Francisco Ferreira Neves, Documentos para a história política do dist. de Aveiro (1847-1862), Vol. IV, pp. 37-47.

DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA

DO DISTRITO DE AVEIRO (1847-1862)

JÁ dei no voI. III desta revista uma sucinta notícia dos movimentos políticos desde 1835 até 1847, e publiquei alguns documentos a eles referentes. Analogamente irei proceder para a época que decorre desde 1847 até 1862. Antes, porém, de o fazer, quero deixar arquivada aqui uma descrição dos acontecimentos da revolução da Maria da Fonte, e do pronunciamento de 6 de Outubro de 1846, feita por um aveirense que tomou parte activa neles.

Assim começa o apontamento original que tenho presente, do qual actualizo a grafia:

Em 29 de Janeiro de 1842, digo, no dia 27 de Janeiro do ano acima se aclamou no Porto a Carta de 26, para o que ali tinha vindo dias antes, de Lisboa, António Bernardo da Costa Cabral, então ministro das Justiças, e ali se nomeou uma Junta de que foi presidente o mesmo Costa Cabral, e dali mandou da forma seguinte: − Manda a Junta em nome da Rainha; e no dia 28 recebeu aqui o Administrador Geral ordem para a fazer; este oficiou à Câmara sendo presidente António Augusto para no dia 29 se fazer aclamação; este respondeu ao ofício que não anuía; depois mandou outro ofício para lhe mandar as chaves a que o dito presidente respondeu se tinham perdido; com efeito, no dia 29 às 2 horas da tarde se procedeu a devido (?) arrombamento e se fez aclamação sendo nomeada nova Câmara que foi presidente Bernardo Queiroz Fesal, Domingos dos Santos Barbosa Maia, vereador, o Ponce Leão, Francisco José Barbosa e o Dr. Monteiro Administrador do concelho.

E desde este tempo até 14 de Fevereiro não houve Câmara, nem velha nem nova, neste dia chegou a notícia de que a Rainha tinha anuído depois de declarar rebelde a revolta do Porto, e mandou que se considerasse em vigor a Carta Constitucional de 1826.

A nova Câmara quis tomar posse, porém, o presidente da velha lha não quis dar; de novo arrombaram o resto. Houve luminárias, 15, 16, 17, e neste último, Te-Deum na Sé, e tomou a Câmara posse.»

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Vejamos agora o que nos diz, a seguir, a mesma testemunha, acerca da revolução da Maria da Fonte e golpe de Estado de 6 de Outubro. Neste ano de 1846 era governador civil de Aveiro, José Vieira Santa Rita, partidário dos Cabrais.

«Em 14 de Maio de 1846 houve a revolução nesta cidade [Aveiro] em virtude da revolta e acontecimentos de Maria da Fonte no Minho; foi chefe da revolta aqui João Carros(1), e António Augusto(2); formou-se um batalhão popular que no dia 15 marchou para Coimbra na direcção de Cantanhede adonde fez junção com as forças populares do Campo de Coimbra; levou-se daqui o dinheiro do cofre(3), e foi preso o Governador Civil, Mesquita(4), e José Ferreira Novais, filho de Manuel do Alexandre, de Ílhavo; três dias depois de se entrar em Coimbra se marchou sobre Caçadores n.º 8 que tinham retirado de Coimbra, e foram encontrados em Aguada aonde anuíram ao grito nacional; o batalhão de Aveiro marchou para esta cidade, e descansando um dia, marchámos para o Porto, digo, na direcção do Porto, indo desembarcar a Estarreja, e seguimos a marcha pelos Carvalhos, até que entrámos em Vila Nova de Gaia, adonde fizemos alto, reunindo ali uma força popular de quatro a cinco mil homens comandados por diferentes proprietários e influentes dos seus concelhos, e comandados em geral por António Augusto Coelho de Magalhães, e eu, seu ajudante.

Há dias, tinha fugido José Cabral da cidade do Porto, e ficou Governador Civil o Visconde da Várzea, o qual entrou em negociações com o comandante geral daquela força, António Augusto, por cuja convenção se recolheram as forças populares aos seus concelhos, e o batalhão popular desta cidade entrou em Aveiro em 30 de Junho do dito ano; e entrou o ministério Palmela sendo suplantados, e mandados sair do reino António Bernardo da Costa Cabral e seu irmão José e mais alguns influentes da Carta e do Cabralismo.

Quando estavam preparados os trabalhos eleitorais para a eleição dos deputados, apareceu a emboscada da noite de 6 de Outubro do mesmo ano de 1846 em que a Rainha fez com que os ministros do ministério Palmela dessem a sua demissão e nomeou ministros afectos aos Cabrais, e à testa das tropas o Saldanha.

O Porto não anuiu, nomeou uma Junta intitulada a Junta do Supremo Governo do Reino em nome da Nação e da Rainha, de que era presidente o Conde das Antas; secretário do Reino Passos José, guerra Ávila, justiças Almeida e Brito; estrangeiros Seabra; marinha Justino Pinto Bastos.

Organizou-se um brilhante exército, tanto de 1.ª linha como popular; teve a Causa alguns revezes fortes como Valpassos e Torres Vedras; porém, nada disto fez desanimar a Causa Nacional. Anuíram a esta Causa alguns generais realistas, como Póvoas, Guedes, Bernardino, e outros, e após deles um grande número de oficiais do exército realista, em vista do que o Saldanha nunca depois de Torres Vedras tornou a oferecer acção alguma ao Porto.

A Rainha, vendo a causa perdida da convenção com Saldanha e António Bernardo da Costa Cabral, então embaixador em Espanha, arranjaram a pedir uma intervenção à Inglaterra, França e Espanha, sendo esta por terra e aquela por mar.

Em ... de Maio foi tomada pelos ingleses a expedição do Conde das Antas que marchava para os arrabaldes de Lisboa a reforçar o visconde de / 39 / Sá da Bandeira que se achava e no dia 3 de Junho invadiram os espanhóis o território português, passando da cidade de Tui para a praça de Valença, adonde já pelos espanhóis, com os Cabrais que se achavam dentro da praça, saíram às duas horas da tarde e tiveram fogo com uns 600 homens que ali se achavam de guarnição composto do 2.º de Artistas, Batalhão Nacional Provisório de Aveiro, e de Barcelos em muito pequeno número estando este em Segadeis Aveiro em Ganfei, e Artistas em Arrão (?).

Assim mesmo se bateram como nacionais, de que os Artistas muito sofreram; como porém o número que saiu da praça era de 5 a 6 mil homens, tiveram os nacionais de retirar na direcção de Ponte do Lima, depois para Braga e Porto.

No dia 1.º de Julho entraram pelo convénio feito em Gramide (próximo do Porto) 10 mil homens espanhóis, caçadores, infantaria, cavalaria e artilharia, e no dia 2 do dito mês marcharam as forças populares para os seus domicílios com guia do general espanhol Concha, digo, D. Manuel de la Concha, tendo-se no dia 29 de Junho e 1.º de Julho toda a força da Junta deposto as armas, em virtude do referido convénio.

Esta marcha para suas casas foi fatal pelos muitos assassínios que se fizeram aos Patuleias, já pelos soldados do exército do Saldanha que estava no alto da Bandeira, e já em diferentes terras pelos Cabralistas que se julgavam vencedores.

Em Aveiro no dia 2 de Julho houve a entrada da Canhoneira Maria da Fonte que vinha com alguma gente do batalhão nacional da cidade, e da regida por Francisco de Paula Monteiro, e chegaram em boa harmonia às Pirâmides; porém, sendo agredidos por alguns Cabralistas da terra e outros de fora que ali se achavam, se rompeu o fogo por parte dos da terra, o qual, sendo correspondido pelos da canhoneira, produziu a morte do negociante Ponce de Leão, e de um veterano, e o ferimento em um braço de Manuel Ferreira (Boradinha) do qual sarou, e mais alguns ferimentos.

Nesta contenda não houve vencedores nem vencidos, porque as forças estrangeiras é que foram os vencedores. O Saldanha só entrou no Porto daí a dias, quando as Potências contratantes assentiram. Até hoje, 26 de Novembro, não tem dado a Rainha cumprimento ao protocolo de Gramide, apesar das diferentes e repetidas instâncias do governo britânico.

No dia 29 de Novembro de 1847 tiveram lugar a eleição dos Eleitores de Província nesta cidade; não houve oposição bem como em outras muitas; saiu o eleitor pelo concelho de Aveiro o Coronel Moniz, e o secretário Joaquim Elias, por Eixo o escrivão de direito Leite, por Vagos o escrivão Albuquerque, e outros quejandos por os outros distritos, digo, por os outros concelhos, saindo por Mira, Manuel Ferreira.


A convenção assinada em Gramido aos 29 dias do mês de Junho de 1847 não conseguiu fazer terminar de vez as lutas entre os partidos.

Em 1849 Saldanha é demitido do Governo, voltando de novo ao poder o cartista Costa Cabral, já conde de Tomar.

Saldanha começa a ser perseguido, e é demitido dos lugares de confiança política e de mordomo-mor do paço.

As violências do Governo de Costa Cabral irritam a opinião, e começa-se a conspirar. Saldanha entra para a oposição que se torna feroz. Em Abril de 1851 Saldanha revolta-se, mas a revolução falha, e ele tem de sair para Espanha. Pronuncia-se então em seu favor o partido progressista e a cidade do / 40 / Porto, onde o coronel Moniz dirige uma proclamação às tropas, escrita nos seguintes termos:

«Soldados! Todos os portugueses desejam liberdade com ordem: querem a liberdade que nos foi dada pelo immortal senhor D. Pedro IV; mas pura e não sophismada.

Este desejo acha-se suffocado, e foi para auxiliar a sua expressão franca que o nobre duque de Saldanha convidou o exército portuguez. A rainha e a Carta, abaixo o ministério − foi o grito alevantado; e o exército correspondendo a eIle, não faz mais do que auxiliar o voto unanime da nação portugueza.
A briosa guarnição do Porto acaba de consolidar hoje ainda uma vez, dentro dos muros da cidade invicta, a verdadeira liberdade.

Soldados! O nobre marechal estará em breve á vossa frente; o exército todo seguirá o vosso exemplo; e a rainha e a Carta serão salvas. Soldados:

Viva sua magestade fidelissima a rainha a senhora D. Maria II.

Viva a Carta Constitucional da monarquia.

Viva o nobre marechal Saldanha.

Viva a briosa Guarnição do Porto.

Vivam os heroicos habitantes da cidade invicta.

Porto, 25 de Abril de 1851

José Maria da Fonseca Moniz, comandante interino da 3.ª divisão militar.»

 

A revolução triunfou, e Costa Cabral foi demitido. Em 1 de Maio foi Saldanha nomeado presidente do conselho e ministro do reino.

Ia começar um novo período político conhecido pelo nome de Regeneração (1851-1856). Saldanha conservou-se no poder até 6 de Junho de 1856, e conseguiu conciliar os partidos e iniciar em Portugal uma era de grandes melhoramentos materiais.

Com a revolução de 1851 perdeu importância o partido cartista aveirense, tendo-se misturado com o setembrista de tal modo que durante muitos anos apenas houve de facto o partido da autoridade, se bem que por vezes surgissem grandes divergências.

Como pormenor, direi que a rainha D. Maria II, após a revolução, decidiu fazer uma viagem pelo Minho, e para isso saiu de Lisboa no dia 15 de Abril de 1852, seguiu pela estrada real para o Porto, e daqui para Braga, Barcelos, Guimarães e Viana, voltando de novo ao Porto, e daqui para Ovar, donde saiu no dia 23 de Maio em barco, para Aveiro.

Neste mesmo dia chegou a esta cidade, acompanhada de seu marido el-rei D. Fernando e dos seus dois filhos mais velhos, e ainda do marechal Saldanha e de outras personagens.

Aqui foi recebida festivamente pela Câmara Municipal e povo, e logo a seguir assistiu na igreja do convento de Jesus a um / 41 / Te-Deum, depois do que se dirigiu ao palacete da Baronesa de Almeidinha no qual esta titular a hospedou.

No dia seguinte, às 7 horas da manhã, retirou a família real para o sul.

Em Agosto de 1852, tomou pela segunda vez posse do cargo de governador civil do distrito de Aveiro, Antero Albano da Silveira Pinto, que ocupou o lugar durante a situação regeneradora, e ainda nos primeiros tempos do novo ministério progressista histórico presidido pelo marquês de Loulé. Mas uma violenta campanha feita pelo jornal "O Campeão das Províncias" fez demitir em Agosto de 1857 este governador, sendo seu sucessor Nicolau Anastácio de Betencourt, que tomou posse do lugar em 29 de Agosto deste mesmo ano, e nesta ocasião publicou o seguinte manifesto:

HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.

Encarregado por Sua Magestade El-Rei de administrar este importante Districto, e tendo hoje tomado conta do governo civil; seja o meu primeiro passo declarar-vos com franqueza as intenções que me animam, e o modo como entendo traduzil-as em vosso beneficio.

Delegado do Governo hei de coadjuvar com toda a lealdade as suas vistas constitucionaes, e systema politico.

Chefe superior da administração do Districto protesto fazer tudo o que possa contribuir para a felicidade commum de seus habitantes.

Convencido de que á sombra da geral concordia, e no meio do socego, é que póde desenvolver-se a prosperidade de um paiz, recolhendo o povo os fructos do seu trabalho nos bens inherentes ao progresso da civilisação, vereis sempre a auctoridade attenta e vigilante pela manutenção da paz e ordem publica.

Sem demora vou informar-me das necessidades existentes nas diversas localidades d'este territorio, com especialidade nos ramos da agricultura, commercio e industria a que mais particularmente vos tendes applicado, não descuidando porém os que com vantagem possam ser introduzidos em alguns pontos do Districto: − e seja provendo de remedio a essas necessidades quanto caiba em minhas attribuições, seja reclamando dos poderes competentes as providencias que demandem auctorisação superior, espero remover os embaraços que possam oppor-se á realisação dos melhoramentos exequiveis nas actuaes circumstancias.

Os meios de attender á sorte das classes menos abastadas do povo, aproveitando os recursos que para esse fim se proporcionem, e promovendo a fundação de um ou outro estabelecimento de beneficencia de que ainda se necessite, vão tomar uma grande parte nas minhas meditações.

Em tudo conto com a leal e efficaz cooperação, que me é devida, dos magistrados e corpos administrativos, ao passo que não deixo de solicitar o valioso auxilio, que já espero, de todas as influencias e capacidades quaesquer que sejam as suas opiniões.

Habitantes do Districto d'Aveiro. Todos os meus actos e deliberações vereis afferidas pela moralidade, rasão e justiça, que naturalmente conduzem á sempre sauoavel tolerancia.

Constante e firme na indicada senda, se os meus esforços não forem coroados com os promptos e felizes resultados que todos desejáramos, ao menos, servirão de fazer ver o zêlo e cuidado de um funccionario, conscio dos seus deveres, e amigo sincero do Districto./ 42 /

Quero, por isso, a vossa confiança. Pela minha parte vos offereço uma dedicação sem limites pelos vossos interesses e pelo vosso bem estar.

Governo Civil d'Aveiro 29 d'Agosto de 1857.

O Governador Civil Nicolao Anastacio de Bettencourt.

 

Este governador administrou o distrito com geral agrado, e deixou em Aveiro bom nome, que ainda hoje perdura.

Em 16 de Março de 1859, sobe ao poder o partido regenerador, presidindo ao Governo o duque da Terceira.

Por motivo de eleições que se haviam de realizar em 1 de Janeiro de 1860, foi o governador Bettencourt transferido para Portalegre em Novembro de 1859, vindo ocupar o seu lugar o governador de Portalegre, Luís Teixeira de Sampaio, Júnior.

Ao abandonar o Governo civil de Aveiro, Nicolau Anastácio de Betencourt fez publicar o seguinte documento:

 
O GOVERNADOR CIVIL NICOLAU ANASTACIO DE BETTENCOURT AOS HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.

Transferido para Portalegre por Decreto de 7 do corrente que hoje recebi, é do meu dever, ao despedir-me com bastante sentimento dos dignos habitantes do Districto d'Aveiro, significar-lhes a minha gratidão, pelas honrosas demonstrações de simpathia e confiança que me dispensaram.

A missão que me foi confiada pelo Governo de Sua Magestade, procurei eu desempenhal-a imprimindo em todos os meus actos a sinceridade de rectas intenções, e administrando o Districto conforme a indole benefica do cargo que acabo de exercer. Espero, pois, benevolencia para o modo como me conduzi no exercicio das difficeis funcções governativas, e cordealmente agradeço ás auctoridades, corpos administrativos e funccionários publicos o auxilio que me prestaram.

Em qualquer parte aonde esteja formarei sinceros votos pelas merecidas prosperidades de um povo, que tanto se distingue pela sua lealdade ao Throno Constitucional, pelo seu amor á ordem e respeito ás Leis.

Possam os habitantes do Districto d'Aveiro continuar a gosar, á sombra das instituições que nos regem, os bens da paz e tranquilidade, que felizmente vi conservados durante a minha gerencia administrativa.

Aveiro 14 de Novembro de 18S9.

Nicolau Anastacio de Bettencourt.
 

Enquanto não chegou o novo governador, serviu o secretário geral José Ferreira da Cunha e Sousa.

Em 1 de Janeiro de 1850 houve eleição de deputados, e por Santarém foi eleito o governador civil de Aveiro, e pelo / 43 / círculo de Aveiro foi eleito o ilustre aveirense e já consagrado orador parlamentar José Estêvão Coelho de Magalhães.

Não sei se o governador Teixeira de Sampaio fez alguma proclamação quando tomou posse do lugar; mas ao abandonar o seu lugar em A veiro, para ocupar o de deputado, publicou a seguinte exposição:

HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.

Eleito deputado ás côrtes geraes da nação pelo primeiro circulo de Santarem-Cartaxo e Rio Maior − devo em breves dias retirar d'Aveiro para a capital.

Habitantes do districto! − Governador Civil por mais de quatro annos no districto da Horta, retirei-me d'alli, por exoneração, penhorado da estima e favor da maioria absoluta de seus habitantes, aos quaes ainda hoje devo, e me compraz testemunhar-lhes um voto d'agradecimento, e os protestos da minha eterna gratidão.

Dois mezes me couberam na gerencia administrativa do districto de Portalegre, d'onde, com verdadeiro sentimento, fui transferido para o d'Aveiro.

Não pensei nunca em vir encontrar entre vós ainda mais provas de benevolência.

Cheguei a este districto n'uma crise bem ardua, n'uma situação politica assaz espinhosa. Ergueram-se preconceitos, levantaram-se suspeitas, que me coube a felicidade de destruir. Atravessei a crise eleitoral bem forte da minha consciencia, como leal ao Governo, que em mim se dignou depositar confiança, e com a convicção de que, sem me declarar hypocritamente estatico em dirigir as eleições pelos meios suasorios, conciliando opiniões e vontades de amigos politicos, e direi mais, tendo de agradecer a adversarios apreciaveis deferencias, respeitei, como devia, os principios e os preceitos da lei eleitoral.

Illações, que se tiraram para accusação do vosso Governador Civil, não as considerei, porque tinha para vir em meu testimunho, o unico de valor para mim, e este é o vosso, eleitores de todas as cores politicas do districto d'Aveiro.

Não se fez uso do cutello demissorio; não se pediu o voto ao empregado publico; cada um votou como entendeu; e ao contrario, nem um momento se hesitou em desligar do seu compromisso de honra um funccionario de confiança, que nas vesperas da eleição, e n'um circulo onde ella foi mais disputada, resignou o seu cargo para poder mais livremente apoiar,
como apoiou, e com todas as suas forças, o candidato opposicionista; sendo aquelle substituido, na conformidade da lei, pelo respectivo presidente da Camara. Não houveram violencias; a urna permaneceu desaffrontada ao livre accesso dos eleitores: não houve confidenciaes − o publico foi chamado a discutir e apreciar os actos da auctoridade relativos ao grande processo nacional que ahi acaba de discutir-se.

O Governador Civil declarou quaes os candidatos, que licitamente recommendava e apoiava; e os eleitores votaram nos que mais simpatias lhes mereceram. Nem um só nome lhes foi imposto.

Em tão curto espaço de tempo, como foi o decorrido desde que cheguei a este districto, pouco podia entender da sua administração, alem do expediente ordinario. Mal posso, porém, retribuir com agradecimentos as provas de confiança, de attenção e favor, que mereci a todas as cores politicas no districto, e bem assim significar qual a minha saudade em separar-me deste paiz tão apreciavel, d'uma população tão justa para com as minhas intenções, que tão precisamente avaliou.

Foram eleitos por este districto os dois mais bellos ornamentos da / 44 / tribuna portugueza, os srs. José Estevão Coelho de Magalhães e Luiz Augusto Rebello da Silva, além do distincto conselheiro d'Estado o sr. Antonio José d'Avila, e outros cavalheiros que mui dignamente representam os circulos porque foram eleitos.

N'estas circunstancias é bem insuficiente a minha voz, bem inutil mesmo, para lembrar no seio da representação nacional as necessidades d'este districto. Acreditae, porém, habitantes do districto d'Aveiro, que o meu voto não será nunca dos mais demorados em apoiar quanto possa concorrer para o desenvolvimento da vossa riqueza publica, e para o complemento da vossa civilisação.

Aveiro 11 de Janeiro de 1860.

Luiz Teixeira de Sampaio, junior.

 

A Teixeira de Sampaio sucedeu no governo civil de Aveiro um grande amigo de José Estêvão, o aveirense Dr. José Mendes Leite, que ocupou o cargo desde 14 de Março de 1860 até 16 de Agosto do mesmo ano.

Como de costume, dirigiu aos habitantes do seu distrito uma proclamação, impressa, e escrita nos seguintes termos:

HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO

Por Decreto do 1º do corrente Houve Sua Magestade por bem encarregar-me da administração d'este Districto. Acceitando esta graça roconheço a obrigação de corresponder á confiança em mim depositada servindo com zelo e lealdade a com missão que me foi confiada.

Rigorosa observancia da lei − solicitude pelos melhoramentos do Districto − justiça para todos − favor para ninguem será a norma constante do meu proceder.

Prometto porque tenho a consciencia de que hei de cumprir.

Conto com a coadjuvação das auctoridades e corpos administrativos, e peço a cooperação de todas as influencias do Districto, porque a todos aproveita o cumprimento d'esta minha promessa.

Se me faltarem estes auxilios não poderá a minha administração ser proficua ao Districto, e então, tranquillo de consciencia e sem pezar, deixarei a quem melhor possa sirvir a espinhosa commissão, que hoje acceito sem prazer.

Aveiro 14 de Março de 1860.

O Governador Civil

(a) M J Mendes Leite

 


Em 1 de Maio de 1860 em virtude da morte de Terceira, é nomeado presidente do Conselho Joaquim António de Aguiar, que pouco tempo ocupa as cadeiras do poder, visto que no dia 4 de Julho deste ano o parlamento derruba o Govorno.

Novamente é chamado a presidir ao Governo o marquês de Loulé, que José Estêvão vinha guerreando desde 1856. / 45 /

Ao abandonar o lugar de governador, Mendes Leite despede-se nos seguintes termos(5):

HABITANTES DO DISTRICTO DE AVEIRO.

Por decreto de 9 do corrente houve S. M. por bem exonerar-me da commissão de que me havia encarregado sem eu a solicitar.

Não sei se a minha administração satisfez ao Districto, mas sei que volto á vida privada em paz com a minha consciencia. Tive pouco tempo para o muito que ha a fazer, mas bastante para provar tolerancia, imparcialidade, e bons desejos.

Devendo acreditar que ao sincero interesse pelo bem do serviço publico, e não á intolerancia politica, é devida a minha exoneração, agradeço a S. M., e felicito o distrito, porque quero crer que o magistrado que vem substituir-me, com mais e melhores serviços ao paiz e á liberdade, com mais conhecimentos d'administração e da localidade e com desejos iguais aos meus, ha-de saber administrar com mais illustração e proveito.

Serei sempre reconhecido á cooperação que me prestaram todas as authoridades e corpos administrativos, e nunca esquecerei a benevolencia dos habitantes do distrito.

Aveiro, 16 de Agosto de 1860

Manuel José Mendes Leite

 

O governador civil seguinte foi Basílio Cabral Teixeira de Queirós Júnior, do partido progressista.

Haveria eleições de deputados em 28 de Abril de 1861, e o Governo, querendo derrotar José Estêvão que se apresentava como candidato pelo círculo de Aveiro, deu ordens terminantes ao governador civil para dificultar a eleição de José Estêvão, promovendo antes a eleição de candidato governamental Manuel Firmino d'Almeida Maia, pessoa dispondo de muita influência em Aveiro. José Estêvão perdeu a eleição nas assembleias de Aveiro, Esgueira e Eixo; teve um voto de maioria em Ílhavo, e trezentos e oitenta e nove de maioria em Vagos. Diz-se que se fizeram algumas irregularidades nesta assembleia em seu favor, mas é provável que nas outras também as tivesse havido em favor do seu adversário; fosse como fosse, Vagos fez triunfar a candidatura de José Estêvão. Infelizmente este falecia em Lisboa aos 4 de Novembro de 1862.

Vejamos a proclamação que o governador Basílio Cabral dirigiu aos povos do distrito:


HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.

Tendo Sua Magestade EI-Rei Havido por bem nomear-me, por Decreto de 9 d'Agosto ultimo, Governador Civil deste Districto, entrei hoje no exercicio das funcções do mesmo cargo.

Compenetrado dos deveres que contrahi, aceitando-o, para com o Governo / 46 / e para os povos desta bella e importante parte da monarchia portugueza, procurarei desempenhal-os com lealdade e dedicação, até onde o permittirem as minhas forças.

A manutenção da ordem e segurança publica e individual, − a fiel execução das leis e regulamentos administrativos, − justiça para todos sem differença de partidos ou de opiniões politicas, − o progresso da instrucção, da moralidade, e dos melhoramentos materiais, − e o desenvolvimento, em fim, da publica prosperidade nos ramos dá agricultura, do commercio e da industria, serão os objectos da minha constante e desvelada solicitude no desempenho da difficil missão, que me foi confiada.

Conto com a fiel e efficaz cooperação das corpo rações e auctoridades administrativas; peço o auxilio de todos os funccionarios publicos, de todas as influencias e capacidades, e de todos os bons cidadãos, cuja confiança espero merecer, pois só assim poderei attingir o alvo de meus desejos, de minhas ambições, e dos constantes votos que faço pela felicidade do Distncto.

Aveiro 4 de Setembro de 1860.

(a) Basilio Cabra! Teix.ª de Queiróz Júnior

 

Em Fevereiro de 1862 há uma recomposição ministerial continuando na presidência o marquês de Loulé, e tomando conta da pasta do reino Anselmo Braancamp. Neste ano alguns tumultos no norte do país perturbaram um pouco a acção do Governo.

Em Novembro de 1862 foi nomeado governador civil de Aveiro, António Teodoro Ferreira Taborda, que apresentou o seu programa na seguinte proclamação que publicou:
 

HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO!

Venho para entre vós na qualidade de Governador civil: assim houve por bem determinal-o Sua Magestade EI-Rei em seu Real Decreto de 20 do mez findo.

Immensa é a honra que Sua Magestade acaba de conferir-me: possa eu tornar-me digno de tão alta distincção e corresponder á elevada confiança que o egregio Monarcha se dignou depositar em mim.

Considero-me afortunado, duplicadamente afortunado, vendo que os povos confiados aos meus cuidados estão, por effeito da sua illustração, tão adiantados no caminho da civilisação e do progresso. Em taes condições de existencia, a auctoridade não tem que actuar violentamente sobre os cidadãos; antes elles, respeitando as leis, adquirem incontestavel direito á dedicada sollicitude d'aquelle a quem cabe fazel-as cumprir. Não faço programma governativo; mas tende como certo que hei de practicar, dentro da esphera das minhas attribuições, tudo o que for conducente ao vosso bem-estar.

O meu primeiro desvelo será fazer acatar as instituições liberaes, que devemos ao immortal Dador da Carta, e a par d'aquelle empregarei toda a minha vigilancia para que a vossa segurança individual e a da vossa propriedade sejam plenamente mantidas. Quem quer, que se esqueça de respeitar objectos de tanta veneração, não conceba a esperança de ficar impune ou esquecido: mude-se quem assim o presumir.

Dos srs. empregados, dependentes d'este Governo civil, espero eu a mais leal coadjuvação no meu sincero desejo de bem cumprir os difficeis / 47 / deveres do meu cargo: se d'outro modo, o que não é de esperar, succedesse, levantado estava um conflicto, que carecia de prompto remedio.

Aveiro, 1 de Dezembro de 1862.

Antonio Theodoro Ferreira Taborda.

O governador Taborda manteve-se no Governo civil até o ano de 1865, ano em que foi substituído por Aires Guedes Couto Garrido.

Como se vê, o estilo das proclamações dos governadores civis referentes à segunda metade do século XIX é bem diferente do das proclamações da primeira metade. Aquelas reflectem o sossego, progresso e harmonia em que viveu a nação; as outras revelam a desunião e as lutas que agitaram e ensanguentaram o país naquela época.

Aveiro, 8 de Fevereiro de 1938. 

FRANCISCO FERREIRA NEVES

____________________________________________
(1) João Carlos do Amara! Osório e Sousa, da casa do Terreiro, em Aveiro, depois visconde de Almeidinha. 

(2) António Augusto Coelho Magalhães, irmão de José Estêvão.  

(3) O cofre era do Governo Civil de Aveiro, e continha quatro contos e noventa e quatro mil quinhentos e noventa e quatro réis.  

(4) Manuel Amónio Loureiro de Mesquita. 

(5) MARQUES GOMES, Cinquenta anos de vida pública Aveiro, 1899.  

 

Correcção posterior a este artigo:

A entrada da canhoneira «Maria da Fonte» foi no dia 2 de Julho de 1847. Os que primeiro fizeram fogo foram os da canhoneira, pois que o Ponce Leão e os companheiros / 325 / [Vol. IX - N.º 36 - 1943] não levavam armas. O Ponce Leão levava uma bengala. O barco não passou das proximidades das pirâmides; e quando, mais tarde, veio tropa, os patuleias fugiram pelas marinhas. Traziam uma pequena peça. O primeiro tiro não acertou em ninguém; o segundo matou o Ponce Leão, que ficou em tal estado, que foi preciso um lençol para embrulhar os seus restos. (JOSÉ FERREIRA DE SOUSA)

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