PUBLlCOU o sr. Coronel
BELISÁRIO PIMENTA no volume VII
do Arquivo do Distrito de Aveiro, págs. 161 e seguintes, uma Memória sobre a
nova Barra de Aveiro aberta em 3 de Abril de
1808, da autoria do oficial da
Marinha de Guerra, ISIDORO FRANCISCO GUIMARÃES, e escrita
em 23 de Junho de 1809. Nesta «memória» este oficial descreve o estado da barra, e elogia as obras para a sua abertura, planeadas por REINALDO OUDINOT e seu genro LUÍS GOMES
DE CARVALHO, e executadas por este.
O que determinou ISIDORO GUIMARÃES
a escrever tal memória foi a sua vinda a Aveiro para dirigir a entrada no
porto
desta cidade de um comboio de navios britânicos com tropas
destinadas a expulsar os franceses que tinham invadido Portugal em 1809. Eis como
ele descreve a entrada dos navios
no porto (em 13 de Maio deste ano): «confiado nas m.as observaçoens me resolvi tentar a entrada
dos 40 Transportes Britanicos, e a conclui dentro de hua hora, sem
o prejuizo ainda o mais insignificante; e tendo o comnde do Berg.m de S. M. B. todos os desejos de ser a
prim.ra Embarcação de Guerra que entrasse naquelle Porto, me
animei a faze-lo, sendo eu m.mo que entrei para dentro
delle, trazendo-o ao ancoradoiro».(1).
Parece que ISIDORO GUIMARÃES, melhor que ninguém, nos
pode contar os factos com rigor, visto que foi ele quem meteu
os navios do comboio no ancoradoiro (S. Jacinto) do porto
de Aveiro. Ora ele diz que deu entrada a quarenta navios
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e conseguiu-a dentro de uma hora. Nota o sr. Coronel
BELISÁRIO PIMENTA que há divergência no número destes
navios no dizer de pessoas que trataram deste assunto.
Apenas uma carta publicada na
Gazeta de Lisboa menciona o mesmo
número de navios ingleses. Mas esta carta
deve ter sido escrita pelo mesmo ISIDORO GUIMARÃES.
Diz, porém, ADOLFO LOUREIRO que o comboio tinha
mais de quarenta velas com sete grandes galeras: o sr. Comandante ROCHA E CUNHA diz que o comboio tinha quarenta e oito
navios; o sr. dr. ALBERTO SOUTO diz que eram trinta e oito navios de
transporte e um brigue de guerra.
Entende o sr. Coronel BELlSÁRIO PIMENTA, em relação
a estes vários números de navios, que é provável ser exacto
o número quarenta dado por ISIDORO GUIMARÃES.
Nestes termos, parecia resolvido definitivamente a questão do número dos navios.
Não sucede, porém, assim.
Com efeito, num ofício do engenheiro LUÍS GOMES DE
CARVALHO, director das obras da Barra, para o ministro da
guerra D. Miguel Pereira Forjaz, diz que o total dos navios
entrados era quarenta e um. Eis as suas próprias palavras:
«Já V. Ex.ª saberá que no dia
13 de Maio do Aniversário de S. A. entrarão em menos de hora e meia pella
Nova Barra de Aveiro 39 navios de transportes lngleses
e dous Brigues de Guerra da m.ma Nação, fazendo tudo
41 navios».
Esta notícia é mais
desenvolvida do que a da «memória»
do oficial da marinha ISIDORO GUIMARÃES. Indica a data da
entrada dos navios, o que não sucedia na «memória», diz
que a entrada durou menos de uma hora e meia, e descrimina a natureza dos navios: 39 de transporte e 2 brigues de
guerra. Parece, pois, que o verdadeiro número de navios
entrados foi de quarenta e um.
É de notar agora que LUÍS GOMES DE CARVALHO não assistiu à entrada do comboio, e por isso é por informação de
outrem que ele dá a citada notícia ao Príncipe Regente. Encontrava-se em
Viseu, onde escreveu o ofício com data
de 2 de Junho de 1809, portanto anterior à data da «memória»,
que é de 23 de Junho deste mesmo ano, e escrita já em Lisboa.
LUÍS GOMES tinha chegado a Viseu de regresso da Galiza,
onde tinha tomado parte na expulsão do exército francês.
O ofício tinha como fim principal mostrar ao ministro da
guerra que o estado da nova barra era bom.
Quem teria, então, informado LUÍS GOMES DE CARVALHO,
director das obras da barra, do notável acontecimento da
entrada da esquadra inglesa no porto de Aveiro? Oficialmente só uma
pessoa o poderia ter feito, e esta seria o superintendente das obras da Barra, Luís António Verney.
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Ora este não se podia nem devia ter enganado na quantidade de navios
entrados. A notícia pormenorizada que remeteu ao director das obras
assim o prova. Mas também nào se pode admitir engano de ISIDORO GUIMARÃES que dirigiu a entrada
dos navios na barra. Julgo, portanto, que a divergência resulta de uma
defeituosa redacção da notícia dada por este, o qual naturalmente não
incluiu no número dos transportes ingleses o bergantim de S. M. B., no
qual ele entrou, e depois conduziu do mar para o ancoradouro de S. Jacinto
na ria, um pouco ao norte da barra.
Ficariam assim harmonizadas as informações dadas por
ISIDORO GUIMARÃES e LUÍS GOMES DE CARVALHO; os navios
seriam, portanto, quarenta e um no total, como diz o director das obras da barra.
Compreende-se também nestas circunstâncias a divergência nas durações da entrada, indicadas por
estes. O primeiro
diz que fez entrar os quarenta transportes em uma hora; o segundo diz
que os quarenta e um navios demoraram quase uma hora e meia para
entrarem no ancoradouro. Esta meia hora de diferença corresponderia à
entrada isolada do bergantim de S. M. B. depois da qual é que ISIDORO
GUIMARÃES
veio dirigir a entrada dos quarenta restantes navios, naturalmente com
o auxílio do Piloto-mor da barra.
Segue o documento acima referido:
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Tenho a honra de partecipar a V. Ex.ia, que chegando a esta Cidade
de volta da Galiza de acossar os Francezes na sua vergonhoza e
percipitada fuga, achei a agradavel noticia do melhoramento que a
Barra de Aveiro vai fazendo com os trabalhos novos q. neste
Inverno e Primavera tenho mandado fazer, sendo entre elles hum
Regulador ao Norte do Canal perpendicular ao Dique: Já V. Ex.ia
saberá que no dia 13 de Maio do Aniversario de S. A. entrarão em menos de hora e meia pella Nova Barra de Aveiro 39 navios de
transportes Inglezes e dous Brigues de Guerra da m.ma Nação,
fazendo tudo 41 navios.
V. Ex.ia estimará ouvir estas noticias com tanto mais prazer que
esta Obra Concorre a reparar as perdas q. os Vandallos Modernos
cauzarão no Norte de Portugal até ás vizinhanças d'Aveiro. Apesar
da auzencia q. fasso a Aveiro pode V. Ex.ia estar certo que daqui
mesmo lhe presto q.to he possivel fazer de longe, e q. tudo vai
muito bem.
Sou com o maior respeito.
De V.
Ex.ia
Ill.mo e Ex.mo Snr. D. Miguel
Subdito respeituoso e obediente
Pereira Forjaz
Luiz Gomes de Carvalho
Vizeu, 2 de Junho de 1809.
F. FERREIRA NEVES |