O HISTORIADOR que se
proponha conhecer o cartório do Mosteiro de Arouca encontra presentemente
as grandes dificuldades provenientes da sua dispersão,
comuns à maior parte das instituições congéneres,
consequência da falta de método e de verdadeiro critério
arquivístico na recolha dos arquivos conventuais, e, posteriormente, na sua ordenação e conservação.
De há muito que as espécies provenientes de um mesmo
fundo arquivístico deviam estar agrupadas num só arquivo
onde se procurasse reconstituir o cartório originário. Mas
por vezes as ideias mais simples e mais lógicas são justamente as que encontram dificuldades maiores para a respectiva execução. Assim tem sido e continua a ser, entre
nós, com a documentação proveniente dos conventos extintos, chegando a dispersão ao ponto de se encontrarem em
quatro depósitos, diferentes e distantes, os papéis retirados
de um só Mosteiro, como acontece com os de Santa Cruz de
Coimbra, presentemente espalhados por esta cidade, por
Lisboa, por Viseu e pelo Porto.
É escusado acentuar quanto
este critério tem de condenável, e de indefensável perante a boa técnica arquivística.
Como noutro lugar deixámos registado(1), de Arouca
seguiu para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (e para
a Biblioteca Nacional de Lisboa) a parte paleograficamente
mais significativa, requisitada pela Academia Real das Ciências, recolhendo a remanescente, susceptível de interesse
fiscal, mais tarde, à Direcção de Finanças da Distrito de Aveiro, donde transitou em 1937 para o Arquivo da Universidade de Coimbra; estava naturalmente indicado que
tudo
aqui se reunisse, visto o Distrito de Aveiro não possuir arquivo e o de Coimbra ser
o mais próximo e de maior
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importância; assim o considerou, e ordenou, por isso, a Inspecção
Superior das Bibliotecas e Arquivos quando a remição obrigatória dos últimos foros dos Mosteiros tornou
desnecessária a continuação dos arquivos conventuais nas Direcções
Distritais de Finanças.
São principalmente as espécies membranáceas, originais
− duplamente preciosos, portanto − a parte que ainda hoje se
encontra em Lisboa; a colecção de Coimbra é constituída por grandes
séries de tombos, livros de cobranças de foros, livros
de notas, uma série de cartulários, cartáceos, que principia
em 1440, índices, e alguns documentos avulsos, dos últimos tempos da
Congregação.
A estes dois núcleos fundamentais se devem somar muitos papéis e livros que ficaram no Mosteiro,
e muitíssimos
mais que se extraviaram, alguns dos quais vieram a ser
recolhidos por particulares; entre estes últimos se contam,
por exemplo, os que o Dr. António José da Rocha, juiz em
Arouca em 1858, foi encontrar a embrulhos nas mercearias
da vila, que reuniu e consigo trouxe quando em Outubro
desse ano recolheu à sua casa de Ílhavo, onde possuía selecta livraria;
são, quase todos, cadernos de cópias feitas no
século XVIII para nova tombação, mas têm interesse, mesmo
assim, e suprem por vezes à falta dos documentos originais.
Desde 1929 que são propriedade nossa, por herança.
Na intenção de reconstituir, tanto quanto possível, o
antigo cartório do Mosteiro e de documentar a sua dispersão,
extraímos destes papéis o recibo autógrafo, e relação, de
quanto o Comissário da Real Academia das Ciências de Lisboa, Augusto Soromenho, levou para a Capital; minuciosamente
organizada pelo Padre ANTÓNIO CARDOSO PINTO, dessa
relação constam 664 pergaminhos seriados cronologicamente
de 883 a 1279, entre eles se contando 39 bulas originais, o
testamento de Dona Mafalda encadernado em marroquim e metido em bolsa de
seda, e o processo da demanda corrida entre D. Afonso 3º e o Mosteiro,
precioso rolo de 20 varas e meio palmo de comprido. Acompanhava os 664 pergaminhos um cartulário magnífico, mandado organizar pela Abadessa Dona Maior Martins, o qual ocupa 87 folhas de
pergaminho, e constitui, pela data a que remonta, a preciosidade que facilmente se imagina.
Para a história dos nossos arquivos e ainda para conveniente aproveitamento
dos cartulários existentes, seria do
maior interesse o confronto desta relação com as próprias
espécies de Arouca arquivadas ainda, após todas as vicissitudes dos tempos, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Textualmente a transcrevemos, deixando o seu cotejo
para quem o possa realizar; daremos em seguida breve nota do que entrou
para o Arquivo da Universidade de Coimbra,
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vindo da Direcção de Finanças de Aveiro, e remataremos esta tentativa de reconstituição publicando o
índice geral do cartório organizado no próprio Mosteiro em 1143, um dos
volumes deste último núcleo recolhido. Com estes elementos abarca-se
razoavelmente o conjunto arquivístico de Arouca e
fica-se habilitado a ver, com grande aproximação, o que é
possível ainda ser utilizado pela História.
Diz o recibo do comissário da Academia das Ciências:
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