II
ESTA
linda terra de Fiães-da-Feira muito se distinguiu e floresceu na época romana, sobretudo na
baixa.
Dessa prosperidade e grandeza nos dão irrefragável testemunho os importantes achados arqueológicos do monte de Santa
Maria, uma ponte romana e alguns enormes blocos da grande via militar,
de ANTONINO PIO.
Umas pinceladas ou respigos de história geral não serão inteiramente
descabidos neste lugar.
A província da Lusitânia que abrangia, segundo a divisão de Augusto, o
território compreendido entre os rios Douro (Durius) e Guadiana (Anas),
− era povoada por 45 ou 46 unidades demográficas, ou circunscrições
municipais, com regalias muito diferentes, a saber: cinco colónias; um
município de cidadãos romanos; três cidades do antigo Lácio; e trinta e
seis povos ou civitates estipendiárias.
Das mencionadas circunscrições, estavam em território hoje português
−
duas colónias, a de Beja (Pax Julia) e Santarém (Scalabis); um
município de cidadãos romanos − Lisboa (Olisipo); três cidades do
antigo Lácio: Évora (Ebora), Mértola (Myrtilis) e Alcácer do Sal {Salacia);
e muitas outras civitates, que eram apenas estipendiárias.
Mérida (Emerita Augusta) foi capital da Lusitânia.
Nos municípios, como no de Lisboa, a vida municipal é
'activa e conserva a cor e os modos retintamente locais.
Os membros dos municípios eram considerados cidadãos romanos; mas, como
estranhos e originários das regiões vencidas, eram cives sine suffragio.
Quanto à origem, as colónias diferem muito dos municípios. Durante a
conquista, Roma estabeleceu-as nos territórios de que se apossava, com
veteranos ou com cidadãos quase sempre
romanos, como outros tantos postos avançados do seu domínio. Os membros
das colónias, que eram reputados cidadãos romanos pleno jure,
exerciam todos os direitos civis e políticos.
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Pelo que respeita às cidades latinas, eram pela origem estranhas como os
municípios; costumavam ter direito de cunhar moeda, como verdadeiras
repúblicas, e, por especial concessão, seus membros, quando tivessem
desempenhado na respectiva cidade encargos municipais, ficavam com o
direito de cidade em Roma, ao menos no tocante ao jus suffragii.
Terminada a conquista no ano 38
da nossa era, a Lusitânia, com o resto
da Península, aceitou completamente as instituições e em geral toda a
civilização romana.
Com a paz e sob a influência dos romanos, desenvolveram-se as indústrias
rudimentares que já existiam; e introduziram-se outras novas, como a do
fabrico da telha e de tijolo; progrediu a indústria de tecidos
caseiros; multiplicaram-se os artefactos de ferro e de outros metais;
prosperaram as pescarias, as indústrias agrícolas e suas derivadas. O
comércio mais importante fazia-se com a Itália: exportação de metais em
bruto,
principalmente ouro, prata e cobre; de frutas e outros diversos produtos
naturais; importação de objectos de metal, vidro, olaria e outros. O mar
constituía a mais importante via comercial; porém, os romanos não
deixaram de beneficiar a Lusitânia, como faziam em todos os países
conquistados, construindo pontes e vias ou estradas militares.
*
* *
Foi então que a Colónia ou
Civitas, estabelecida no monte «Redondo» ou
de Santa Maria de Fiães, muito floresceu, como o comprova o
importantíssimo espólio arqueológico, a que já se fez referência no
fascículo 18 desta revista.
Acrescentarei apenas esta nota: a mais fina cerâmica da estação
luso-romana de Fiães é idêntica à encontrada, há pouco, na importante
estação arqueológica de Conimbriga.
Na opinião do ilustre feirense Sr. Dr. AGUIAR CARDOSO, in
Terra de Santa
Maria, − Lancobriga, de fundação céltica,
foi engrandecida pelos romanos, que lhe chamaram Lancobriga,
e, no século V, arrasada pelos bárbaros do norte.
O seu assento foi, provavelmente, o dito monte Redondo, de Fiães. A
Lancobriga sucedeu a Civitas Sanctae Mariae, de fundação gótica, depois
assolada pelos mouros e mais tarde reconstituída pelos neo-godos.
A esta Civitas sucedeu a Vila da Feira. Não se discute, diz o citado
autor, que o leito das três povoações seja precisamente o mesmo; mas, a
sucessão, quanto à hegemonia ou predomínio na região, é insofismável.
Sendo assim, é muito verosímil que a povoação existente no monte Redondo
de Fiães, fosse, na época romana, a mais importante neste território da
Lusitânia.
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Fiães da Feira, mesmo antes de ter
este nome, marcou e
teve predomínio sobre as restantes vilas desta região de entre
Douro e Vouga.
Em Portugal existem ainda numerosos monumentos do
tempo dos romanos: edifícios, arcos, restos de obras de viação,
pontes, etc.
O Sr. Dr. ARMANDO DE MATOS, ilustre Director do Museu
Municipal de Gaia, sustentou na Brotéria, fasc. de Junho de
1937, − que na época romana pelo menos três vias militares foram
construídas no actual território dos concelhos de Gaia e
da Feira. Das três, a mais importante é a grande estrada militar romana, que ligava Lisboa a Braga, passando por Santarém,
Coimbra, Azeméis, Arrifana, Fiães, Lourosa, Grijó, Pedroso, etc.
Dentro dos limites de Fiães, existem dois documentos valiosos que
atestam a solidez da construção romana: alguns blocos
enormes da estrada militar, de ANTONINO PIO (séc. II), os quais
resistiram à fúria do tempo e dos homens, − e a ponte de boa
cantaria sobre o rio de Gualter, ou Às-Avessas.
Esta pequena ponte romana tem dois arcos iguais e, tendo
sido construída há dezassete séculos, está sólida e aprumada
como na hora em que foi acabada. As pedras lavradas da cantaria dos dois
arcos não acusam o mínimo desvio ou desnível.
«Os cipos ou marcos miliários das vias romanas, escreveu
alguém, estão-nos recordando um dos meios poderosos de que
Roma se serviu para tornar efectivo o seu domínio. Lançados desde esta cidade (Roma), ligavam também, entre si, as mais
importantes das províncias, como eram entre nós Ossonoba
(Faro), Pax Julia, Olisipo, Scalabis, Emerita,
Bracara, e Asturica (Astorga), e davam passagem fácil e sobretudo segura às
tropas e correios do império, aos governadores, aos comerciantes, a toda a gente, numa palavra, que, por qualquer motivo,
pretendia viajar.
A calçada, ou agger, era um pavimento sólido, que podia
ter cerca de um metro de espessura, com passeios marginais
para peões; traçada, em geral, a direito, e portanto com rampas
empinadas, vencia com longos aterros e fortes viadutos os
terrenos alagados e os vales profundos, e transpunha os rios,
sobre pontes de cantaria.»
Existem, portanto, nesta freguesia de Fiães
− inapagáveis
vestígios da colonização e domínio romanos.
Fiães da Feira − 1939.
P.e MANUEL F. DE
SÁ |