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TÁ mar alvoradiço e vento ao
oeste,
(Os gaivotões que piam pela orla...)
− Há cerração na barra e p'rigo feito,
Dizem os velhos de pupila estática...
− Há brisa dura, há; e os augúrios
De boca em boca seguem vários rumos
Enquanto ao «salva-vidas», já se apresta,
Acautelando,
Que o patrão aos mais novos faz a prática...
Guinou o vento ao sul, − é de rajadas!
A espuma das ondas salta, em fumos
Redemoinha, ao ar com as lufadas,
E as mulheres numa andada tonta
Corripiam, na borda cá e lá,
Esgrilando
Todo o mar de ponta a ponta!...
Friso de sofrimento, esfarrapadas,
Espectros de amargura,
desgrenhadas,
Quanta dor escorre em seu olhar!?!...
− Que as mais novinhas, (as recém-casadas)
Quedam-se a chorar
A sua negra sorte, a desventura,
Rezando contrições pelas revessas...
E, quantas que não há (quantas?) que dentre
A voz do temporal, mais alto, imploram
Orações pelos frutos do seu ventre
E choram com os cegos e os velhos,
− Choro d'alma esfrangalhada... de joelhos...
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Desce a tarde em galope, esfumaçada,
Que o sol detrás da bruma leva
o dia...
É negra a cor do céu que tinge a água,
Flutua a
inquietação,
E o vento numa rara e louca sinfonia
Afaga a onda em sua voz de mágoa...
Não tarda a cabriolar o furacão...
Em fumaça, no banco a chuva tala
A 'spuma revolvida; e os vagalhões
De encontro às penedias, nas fissuras
Dos blocos de cimento
Soltam jeitos de água indecifráveis
Com as vagas cerrando a barra − escuras
E amarelas, cinzentas,
formidáveis!...
Ai que o assesto é goela,
Boca de inferno, pavor!
Que mão há-de suster a frágil vela?
Senhor! Senhor!...
Adeja uma desgraça: ela não tarda
E ao lume de água rugidor,
Tudo é num lume sem que nada arda!...
Que têm as nuvens − serras aos montões
Que sobem, descem, como nunca as vi?
Escureceu o céu ainda mais
E o ribombar soturno dos trovões
Abala a terra, as almas e as nascentes
Nos seios abissais...
O raio risca a treva e nas serpentes
Fulgorosas,
Sidera com a luz esbranquiçada
Os homens e as feras nos covis:
− Estala inda mais forte a trovoada,
Há uivos de pavor p'los alcantis,
(Vozes de amarguras e de medos)
Que o vento fala em seus segredos,
Trazidas até nós lá das lonjuras
Dos vales e dos montes,
Das torres, das sepulturas,
Das fontes... dos pinhais... e doutro mar...
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[Vol. V - N.º
19 - 1939]
O medo adeja nesta hora parda,
A terra treme com o trovejar,
E tudo é fumo, sem que nada arda,
Que a chuva é artista e sabe esfumaçar!...
Acendem-se os archotes: − são os braços
De caridosas luzes ensinando
Aos delatados
Que a barra se fechou e p'riga a entrada;
Ao santo padroeiro vão rezando
As bocas numa voz amargurada...
− Há mãos batendo os rostos que marcaram,
Almas de tortura onde
parece
O milagre se fez, − que já vararam,
Tão soberana é a fé da sua prece!...
Senhor Jesus! Senhor: − tem piedade!
Ouvi p'las vossas chagas nossa voz!
Iremos de joelhos, − se o milagre
Do vosso olhar se apiedar de nós...
Senhor Jesus, Senhor: − tem caridade!
Alminhas que lá estais: − pedi-lhe vós!...
Lá vai o salva-vidas posto abaixo!
Noite aziaga: − quem vos alumia
Lobos do Mar? Heróis: quem vos conduz,
Que a mão ao timoneiro tão bem guia?
Quem aos seus olhos deu tal luz, tal facho?
− Só milagre de Deus... Senhor Jesus!!!...
A gritaria fende o temporal,
Aumenta e descompensa a orquestração,
E quem lhe entende o movimento astral
Escutará na cavalgada, ao vento,
Aquela rouca e estranha falação
− Nocturna voz dos ecos dos naufrágios,
A sua dor, os ódios e as pragas,
Os ais e os seus remorsos
Da legião dos mortos decompostos
P'lo tempo nos porões dos seus navios!...
Eu sinto aquela voz e o seu lamento
Vem até mim em golpes como adagas,
E faz tremer − se treme! − em calafrios
A minh'alma, que vai por sobre as vagas
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E vê o torturado e estranho rictus
Das caras sofredoras (no instante
Derradeiro, aflição!!!) p'la borda
fora
Ao cimo ainda, olhando o barco em fuga
Ou naufragado, − os olhos nele fitos,
Sabendo vai morrer naquele abismo,
Lembrando num pavor o
lar distante
Na descida p'ra o fundo, à solidão
Das algas, dos corais, dum outro mundo...
E esse gesto, a presa
halucinante
Daquelas mãos enclavinhadas
Tentando apoio n'água mas em vão!?
A derradeira prece,
A sombra e a saudade
Dos vossos semblantes
No líquido deserto a naufragar!?!
Ai! como eu cismo, cismo
Na tua dor, ó pescador que vais
(Sem ter unção)
Dormir, talvez sonhar e descansar
.Lá bem pr' ó fundo azul em teus batéis!...
Nesta voz de temporal
medonho
Eu tenho a sensação e até suponho
(Com certeza) que lá aonde
estais
Irá junto de vós a minha reza,
Crente que o vento a leva... e m'a escutais...
Vultos chorosos sobre a orla tremem;
Ermas de esp'rança as almas por
viúvas...
As vagas amainaram − já não fremem,
Foi-se o vento no
largo com as chuvas...
Morre a treva no céu sinistra e fria,
Aponta a aurora e a manhã desgarra.
− Anda no ar um requiem de agonia:
Nem uma vela, só, aponta à
barra!!!...
Ílhavo, 1939. |