HÁ pouco foi publicado um plano
de classificação das estradas nacionais acompanhando o diploma legal
que estabelece as condições técnicas a que devem
obedecer as estradas públicas, da rede do Estado,
camarárias e os caminhos vicinais.
Examinando a relação das estradas classificadas, e principalmente na parte relativa ao Distrito de Aveiro, três houve que me
chamaram a atenção e me levaram a observar o relatório sobre viação
feito pelo Engenheiro Luís GOMES
DE CARVALHO em 1805; se compararmos os traçados classificados com os previstos, bem se evidenciam as grandes faculdades de observação, de inteligência e de trabalho que tanta
fama granjearam a este ilustre Engenheiro.
O sentimento prático, filho da observação inteligente,
seja em que época for atinge o mesmo fim.
O relatório sobre o plano das estradas que interessavam
mais ao Distrito de Aveiro é de 1805 e o Decreto do plano
rodoviário é de 1945, de 11 de Maio, vinte e oito lustros já passados.
Diz o Eng.º LUÍS GOMES DE CARVALHO numa nota do seu
relatório:
«Quase sempre e geralmente falando as estradas antigas existentes
entre povo e povo são bem dirigidas na maior parte. As primitivas
necessidades dos povos, o seu exacto conhecimento do terreno e dos
obstáculos que os circundam de perto, o sentimento da sua própria
/ 119 / utilidade, o
menor valor dos terrenos na maior parte incultos, e que sobejavam,
nesses primeiros tempos, às precisõees de seus poucos habitantes, tudo
concorria para que procurassem a linha recta ou a menor distância quando
não havia grandes obstáculos que era necessário evitar, rodeando só
preciso. Contudo, depois, a ambição dos proprietários pelo aumento da
população, civilização e luxo e precisões de toda a espécie, arruinaram
as estradas de mil modos. Além disso elas também caducam, pois as chuvas
dissolvem e arrebentam a superfície dos caminhos e os ventos fazem o
mesmo quando elas estão reduzidas a pó no estio, as quais depois se
profundam por si no terreno que acaba em camadas argilosas, e terrenos
impróprios para estradas. As pontes que se fazem de novo, etc., etc.,
etc., tudo isso deve obrigar a pequenas mudanças, mas sempre costeando
de perto, ou seguindo os antigos caminhos. Esta razão, e a utilidade das
povoações existentes, e cómodo dos passageiros, devem obrigar a não
tirar dos velhos os novos caminhos, salvo em certos casos bem
particulares a que é necessário atender.»
Os trajectos da estrada de Lisboa ao Porto, conhecida
por estrada Real e ainda hoje por Estrada Nacional, para
distinguir a sua importância das outras, da estrada de Aveiro
para o Porto por Ovar, da de Aveiro a Cantanhede pela Palhaça, são já
muito antigos; podem-se considerar centenários e pode mesmo sem receio afirmar-se que alguns já vêm
de épocas remotas, dos Romanos e dos Árabes.
No seu relatório sobre viação, LUÍS GOMES DE CARVALHO
defendia o trajecto da estrada do Porto a Coimbra, como um
ponto forçado da sua passagem por Aveiro ou proximidades,
apresentava as vantagens da construção de uma estrada paralela à Costa, passando por Vagos, não deixando de fazer
salientar o interesse que representariam para o futuro desenvolvimento do porto de
Aveiro as estradas previstas, pois
a barra em breve iria ser posta em condições de franquear
a navegação e havia necessidade de estabelecer ligações
entre o Porto, Coimbra, Figueira da Foz e o porto de
Aveiro, considerando assim obrigatória a sua passagem por esta cidade.
Conforme o grau de perigo que ofereciam ao trânsito os
caminhos existentes, que propunha reparar e transformar em
estradas e que no Inverno se tornavam intransitáveis, classificava esses atoleiros ou maus passos, como lhe chamava, em
três classes: 1.ª, 2.ª e 3.ª Os atoleiros da estrada de Aveiro
à Palhaça, constituíam um exemplo do atoleiro de 1.ª classe,
e quem se lembrar o que era esta estrada, uma dúzia de
anos atrás, aí por 1933, bastante justificada achará a classificação
/
120 / de LUÍS GOMES DE CARVALHO; eram verdadeiros
maus passos.
Conhecedor da região, é interessante comparar os trajectos indicados no relatório que passamos a reproduzir,
com os trajectos do plano de classificação de 1945, e os pontos de passagem referidos em 1805 com os pontos de passagem das actuais estradas. Diz o relatório de LUÍS GOMES
DE CARVALHO:
«Ill.mo e Ex.mo Senhor. Examinando as estradas e o país que
medeia entre
a cidade do Porto e a de Coimbra com o fim de comunicar estas duas cidades por meio de
uma boa e bem entendida estrada relativamente à sua
construção económica e às vantagens que ela pode e deve procurar ao
importante e rico território que a mesma
deve atravessar, tendo à vista e consultado muitas vezes o mapa do país, feito em parte e corrigido em outras pelas minhas próprias observações,
me pareceu que em
lugar de consertar e endireitar onde necessário for(1) a estrada actual do Porto a Coimbra a qual passa pelos
Carvalhos, Vendas de Grijó, Vendas Novas, Arrifana,
Oliveira de Azeméis, Albergaria, Serem, Ponte do Vouga,
Águeda, Avelans de Caminho, Mealhada, Sargento Mor, Coimbra, e é de todos bem conhecida, seria melhor consertar a estrada
velha do Porto até Aveiro(2), e consertar igualmente a que de Aveiro se dirige a Coimbra,
isto é, consertar a Estrada do Porto aos Carvalhos, Grijó,
/
121 /
Vendas Novas, Vila da Feira, S. Vicente da Gândara, S. Martinho da
Gândara, Alumieira, Santo Amaro, Estarreja, S. Martinho de Salreu, Canelas, Fermelã, Angeja,
Cacia, Esgueira, Aveiro; a qual tem de comum com a 1.ª estrada ou Estrada
Real, 4 léguas do Porto até às
Vendas Novas. Consertar(3)
depois a de Aveiro a Arada,
Quintans, Palhaça, Mamarosa, Samel, Venda Nova de
Vilarinho, Murtede(4), Sargento Mor, Coimbra; esta tem de comum com a
Estrada Real légua e meia, do
Sargento Mór até Coimbra; visto que estas duas estradas
do Porto a Aveiro, e de Aveiro a Coimbra, reunidas dão a estrada do
Porto a Coimbra seja entrando em Aveiro,
seja passando por fora da cidade, logo de Cacia para as
Quintans; cuja estrada me parece preferível à Estrada
Real que passa por Águeda, isto pelas razões seguintes:
1.º
−
Porque a estrada por Aveiro atravessa um país
quase perfeitamente plano, e essa circunstância só reduzindo a estrada
−
que é mais extensa de 1900 braças
entrando em Angeja para economizar no caminho e no
campo, e igual partindo logo de Fermelã a Cacia
−
a ser da mesma extensão ou menor, lhe tira os incómodos das
subidas e descidas, e assegura a sua duração e permanência.
2.º
−
Porque há menor número de pontes a fazer ou ao menos a conservar para futuro, porque feita a passagem do Vouga na de Angeja
−
o que será tratado em
parágrafo separado, sendo a maior dificuldade que se encontra na estrada por Aveiro
−
se evitam muitas pontes sobre os rios e ribeiros que nele entram, e cortam a
estrada por Águeda. Tem o país muitas mais e maiores
gândaras nas quais a estrada é constantemente boa.
3.º
−
Porque actualmente, e menos para futuro, aberta
a barra de Aveiro, se não podem dispensar as estradas
de Aveiro a Coimbra, e de Aveiro ao Porto cuja soma,
ou de cuja reunião resulta a Estrada Real de Coimbra ao
Porto, gratuita para assim o dizer; pois que a Estrada
/
122 /
Real vindo por Águeda, como agora vem, não dispensa
de fazer aquelas duas, a do Porto a Aveiro e a de Aveiro
a Coimbra, as quais reunidas dão, eu o repito, a pretendida estrada do Porto a Coimbra, dispensando esta a de
Águeda.
4.º
−
Porque divide ao meio, a mesma estrada por
Aveiro, todo o pais muito povoado e rico que medeia
entre as serras e a costa do mar desde o Porto até Coimbra, passando por todas as cabeças de Comarca, e aproximando-se de povoações muito consideráveis, tais como
Ovar, Ílhavo, etc., que além da sua grande importância
são portos de mar, na Ria de Aveiro.
5.º
−
Porque desde Ovar até Vagos lhe fica a ria de
Aveiro muito próxima e paralela pelo espaço de 7 léguas,
o que dá vantagens de viajar à vontade por mar ou por
terra, adiantar a jornada mesmo durante a noite e diminuir o custo dos transportes pela economia de 7 léguas
de navegação pela Ria, muito segura e frequentada.
6.º
−
Porque consertada a estrada transversal(5) existente da
Vila da Feira a Ovar e a outra de Ovar a Válega, a Avanca até
Santo Amaro, junto da Estrada Real projectada aqui com a do Porto; e com a do Porto a Ovar(6)
que se está melhorando, e que reúne muitas povoações,
e comunica os importantíssimos estabelecimentos de pescaria da costa do mar, ficam todos os povos entre as
serras ao nascente e o mar ao poente, desde o Porto até
Ovar, igualmente bem servidos, porque sem nada torcer
se podem meter na Estrada Real em Santo Amaro, ou
embarcar-se em Ovar pela Ria, ou em qualquer ponto
da mesma Ria entre Ovar e Vagos, em benefício também da importação e
exportação para Aveiro e portos
da Ria.
7.º
−
Porque sendo já muito abundante a pescaria
desde Espinho até Mira, muito mais o será para futuro,
quando pela abertura da nova barra de Aveiro, cuja época
está próxima, a ria apresentar o espectáculo da mais abundante pescaria, pois nela se poderá pescar sem
dependência da alternativa do mar manso ou bravo;
vem portanto a ser indispensável, para a estrada levar ao resto da
província, e a grandes distâncias, o benefício
/ 123 /
e a abundância da pescaria, a qual juntamente com a do
sal, que as marinhas de Aveiro prometem, promoverão grandes estabelecimentos deste género na costa, de que
o Reino tanto precisa para diminuir a enorme despesa do peixe salgado
que compra no estrangeiro.
8.º
−
Porque feita a estrada por Aveiro, formará ela,
do Porto até esta cidade, metade da que deve reunir
os 3 portos de mar, a saber: Porto, Aveiro e Figueira,
ficando feita até Vagos com as dobradas vantagens de
ser estrada, e ter navegação ao longo e paralela a ela.
9.º
−
Porque ficando mais próxima da costa, dá muita
mais facilidade em tempo de guerra para a defesa da
mesma costa, facilitando o transporte de artilharia e
munições e, ficando mais própria para ser observada e
defendida pela cavalaria, a melhor das armas para se
opor a qualquer tentativa do inimigo em uma costa limpa em que o ponto
ou pontos de ataque são indeterminados.
Ela facilitará além disso a passagem das tropas, que poderão melhor
transitar e substituir no país mais povoado
e mais rico que tem, a vantagem preciosa de sete léguas
de navegação.
10º
−
Porque a estrada velha por Águeda, ficando depois menos
frequentada e usada para futuro, feita que seja a de Aveiro, não se
arruinará tanto, e poderão os
povos que ela reúne conservá-la para o seu uso particular, etc.. e
servir no caso de extraordinária cheia para de S. Martinho
de Salreu ou Angeja, pontos da nova
estrada, ir passar o Vouga na ponte junto a Serem e se
achar um sofrível caminho, o que poderia acontecer
enquanto a barra se não abre e o campo se inunda mais,
e enquanto uma ponte ou curta passagem se não faz na
Angeja, pela construção de uma ponte seca para fazer o
resto do trânsito no campo por estrada e não pelo rio.
11.º
−
Porque, enfim, devendo os povos concorrer ao menos para
conservarem as estradas dos seus respectivos distritos, será tanto mais
seguro esse meio de conservação quanto mais rico for o país que a mesma estrada
atravessar, e quanto mais vantagens a mesma estrada lhe
oferecer; e como pelo novo projecto de a levar por Aveiro
o país já é e virá a ser ainda muito mais rico, será muito
mais vantajosa a todos esses respeitos a estrada que projecto por Aveiro, etc., etc.
A estrada velha por Águeda só tem duas vantagens mais consideráveis; a
primeira, é de ter uma ponte sobre
o Vouga; a segunda, ter em alguns sítios mais perto os
materiais; porém, quando se considera que essa estrada não dispensa de
fazer as duas do Porto para Aveiro, e a de Aveiro para Coimbra, e que
estas duas indispensáveis
/
124 /
estradas dispensam aquela corno Estrada Real do Porto a Coimbra que a
soma das duas dá em resultado. deduzindo-se a final consequência que ou
se deve fazer a estrada só por Aveiro, ou então se devem fazer ambas,
isto é, esta e a velha por Águeda; as razões de importância maior que referi em apoio da escolha são desnecessárias à vista
da consequência última. Isto e os
inumeráveis perfis e plantas que era preciso fazer para a inútil comparação dos orçamentos das duas estradas, visto que há
motivos mais ponderosos para a escolha do que o da despesa, a qual não obstante penso seria mais pela de
Águeda;
ignorando as dimensões da estrada que se pretende; e sendo o meu
projecto de não a fazer seguida, começando no Porto e acabando em
Coimbra, porque de pouco serviria aos povos ter bem feitas duas ou três léguas de estrada, quando o resto fossem precipícios;
mas sim que, adoptado o projecto, qualquer que
fosse, de estrada, se classificassem os atoleiros e maus passos pela
ordem do seu maior perigo em 1.ª, 2.ª, 3.ª, etc., classes; principiar no
1º
ano a consertar a estrada nos atoleiros maiores ou de 1.ª classe, fazendo
no seu lugar porções de estrada muito bem feitas e seguras; porque
tirados os maiores perigos os povos aproveitarão esse benefício das
primeiras despesas com grande utilidade; por exemplo, querendo fazer a
estrada de Aveiro a Coimbra, segundo este método, a primeira coisa que
se deveria fazer era compor os perigosas passos que há entrando em
Arada, logo mais adiante onde chamam o Coimbrão, o do Barro vermelho
adiante das Quintãs,
o do Funtão, etc., que se podem chamar de 1.ª classe; depois os atoleiros
de Arada, Quintãs, Palhaça, Mamarosa, Barros de Murtede, Calçada de
Coimbra, e assim dos outros; tudo isso ainda mais do que as minhas
outras
comissões me dispensarão fazer esses miúdos exames, bastando por ora
neste projecto geral dizer que a estrada por Aveiro é das mais baratas
que se podem fazer, pela
bondade do país; à excepção do único ponto de passagem do Vouga de que
falarei; reservando fazer os planos e os orçamentos para os consertos
que se fizerem, à medida que se tratar da sua execução, concentrando
assim os cuidados em objectos menos vários e aplicando-lhe as vantagens
que a prática e circunstâncias particulares do país fornecer para os
projectos ulteriores, até que todos os mais passos estejam compostos e reparados por meio de boas porções de estrada, as quais enfim e no futuro se
poderão reunir debaixo do mesmo
plano quando se queira a estrada toda nova, na qual as árvores a convenientes distâncias e as pontes, etc., devem
/ 125 /
procurar as outras comodidades e beleza, a final complemento.
Quanto à passagem do Vouga nos campos de Angeja
ela se continuará por ora a fazer em barca enquanto não
se faz uma ponte; mas é necessário diminuir-lhe os incómodos que se oferecem no
Inverno quando os campos
andam inundados pela grande extensão destes, correntes,
arbustos secos, quando os campos apenas estão cobertos,
mas de tão pouca água que não dão nem estrada nem
navegação; para isso se levantará um caminho que atravesse o campo de
Angeja para a Barca de Cacia, cuja
extensão pouco passará, chegará apenas a meia légua;
esse caminho ficará superior às cheias com menos de
seis palmos de altura, termo médio, sobre o campo; deixar-se-ia uma passagem de 50 até 60 braças para o Rio
Vouga, o qual se passará em uma boa e bem servida
barca, com segurança e brevidade, e evitando as muitas
que agora se empregam nesse serviço e que assim mesmo
não podem servir bem o povo pela grande extensão e
dificuldade de trânsito. Quanto ao caminho ou ponte
seca sobre o campo, ele deve ir acabar em rampa muito
doce para o rio, de ambos os lados, a fim de dar maior
passagem às águas do Inverno e as reunir no verão; os
dois fossos ou valas laterais e paralelos ao caminho levantado no campo
atulhado da escavação das terras
para levantar o mesmo caminho, darão entrada à barca
em todas as ocasiões para passar do rio para a estrada
e reciprocamente qualquer que seja a elevação que as
águas tenham, ou qualquer que seja a porção que estiver
coberta da parte inclinada ou rampa em que terminará a
estrada para o rio, esse caminho se fará muito economicamente baldeando dos lados para dentro as terras provindas dos fossos
ou valas laterais que ficarão em
resultado. Sua segurança consistirá em um revestimento de bom torrão, que o país produz, e com que
se tapam as marinhas de sal, pelos lados, que serão
plantados de salgueiros, tramagueiras, etc., tendo deixado berma, e boa escarpa ao caminho de ambos os
lados; se praticarão outras providências apropriadas a
darem à estrada, que servirá para de verão e inverno,
muita segurança sem grandes sacrifícios; talvez menores do que seria necessário para ,descer e subir comodamente para a
Ponte do Vouga e Marnel na estrada
de Águeda.
Tais são os motivos principais que me tem decidido
na escolha a bem do serviço de S. A. R. e de seus povos,
ao exemplo inimitável de V. Ex.ª; são os princípios por
onde me tenho conduzido em assunto tão importante;
/
126 /
se as minhas ideias agradarem e se adoptarem, eu terei
muita satisfação e poderei depois à medida que for
sendo necessário fazer os projectos particulares para cada mau passo de
estrada que se for reparando, em que
se combine o melhor com o mais económico segundo as
localidades e circunstâncias particulares. Se eu tiver sido e for tão
feliz no meu projecto como fui bem intencionado, ficarei certo de ter feito neste importante objecto
muito bom serviço, e desempenhado as recomendações
e ordens que V. Ex.ª em Nome e pelo bem do serviço
de S. A. R. me tem dirigido. = Deus guarde a V. Ex.ª
−
Ourô, 24 de Agosto de 1805 = Ill.mo e Ex.mo Snr.
Pedro
de MeIo Breyner = (a) LUÍS GOMES DE CARVALHO. Nota
de 26 de Janeiro de 1816. Este foi o plano que fiz e
entreguei ao Snr. Pedro de MeIo Breyner em consequência das ordens que ele solicitou, e eu recebi para
entrar neste trabalho, e que foi aprovado por S. A. R., segundo me
participou o dito Snr. Pedro de Melo, e se
colige mesmo pelo começo que se deu à estrada por
Aveiro em 1806 e 1807 que eu dirigi fazendo dois bocados de estrada, um junto à Vila da Feira, pequeno e que
se não acabou, outro de Aveiro até perto da Palhaça,
onde chamam o Funtão, de quase duas léguas; cujo trabalho suspendi pela ida para Lisboa do Snr. Pedro de Melo ao ocupar o
lugar que S. A. R. lhe havia conferido, porque dias depois houve o transtorno geral da
usurpação francesa. Repetindo agora quase palavra por
palavra o que expus então ao Snr. Pedro de Melo,
segundo alguns borrões que ainda encontrei entre papéis
relativos a esta comissão, de que muitos se perderam durante a guerra,
sobre as vistas em grande e gerais
relativas a plano da estrada, devo acrescentar: Que a
barra de Aveiro já está aberta e que esta cidade é cada
vez mais importante, e por isso cada vez mais cresce a necessidade de a
comunicar com a do Porto, Coimbra
e Figueira, e portanto a estrada do Porto por Aveiro
não é dispensável quando mesmo existisse uma óptima estrada do Porto a Coimbra por Águeda. Que pela abertura da barra concluída em 1808, e pela conclusão da
primeira parte do plano de melhoramento e navegação
dos rios Vouga, Águeda e Cértima, acontecida em 1815, de que resultou levantarem menos e durarem pouco as
cheias no campo de Angeja, a estrada sobre o campo ou
ponte seca para passar os campos na Angeja ou Fermelã para Cacia, não
será agora necessário certamente ser muito superior ao campo, e por isso
muito mais económica para a sua construção e conservação, do que eram em 1805, época em que o dito plano foi feito, entregue
/
127 /
e aprovado; e portanto existem presentemente novos e muito poderosos
motivos para que a estrada Real do Porto para Coimbra passe por
Aveiro.
Aveiro, 26 de Janeiro de 1816.
O Tenente Coronel,
(a) Luís Gomes de Carvalho»
Da leitura do relatório de 24 de Agosto de 1805 e da nota enviada em 26
de Janeiro de 1816, acompanhando a sua cópia, pois, como se deduz da
leitura da Nota, os documentos originais se deviam ter perdido durante
as campanhas da guerra peninsular, em que LUÍS GOMES DE CARVALHO tomou
parte, na campanha da Beira em 1809, a preocupação deste engenheiro era
dar ao porto de Aveiro, cuja barra tinha conseguido abrir à navegação,
o maior valor possível.
A falta de estradas que pusessem o porto em comunicação fácil com o interior do país,
ou pelo menos com uma zona de influência, não permitia
que se tirasse da obra realizada o maior rendimento económico e doutra
forma não se explica a defesa do traçado da estrada do Porto a Coimbra
por Aveiro.
O antigo traçado por Águeda, que tudo leva a crer já existir do tempo
dos Romanos, como o atestam os marcos miliários encontrados nas
proximidades da Mealhada quando da abertura da linha do Norte, e de
Oliveira de Azeméis perto de UI, era colocado em segundo plano.
A construção da estrada do Porto a Aveiro e a de Aveiro a Coimbra
dividia o país ao meio e poria em comunicação com Aveiro muitas e
importantes povoações e ainda tinha a vantagem de reunir três portos de mar
−
Porto
−Aveiro
−
Figueira.
A estrada por Águeda apresentava o inconveniente de oferecer um trajecto
mais acidentado, a travessia do Vouga,
do Marnel e do Águeda, obrigar a maior número de pontes
a conservar, e ainda a estrada com a sua passagem por Águeda,
dizia ele, não dispensava de fazer a estrada do Porto a Aveiro e a de
Aveiro a Coimbra.
Tal era a defesa que LUÍS GOMES DE CARVALHO pretendia fazer da sua obra
da abertura da Barra que afinal não teve naquela época o justo
agradecimento que volvidos anos lhe é reconhecido como figura marcante
no progresso económico da região de Aveiro, ou seja do país, como ele
escreve no seu relatório «Examinando as estradas e o país que medeia
entre a cidade do Porto e a de Coimbra».
/ 128 /
Prevê no seu relatório um trajecto diferente para a estrada de Fermelã
a Cacia, que afinal é provável que se venha a fazer, para dar mais
facilidade ao trânsito evitando-se a travessia de Angeja que oferece
vários perigos à circulação moderna.
Todos os trajectos previstos por LUÍS GOMES DE CARVALHO com uma ou outra
variante foram mantidos 140 anos decorridos sobre o relatório de 1805, e
tal como ele diz na Nota «Quase sempre e geralmente falando as estradas
antigas existentes entre povo e povo são bem dirigidas na sua maior
parte»; tal é observado na classificação das estradas de 11 de Maio de
1945.
Aveiro, Agosto 1945.
PAIS GRAÇA |