ACEDENDO aos desejos dos
fundadores e directores do «Arquivo do Distrito de Aveiro», volto a associar-me ao seu pensamento de
regionalistas dedicados, qual foi tornar conhecida a Terra em que eles nasceram.
E, porque eu tenho a mesma Pátria
− o distrito de Aveiro −, quero trazer às
páginas desta importante revista várias notas relativas à freguesia de Canêdo, que tem uma vasta e
curiosa história, embora com algumas
questões de solução difícil. É abundante a documentação que, directa ou
indirectamente, se refere ao antigo Mosteiro, ao padroado e a outros
assuntos dessa localidade, que dariam ao curioso investigador elementos
para uma volumosa monografia, mas eu limitarei muito o meu trabalho,
deixando citadas algumas fontes que outros, com engenho, arte e esforço,
poderão estudar e desenvolver com óptimos resultados, No Censual, nos
muitos volumes do Arquivo do Cabido do Porto e noutros documentos
fundamentarei tudo o que escrever, ficando ainda abundante seara, que os
apaixonados poderão cultivar. Longa, muito longa seria a jornada, se
tentasse apresentar e desenvolver os diferentes aspectos paroquiais e
rústicos que podem fornecer matéria para uma completa monografia.
Hei-de afastar-me de tudo,
isso, deixarei a longa jornada, não entrarei no vasto campo e só
penetrarei em estreito atalho, percorrendo pequena parcela de terreno
literário e histórico.
Situação: A freguesia de Canêdo está situada ao norte-nascente, no
extremo do concelho da Feira. Na estrada que parte de Ovar, passa à
Feira e segue pela Corga de Lobão, atravessando
/ 162 / Canêdo até ao lugar de Carvoeiro, nas margens do Douro,
há as seguintes distâncias quilométricas: Ovar a Canêdo − 27; Feira a Canêdo
− 15; Corga a Canêdo − 3; e Canêdo a Carvoeiro − 7. Do Porto, por Lourosa, Fiães e Corga a Canêdo
são 30 quilómetros. Da estrada nacional (Lourosa) a Canêdo
são 9 quilómetros. Do Porto pelo Douro à praia de Carvoeiro
o percurso regula por 24 quilómetros(1).
Mosteiro: Antes de entrar na história do Mosteiro de
Canêdo e porque está relacionado com El-Rei D. Dinii, quero
fazer algumas referências ao Monarca Lavrador, cuja vida não deve ser
ignorada pelos habitantes da freguesia.
Há meses, os jornais noticiaram particularidades ou minúcias relativas ao cadáver de D.
Dinis, que está sepultado no
Convento de Odivelas, por Ele fundado e isto incitou-me também às breves considerações seguintes. Deixo os historiadores
contemporâneos, porque julgo mais conveniente trazer para este lugar Camões, o imortal
Épico, e príncipe dos historiadores.
Feitas as referências a D. Afonso III, diz
o Poeta:
Eis depois vem Dinis...
......................................................
Com este o reino prospero florece
(Alcançada já a paz áurea divina),
Em constituições, leis e costumes
Na terra já tranquila claros numeS.
......................................................
Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
......................................................
Nobres vilas de novo edificou,
Fortalezas, castelos mui seguros;
E quase o reino todo reformou
Com edifícios grandes e altos muros.
LUSíADAS III, 96-98.
/ 163 /
Foi com estes e outros versos que o nosso Épico referiu a
actividade de D. Dinis na vida literária, agrícola, militar, política e
diplomática. Constituições, leis, costumes, universidade de Coimbra,
castelos e edifícios de toda a espécie, tal a acção construtora do Rei
Lavrador.
Este, de comum acordo com sua mulher D. Isabel e o Infante D. Afonso,
filho primeiro e herdeiro, doou a D. Geraldo, bispo do Porto, o Mosteiro
de Canêdo, em Terra de S. Maria, com o direito de padroado e todas as
honras, senhorios, maladias (pensões), casais, heranças e posses com
todos os direitos espirituais existentes e futuros. Esta doação era
pessoal
a D. Geraldo, em atenção aos muitos serviços prestados a
D. Dinis. Uma das cláusulas foi que, em todo o sempre, houvesse, no
Mosteiro, uma missa diária e cantada em honra de Deus e da Virgem Santa
Maria por alma dos ascendentes e descendentes do doador, abençoando os
que auxiliassem o cumprimento da doação e amaldiçoando os que a impedissem.
O documento de D. Dinis tem a data, em Lisboa, aos 28 de Março da Era de
1342, ou 1304 anos de Cristo. Foi assinado por magnates seculares e D.
Martinho, arcebispo de Braga, D. João, bispo de Lisboa, D. Estêvão
de
Coimbra, D. Fernando de Évora e outros. Vê-se, pois, que foi uma doação
muito solene(2).
Pertencia este Mosteiro à Ordem de S. Bento e atribui-se a sua fundação
a Guterres, pelos anos de 950. Ninguém deve admirar-se desta antiguidade
e de pertencer à Ordem de S. Bento de Nursia, porquanto a vida
religiosa-monástica desenvolveu-se muito no Ocidente desde o século IV e
atingiu a maior perfeição com os beneditinos.
S. Bento de Nursia viveu de 480 a 543, fundou o Convento para homens no
Monte-Cassino, que ficou célebre na História e perto um outro para
mulheres, cuja direcção confiou a sua irmã
Santa Escolástica, também falecida em 543.
A expressão, muito conhecida, «paciência beneditina» provém do trabalho
que as Ordens beneditinas prestaram à ciência, na difícil e paciente
cópia de velhos manuscritos. Demais, o estudo das humanidades, as obras
e instruções publicadas, os
trabalhos artísticos e ascéticos, manuais, agrícolas e outros
/ 164 /
tornaram bem conhecidas e apreciadas estas ordens, que, por
isso mesmo, cedo vieram para Portugal. Pendorada (Alpendorada), Lorvão, Pedroso, Paço de Sousa, Guimarães, Cucujães,
Ganfey, Tibães, S. Pedro de Canêdo e outros mosteiros atestaram e alguns dos mais modernos ainda atestam a prodigiosa
actividade beneditina.
As Monjas Beneditinas tiveram as suas casas, talvez pelo
princípio do século VII, em Arouca, Vairão, Semide, Lorvão,
Rio Tinto, Salvador de Tuias, Tarouquela, Vila Cova de Sandim, próximo de Canêdo e outras.
Esta última casa de Vila Cova, S. Salvador ou S. Maria de
Vila Cova, ou ainda Vila Cova das Donas, na Comarca da Feira
(hoje Gaia) era já importante por 1180. Vê-se, pois, que as
ordens beneditinas pontificaram nas Terras da Feira, que se
estendiam do Douro ao Vouga. A de Vila Cova sustentou-se
até se fundir com Rio Tinto, Tuias e Tarouquela dando origem
ao convento ou mosteiro de S. Bento da Avé Maria, no Porto,
para onde entraram as religiosas, em 6 de Janeiro de 1535.
No mesmo ano da doação de D.
Dinis, isto é, em 1304, a
26 de Maio, é feita a cessão do Mosteiro de Canêdo com as suas rendas e
direitos ao bispo do Porto. A comunidade
reconheceu que, tanto no espiritual (a longis temporibus in spiritualibus defecisse) como no temporal,
era necessária uma
grande reforma. Já estavam alienados casais e bens, a parte
religiosa não se cumpria e era urgente a restauração necessária,
mas só a autoridade episcopal podia realizá-la(3).
Quais fossem os efeitos desta cessão ou cedência?
Que providências tomou o bispo do
Porto para a restauração espiritual e material do Mosteiro? Nada sei dizer. Naturalmente tudo
continuou no mesmo estado.
Em 8 de Fevereiro da Era de 1345 ou 1307 dos anos de
Cristo, D. Geraldo Domingues deu e concedeu ao cabido do Porto todos os
rendimentos, proventos e direitos do Mosteiro
de Canêdo, que lhe tinham sido doados em razão da pessoa e
não da Igreja Portuense, que seriam distribuídos entre os cónegos e
porcionários, segundo as horas de assistência ao coro.
O Cabido ficava obrigado a conservar em Canêdo quatro irmãos
ou monges, sendo um o Prior, cuja nomeação lhe pertencia e
/ 165 /
aos bispos sucessores e um capelão, que tivesse a seu cargo a
pastoreação dos fiéis (qui curam populi habeat), um pároco.
Haveria missas diárias com as seguintes aplicações: uma
por D. Dinis, outra por D. Dinis e bispo e duas em louvor de
Deus e de Nossa Senhora. Depois da morte de El-Rei e de D. Geraldo
seriam celebradas duas missas de Requiem por todos os séculos (cunctis
temporibus saeculorum)(4).
Em 31 de Agosto do ano de 1307, Diogo Soares, Cónego
e Vigário Geral, como delegado do Cabido, a quem pertencia o padroado in solidum (totalmente), confirmou abade do Mosteiro de Canêdo e administrador do Convento, tanto no espiritual corno no temporal, Domingos
Domingues, a quem todos
deviam prestar obediência e reverência. O Mosteiro pagaria ao
Cabido o censo anual de 200 maravedis velhos da moeda portuguesa(5).
Em 29 de Novembro do ano de 1311,
o bispo do Porto
D. Fr. Estêvão confirmou, por intermédio do seu Vigário Geral
Pedro João, o capelão Vicente Domingues, de cuja idoneidade
se tinha certificado.
A confirmação mostra que para a respectiva nomeação não
houve simonia, prestou juramento de obediência e reverência a
D. Estêvão e aos seus sucessores, prometeu observar os estatutos sinodais, assistir ao sínodo, se for chamado e não estiver
impedido, fazendo residência pessoal, excepto se for dispensado.
Aos fiéis manda prestar obediência e reverência ao capelão(6).
Não obstante todos os esforços dos bispos D. Geraldo, D. Estêvão e do
Cabido, continuou o estado decadente do Mosteiro e eram irreparáveis as ruínas espirituais e materiais. Era
indispensável que mão hábil e forte tornasse conta do Mosteiro
e empregasse todos os meios ao seu alcance para reparar e
/ 166 /
restaurar a administração espiritual e material. Estava deão do
Cabido do Porto um sacerdote de notável envergadura literária
e por isso anexaram ao deado o Mosteiro de Canêdo, esperando
que o Chefe remediasse os males existentes.
Vejamos o que se passou.
Em sessão capitular de 27 de Setembro da Era de 1350 ou
1312 dos anos de Jesus Cristo, a que presidiu o bispo D. Fr. Estêvão, foi resolvido anexar perpetuamente ao deado o Mosteiro de
Canêdo, alegando que seria muito mais fácil e sobretudo porque
presidia ao Cabido e era deão D. Gonçalo Pereira, cujo poder e
habilidade seriam garantias de melhor administração: ...«si dignitati deconatus dictum Monasterium uniretur et specialiter per potentiam
et industriam venerabilis vir domni Gondisalui pereyra
nunc Decani», diz-se no Censual.
Nesta união, o Cabido reserva os 200 maravedis de censo anual, a que já
fiz referência e receberia mais 100 libras de
moeda portuguesa, logo que se realizasse a união. O prelado
continuaria a receber as censorias de cera, bragais e o mais
que era de costume. D. Estêvão tinha de se ausentar por
motivo justificado, não podia dar andamento ao processo de
anexação e, para este efeito, delegou todos os poderes no Cónego
D. Martim Vasques, que também era abade de S. Cristóvão
de Refojos.
O executor da anexação diz que o Mosteiro ficará perpetuamente unido ao deado com todos os bens, exceptuando os
que pertenciam ao Cabido, ao bispo e à Igreja, como já foram
mencionados. Existiam no Mosteiro apenas dois religiosos,
devendo um ser prior e outro capelão, vivendo juntos, celebrando os ofícios divinos e administrando os sacramentos. Se
mudarem para outra casa da mesma ordem ou falecerem, o
deão conserve em Canêdo três clérigos, que vivam no Mosteiro,
se sustentem dos bens deste e um seja o cura, ou vigário perpétuo, recebendo a jurisdição do bispo(7).
Dada a sentença de união ou anexação do Mosteiro de
Canêdo ao deão do Cabido do Porto, seguiu-se a posse. Esta
realizou-se em 9 de Dezembro de 1312. Neste dia estava
no Mosteiro de Canêdo D. Pedro João, Vigário Geral de D. Fr. Estêvão,
que visitou toda a casa e no fim o Abade
Martinho Domingues entregou a administração e direito que
tinha. Em seguida, o Vigário Geral conferiu ao deão e à
dignidade do deado a posse do Mosteiro ao venerável varão
D. Gonçalo Pereira, que estava ali representado pelo procurador
/ 167 / João Estêvão e cuja fórmula se encontra no
Censual,
a pág. 329 e 330(8).
D. Gonçalo Pereira, com muito brilho e distinção, tinha
concluído a sua formatura em SaIamanca, onde de relações
com D. Tareija Pires Vilarinho houve um filho, que foi D. Álvaro
Gonçalves Pereira e este foi o pai de D. Nuno Álvares Pereira,
o grande condestável de Portugal e hoje o beato Nuno de Santa
Maria. D. Gonçalo Pereira ordenou-se por 1288, foi prior de S. Nicolau
da Feira e sucedeu no deado do Porto a seu primo
Sancho Pires, quando este foi elevado ao episcopado por 1296.
D. Gonçalo Pereira foi educado na corte de EI-Rei D. Dinis e
seu testamenteiro. Por estes motivos, pela grande fidalguia,
ilustração e patriotismo, teve uma grandíssima importância religiosa, social, política e mesmo militar. Por 1322 foi nomeado
bispo de Lisboa, passando para arcebispo de Braga em 1326.
Aqui ficam estes traços gerais duma das grandes figuras da
História de Portugal, de cujo nome se devem orgulhar os Feirenses e muito mais os povos de Canêdo, porque foi o superior do
Mosteiro durante cerca de 10 anos, de 1312 a 1322.
Que serviços prestou para reformar e melhorar a vida religiosa e administrativa
do Mosteiro? Até onde chegou aquele
poder e indústria que o Censual lhe atribuiu e que eu referi?(9)
D. Pedro Pires foi o sucessor de D. Gonçalo no
deado e
portanto na posse do Mosteiro de Canêdo desde 1323 a 1327.
A este sucedeu D. Domingos Martins Bugalho ou só
D. Domingos Martins. Teve durante alguns anos o Mosteiro,
mas, em 1336, renunciou-o no Cabido por motivos de consciência.
Do termo de renúncia consta que «o honrado baron dom
Domingos Martins Dayon do Porto, estando em Cabido com os
cónegos, disse que achara que o Bispo Dom Giraldo que foi do
Porto anexara e dera o Mosteyro de Canêdo ao Cabido da dita
sé do Porto para o haver para sempre e fazer dele e por êle
como se contém em os privilégios. E dizia que como quer que êle o
trouxesse com o dayado que entendia que o trazia contra
direito e em perigo de sua alma. E que, porém, abria mão do
dito Mosteiro de Canêdo com todas as suas pertenças ao dito
/ 168 /
Cabido e que o tenha para todo o sempre sem embargo nenhum
e faça dele como de coisa propria». Neste assunto foi procurador do Cabido o cónego Lourenço Peres. Esta renúncia realizou-se no
dia 3 de Junho da era de 1374 ou anos de 1336
de Jesus Cristo(10).
Em 1452 era deão Antão Gonçalves e tinha ainda o Mosteiro
de Canêdo. Como alegasse que este lhe rendia muito pouco, foi-lhe
anexada, somente em vida, a igreja de S. João de Ovil(11).
Por Letras Apostólicas de Sixto V, de cuja execução foi
encarregado D. João Galvão, bispo de Coimbra, sendo deão Álvaro Gonçalves,
foi o Mosteiro de Canêdo desanexado do
deado, no ano de 1473 e no ano seguinte foi anexado à igreja de Lobão(12).
No dia 13 de Dezembro de 15°5, sendo bispo D. Diogo
da Costa, o Vigário Geral e Abade Comendatário do Mosteiro
de Bustêlo, chamado Pedro Gonçalves, confirmou ou passou
carta de colação a Fernão da Cunha para a igreja de Canêdo,
como se lê no Catálogo dos Bispos do Porto, por D. RODRIGO
DA CUNHA, na parte II, capítulo XXXIII.
Velha contenda: Do Arquivo do Cabido consta que houve,
no tempo de D. Dinis, uma contenda importante com o abade
do Mosteiro reverendo Martim Domingues, a quem foi dada
posse no ano de 1302. Há outro documento ou «instrumento
por onde consta ser privado de abade do Mosteiro de Canêdo
Martim Domingues no ano de 1302». «Apelação que Martim
Domingues, abade de Canêdo, interpôs para Braga contra o
bispo D. Geraldo para ser conservado na posse do dito Mosteiro
de Canêdo. Ano 1302»(13).
«Autos da contenda do Bispo e Cabido do Porto
com o
Abade de Canêdo Martim Domingues acerca do padroado da igreja − 1313(14).
Aposentadorias, comedorias, pousadias:(15) É bem certo o
/ 169 /
rifão que «onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão». Foi o
que sucedeu no Mosteiro de Canêdo. Um dos grandes males que mais
concorreu para o empobrecimento dos mosteiros e igrejas foi o direito
que tinham os padroeiros de visitar as instituições que dependiam
destes. Aproveitavam-se desse direito, visitavam, instalavam-se,
demoravam-se e faziam grandes despesas que eram pagas pelos mosteiros e
igrejas, não restando meios suficientes para o clero e pessoas
encarregadas dos diferentes serviços. A Santa Sé empregou meios para
combater os abusos e os reis de Portugal fizeram o mesmo.
D. Afonso III publicou normas no sentido de reduzir os encargos
mencionados.
Já em nota mencionei a redução em pagamento de medidas, atendendo à
falta de recursos do Mosteiro e agora acrescento que D. Dinis, em 1281,
isentou, por 2 anos, os mosteiros e igrejas do Porto da aposentadoria
com fundamento da pobreza dessas instituições.
Deviam ser grandes os abusos em Canêdo por isso que, em 1293, D. Dinis
publicou uma carta para o tabelião da Feira notificar uns cavaleiros,
donas e escudeiros e outros homens, para se absterem de ir pousar e
comer no Mosteiro, fazendo assim grande mal ao mesmo. No ano de 1332,
nova carta régia para o Cabido conservar o seu domínio no Mosteiro de Canêdo e seus casais livres de hospedagem e de outros encargos, como
consta do já citado livro 84 das Sentenças ou 806 da numeração geral.
Deste mesmo livro consta que no ano de 1296 houve intimação de censura
ao abade Martim Domingues, já citado, para não administrar os bens do
Mosteiro, sendo nomeado um ecónomo para a sua administração. Pode, pois,
concluir-se que a questão económica foi a causa ou uma das causas que
contribuíram para a queda do Mosteiro ou abandono por parte dos
religiosos e do Cabido.
Em que época se completou a ruína? Em 1623 escreveu
D. RODRIGO DA CUNHA:
«Então (refere-se a 1304)
dos religiosos da Ordem de
S. Bento e agora é Comenda da Ordem de Cristo»(16).
No relatório da visita a Canêdo, a que me referirei, diz-se: «O Conde
de São Lourenço é o Comendador e obrigado a tudo o necessário não só
para a capela mór e sacristia, mas
também para a mesma igreja».
Já se não fala no Mosteiro.
/ 170 /
Canêdo no foral de D. Manuel
I: Antes de qualquer
consideração sobre o assunto proposto na epígrafe deste capítulo,
convém saber que são os forais. Chamou-se foral a uma lei
especial ou código destinado a alguma cidade, vila, concelho,
julgado e até aos moradores ou caseiros de uma quinta ou herdade(17).
Os reis de Portugal deram muitos forais e deles
nasceram litígios e controvérsias variadíssimas. D. Manuel
I governou de 1495 a 1521 e empregou esforços para a reforma
dos forais. Encarregou Fernão de Pina de percorrer o Reino,
estudar o assunto, examinar as leis antigas e circunstâncias do
tempo e redigir novos forais. Pina foi o secretário duma comissão ou junta de letrados, que de 1513 a 1517 realizou o trabalho
novo ou redigiu novos forais, que os críticos e historiadores
classificam de imperfeitos, precipitados, sendo origem de novas
questões, embora nas disposições relativas aos direitos reais
sejam melhores, mais rigorosos. O foral da Feira e terras de
Santa Maria é de 1514.
«D. Manuel, por graça, Rei de Portugal e dos Algarves....
a quantos esta carta de foral dada para sempre à Vila da Feira
e terra de Santa Maria virem, fazemos saber que por bem
das sentenças e determinações gerais e especiais que foram
dadas e feitas por nós e com os do nosso conselho e letra
dos acerca dos forais dos nossos Reinos e dos direitos Reais
e tributos que se por eles desejam receber e pagar: e assim
pelas inquirições que mandamos fazer em todos os lugares de nossos
Reinos e senhorios, justificados primeiro com as pessoas que os ditos direitos Reais tinham, achamos vistas as
inquirições da nossa Torre do Tombo, porque os tributos, foros
e direitos Reais na dita Vila e Terra de Santa Maria se deve e hão de
arrecadar e pagar daqui em diante na maneira e forma
seguinte». . .
I − Refere-se à Vila, onde há terras Reguengas com outros
direitos particulares e inquirições, indicando as propriedades,
nomes, encargos, não esquecendo o castelo. Há terras na Vila
e limite
que de oito pagam um.
/ 171 /
Ocupa-se o foral das eiradégas(18) de pão e vinho e menciona as propriedades e as pessoas que as deviam pagar.
As pessoas com porta para a rua e que fizerem fogo (cozinharem), cada uma pagará uma galinha sem ovos. Há referências
especiais
à quinta de Rolães com os chãos Reguengos.
Pena de saque e de arma(19) são as contribuições para
aqueles que, indo de fora, ferissem algum morador dentro das
ruas ou espancassem embora não corresse sangue.
O direito das forças era devido
somente depois do julgamento das cousas, em certas condições(20).
Os tabeliães que houvesse nas terras de S. Maria e na
Feira pagariam
anualmente mil e oito centos reais, que seriam repartidos por todos
igualmente(21).
O gado do vento eram os animais que sem
dono ou pastor
vagueavam pelas diferentes pastagens ou se mudavam como
o vento(22). No foral se diz quantos dias deviam passar ao vento para
se julgar perdido.
As dízimas das sentenças foram proibidas, excepto nas sentenças que se
tem de executar
(23).
Os montados e maninhos para gados não existiriam, porque todos têm
vizinhança uns com os outros. Se fizerem dano, pagarão a pena ou coima (multa) segundo as posturas do
concelho(24).
As lutosas, luytosas, luctosas(25) eram os direitos que se
pagavam pelas pessoas falecidas e D. Manuel determina as
pessoas e freguesias que deviam pagá-las. A freguesia de
Canêdo não está incluída na relação.
A lutosa devia ser a melhor jóia ou peça móvel que ficasse
da pessoa falecida.
Outras determinações houve relativas a portagem(26) (portádigo
e portático ou o direito de entrada em certos lugares
como cidade, vilas, coutos que pagavam as fazendas e víveres),
localidades para a entrega dos foros, saídas de madeiras; sardinha,
/ 172 / caçadores de rolas, preços dos géneros....... que o leitor
mais tarde poderá conhecer bem neste Arquivo quando o foral
for publicado.
Até aqui a Vila da Feira. Vejamos agora Canédo com as
suas contribuições:
Canêdo em Lobel: Afonso
Luís pelo casal de Pedro de Lobel
pagará 2 alqueires de trigo, 8 de centeio, 8 de milho e uma
galinha. E de linho 4 afusais e de vinho mole(27) 6 almudes.
Gonçalo de Lobel pelo casal e meio de João Gonçalves,
4 alqueires de trigo, 10 de centeio e 10 de milho. E de vinho
mole 6 almudes pelo qual vinho paga por avença 150 reais
em cada ano e do dinheiro que chamam das Vides 40 reais,
2 galinhas e 7 afusais de linho.
O Mosteiro de Canêdo: O Mosteiro de Canêdo há-de dar
por si 9 quarteiros de centeio pela medida nova de 16 alqueires o quarteiro, que faz 144 alqueires e outros tantos de milho
e mais 28 galinhas e em dinheiro duzentos e dezasseis reais, sem mais
poderem crescer nem minguar as ditas cousas, por
quanto antigamente foi assim taxada a dita paga do dito Mosteiro pelas cousas que trouxe da Coroa de nossos Reinos.
E ficará resguardado do dito Mosteiro qualquer direito que tiver
nas cousas por que assim nos paga o dito foro e .tributo.
João do Pomar pelo reguengo 540 reais em dinheiro e
duas galinhas sem mais outra causa.
João Anes pelo casal de Afonso Domingues 180 reais em
dinheiro sem mais outra cousa.
Martinho de Valecova por todos os foros e tributos do casal
pagaria 832 reais.
Gonçalo de Matos pelos casais de Canêdo 121 reais.
Lourenço Anes de Várzea pelo casal de Arouca 90 reais.
Em Lousado há 5 casais com um de mestre Vasco e
dão de centeio um moio pela medida velha. E isto fora o que
paga o Mosteiro pela medida nova. E pagam-se ao castelo 43
/ 173 /
alqueires e meio pela medida nova pelo dito moio(28). E mais
11 galinhas por todos os casais de Lousado, afora o de João de
Bairros que paga por si. E mais recebe o Castelo as galinhas e
o dinheiro abaixo designado. E Aparício, pelo casal que foi de
João de Lousado, 18 alqueires de centeio para esta paga dos 43 alqueires
e meio e mais 5 galinhas. E paga-se o senhorio por
estes e se falecerem há de recebê-los do Mosteiro para cumprimento do que falecer e as
11 galinhas se pagam pelos seguintes
com outros foros do dinheiro. O João de Bairros pelo Lousado,
afora o que paga o Mosteiro, 10 alqueires e meio de centeio e
não entra também nesta outra paga do moio.
Afonso Martins de Lousado pelo casal de Vasco Anes 10
alqueires de centeio.
Gonçalo Anes pelas vinhas que trazia João do Cameiro 5
alqueires e meio de centeio e I galinha.
Luís Afonso pelo casal de Sozanil por si sem a paga do
Mosteiro ao Castelo 3 galinhas e 15 reais.
Pedro Vaz pelo casal de João de Canêdo, afora o que paga
o Mosteiro, 28,50 reais e 3 galinhas. O neto de João de Canêdo, afora o
que paga o Mosteiro, 24,50 reais, e mais 3 galinhas e mais 6 galinhas.
E Pedro Vaz de cima paga as 12 galinhas dos casais
de cima.
Martinho de Carneiro pelo casal Reguengo de João do
Cameiro 4 alqueires de trigo, 6 de milho e de centeio 8 alqueires, de linho 6 afusais, de manteiga 6 quartilhos pela medida
nova, de vinho mole 6 almudes e 14 reais.
Luís Afonso pelo casal de Sozanil 15 reais e 3 galinhas
por si sem a paga do Mosteiro. Martim Aparício do casal
reguengo 288 reais. João de Sante pelo casal da Inha 804
reais. Álvaro Vaz, de Canêdo 40 reais. A Quinta da mata com outros
casais são do prestimo(29) de cadinha que andam
com Fermedo com o Senhorio dos quais se fará a justificação destes e de
outros que aqui tem.
Nada mais diz o foral sobre Canêdo.
Ainda tributos do foral Manuelino: Além do que fica escrito
no texto e em notas sobre os tributos do foral manuelino, vou referir
outros, ainda que rapidamente.
/ 174 /
Portagem:
Pagava-se somente para as coisas vendidas ou
compradas aos de fora para revender.
Pão, cal, sal, vinho, vinagre, fruta verde, hortaliça, pescado e
marisco: Tudo pagava por carga. E havia carga maior (de
cavalo ou muar), carga menor (de asno), costal (que um homem
levava às costas) e outra nas mãos ou debaixo dos braços.
O carro ou carreta equivalia a duas cargas maiores.
Não pagavam portagem: pão cozido, queijadas, biscoitos,
farelos, ovos, leite, prata lavrada, nem as coisas compradas na
vila para o termo nem no termo ou vizinhança para a vila.
Casa mudada: Não pagava portagem, excepto quando
levavam coisas para vender. Frutas dos bens próprios, tenças,
estavam nas condições da casa mudada.
Gados e bestas, panos
finos, coirama e calçadura, ora isentos, ora
contribuídos, pagavam geralmente por carga maior.
Veja-se GAMA BARROS sobre exportação de gados, vol. IV, pág.
106 e seguintes.
Azeite, mel e
semelhantes, pelitaria (toda a qualidade de
peles para calçado, vestidos, forros, guarnições ou regalo), metais,
ferro e obras deste, telha, tijolo e obras de barro,
palma,
esparto − tudo tinha o seu tributo ou estava dele dispensado
conforme as circunstâncias especiais, e as entradas e saídas por
terra tinham a sua regulamentação.
Não foram esquecidos os privilegiados que eram os eclesiásticos dos mosteiros, clérigos de ordens sacras, beneficiados
de ordens menores, e as mulheres com votos, porque não pagariam portagem nos seus bens ou nos que comprassem para
suas casas e familiares.
Isentava também algumas localidades que são mencionadas
no foral.
Finalmente aparece a pena contra aqueles que levem mais
direitos. Seriam degredados para fora da vila e termo, e pagariam cadeia. Tais são as disposições últimas do foral.
Demografia: Das Constituições Diocesanas de 1687 consta que a
freguesia tinha o título de Reitoria. Constava de 408 fogos,
1091 pessoas maiores e 286 menores.
Do relatório feito pelo reitor José da Fonseca e Sousa,
em 1758 e que se encontra na Torre do Tombo, conforme o rol
das pessoas confessadas, Canêdo tinha 522 fogos, 1399 pessoas
maiores, 177 menores que ainda se não confessavam.
Por ordem do Vigário Capitular D. Nicolau Joaquim Thorel
da Cunha Manuel, um visitador percorreu toda a comarca da
Feira, organizou um relatório das freguesias, donde consta que
Canêdo tinha 488 fogos, 997 pessoas maiores, 133 menores
e 149 ausentes. Isto em 1769. Era reitor José da Fonseca e
Sousa, de 65 anos, «com disposição ágil, mas falta de ouvir».
Não são boas as disposições relativas ao pároco e fregueses
/ 175 / dessa época e as confrarias não eram bem administradas.
O padre Miguel Carlos de Oliveira, ordenado em 1764, por
apresentação do reitor, desempenhava o cargo de cura. Havia
2 sacerdotes e 2 ordinandos. O Padre Domingos Pereira Pinto,
ordenado, em 1731, de 64 anos, estava dispensado de confessar
por despacho do Provisor Fr. Aurélio, por isso que se queixava
de várias moléstias. O Padre Bartolomeu Bento de Azevedo
era formado em Cânones, ordenado em 1749, tinha 45 anos, estava aprovado
para confessar e pregar, era bom clérigo, mas sofria de hipocondria,
habitualmente muito melancólico.
Sebastião, filho de Manuel da Silva Aranha, de 23 anos, lugar de Fagilde,
tinha boa disposição, mas parece «que o procedimento não é dos mais
claros» diz o relatório.
José Maria da Mota Reimão, formado, filho do Capitão
Valentim da Costa, tinha 27 anos e boa disposição.
Do mesmo relatório se vê que a igreja só tinha bom o forro
do tecto da capela-mor.
As casas da residência tinham cómodos, mas todos muito arruinados.
«Desta mesma sorte participa o campanário sem poder sustentar um bom
sino que está em uns paus.»
É curiosa esta nota, porquanto já, em
1296, os Vigários do
bispo do Porto foram a Canêdo fazer umas inquirições a respeito
dos sinos do Mosteiro que estavam postos num castanheiro e
contra os quais protestou Martim Domingues, a quem já me
referi. Pode verificar-se isto no livro 806 ou 84 das Sentenças no
Arquivo do Cabido do Porto.
Dum Almanaque Eclesiástico do bispado do Porto para
1857,
consta que era abade Francisco de Oliveira Maia, pregador,
egresso da Ordem de S. Francisco da Província de Portugal
(Convento da Conceição de Matosinhos) e que tinha sido colado
em 11de Março de 1841. Era coadjutor José Gonçalves da
Conceição e tinha dois presbíteros: António Ribeiro Barraca e
José Francisco dos Santos. Francisco José da Silva Tavares
era ordinando.
Embora não haja referência alguma a outro sacerdote,
talvez por viver ausente de Canêdo, não posso omiti-lo neste artigo.
Bernardo José da Silva Tavares, filho do brigadeiro Bernardo
José da Silva Tavares e de D. Gertrudes Xavier Pereira do Vale,
doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra,
em 3 de Outubro de 1830, sendo logo nomeado cónego magistral da Sé de Lamego. Por decreto de 21 de Agosto de
1856 foi nomeado
cónego da Sé do Porto e passada a Carta Régia,
em 7 de Outubro. O doutor Tavares não se conformou com os
dizeres da Carta e representou ao Governo para lhe ser concedida
a conezia de magistral, vaga pela morte do doutor Manuel Tomás dos Santos
Viegas. Deferido o pedido, recebeu a instituição canónica em 2 de Abril de
1857 e tomou posse no dia 8.
/ 176 /
Prometeu e jurou guardar os Estatutos, cumprir as residências
e todos os mais encargos, a que estavam sujeitos todos os
cónegos, sem poder aproveitar-se de privilégio algum dos antigos magistrais. Foi apenas um magistral honorário. Esteve
paralítico em Canêdo, durante alguns anos e faleceu, a 22
de Março de 1888, com 87 anos de idade. Vejamos as últimas
informações.
«A população actual anda à volta de 900 fogos e 4500 almas»,
informou, em Julho último, o rev. pároco David Pereira Coelho.
Entre Canêdo e a freguesia de Santa Maria do Vale havia 3
lugares meeiros, que deviam influir nos fogos e população.
Eram Sagufe, Serralva e Pessegueiro que, há já alguns anos,
passaram definitivamente para Santa Maria do Vale, o que facilita o serviço paroquial.
A actual igreja tem 6 altares. Um é dedicado ao Sagrado
Coração de Jesus e nele se venera também N. S. de Fátima.
Os outros são antigos.
Há bastantes capelas e ermidas antigas: Senhora da Piedade,
Santa Bárbara, Senhora do Amparo, Santa Luzia, S. Paio,
S. Roque, S. Lourenço.
O cemitério paroquial foi construído em 1902, sendo pároco
o Rev.º Agostinho José Pais Moreira, cuja actividade foi grande para
esta obra.
Uma inscrição colocada pela Junta de 1913, à entrada do
cemitério, diz o seguinte: «Tributo de gratidão da Junta de
Paróquia de Canêdo prestada aos bem feitores Abade Agostinho
José Pais Moreira e Augusto Barbosa Pinto pelo muito que
concorreram para a construção deste cemitério». São informações de Julho
de 1938.
Confrarias: Teve a freguesia de Canêdo importantes confrarias, como se deduz dum Estatuto de 1676, que diz: «Estatutos das Confrarias do Santíssimo Sacramento e do Santíssimo
nome de Jesus − De Maria Santíssima, do Rosário, do Príncipe
dos Apóstolos S. Pedro − Das Almas do Purgatório − Instituídas na Igreja de São Pedro de Canêdo, comarca da Feira,
Bispado do Porto. Em 1854 houve uma tentativa de reforma de
Estatutos, mas todos os esforços foram inúteis. A Confraria da
Senhora da Boa Morte foi florentíssima.
Casas mais importantes: A
Casa de Fagilde teve como chefe
o brigadeiro Bernardo José da Silva Tavares. Os filhos varões
foram: Cónego Bernardo José da Silva Tavares, Capitão-mor
Hermenegildo José da Silva Tavares, Doutor em Leis Francisco de Assis
da Silva Tavares e Coronel Vitorino José da Silva
Tavares. Hoje a casa de Fagilde pertence a Carlos Alves de
Sousa, residente e negociante no Porto.
A Casa do Mosteiro pertenceu ao Capitão-mor mencionado
/ 177 /
[Vol. IV - N.º 15 -
1938]
e hoje pertence a seu filho Hermenegildo José da Silva Tavares, capitão
médico miliciano, residente em Lever.
A Casa de Valecova pertence ao Dr. Joaquim Alberto de
Sousa Couto, médico aposentado.
A Casa de Lousado pertence a Augusto Barbosa Pinto,
negociante, residente no Porto.
A Casa da Botica pertenceu ao farmacêutico Manuel José Pais Moreira e D. Emília da Silva Tavares. Deste matrimónio houve os seguintes filhos:
Padre José Augusto Pais Moreira, Padre Agostinho José Pais Moreira, já
referido, farmacêutico Vitorino Pais Moreira e D. Maria Pais Moreira,
médica, residente no Porto.
Pertence actualmente a D. Emília Pais Moreira, casada com Alexandre de
Figueiredo, pais do médico Alexandre Pais Moreira Figueiredo, que, em
Canêdo e freguesias vizinhas, exerce clínica.
Arquivo paroquial: Não havendo arquivo distrital em Aveiro, foram para
Coimbra os livros do registo paroquial de Canêdo. No dia 19 de Junho de
1937, estive no Arquivo de Coimbra e verifiquei que lá existem II
volumes do registo paroquial de Canêdo e todos em bom estado de
conservação. Tomei as notas seguintes, que poderão facilitar os
investigadores de arquivos:
Livro de 1587-1622. Não está autenticado. Era reitor Francisco Neto. Em
28 de Junho de 1621 a freguesia foi visitada pelo bispo D. RODRIGO DA
CUNHA, o autor do Catálogo dos bispos do Porto.
Livro de 1624-1659.
Livro dos baptizados, casados, defuntos e crismados da freguesia do Mosteiro de S. Pedro de Canêdo no ano de 1659. Tem o
termo de
abertura em 1654, sendo este feito pelo pároco de Miragaia, em virtude
da comissão que lhe deu João Rodrigues de Araújo, em Setembro de 1654.
Em 1672, no mês de Maio, houve crisma ministrado por D. Nicolau
Monteiro. Era reitor Manuel Beça Leal(30) e coadjutor Manuel Cardoso.
Livro de 1682-1699 legalizado pelo pároco de S. Vicente de Louredo
Manuel Cardoso, em virtude da comissão que lhe deu o abade de S. Nicolau
do Porto, visitador da comarca da Feira.
Livro de 1700-1720 com a lista dos crismados em 1699 por
D. Fr. José de Santa Maria.
Livro de 1721-1769 numerado pelo pároco de Lobão, Simão
/ 178 /
de Sousa Leal, por despacho do Provisor Dr. Pedro Valente de Aguiar, em
1720.
Livro de 1721-1768 −
Casamentos.
Livro de 1720-1754 −
Baptizados.
Livro de 1754-1775 − Por comissão do
Dr. Pedro Virgolino foi legalizado pelo notário apostólico Padre José
Gonçalves da Cruz.
Livro de 1775-1786.
Livro de 1786-1804.
Livro de 1804-1820.
Outros livros no arquivo de Canêdo? Exceptuando os
Estatutos referidos já, nada existe. Livro das visitações, pastorais,
circulares, documentos antigos e outros, tudo desapareceu. Como?
Que destino tiveram? Foram vendidos para alguma fábrica de
papel de embrulhos? Queimados? Usados para buchas de espingardas? Dicant Paduani, isto é, nós não sabemos, nem queremos sabê-lo. (CÂNDIDO DE FIGUEIREDO,
Os estrangeirismos, a pág. 188).
Empreguei esforços para descobrir, em Canêdo, fora do
arquivo paroquial, alguns elementos para a história de Canêdo,
mas tudo foi inútil. Desapareceu o cartório paroquial.
Tombo da Casa da Feira: Pela morte de D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel de Menezes e Silva, 8.º Conde da Feira,
em 15 de Janeiro de 1700, sem deixar sucessão legítima, a maior parte
dos bens do Condado passou para a casa do
Infantado. Fez-se o tombo que consta de 16 grossos volumes
com as sentenças dos bens e rendas que passaram para o Infantado e estavam situados nas freguesias do concelho da Feira e
vizinhos. No tomo quinto estão as sentenças relativas a diferentes casais de Canêdo e freguesias vizinhas. São notas interessantes relativas a vários casais. A nenhum me refiro, porque
já me alonguei.
Conclusão: Aqui ficam estas notícias
sobre a freguesia de
Canêdo. Oxalá que os seus párocos organizem melhor arquivo
para a história futura desta paróquia. Ficam indicadas muitas
fontes, mas outras devem ser organizadas pelos pastores. A estes
pertence arquivar, dia a dia, a vida paroquial. São estas as
lições do Seminário de N. S. da Conceição do Porto.
CÓNEGO A. FERREIRA PINTO
|
(1)
− Nestas distâncias, a designação «Canêdo» indica a igreja paroquial, no
lugar do Mosteiro. Está situada no extremo sul da paróquia. Na opinião
do Sr. Doutor JOSÉ LEITE DE VASCONCELOS, «o étimo ou origem filológica
está em Cannetum, que significa canavial. É um dos muitos
substantivos em etum, significativo de bosque ou local onde
crescem árvores ou arbustos.
O toponímico Canêdo está representado em Trás-os-Montes, Entre Douro e
Minho, Beira e data da primeira época da língua portuguesa.» Faço uma
referência especial ao Rei D. Dinis, porque está ligado à freguesia de
Canêdo pelo Mosteiro e à Feira pelo Castelo, que foi um dos oferecidos
em dote à rainha D. Isabel, que, mais tarde, foi elevada aos altares de
Portugal. Haverá, neste artigo, algumas notas mais explicativas, porque
farei uma separata destinada a Canêdo.
Veja-se a Etnografia Portuguesa do Sr. Dr. LEITE DE VASCONCELOS,
voI. II, pág. 417 e seg.
(2)
− Donatio Monasterii santi petri de Canedo... Censual, pág. 317 e
318. Arquivo do Cabido, livros n.os 806, 753 ou 31 das
Sentenças. O Censual do Cabido da Sé do Porto é dos quatro mais
notáveis cartulários de Portugal, coligido por João da Guarda, raçoeiro
do Cabido. Data do século XIV ou XV e é chamado Censual por
conter a relação das censorias que as igrejas e mosteiros pagavam à
catedral. O mosteiro de Canêdo pagava 20 bragais, 2 libras de cera e o
censo de 200 morabitinos velhos. Censual a pág. 543. As citações
são todas referidas ao Censual publicado pela Câmara do Porto.
(3)
− Concessio Conventus Monasterii de Canêdo supra ordinatione vel
anexatione. Censual, 318-320. Uma carta de D. Dinis de 1295
confirma outra de D. Afonso de 1212 pela qual determina que o abade de
Canêdo só pague sete medidas, por justa medição, dos bens reguengos
pertencentes ao Mosteiro. Livro 753, 31 das Sentenças, no Arquivo do
Cabido do Porto. Era já a falta de recursos.
(4)
− Donatio domini episcopi Geraldi facta capitulo de Monasterio de Canedo.
Censual, pág. 320-321.
(5)
− Confirmatio Monasterii de Canedo ad presentationem capituli por
tugalensis. Censual, pág. 322.
(6)
− Capellano vestro obedientiam et reverientiam exibentes.
Confirmatio capellaniae Monasterii santi petri de Canedo. Censual,
pág. 323
Do Corpus Codicum, vol. I, pág. 524, constam as notas seguintes
sobre inquirições nos julgados de Fermedo e da Feira.
«...Sam Pedro de Canedo e de Sam Vicente que he sofreganha de sam pedro.
E a freguesia da mata e sam vicente de Louredo e uila seca e toseiro e
parada e louredo e o ualle pessegueyro e ferreiros e sam glufe e
rreuordello e Mosteiroo Sam Jorgio. Sam mamedi de guisandy. Sancti
isidro de rromariy Sam mamedi de vila mayor e A aldeya de Cedofeita.
Santa maria de feaaes Santiago de lobom. Item o logar que chamam paaçoo.
Item a aldeya que chamam bretal Sam Salvador de fornos Sam miguel de
duas Egreias. Sancto andre de Joyam Sam Martinho de dragoncelhe».
(7)
− Unio sive Anexatio Monasterii de Canedo decanatui portugalensi.
Censual, pág. 324 a 328. Arquivo do Cabido, livro 806 e 84 das
Sentenças.
(8)
− Possessio Monasterii de Canedo pro Decano Portugalensi. Censual,
pág. 329-330.
(9)
− Os Condes da Feira procedem de D. Rui Gonçalves Pereira, irmão
consanguíneo de D. Gonçalo Pereira. D. Nuno ou Fr. Nuno de Santa Maria
tem na frontaria da igreja paroquial de Guisande uma recordação da sua
vida de guerreiro e Santo. Em artísticos azulejos lá estão representados
os conventos da Batalha e do Carmo, as bandeiras de D. Nuno, com a
presidência deste, vestido de donato carmelita. É a recordação duma
época brilhantíssima da História de Portugal.
(10)
− Renunciaçon que fez Domingos martynz dayam ao Moesteiro de Canedo.
Censual, pág. 331.
(11)
− N.º 779 do Índice Roteiro, no Arquivo do Cabido.
(12)
− Livro 806 ou 84 das Sentenças, no Arquivo do Cabido; é muito
importante e quase todo contém documentos relativos ao Mosteiro de
Canêdo.
Em 1457 houve ordem régia pela qual se examinou na Torre de Tombo quais
eram os casais do Mosteiro de Canêdo que deviam pagar foro ao Castelo da
Feira.
Índice-Roteiro,
n.º 586 ou livro 86 das Sentenças.
(13)
− Índice-Roteiro, n.º 782 e 785 ou livro 84 das Sentenças.
(14)
− Livro 806.
(15)
− HENRIQUE DA GAMA BARROS na História da Ad. Pública em Portugal,
nos séculos XII a XV, voI. I, pág. 342, 346-348, 396; II, 220, 224 e
segs.; III, 64, 421 e noutras passagens.
DR. FORTUNATO em várias passagens da História da Igreja em Portugal.
(16)
− Catálogo, vol. lI, capítulo XIV. D. Rodrigo da Cunha, referindo-se às
igrejas da Comarca da Feira, por 1623, escreveu: «S. Pedro de Canedo tem
o Santíssimo Sacramento: Ermidas, S. Luzia, outra na quinta de Várzea.
Tem de Comunhão 681 pessoas, menores 164. É anexa de Lobão e com ela é
arrendada Vigairaria.» Catálogo dos Bispos do Porto, II Parte,
Capítulo XXXXIIII.
(17)
− VITERBO, no Elucidário, a palavra foral; História da
Administração em Portugal, nos séculos XII a XV, por HENRIQUE DA
GAMA BARROS, III, 528 e seg., cap, lII, sec. I, «Forais dados pelo rei».
Agradecimento e explicação:
À Ex.ma Direcção do Arquivo do Distrito de Aveiro o
meu agradecimento pelo empréstimo da cópia do foral para este 'meu
trabalho; juntei notas e explicações que são indispensáveis para
compreensão de muitas passagens. Cito muito o falecido escritor GAMA
BARROS, porque a sua obra é importantíssima e fácil de consultar para
quem tiver o Índice Analítico do Sr. Dr. AUGUSTO REIS MACHADO.
Sabemos que, a seu tempo, será aqui publicado o foral completo como
outros do distrito com o português do tempo de D. Manuel. Aqui vai
actualizado por causa duma separata.
(18)
− Eiradégas não indica só o fruto seco e debulhado na eira, mas é uma
medida bastante arbitrária, como se deduz de muitos forais. Como medida
de cereal a eiradéga media 1, 3, 4, 6, 12 e até 24 alqueires. Variava
muito. VITERBO, no Elucidário. GAMA BARROS, obra cit., III, 482,
6117. Reguengos e realengos eram as terras do património real ou que
pagavam direitos à Coroa. GAMA BARROS, cit. III, 614 e noutros logares.
(19)
− Pena no Elucidário de VlTERBO.
(20)
− GAMA BARROS, obra cit., III, 342 e seg
(21)
− GAMA BARROS, obra cit., III, pág. 721 e seg., e 781 (pensão dos
tabeliães).
(22)
− VlTERBO, no Elucidário. GAMA BARROS, III e IV
(23)
− GAMA BARROS, obra cit., voI. III e IV.
(24)
− GAMA BARROS, na obra citada sobre pastos comuns, pastagens e
montados. IV, pág. 83 e seg., 99-105.
(25)
− VlTERBO no Elucidário e GAMA BARROS, III, 495 (texto e notas) e
617.
(26)
− VlTERBO e GAMA BARROS, II e III.
(27)
− Afusal ou efusal era um certo peso de linho que correspondia a 2
arráteis. Para outros o efusal constava de 12 estrigas de linha.
Vinho mole era o mosto, o vinho que não ferveu. Havia o vinho de cutelo
que cada um colhia da sua lavra e o vinho podado ou de vinhas. GAMA
BARROS, lV, pág. 42 e seg. sobre vinho, azeite e linho.
Quarteiro era uma medida que variava bastante. Neste caso do Mosteiro o
quarteiro valia 16 alqueires. Alqueire, quarteiro e moia variavam nos
forais e nas localidades. Veja-se VITERBO no Elucidário e GAMA
BARROS, IV, pág. 296-355, no capítulo « Pesos e medidas».
Gorazil, corazil, cobrazil... que aparece no foral significa uma
parte do porco, ou espádua do porco. Calaça é a costa ou banda do
porco. Veja-se, o Elucidário.
(28)
− Elucidário de VITERBO nas palavras moio e medida
velha, onde se mostra que, tendo D. Manuel procurado uniformizar as
medidas, há nos seus forais diversidades e apresenta exemplos.
Sobre medidas de capacidade, veja se GAMA BARROS, IV, pág. 311-339.
(29)
− Préstimo ou prestimónio significa porção de rendimentos de um
benefício. Significou também pensão diária, anual, temporária ou
vitalícia na Igreja e no século. Elucidário de VITERBO.
(30)
− Manuel Beça Leal foi reitor mais de 50 anos. Formado em Cânones pela
Universidade de Coimbra, erigiu a Congregação da Ordem Terceira e foi
visitador diocesano. No fim da vida, retirou-se para a Congregação de
Oliveira do Douro. |