Pais Graça, Estradas previstas pelo eng.º Luís Gomes de Carvalho em 1805, Vol. XII, pp. 118-128

AS ESTRADAS PREVISTAS PELO ENG.º

LUÍS GOMES DE CARVALHO

NO SEU RELATÓRIO DE 1805

HÁ pouco foi publicado um plano de classificação das estradas nacionais acompanhando o diploma legal que estabelece as condições técnicas a que devem obedecer as estradas públicas, da rede do Estado, camarárias e os caminhos vicinais.

Examinando a relação das estradas classificadas, e principalmente na parte relativa ao Distrito de Aveiro, três houve que me chamaram a atenção e me levaram a observar o relatório sobre viação feito pelo Engenheiro Luís GOMES DE CARVALHO em 1805; se compararmos os traçados classificados com os previstos, bem se evidenciam as grandes faculdades de observação, de inteligência e de trabalho que tanta fama granjearam a este ilustre Engenheiro.

O sentimento prático, filho da observação inteligente, seja em que época for atinge o mesmo fim.

O relatório sobre o plano das estradas que interessavam mais ao Distrito de Aveiro é de 1805 e o Decreto do plano rodoviário é de 1945, de 11 de Maio, vinte e oito lustros já passados.

Diz o Eng.º LUÍS GOMES DE CARVALHO numa nota do seu relatório:

«Quase sempre e geralmente falando as estradas antigas existentes entre povo e povo são bem dirigidas na maior parte. As primitivas necessidades dos povos, o seu exacto conhecimento do terreno e dos obstáculos que os circundam de perto, o sentimento da sua própria / 119 / utilidade, o menor valor dos terrenos na maior parte incultos, e que sobejavam, nesses primeiros tempos, às precisõees de seus poucos habitantes, tudo concorria para que procurassem a linha recta ou a menor distância quando não havia grandes obstáculos que era necessário evitar, rodeando só  preciso. Contudo, depois, a ambição dos proprietários pelo aumento da população, civilização e luxo e precisões de toda a espécie, arruinaram as estradas de mil modos. Além disso elas também caducam, pois as chuvas dissolvem e arrebentam a superfície dos caminhos e os ventos fazem o mesmo quando elas estão reduzidas a pó no estio, as quais depois se profundam por si no terreno que acaba em camadas argilosas, e terrenos impróprios para estradas. As pontes que se fazem de novo, etc., etc., etc., tudo isso deve obrigar a pequenas mudanças, mas sempre costeando de perto, ou seguindo os antigos caminhos. Esta razão, e a utilidade das povoações existentes, e cómodo dos passageiros, devem obrigar a não tirar dos velhos os novos caminhos, salvo em certos casos bem particulares a que é necessário atender.»

Os trajectos da estrada de Lisboa ao Porto, conhecida por estrada Real e ainda hoje por Estrada Nacional, para distinguir a sua importância das outras, da estrada de Aveiro para o Porto por Ovar, da de Aveiro a Cantanhede pela Palhaça, são já muito antigos; podem-se considerar centenários e pode mesmo sem receio afirmar-se que alguns já vêm de épocas remotas, dos Romanos e dos Árabes.

No seu relatório sobre viação, LUÍS GOMES DE CARVALHO defendia o trajecto da estrada do Porto a Coimbra, como um ponto forçado da sua passagem por Aveiro ou proximidades, apresentava as vantagens da construção de uma estrada paralela à Costa, passando por Vagos, não deixando de fazer salientar o interesse que representariam para o futuro desenvolvimento do porto de Aveiro as estradas previstas, pois a barra em breve iria ser posta em condições de franquear a navegação e havia necessidade de estabelecer ligações
entre o Porto, Coimbra, Figueira da Foz e o porto de Aveiro, considerando assim obrigatória a sua passagem por esta cidade.

Conforme o grau de perigo que ofereciam ao trânsito os caminhos existentes, que propunha reparar e transformar em estradas e que no Inverno se tornavam intransitáveis, classificava esses atoleiros ou maus passos, como lhe chamava, em três classes: 1.ª, 2.ª e 3.ª Os atoleiros da estrada de Aveiro à Palhaça, constituíam um exemplo do atoleiro de 1.ª classe, e quem se lembrar o que era esta estrada, uma dúzia de anos atrás, aí por 1933, bastante justificada achará a classificação / 120 / de LUÍS GOMES DE CARVALHO; eram verdadeiros maus passos.

Conhecedor da região, é interessante comparar os trajectos indicados no relatório que passamos a reproduzir, com os trajectos do plano de classificação de 1945, e os pontos de passagem referidos em 1805 com os pontos de passagem das actuais estradas. Diz o relatório de LUÍS GOMES DE CARVALHO:

«Ill.mo e Ex.mo Senhor. Examinando as estradas e o país que medeia entre a cidade do Porto e a de Coimbra com o fim de comunicar estas duas cidades por meio de uma boa e bem entendida estrada relativamente à sua construção económica e às vantagens que ela pode e deve procurar ao importante e rico território que a mesma deve atravessar, tendo à vista e consultado muitas vezes o mapa do país, feito em parte e corrigido em outras pelas minhas próprias observações, me pareceu que em lugar de consertar e endireitar onde necessário for(1) a estrada actual do Porto a Coimbra a qual passa pelos Carvalhos, Vendas de Grijó, Vendas Novas, Arrifana, Oliveira de Azeméis, Albergaria, Serem, Ponte do Vouga, Águeda, Avelans de Caminho, Mealhada, Sargento Mor, Coimbra, e é de todos bem conhecida, seria melhor consertar a estrada velha do Porto até Aveiro(2), e consertar igualmente a que de Aveiro se dirige a Coimbra, isto é, consertar a Estrada do Porto aos Carvalhos, Grijó, / 121 / Vendas Novas, Vila da Feira, S. Vicente da Gândara, S. Martinho da Gândara, Alumieira, Santo Amaro, Estarreja, S. Martinho de Salreu, Canelas, Fermelã, Angeja, Cacia, Esgueira, Aveiro; a qual tem de comum com a 1.ª estrada ou Estrada Real, 4 léguas do Porto até às Vendas Novas. Consertar(3) depois a de Aveiro a Arada, Quintans, Palhaça, Mamarosa, Samel, Venda Nova de Vilarinho, Murtede(4), Sargento Mor, Coimbra; esta tem de comum com a Estrada Real légua e meia, do Sargento Mór até Coimbra; visto que estas duas estradas do Porto a Aveiro, e de Aveiro a Coimbra, reunidas dão a estrada do Porto a Coimbra seja entrando em Aveiro, seja passando por fora da cidade, logo de Cacia para as Quintans; cuja estrada me parece preferível à Estrada Real que passa por Águeda, isto pelas razões seguintes:

1.º Porque a estrada por Aveiro atravessa um país quase perfeitamente plano, e essa circunstância só reduzindo a estrada que é mais extensa de 1900 braças entrando em Angeja para economizar no caminho e no campo, e igual partindo logo de Fermelã a Cacia a ser da mesma extensão ou menor, lhe tira os incómodos das subidas e descidas, e assegura a sua duração e permanência.

2.º Porque há menor número de pontes a fazer ou ao menos a conservar para futuro, porque feita a passagem do Vouga na de Angeja o que será tratado em parágrafo separado, sendo a maior dificuldade que se encontra na estrada por Aveiro se evitam muitas pontes sobre os rios e ribeiros que nele entram, e cortam a estrada por Águeda. Tem o país muitas mais e maiores gândaras nas quais a estrada é constantemente boa.

3.º Porque actualmente, e menos para futuro, aberta a barra de Aveiro, se não podem dispensar as estradas de Aveiro a Coimbra, e de Aveiro ao Porto cuja soma, ou de cuja reunião resulta a Estrada Real de Coimbra ao Porto, gratuita para assim o dizer; pois que a Estrada / 122 / Real vindo por Águeda, como agora vem, não dispensa de fazer aquelas duas, a do Porto a Aveiro e a de Aveiro a Coimbra, as quais reunidas dão, eu o repito, a pretendida estrada do Porto a Coimbra, dispensando esta a de Águeda.

4.º Porque divide ao meio, a mesma estrada por Aveiro, todo o pais muito povoado e rico que medeia entre as serras e a costa do mar desde o Porto até Coimbra, passando por todas as cabeças de Comarca, e aproximando-se de povoações muito consideráveis, tais como Ovar, Ílhavo, etc., que além da sua grande importância são portos de mar, na Ria de Aveiro.

5.º Porque desde Ovar até Vagos lhe fica a ria de Aveiro muito próxima e paralela pelo espaço de 7 léguas, o que dá vantagens de viajar à vontade por mar ou por terra, adiantar a jornada mesmo durante a noite e diminuir o custo dos transportes pela economia de 7 léguas
de navegação pela Ria, muito segura e frequentada.

6.º Porque consertada a estrada transversal(5) existente da Vila da Feira a Ovar e a outra de Ovar a Válega, a Avanca até Santo Amaro, junto da Estrada Real projectada aqui com a do Porto; e com a do Porto a Ovar(6) que se está melhorando, e que reúne muitas povoações, e comunica os importantíssimos estabelecimentos de pescaria da costa do mar, ficam todos os povos entre as serras ao nascente e o mar ao poente, desde o Porto até Ovar, igualmente bem servidos, porque sem nada torcer se podem meter na Estrada Real em Santo Amaro, ou embarcar-se em Ovar pela Ria, ou em qualquer ponto da mesma Ria entre Ovar e Vagos, em benefício também da importação e exportação para Aveiro e portos da Ria.

7.º Porque sendo já muito abundante a pescaria desde Espinho até Mira, muito mais o será para futuro, quando pela abertura da nova barra de Aveiro, cuja época está próxima, a ria apresentar o espectáculo da mais abundante pescaria, pois nela se poderá pescar sem dependência da alternativa do mar manso ou bravo; vem portanto a ser indispensável, para a estrada levar ao resto da província, e a grandes distâncias, o benefício / 123 / e a abundância da pescaria, a qual juntamente com a do sal, que as marinhas de Aveiro prometem, promoverão grandes estabelecimentos deste género na costa, de que o Reino tanto precisa para diminuir a enorme despesa do peixe salgado que compra no estrangeiro.

8.º Porque feita a estrada por Aveiro, formará ela, do Porto até esta cidade, metade da que deve reunir os 3 portos de mar, a saber: Porto, Aveiro e Figueira, ficando feita até Vagos com as dobradas vantagens de ser estrada, e ter navegação ao longo e paralela a ela.

9.º Porque ficando mais próxima da costa, dá muita mais facilidade em tempo de guerra para a defesa da mesma costa, facilitando o transporte de artilharia e munições e, ficando mais própria para ser observada e defendida pela cavalaria, a melhor das armas para se opor a qualquer tentativa do inimigo em uma costa limpa em que o ponto ou pontos de ataque são indeterminados. Ela facilitará além disso a passagem das tropas, que poderão melhor transitar e substituir no país mais povoado e mais rico que tem, a vantagem preciosa de sete léguas de navegação.

10º Porque a estrada velha por Águeda, ficando depois menos frequentada e usada para futuro, feita que seja a de Aveiro, não se arruinará tanto, e poderão os povos que ela reúne conservá-la para o seu uso particular, etc.. e servir no caso de extraordinária cheia para de S. Martinho de Salreu ou Angeja, pontos da nova estrada, ir passar o Vouga na ponte junto a Serem e se achar um sofrível caminho, o que poderia acontecer enquanto a barra se não abre e o campo se inunda mais, e enquanto uma ponte ou curta passagem se não faz na Angeja, pela construção de uma ponte seca para fazer o resto do trânsito no campo por estrada e não pelo rio.

11.º Porque, enfim, devendo os povos concorrer ao menos para conservarem as estradas dos seus respectivos distritos, será tanto mais seguro esse meio de conservação quanto mais rico for o país que a mesma estrada atravessar, e quanto mais vantagens a mesma estrada lhe oferecer; e como pelo novo projecto de a levar por Aveiro o país já é e virá a ser ainda muito mais rico, será muito mais vantajosa a todos esses respeitos a estrada que projecto por Aveiro, etc., etc.

A estrada velha por Águeda só tem duas vantagens mais consideráveis; a primeira, é de ter uma ponte sobre o Vouga; a segunda, ter em alguns sítios mais perto os materiais; porém, quando se considera que essa estrada não dispensa de fazer as duas do Porto para Aveiro, e a de Aveiro para Coimbra, e que estas duas indispensáveis / 124 / estradas dispensam aquela corno Estrada Real do Porto a Coimbra que a soma das duas dá em resultado. deduzindo-se a final consequência que ou se deve fazer a estrada só por Aveiro, ou então se devem fazer ambas, isto é, esta e a velha por Águeda; as razões de importância maior que referi em apoio da escolha são desnecessárias à vista da consequência última. Isto e os
inumeráveis perfis e plantas que era preciso fazer para a inútil comparação dos orçamentos das duas estradas, visto que há motivos mais ponderosos para a escolha do que o da despesa, a qual não obstante penso seria mais pela de Águeda; ignorando as dimensões da estrada que se pretende; e sendo o meu projecto de não a fazer seguida, começando no Porto e acabando em Coimbra, porque de pouco serviria aos povos ter bem feitas duas ou três léguas de estrada, quando o resto fossem precipícios; mas sim que, adoptado o projecto, qualquer que fosse, de estrada, se classificassem os atoleiros e maus passos pela ordem do seu maior perigo em 1.ª, 2.ª, 3.ª, etc., classes; principiar no 1º ano a consertar a estrada nos atoleiros maiores ou de 1.ª classe, fazendo no seu lugar porções de estrada muito bem feitas e seguras; porque tirados os maiores perigos os povos aproveitarão esse benefício das primeiras despesas com grande utilidade; por exemplo, querendo fazer a estrada de Aveiro a Coimbra, segundo este método, a primeira coisa que se deveria fazer era compor os perigosas passos que há entrando em Arada, logo mais adiante onde chamam o Coimbrão, o do Barro vermelho adiante das Quintãs, o do Funtão, etc., que se podem chamar de 1.ª classe; depois os atoleiros de Arada, Quintãs, Palhaça, Mamarosa, Barros de Murtede, Calçada de Coimbra, e assim dos outros; tudo isso ainda mais do que as minhas outras comissões me dispensarão fazer esses miúdos exames, bastando por ora neste projecto geral dizer que a estrada por Aveiro é das mais baratas que se podem fazer, pela bondade do país; à excepção do único ponto de passagem do Vouga de que falarei; reservando fazer os planos e os orçamentos para os consertos que se fizerem, à medida que se tratar da sua execução, concentrando assim os cuidados em objectos menos vários e aplicando-lhe as vantagens que a prática e circunstâncias particulares do país fornecer para os projectos ulteriores, até que todos os mais passos estejam compostos e reparados por meio de boas porções de estrada, as quais enfim e no futuro se poderão reunir debaixo do mesmo plano quando se queira a estrada toda nova, na qual as árvores a convenientes distâncias e as pontes, etc., devem
/ 125 / procurar as outras comodidades e beleza, a final complemento.

Quanto à passagem do Vouga nos campos de Angeja ela se continuará por ora a fazer em barca enquanto não se faz uma ponte; mas é necessário diminuir-lhe os incómodos que se oferecem no Inverno quando os campos andam inundados pela grande extensão destes, correntes, arbustos secos, quando os campos apenas estão cobertos, mas de tão pouca água que não dão nem estrada nem navegação; para isso se levantará um caminho que atravesse o campo de Angeja para a Barca de Cacia, cuja extensão pouco passará, chegará apenas a meia légua; esse caminho ficará superior às cheias com menos de seis palmos de altura, termo médio, sobre o campo; deixar-se-ia uma passagem de 50 até 60 braças para o Rio Vouga, o qual se passará em uma boa e bem servida barca, com segurança e brevidade, e evitando as muitas que agora se empregam nesse serviço e que assim mesmo não podem servir bem o povo pela grande extensão e dificuldade de trânsito. Quanto ao caminho ou ponte seca sobre o campo, ele deve ir acabar em rampa muito doce para o rio, de ambos os lados, a fim de dar maior passagem às águas do Inverno e as reunir no verão; os dois fossos ou valas laterais e paralelos ao caminho levantado no campo atulhado da escavação das terras para levantar o mesmo caminho, darão entrada à barca em todas as ocasiões para passar do rio para a estrada e reciprocamente qualquer que seja a elevação que as águas tenham, ou qualquer que seja a porção que estiver coberta da parte inclinada ou rampa em que terminará a estrada para o rio, esse caminho se fará muito economicamente baldeando dos lados para dentro as terras provindas dos fossos ou valas laterais que ficarão em resultado. Sua segurança consistirá em um revestimento de bom torrão, que o país produz, e com que se tapam as marinhas de sal, pelos lados, que serão plantados de salgueiros, tramagueiras, etc., tendo deixado berma, e boa escarpa ao caminho de ambos os lados; se praticarão outras providências apropriadas a darem à estrada, que servirá para de verão e inverno, muita segurança sem grandes sacrifícios; talvez menores do que seria necessário para ,descer e subir comodamente para a Ponte do Vouga e Marnel na estrada de Águeda.

Tais são os motivos principais que me tem decidido na escolha a bem do serviço de S. A. R. e de seus povos, ao exemplo inimitável de V. Ex.ª; são os princípios por onde me tenho conduzido em assunto tão importante; / 126 / se as minhas ideias agradarem e se adoptarem, eu terei muita satisfação e poderei depois à medida que for sendo necessário fazer os projectos particulares para cada mau passo de estrada que se for reparando, em que se combine o melhor com o mais económico segundo as localidades e circunstâncias particulares. Se eu tiver sido e for tão feliz no meu projecto como fui bem intencionado, ficarei certo de ter feito neste importante objecto muito bom serviço, e desempenhado as recomendações e ordens que V. Ex.ª em Nome e pelo bem do serviço de S. A. R. me tem dirigido. = Deus guarde a V. Ex.ª Ourô, 24 de Agosto de 1805 = Ill.mo e Ex.mo Snr. Pedro de MeIo Breyner = (a) LUÍS GOMES DE CARVALHO. Nota de 26 de Janeiro de 1816. Este foi o plano que fiz e entreguei ao Snr. Pedro de MeIo Breyner em consequência das ordens que ele solicitou, e eu recebi para entrar neste trabalho, e que foi aprovado por S. A. R., segundo me participou o dito Snr. Pedro de Melo, e se colige mesmo pelo começo que se deu à estrada por Aveiro em 1806 e 1807 que eu dirigi fazendo dois bocados de estrada, um junto à Vila da Feira, pequeno e que se não acabou, outro de Aveiro até perto da Palhaça, onde chamam o Funtão, de quase duas léguas; cujo trabalho suspendi pela ida para Lisboa do Snr. Pedro de Melo ao ocupar o lugar que S. A. R. lhe havia conferido, porque dias depois houve o transtorno geral da usurpação francesa. Repetindo agora quase palavra por palavra o que expus então ao Snr. Pedro de Melo, segundo alguns borrões que ainda encontrei entre papéis relativos a esta comissão, de que muitos se perderam durante a guerra, sobre as vistas em grande e gerais relativas a plano da estrada, devo acrescentar: Que a barra de Aveiro já está aberta e que esta cidade é cada vez mais importante, e por isso cada vez mais cresce a necessidade de a comunicar com a do Porto, Coimbra e Figueira, e portanto a estrada do Porto por Aveiro não é dispensável quando mesmo existisse uma óptima estrada do Porto a Coimbra por Águeda. Que pela abertura da barra concluída em 1808, e pela conclusão da primeira parte do plano de melhoramento e navegação dos rios Vouga, Águeda e Cértima, acontecida em 1815, de que resultou levantarem menos e durarem pouco as cheias no campo de Angeja, a estrada sobre o campo ou ponte seca para passar os campos na Angeja ou Fermelã para Cacia, não será agora necessário certamente ser muito superior ao campo, e por isso muito mais económica para a sua construção e conservação, do que eram em 1805, época em que o dito plano foi feito, entregue / 127 / e aprovado; e portanto existem presentemente novos e muito poderosos motivos para que a estrada Real do Porto para Coimbra passe por Aveiro.

Aveiro, 26 de Janeiro de 1816.

O Tenente Coronel,

(a) Luís Gomes de Carvalho»


Da leitura do relatório de 24 de Agosto de 1805 e da nota enviada em 26 de Janeiro de 1816, acompanhando a sua cópia, pois, como se deduz da leitura da Nota, os documentos originais se deviam ter perdido durante as campanhas da guerra peninsular, em que LUÍS GOMES DE CARVALHO tomou parte, na campanha da Beira em 1809, a preocupação deste engenheiro era dar ao porto de Aveiro, cuja barra tinha conseguido abrir à navegação, o maior valor possível.

A falta de estradas que pusessem o porto em comunicação fácil com o interior do país, ou pelo menos com uma zona de influência, não permitia que se tirasse da obra realizada o maior rendimento económico e doutra forma não se explica a defesa do traçado da estrada do Porto a Coimbra por Aveiro.

O antigo traçado por Águeda, que tudo leva a crer já existir do tempo dos Romanos, como o atestam os marcos miliários encontrados nas proximidades da Mealhada quando da abertura da linha do Norte, e de Oliveira de Azeméis perto de UI, era colocado em segundo plano.

A construção da estrada do Porto a Aveiro e a de Aveiro a Coimbra dividia o país ao meio e poria em comunicação com Aveiro muitas e importantes povoações e ainda tinha a vantagem de reunir três portos de mar Porto Aveiro Figueira.

A estrada por Águeda apresentava o inconveniente de oferecer um trajecto mais acidentado, a travessia do Vouga, do Marnel e do Águeda, obrigar a maior número de pontes a conservar, e ainda a estrada com a sua passagem por Águeda, dizia ele, não dispensava de fazer a estrada do Porto a Aveiro e a de Aveiro a Coimbra.

Tal era a defesa que LUÍS GOMES DE CARVALHO pretendia fazer da sua obra da abertura da Barra que afinal não teve naquela época o justo agradecimento que volvidos anos lhe é reconhecido como figura marcante no progresso económico da região de Aveiro, ou seja do país, como ele escreve no seu relatório «Examinando as estradas e o país que medeia entre a cidade do Porto e a de Coimbra». / 128 /

Prevê no seu relatório um trajecto diferente para a estrada de Fermelã a Cacia, que afinal é provável que se venha a fazer, para dar mais facilidade ao trânsito evitando-se a travessia de Angeja que oferece vários perigos à circulação moderna.

Todos os trajectos previstos por LUÍS GOMES DE CARVALHO com uma ou outra variante foram mantidos 140 anos decorridos sobre o relatório de 1805, e tal como ele diz na Nota «Quase sempre e geralmente falando as estradas antigas existentes entre povo e povo são bem dirigidas na sua maior parte»; tal é observado na classificação das estradas de 11 de Maio de 1945.

Aveiro, Agosto 1945.

PAIS GRAÇA

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(1) A estrada do Porto a Coimbra ainda é a actual e também de todos bem conhecida, é a Estrada Nacional 1 de Lisboa ao Porto, passando pelas mesmas povoações de Coimbra até ao Porto.

(2) A estrada velha do Porto a Aveiro indicada para ser consertada não é a estrada que de Ovar seguia por Cortegaça, Paramos, Corvo, Chamorra, ao Porto, que corresponde à actual estrada 109 Porto a Leiria no troço de Espinho a Aveiro e a 1-15 de Vila Nova de Gaia a Espinho. O trajecto indicado por LUÍS GOMES DE CARVALHO fica dividido por várias estradas e tinha como ponto de passagem Carvalhos, Grijó, Vila da Feira, Alumieira.

Do Porto a Vendas Novas da Lourosa é a estrada de Lisboa ao Porto, a Estrada Nacional 1.

De Vendas Novas a Alumieira passando por S. Vicente, S. Martinho da Gândara, são estradas municipais dos concelhos da Feira e de Oliveira de Azeméis.

De Alumieira para Estarreja constitui um troço da actual Estrada 224 de Entre Rios a Estarreja.

De Estarreja a Aveiro é a Estrada 109 do Porto a Leiria cuja passagem por fora da cidade já se considerava prevista, com a diferença que era desviada a partir de Cacia para as Quintans onde ligava com a estrada de Aveiro a Coimbra em lugar de, como se prevê actualmente, sair de Esgueira até S. Bernardo ou proximidades de Verdemilho para evitar as passagens de nível de Esgueira e S. Bernardo. 

(3) − De Aveiro a Aradas seguindo até Mamarosa, Samel constitui a actual estrada com o n.º 335 Aveiro a Lavariz.
     De Samel para Murtede existem estradas que passando por Vilarinho seguem para proximidades de Sargento Mor que são municipais dos concelhos de Anadia e Cantanhede.

(4) Sargento Mor para Coimbra seguia em comum com a estrada Real de Coimbra ao Porto, actual troço da E. N. 1 que de Sargento Mor até as Vendas Novas de Lamarosa passando por Águeda LUÍS GOMES DE CARVALHO passava para segundo plano, como estrada de recurso, em caso, de grande cheia que não permitisse a passagem entre S. Martinho de Salreu e Angeja, para se ir passar à ponte do Vouga em Serem.

(5) A transversal de Vila da Feira-Ovar corresponde à estrada com o n.º 223 Porto do Carvoeiro a Ovar e a estrada de Ovar a Avanca é um troço da actual E. N. 109 do Porto a Leiria.  

(6) A do Porto a Ovar deve ser a actual estrada passando por Espinho que fica incluída na 109 também e na 1-15 Vila Nova de Gaia a Espinho, formando o conhecido trajecto de Aveiro ao Porto por Espinho..

 

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