidade fizer indispensaveis, e que da suspensão d'ellas resultaria 
        perigo grave; fazendo-se porêm com a menor despeza e número de gente que 
        possivel fôr, até que chegue com o fim da
        Primavera, e principio do Verão seguinte, o tempo opportuno para a continuação das ditas Obras; a respeito das quaes Sua 
        Magestade Dará as suas Providências, e Fará constar a Vm. a Sua Real 
        Resolução. = Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em 24 
        de Novembro de 1783.=Visconde de Villa Nova da Cerveira. 
        =Sñr'. Francisco António Gravito.= 
        Cumpra-se. Gravito.» 
        
         
        N.º 8 − 
        Aviso régio. Registado a fol. 56. L. l, por onde o Marechal de 
        Campo Valleré veio examinar as obras da Barra. 
        
        «Sua Magestade Manda a essa Cidade de Aveiro o
        Marechal de Campo Guilherme Luiz Antonio de Valleré,
        accompanhado de dous Officiais seus Ajudantes, a fazer 
        
        /
        55 /
        um exame circunspecto do estado das Obras da Barra da mesma Cidade, e 
        das mais que n'ella se-havião projectado; e formar o Projecto do 
        adiantamento de todas ellas para se-haverem de continuar. E He Sua 
        Magestade Servida que Vm., em quanto o mesmo Marechal de Campo, e seus 
        Officiaes se-acharem n'essa Diligencia, lhes-apronte o dinheiro que para bem da mesma Diligencia e effeito d'ella se-Ihes fizer necessário, 
        cobrando Vm. os competentes recibos para formalizar com regularidade a 
        sua arrecadação. = Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em 
        5 de Abril de 1788. = Visconde de Villa Nova da Cerveira.= 
        Sñr'. Corregedor da Comarca de Aveiro.» 
        
         
        N.º 9 − 
        Aviso régio por que se mandou abrir um
        rigueirão que desse escoante às águas estagnadas, e que fosse examínado 
        pelo professor hidraulico, Estêvão Cabral. Registado a foI. 60. L. I. 
        
        «Sua Magestade querendo prover em beneficio da Saude dos moradores 
        d'essa Cidade, e em utilidade dos habitantes d'essas visinhanças, He 
        Servida Ordenar, que se-proceda logo á abertura de um Rigueirão ou 
        Canal, que
        córte de Nascente ao Poente o Isthmo que divide o Mar Oceano do 
        interior, abaixo da Capella de S. Jacintho, que he o lugar insinuado 
        pela mesma corrente das aguas, e demonstrado desde antigo tempo pela 
        Construcção do Forte que ahi se-edificou para cobrir a Barra. 
        
        Este Rigueirão, ou Canal deverá ser limitado na sua largura, como 
        aquelle que sómente se-preara a dar saída ás aguas encharcadas, e 
        entrada aos barcos que frequentão esse porto; removendo por ora toda a 
        idéa de abertura de Barra, ou Canal para entrada de navios; pois que 
        tendo mostrado uma custosa experiencia ha tantos annos, que n'ésta Obra 
        maior se-tem trabalhado debalde, deve merecer maior consideração o 
        intentalla de novo por meio de novas medidas e novos Planos, não só para 
        essa abertura, mas para a fortificação e defeza do Porto; de que parece 
        não se ter feito conta até agora. 
        
        Sua Magestade encarrega a Vm. a Intendencia d'ésta Obra, confiando que 
        Vm., pelo conhecimento que d'ella tomou, pela informação e proposta que 
        mandou á Sua Reál Presença na data de 9 de Junho d'este anno, ha-de 
        executalla com toda a prontidão e economia; para ella poderá Vm. 
        despender até a somma de oito contos de reis, que he o em que ella foi 
        orçada. Deverá Vrn. porêm no fim de cada mez dar conta por esta 
        Secretaria d'Estado 
        
        /
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        dos Negócios do Reino do estado d'ésta Obra, notando a gente que 
        trabalha, a despeza que com ella faz, e as esperanças que conceber pelo 
        que se-vai fazendo. E ainda que não pareça necessario mandar Engenheiro 
        para esta Obra, com tudo sempre advirto a Vm. que em Obras d'agua, 
        assim para servir d'ellas, como para dirigir as correntes vê mais um 
        Professor Hydraulico, que todos os Engenheiros da Profissão d'aquelles 
        que andárão na grande Obra d'essa Barra. 
        
        Como em Coimbra está Estevão Cabral, que não tem Patente de Engenheiro, 
        mas que é Professor Hydraulico, pede a prudencia que elle examine esta 
        abertura que vai a fazer-se, e examine o Plano que se-tem feito, e de
        cuja execução Vm. vai encarregado; e póde acontecer
        que elle com as suas luzes aponte alguma providencia de maior segurança 
        e utilidade. Ele poderá chegar ahi para este fim sómente de examinar o 
        Plano, devendo immediatamente voltar para assistir ás Obras do Mondego 
        de que está encarregado, e assim lhe-faço Aviso por esta posta. 
        = Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora
        d'Ajuda em 6 de Julho de 1791. =José Seabra da Silva. 
        =Sñr. Provedor da comarca de Aveiro.» 
        
         
        N.º 10 − 
        Aviso régio por que se mandaram continuar as obras necessárias 
        a preservar a cidade do mau ar das águas encharcadas. Registado a fol. 
        59. L. I. 
        
        «Sendo vista a Conta de Vm. na data de 6 do corrente mez de Maio sôbre 
        a conferência em Comarca no dia 5, a respeito da Lei de 28 de Março, e 
        natureza, applicação, e destinos das imposições d'essa cidade e Camara, 
        devo dizer a Vm., para pôr a Camara na verdadeira intelligencia d'este assumpto, que nem a dita Lei dispõe, nem
        na sua execução se-ha-de praticar cousa alguma que aggrave os encargos, 
        que esses Póvos sofrem, mas antes muito pelo contrário a primeira 
        applicação do producto das imposições d'éssa Comarca ha de ser em 
        benefício d'ella. 
        
        As Obras da Barra, quanto à abertura ha tantos annos projectada, outros 
        tantos ha que por custosas experiencias se-tem visto serem de maior 
        dificuldade do que se pensava. Quanto porêm áquellas Obras da Barra, que 
        se dirigem a preservar essa Cidade do ar pestilente de aguas encharcadas, 
        e corruptas, devem sempre praticar-se, e applicar-se para ellas a somma 
        necessaria, que ha de sair das ditas imposições com preferencia a 
        qualquer outra applicação. E como actualmente parece haver necessidade 
        de se-proceder a este trabalho Vm. informará sem perda 
        
        /
        57 / de tempo sôbre isto, orçando pouco mais ou menos sôbre a Obra que 
        agora se-julgar necessaria, quanto ella importará, podendo já entrar-se na mais urgente com a despêsa de até 400.000 réis. 
        
        N'ésta occasião encarrego a Vm. o Exame da Ponte
        sôbre o Rio Vouga, com a individuação do estado em que ella se-acha, 
        quantos arcos se-achão inteiros, e quantos arruinados, e se os pégões 
        de uns e outros estão seguros. Sôbre este exame, a que Vm. ha-de 
        proceder com alguns Mestres; ou pessoas intelligentes, aos quaes depois 
        sucederáõ outros de mais confiança que me-proponho mandar, fará Vm. um 
        orçamento da somma que poderá importar ésta Obra. 
        
        Estas diligências vão dirigidas a Vm. no impedimento do Corregedor da 
        Comarca que poderá depois ser encarregado, permittindo-o a sua saude, e 
        outras considerações.=Deos Guarde a Vm. Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda em 18 de Maio de 
        1791.=José de Seabra da Silva.= 
        Sñr. Provedor da Comarca de Aveiro.» 
        
          
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