A. G. da Rocha Madahil, O cartório do mosteiro de Arouca, Vol. IX, pp. 330-340.

O CARTÓRIO

DO MOSTEIRO DE AROUCA

O HISTORIADOR que se proponha conhecer o cartório do Mosteiro de Arouca encontra presentemente as grandes dificuldades provenientes da sua dispersão, comuns à maior parte das instituições congéneres, consequência da falta de método e de verdadeiro critério arquivístico na recolha dos arquivos conventuais, e, posteriormente, na sua ordenação e conservação.

De há muito que as espécies provenientes de um mesmo fundo arquivístico deviam estar agrupadas num só arquivo onde se procurasse reconstituir o cartório originário. Mas por vezes as ideias mais simples e mais lógicas são justamente as que encontram dificuldades maiores para a respectiva execução. Assim tem sido e continua a ser, entre nós, com a documentação proveniente dos conventos extintos, chegando a dispersão ao ponto de se encontrarem em quatro depósitos, diferentes e distantes, os papéis retirados de um só Mosteiro, como acontece com os de Santa Cruz de Coimbra, presentemente espalhados por esta cidade, por Lisboa, por Viseu e pelo Porto.

É escusado acentuar quanto este critério tem de condenável, e de indefensável perante a boa técnica arquivística.

Como noutro lugar deixámos registado(1), de Arouca seguiu para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (e para a Biblioteca Nacional de Lisboa) a parte paleograficamente mais significativa, requisitada pela Academia Real das Ciências, recolhendo a remanescente, susceptível de interesse fiscal, mais tarde, à Direcção de Finanças da Distrito de Aveiro, donde transitou em 1937 para o Arquivo da Universidade de Coimbra; estava naturalmente indicado que tudo aqui se reunisse, visto o Distrito de Aveiro não possuir arquivo e o de Coimbra ser o mais próximo e de maior / 331 / importância; assim o considerou, e ordenou, por isso, a Inspecção Superior das Bibliotecas e Arquivos quando a remição obrigatória dos últimos foros dos Mosteiros tornou desnecessária a continuação dos arquivos conventuais nas Direcções Distritais de Finanças.

São principalmente as espécies membranáceas, originais − duplamente preciosos, portanto − a parte que ainda hoje se encontra em Lisboa; a colecção de Coimbra é constituída por grandes séries de tombos, livros de cobranças de foros, livros de notas, uma série de cartulários, cartáceos, que principia em 1440, índices, e alguns documentos avulsos, dos últimos tempos da Congregação.

A estes dois núcleos fundamentais se devem somar muitos papéis e livros que ficaram no Mosteiro, e muitíssimos mais que se extraviaram, alguns dos quais vieram a ser recolhidos por particulares; entre estes últimos se contam, por exemplo, os que o Dr. António José da Rocha, juiz em Arouca em 1858, foi encontrar a embrulhos nas mercearias da vila, que reuniu e consigo trouxe quando em Outubro desse ano recolheu à sua casa de Ílhavo, onde possuía selecta livraria; são, quase todos, cadernos de cópias feitas no século XVIII para nova tombação, mas têm interesse, mesmo assim, e suprem por vezes à falta dos documentos originais. Desde 1929 que são propriedade nossa, por herança.

Na intenção de reconstituir, tanto quanto possível, o antigo cartório do Mosteiro e de documentar a sua dispersão, extraímos destes papéis o recibo autógrafo, e relação, de quanto o Comissário da Real Academia das Ciências de Lisboa, Augusto Soromenho, levou para a Capital; minuciosamente organizada pelo Padre ANTÓNIO CARDOSO PINTO, dessa
relação constam 664 pergaminhos seriados cronologicamente de 883 a 1279, entre eles se contando 39 bulas originais, o testamento de Dona Mafalda encadernado em marroquim e metido em bolsa de seda, e o processo da demanda corrida entre D. Afonso 3º e o Mosteiro, precioso rolo de 20 varas e meio palmo de comprido. Acompanhava os 664 pergaminhos um cartulário magnífico, mandado organizar pela Abadessa Dona Maior Martins, o qual ocupa 87 folhas de pergaminho, e constitui, pela data a que remonta, a preciosidade que facilmente se imagina.

Para a história dos nossos arquivos e ainda para conveniente aproveitamento dos cartulários existentes, seria do maior interesse o confronto desta relação com as próprias espécies de Arouca arquivadas ainda, após todas as vicissitudes dos tempos, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Textualmente a transcrevemos, deixando o seu cotejo para quem o possa realizar; daremos em seguida breve nota do que entrou para o Arquivo da Universidade de Coimbra, / 332 / vindo da Direcção de Finanças de Aveiro, e remataremos esta tentativa de reconstituição publicando o índice geral do cartório organizado no próprio Mosteiro em 1143, um dos volumes deste último núcleo recolhido. Com estes elementos abarca-se razoavelmente o conjunto arquivístico de Arouca e fica-se habilitado a ver, com grande aproximação, o que é possível ainda ser utilizado pela História.

Diz o recibo do comissário da Academia das Ciências:

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(1) Doações, Privilégios e Confirmações Régias do Mosteiro de Arouca (Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. IV, págs. 121 e segs.).

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