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Ò muda eloquência do
Silêncio!
− Senti a tua voz, na minha alma, fria...
E o meu desejo de calar-me, − vence-o
O verbo inicial... vence a afasia!...
Ah! (é para mim que eu digo) como queria
Sentir a ânsia de viver, perene,
Em síntese total − o que não falo
Mas sinto segredar-me a toda a hora!...
Ninguém sabe,
E o pensamento roda, − é um moinho
Falando (eu não o calo!),
Que ri e canta, sofre e também chora...
Às vezes a loucura ronda às velas
− Então meu coração serve de mó
E fico a ouvir (girando elas)
Meu pensamento plasmar em fala-só...
Criar!... Quando sozinho nos falamos,
Criar na voz das velhas coisas
Forma nova!...
E, quando interiormente nos sondamos,
Dar vulto ao que era sonho indefinido
Torná-lo bem visível e palpável,
Racional
Ao meu sentido global,
E que tudo coubesse numa trova!...
Auscultar esse espírito levíssimo
(Que a medo passa
Nas sombras silenciosas)
E torná-lo aclarado em pensamento
Tenuíssimo,
Plasmando a ideia própria, que se mostra
(E fosse por milagre um só momento)
Desnuda do mistério embrionário...
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Criar!...
Bem
esquecer a tudo o que sabemos
E aprendemos na vida (em seu cal vário)
Voltar de instante à fase primitiva
Do nado ao mundo − ingénuo de pensar,
Tocado ainda
Daquele drama ignoto da origem
De ser,
D'alma e corpo purinho... todo virgem...
Criar!...
Pelo próprio
desejo conceber
A intuição do que é o sol, a sombra,
O nada e o tudo,
O forme e o informe;
− A voz do pensamento, quando é mudo;
E o sonho da loucura, quando dorme...
Compreender e sentir
A vida laboriosa da raiz,
Que a terra abraça!...
O segredo materno, − o que lhe diz,
Tudo o que − no seu seio lá se passa
E não sabemos mais que mal supor...
Como agradece à chuva e ao sol,
O que sente, o que diz, quando a laceram,
Como se dá em flor de cores, espectrais...
Que voz tem seu perfume lá aos séculos
Até quando, quem lha deu? − E tudo o mais
Da sua vida a palpitar de amor!...
Reter em nossa mão o
pensamento
(Como se barro fosse),
Esmagá-lo nas polpas, transmitir-lhe
Num ritmo bem doce
A textura do querer no entendimento!...
− E os dedos modelarem num fluído
Dando-lhe a expressão .
De choro ou de alegria, de ânsia ou fome,
falando mudamente... sem alarde...
Criar, sentir, plasmar, dar expressão
A chama que interiormente me consome,
Queima e arde...
Entender a coesão
Da pedra que por arte se moldou!...
Entendê-la e saber por que se torna
Em arte fulgorosa, a sensação
Na fixa permanência do que é formal!...
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Sentir e conhecer,
Se o espírito é primeiro
Que o sentido em suas percepções...
E dizer e saber se a alma já não torna
Ao ventre donde veio − em novas gerações!...
Se a vida passa em curva ou em tangente,
Se foge ou se aproxima para Deus;
Se o fruto foi primeiro que a semente,
Quem rege a sinfonia aos astros pelos Céus!...
Criar!...
Sentir, livre, a razão
Vencendo o abstracto − ir consciente
De perfeição em perfeição, ciente
De ser o bom caminho onde seguisse;
E, quando a hora derradeira fosse
(Olhando atrás os passos da jornada),
Toda a harmonia do meu ser sentisse
Ter caminhado a rota desejada...
Criar!...
Sentir
em nossa mão o pensamento
(A sua contextura indecifrável)
E, como se barro fosse,
Dar-lhe vulto, vida, sonho e até voz!
Criar, compreender, viver, tornar palpável
Todo o ignoto de cada sensação
Que brota, reagindo, dentro em nós!...
Ílhavo, 9-5-1939
VAZ CRAVEIRO |