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        ACERCA da  vida dêste 
        escritor aveirense do século XVI,
        pouquíssimo se sabe. BARBOSA MACHADO, na sua Biblioteca Lusitana, deixou, a tal respeito, escrito apenas o
        seguinte: − «Fr. Pantaliam de Aveiro natural da Villa
        do seu apelido, do Bispado de Coimbra. Professou o instituto
        Seráfico da Provincia dos Algarves, onde exactamente praticou
        as virtudes de hum perfeito religioso. Anhelando o seu espirito
        testemunhar com os seus olhos aquelles lugares, que com a
        sua presença, e seu sangue santificara o Verbo Divino feito
        Homem, alcançou faculdade dos Superiores para tão devota
        jornada, a qual executou caminhando a pé até chegar à Cidade
        de Jerusalém em o anno de 1563, onde pelo espaço de tres annos venerou 
        com profundo afecto, e cordial ternura aquelle theatro em que se 
        representou a dolorosa Tragedia do Nosso
        Redemptor. Restituido a Portugal se resolveo para beneficio
        das almas devotas escrever tudo quanto observou nesta jornada,
        publicando o itinerário.» 
        
        O Itinerário da Terra Santa e Suas Particularidades teve
        até hoje sete edições, feitas nos seguintes anos: 1593, dedicada 
        ao Arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro; 1596; 1600;
        1685; 1721; 1732 e 1927. Esta última, fundada na primeira, foi
        revista e prefaciada por ANTÓNIO BAlÃO. 
        
        Numa espécie de prefácio, dirigido na 
        1ª edição «Aos devotos e desejosos de visitar Terra Santa e os lugares delta», etc.. 
        
        FR. PANTALEÃO DE AVEIRO escreveu o seguinte: 
        − «Partidos de
        Roma fomos por algumas províncias mais propincas buscando
        frades, os mais devotos, virtuosos e quietos que se podiam
        achar, sobre cuja vida e conversação se fazia secreto exame,
        encarregando sobre isso muito a consciência dos prelados locaes
        e padres velhos dos conventos. Ajuntados desta maneira até
        sessenta frades e dando-lhes as obediencias para que com ellas
        nos fossem esperar a Veneza onde se estava preparando a não 
        
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        dos peregrinos que aviã ir aquelle anno a terra sancta: com a
        nossa chegada se partiram tanto que lhe fez tempo e nós tambem nos partimos para a cidade de Trento, onde se então
        celebrava o sagrado concilio no qual detidos alguns meses,
        negoceando o que convinha para Terra Sancta nos tornámos a
        Veneza. E com o primeiro tempo me parti eu primeiro, por
        ser necessario, ficando na cidade de Veneza o padre Bonifacio, guardiã 
        do monte Sion o qual por sua ordem esperei no reino
        de Chypre. E porque vi muitos peregrinos fazerem itinerários
        de sua peregrinação, onde escrevião seus trabalhos e perigos e
        os lugares que em Terra Sancta visitavam, os quaes quasi nunqua são visitados sem o contrapeso de muitos enfadamentos,
        permitindo-o assim a divina clemencia que em muitos dos taes
        lugares os quis padecer, determinei seguir sua openiã, não por
        satisfazer a outrem, que tal cousa me não veo ao pensamento,
        mas somente para minha spiritual consolação e particular gosto,
        por que, como nossa memoria é fraqua, avendo em algum tempo
        na minha esquecimento do que tenho visto e passado, a pudesse
        refrescar com ler o que tenho escrito. − Depois, considerando
        ser culpa buscar meu proprio interesse, no que com muitos se,
        pode comunicar sem perda minha, pareceu-me dedicar este
        meu itinerario a todos aqueles que tem memória daquela bem
        aventurada terra da promissão, figura da patria celestial para a
        qual fomos criados e a desejem visitar e saber suas particularidades, aos quaes peço e mui humildemente rógo e queira ler
        com aquelle candido animo e limpa vontade com que lhe é oferecido nã atentando ás toscas e grosseiras palavras com que
        vae escrito, mas somente a muita fidelidade e verdade com que o escrevi: 
        o de vista como de vista, e o de ouvido de pessoas dignas de fé, como 
        tal. E se lhe virem que emendar emendem, não com espirito 
        de contradição e ignorancia, mas com aquele amor
        e caridade que nos manda o Senhor, suma bondade, olhar e
        julgar as cousas de nossos proximos com o qual queremos as
        nossas serem julgadas. O qual itinerario eu com toda a humildade someto a correição e obediencia da santa madre igreja e
        daquelles que por sua sciencia e virtude tem liberdade e autoridade, para o bom aprovar e autenticar e o mao reprovar e
        repudiar. Valete ». 
        
        Pela leitura da obra, conclui-se que Fr. PANTALEÃO embarcou em Veneza, tocou na ilha de Corfu, esteve na de Cândia
        (Creta) e Cipro e desembarcou em Jafo. O seu itinerário posterior foi: Rama, Jerusalém, Belém, Hebron, Jericó, Emaús, Biro,
        Sicar, Caná, Tiberíades, Nazaré, Damasco, Baruti, Tiro, Sidónia
        (Sidon), Tripoli, Cipro, Veneza. 
        
        A bibliografia portuguesa conta outros 
        Itinerários de viagens à Terra Santa, como os de JOÃO HENRIQUES, cónego da Sé
        de Viseu (1561 a 1562); FRANCISCO GUERREIRO, (1588); Fr. ANTÓNIO
        TAVEIRA e Fr. JOÃO DE JESUS CRISTO (1817). 
        
        
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        Por associação de ideias, vem-nos  à memória o ltinéraire de Paris à Jérusalem, 
        de CHATEAUBRIAND, que tem alguns curiosos pontos de contacto com a obra 
        do nosso autor, sem que com
        isto queiramos significar que o escritor francês haja recebido qualquer 
        sugestão do escritor português. A título de curiosidade, estampamos aqui 
        os principais assuntos da narração de CHATEAUBRIAND: Grécia, 
        Arquipélago, Anatólia, Constantinopla, Rodes, Jafa, Belém, Mar Morto, 
        Jerusalém, Egipto, Tunis; volta
        a França. 
        
        É natural, também, que a propósito nos lembremos da viagem de EÇA DE 
        QUEIRÓS, feita em 1869 em companhia do Conde de Resende, mais tarde 
        aproveitada na Relíquia. 
        
        O Itinerário de Fr. PANTALEÃO DE AVEIRO é digno de leitura, já pela sua 
        linguagem, de grande vernaculidade, já pela singeleza, arte e pitoresco 
        das descrições, já pelas informações que nos dá acerca dos lugares 
        visitados. 
        
        O autor tem a preocupação da verdade. Em vários pontos da obra o 
        revela, como se pode ver no passo do prefácio, que sublinhámos. Vejamos 
        mais. No cap. IX, lê-se: − «E por aqui contam hüa 
        história muyto grande, frivola, apocrifa, ainda que sobre maneyra 
        gostosa às orelhas. Quanto ao da gloriosa Santa Helena, já o li em hüa 
        historia authentica, se me não engana a memoria: o mais tenho por cousa 
        redicula, e fabulosa, e por isso
        a não escrevo aqui.» 
        
        Pertencem ao cap. LXXXIX estas palavras: 
        − « ... do que somente Deus 
        sabe a verdade, ao qual seja glória e louvor, porque eu escrevo 
        fielmente o que estando ali, me afirmaram pessoas dignas de fé, e 
        muitas cousas deixo de escrever, não somente
        ouvidas, mas vistas com meus olhos, por evitar juízos de caluniadores incredulos.» 
        
        O ltinerário termina com o costumado 
        Laus Deo, a que se seguem estas 
        palavras: Pax hominibus, bonis remissio peccatorum, malis autem aeterna confusio. 
        
        A obra mereceu de A. GOMES PEREIRA um estudo, publicado na 
        Revista 
        Lusitana (voI. XVI), sob o título de: Gramática e vocabulário de 
        Fr. 
        Pantaleão de Aveiro, precedido dum breve estudo sobre o autor e sua 
        obra. 
        
        JOSÉ TAVARES 
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