A. G. da Rocha Madahil, Genealogista Francisco de Moura Coutinho de Almeida de Eça..., Vol. X, pp. 58-62.

O GENEALOGISTA FRANCISCO DE MOURA

COUTINHO DE ALMEIDA DE EÇA

E O DISTRITO DE AVEIRO

O BIBLIÓFILO que por necessidade de se documentar, ou pelo absorvente prazer de organizar colecção, se dá ao trabalho, raramente compensador, de acompanhar o débil mercado alfarrabístico português, foi gratamente surpreendido ao folhear, em Novembro de 1942, o catálogo do 100.º leilão promovido pela antiga Livraria de Manuel dos Santos, de Lisboa.

«Catálogo da notável e valiosa livraria que pertenceu ao ilustre genealogista Francisco de Moura Coutinho de Almeida de Eça − Heráldica, História, Arte, Genealogia, Viagens, Descobertas do Séc. XV e XVI, Clássicos portugueses, gregos, latinos, etc.» anunciava a capa do folheto; percorridas as III páginas do livrinho, sem esforço se reconhecia não ter havido exagero de maior por parte de quem redigira a aliciante notícia.

Estava-se em presença de uma colecção criteriosamente organizada adentro daqueles sectores da erudição, e deparava-se-nos, principalmente, um valioso conjunto de obras, muito difíceis de reunir, para o estudo da Genealogia portuguesa, ciência auxiliar que à História presta inestimáveis serviços, e é, não obstante, quase sempre mal julgada pelo grande público, ao qual falece preparação para lhe poder medir o vasto alcance social, e nela encontrar outra coisa que não sejam ridículas e estéreis manifestações de vaidade pessoal, incompatíveis com o cego utilitarismo dos tempo presentes.

Como autor, FRANCISCO DE MOURA COUTINHO DE ALMEIDA DE EÇA não deixara registo aberto nos dicionários bibliográficos; mas o pequeno grupo de estudiosos que em Portugal, / 59 / no remanso das Bibliotecas e dos Arquivos, se entrega beneditinamente ao estudo da Heráldica e da Genealogia, não esquecera ainda as interessantes notícias e artigos genealógicos por ele publicados na Imprensa Periódica de Bragança e de Santarém, reveladores do mais seguro critério e de absoluta seriedade na investigação histórica aduzida.

Alguns desses dedicados abencerragens de uma ciência veneranda que viveu séculos de Glória e de esplendor, conheciam ainda MOURA COUTINHO através da correspondência que nunca recusava a quantos dele se abeiravam em demanda de esclarecimento ou de conselho. Não era, portanto, um desconhecido em absoluto aquele genealogista que amorosamente consumira uma vida inteira a reunir tantos tesouros da melhor erudição e curiosidade.

A quem estas breves linhas subscreve não o surpreendeu a sólida organização daquela livraria revelada pelo catálogo da almoeda de 1942; conhecia MOURA COUTINHO pelos seus artigos genealógicos, e com ele se carteara trocando esclarecimentos e alvitres a propósito de estudos que a ambos interessavam.

Conhecia o seu valor, a probidade e a extensão das investigações que durante cinquenta 'anos de aturado trabalho, silenciosamente quase(1) com a maior abnegação levou a efeito.

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FRANCISCO DE MOURA COUTINHO E PAlVA CARDOSO DE ALMEIDA DE EÇA, que usualmente apenas assinava FRANCISCO DE MOURA COUTINHO, nasceu em Estarreja, onde seu pai era Delegado do Procurador régio, em 4 de Outubro de 1869, e faleceu em Braga a 8 de Novembro de 1941.

Funcionário das Obras Públicas, primeiramente, passou em 1897 para o Banco de Portugal sendo nomeado Director da Agência daquele Banco na cidade de Évora, cargo que igualmente exerceu em Santarém, Braga, Bragança, Viseu, outra vez em Santarém, e de novo em Braga, onde faleceu, como fica dito, com 72 anos de idade.

 

 
 

FRANCISCO DE MOURA COUTINHO DE ALMEIDA DE EÇA

 

De muito novo se dedicou à Poesia, assinando as suas produções com o nome doe FRANCISCO DE PAIVA e com o pseudónimo de PEXILET; mas breve abandonou esse ramo literário para unicamente se dedicar à Genealogia que cultivou com fervor e a maior elevação.

Na sua vastíssima obra genealógica deu forma definitiva a 20 volumes manuscritos, enfileirando assim com os mais / 61 / distintos investigadores genealogistas dos passados séculos; deixou, a par desses trabalhos mais apurados, apontamentos e nótulas em avultada quantidade que muito bom auxílio poderiam prestar à investigação genealógica depois de convenientemente ordenados.

MOURA COUTINHO, apesar de frequentemente instado, recusara-se sempre a publicar o resultado dos seus estudos maiores; trabalhava apenas para si − «Para seu recreio espiritual e entretenimento». Ultimamente, contudo, abrira uma excepção que muito nos desvanece e acedera ao convite que lhe dirigimos para colaborar no Arquivo do Distrito de Aveiro com a parte do seu trabalho que ao Distrito mais especialmente interessasse.

Já não pôde, infelizmente, dar realização a esse projecto; sobreveio-lhe a morte quando preparava a selecção das suas notas nesse sentido.

Todo o esforço empregado para se alcançar aquele desideratum se teria perdido se, conhecedor do que entre nós se havia planeado, não tivesse vindo ao nosso encontro seu filho, o Ex.mo Senhor FILIPE GASTÃO DE MOURA COUTINHO DE ALMEIDA DE EÇA, colonialista e escritor de muito merecimento(2) que, com o mais rasgado espírito de compreensão colocou à disposição da revista os originais de seu pai que pudessem interessar-nos. É desta maneira que muito gratamente promovemos a publicação de uma série de estudos do maior interesse para o conhecimento histórico das famílias do distrito de Aveiro, que os estudiosos, e todos aqueles para quem o Passado não é palavra desprovida de sentido e são capazes de apreender todo o encanto que do seu conhecimento se desprende, devidamente aproveitarão.

Foram os seguintes os volumes submetidos à nossa escolha:

I − Genealogia da minha família (com documentos).
II − Miscelânea genealógica.
III − Casa Solar de Oliveirinha.
IV − Maravalhas históricas.
V − Mouras Coutinhos, de Esgueira.
VI − Cópia de três genealógios da Casa de Esgueira.
VIl − Mouras Coutinhos, de Esgueira − sua ascendência e ligações de família
         pela linha dos Gouveias.
VIII − Mouras Coutinhos, de Esgueira − sua ascendência e ligações de família
          pela linha dos Soeiros de Albergaria.

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IXMouras Coutinhos, de Esgueira − alianças e ligações de parentesco.
X − Um dos meus costados − Dona Antónia Albina de Paiva e Lima, e
       seus ascendentes.
XI − Má língua genealógica − apontamentos.
XII − Subsídios genealógicos para o estudo da família Pinto.
XIII − Algumas inscrições tumulares da Igreja da Graça em Santarém.
XIV − A moderna «fidalguia» braguesa − algumas notas genealógicas.
XV − Algumas famílias bragançanas (genealogias).
XVI − Nótulas genealógicas.
XVII − O Livro de Lembranças de Gonçalo Homem de Almeida.
XVIII − Parentescos.
XIX − O «Preceptor infelix.»
XX − Genealogias dos Almeidas.


Entendemos dever dar início à publicação que o nosso plano prevê, com o volume de Nótulas Genealógicas, muito variado, do qual extrairemos quanto importe a Genealogias do Distrito de Aveiro, que tal será a designação geral desta série da nossa revista.

Muitos estudos que excedem o âmbito do Arquivo do Distrito de Aveiro, dignos, não obstante, da melhor publicidade, pois lhes sobra interesse, não apenas local, continuarão lamentavelmente inéditos, bem como algumas das comunicações apresentadas por FRANCISCO DE MOURA COUTINHO aos Institutos Científico e Literário de Trás-os-Montes, Etnológico da Beira, e Histórico do Minho, que se honraram contando-o entre os seus sócios mais distintos.

Bem poderá ser, no entanto, que a iniciativa do Arquivo do Distrito de Aveiro não seja lançada inteiramente em vão, antes frutifique como é de desejar.

Além de prestarmos, com esta série de publicações, um serviço, que reputamos valioso, ao nosso Distrito, apraz-nos saber que concorremos, com uma pequena parcela de esforço próprio, para trazer ao plano que justamente lhe é devido o nome dum ilustre investigador regional que esforçadamente soube manter acesa a chama votiva de acendrado culto familiar, base eterna de nobres virtudes e da mais saudável organização social.

ANTÓNIO GOMES DA ROCHA MADAHIL

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(1) Como preâmbulo ao seu volume de Nótulas genealógicas, magnífico repositório de estudos relativos a famílias do distrito de Aveiro, deixou MOURA COUTINHO as seguintes observações à sua própria obra, reveladoras de louvável e invulgar escrúpulo:

«Mais um cartapácio, por ai o décimo quinto dos que tenho escrito nas horas vagas como passatempo, e cada vez mais convencido da minha incompetência e do insignificante préstimo do resultado deste labor − que não tem sido pequeno, mas que me satisfaz como entretenimento, como distracção do espírito.

É certo que se me tem proporcionado inúmeras vezes ocasião de publicar muito do que escrevi (que algo já foi impresso em vários jornais) e para isso tenho sido convidado, até com insistência; mas tenho-me escusado o mais possível, não por modéstia, mas por prudência, pois que, repito, tenho a consciência do desvalor destas investigações colhidas de fugida em livros e documentos que muitas vezes requerem, para certificação da verdade e complemento das notícias, exame atento a outros documentos existentes em arquivos e bibliotecas que não tenho facilidade de consultar e visitar, pois que isso me acarretaria despesas com que não posso, e perda de tempo de que não disponho.

Porém de toda essa amálgama que aqui fica, mal ordenada e mal condimentada, é possível que ainda alguma coisa reste, depois de joeirada, que possa ser útil a quem, com faculdades de competência e aptidão que a mim faltam, a possa utilizar com algum proveito.» «Braga, 1 de Abril de 1936. F. de Moura Coutinho».

(2) Publicou recentemente Mosaico Moçambicano (Contos e narrativas); Lisboa, Portugália, 1943.

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