JÁ dei no voI.
III desta revista uma sucinta notícia dos movimentos políticos desde
1835 até 1847, e publiquei alguns documentos a eles referentes.
Analogamente irei proceder para a época que decorre desde 1847 até 1862.
Antes, porém, de o fazer, quero deixar arquivada aqui uma descrição dos
acontecimentos da revolução da Maria da Fonte, e do pronunciamento de 6
de Outubro de 1846, feita por um aveirense que tomou parte activa neles.
Assim começa o
apontamento original que tenho presente, do qual actualizo a grafia:
Em 29 de Janeiro de 1842, digo, no dia 27 de Janeiro do ano acima se
aclamou no Porto a Carta de 26, para o que ali tinha vindo dias antes,
de Lisboa, António Bernardo da Costa Cabral, então ministro das
Justiças, e ali se nomeou uma Junta de que foi presidente o mesmo Costa
Cabral, e dali mandou da forma seguinte: − Manda a Junta em nome da
Rainha; e no dia 28 recebeu aqui o Administrador Geral ordem para a
fazer; este oficiou à Câmara sendo presidente António Augusto para no
dia 29 se fazer aclamação; este respondeu ao ofício que não anuía;
depois mandou outro ofício para lhe mandar as chaves a que o dito
presidente respondeu se tinham perdido; com efeito, no dia 29 às 2 horas
da tarde se procedeu a devido (?) arrombamento e se fez aclamação sendo
nomeada nova Câmara que foi presidente Bernardo Queiroz Fesal, Domingos
dos Santos Barbosa Maia, vereador, o Ponce Leão, Francisco José Barbosa
e o Dr. Monteiro Administrador do concelho.
E desde este tempo até 14 de Fevereiro não houve Câmara, nem velha nem
nova, neste dia chegou a notícia de que a Rainha tinha anuído depois de
declarar rebelde a revolta do Porto, e mandou que se considerasse em
vigor a Carta Constitucional de 1826.
A nova Câmara quis tomar posse, porém, o presidente da velha lha não
quis dar; de novo arrombaram o resto. Houve luminárias, 15, 16, 17, e
neste último, Te-Deum na Sé, e tomou a Câmara posse.»
/ 38 /
Vejamos agora
o que nos diz, a seguir, a mesma testemunha, acerca da revolução da
Maria da Fonte e golpe de Estado de 6 de Outubro. Neste ano de 1846 era
governador civil de Aveiro, José Vieira Santa Rita, partidário dos
Cabrais.
«Em 14 de Maio
de 1846 houve a revolução nesta cidade [Aveiro] em virtude da
revolta e acontecimentos de Maria da Fonte no Minho;
foi chefe da revolta aqui João Carros(1), e António
Augusto(2); formou-se um
batalhão popular que no dia 15 marchou para Coimbra na direcção de
Cantanhede adonde fez junção com as forças populares
do Campo de Coimbra; levou-se daqui o dinheiro do
cofre(3), e foi preso
o Governador Civil, Mesquita(4), e José
Ferreira Novais, filho de Manuel do Alexandre, de Ílhavo; três dias
depois de se entrar em Coimbra se marchou sobre Caçadores n.º 8 que
tinham retirado de Coimbra, e foram encontrados em Aguada aonde anuíram
ao grito nacional; o batalhão de Aveiro marchou para esta cidade, e
descansando um dia, marchámos para o Porto, digo, na direcção do Porto,
indo desembarcar a Estarreja, e seguimos a marcha pelos Carvalhos, até
que entrámos em Vila Nova de Gaia, adonde fizemos alto, reunindo ali uma
força popular de quatro a cinco mil homens comandados por diferentes
proprietários e influentes dos seus concelhos, e comandados em geral por
António Augusto Coelho de Magalhães, e eu, seu ajudante.
Há dias, tinha
fugido José Cabral da cidade do Porto, e ficou Governador Civil o
Visconde da Várzea, o qual entrou em negociações com o comandante geral
daquela força, António Augusto, por cuja convenção se recolheram as
forças populares aos seus concelhos, e o batalhão popular desta cidade
entrou em Aveiro em 30 de Junho do dito ano; e entrou o ministério Palmela sendo suplantados, e mandados sair do reino António Bernardo
da Costa Cabral e seu irmão José e mais alguns influentes da Carta e do
Cabralismo.
Quando estavam preparados os trabalhos eleitorais para a eleição dos
deputados, apareceu a emboscada da noite de 6 de Outubro do mesmo ano de
1846 em que a Rainha fez com que os ministros do ministério Palmela
dessem a sua demissão e nomeou ministros afectos aos Cabrais, e à testa
das tropas o Saldanha.
O Porto não
anuiu, nomeou uma Junta intitulada a Junta do Supremo Governo do Reino
em nome da Nação e da Rainha, de que era presidente o Conde das Antas;
secretário do Reino Passos José, guerra Ávila, justiças Almeida e Brito;
estrangeiros Seabra; marinha Justino Pinto Bastos.
Organizou-se um brilhante exército, tanto de
1.ª linha como popular; teve
a Causa alguns revezes fortes como Valpassos e Torres Vedras; porém,
nada disto fez desanimar a Causa Nacional. Anuíram a esta Causa alguns
generais realistas, como Póvoas, Guedes, Bernardino, e outros, e após
deles um grande número de oficiais do exército realista, em vista do que
o Saldanha nunca depois de Torres Vedras tornou a oferecer acção alguma
ao Porto.
A Rainha, vendo a causa perdida da convenção com Saldanha e António Bernardo da Costa Cabral, então embaixador em Espanha, arranjaram a
pedir uma intervenção à Inglaterra, França e Espanha, sendo esta por terra e aquela por mar.
Em ... de Maio foi tomada pelos ingleses a expedição do Conde das
Antas que marchava para os arrabaldes de Lisboa a reforçar o visconde de
/ 39 /
Sá da Bandeira que se achava e no dia 3 de Junho invadiram os espanhóis o território português, passando da cidade de Tui para a praça de
Valença, adonde já pelos espanhóis, com os Cabrais que se achavam dentro
da praça, saíram às duas horas da tarde e tiveram fogo com uns 600
homens que ali se achavam de guarnição composto do 2.º de Artistas, Batalhão Nacional Provisório de Aveiro, e de Barcelos em muito pequeno
número estando este em Segadeis
− Aveiro em Ganfei, e Artistas em Arrão
(?).
Assim mesmo se bateram como nacionais, de que os Artistas muito sofreram; como porém o número que saiu da praça era de 5 a 6 mil
homens, tiveram os nacionais de retirar na direcção de Ponte do Lima,
depois para Braga e Porto.
No dia 1.º de Julho entraram pelo convénio feito em Gramide (próximo do
Porto) 10 mil homens espanhóis, caçadores, infantaria, cavalaria e
artilharia, e no dia 2 do dito mês marcharam as forças populares para os
seus domicílios com guia do general espanhol Concha, digo, D. Manuel de
la Concha, tendo-se no dia 29 de Junho e 1.º de Julho toda a força da
Junta deposto as armas, em virtude do referido convénio.
Esta marcha para suas casas foi fatal pelos muitos assassínios que se
fizeram aos Patuleias, já pelos soldados do exército do Saldanha que
estava no alto da Bandeira, e já em diferentes terras pelos Cabralistas
que se julgavam vencedores.
Em Aveiro no dia 2 de Julho houve a entrada da Canhoneira Maria da Fonte
que vinha com alguma gente do batalhão nacional da cidade, e da regida
por Francisco de Paula Monteiro, e chegaram em boa harmonia às
Pirâmides; porém, sendo agredidos por alguns Cabralistas da terra e
outros de fora que ali se achavam, se rompeu o fogo por parte dos da
terra, o qual, sendo correspondido pelos da canhoneira, produziu a
morte do negociante Ponce de Leão, e de um veterano, e o ferimento em
um braço de Manuel Ferreira (Boradinha) do qual sarou, e mais alguns
ferimentos.
Nesta contenda não houve vencedores nem vencidos, porque as forças
estrangeiras é que foram os vencedores. O Saldanha só entrou no Porto
daí a dias, quando as Potências contratantes assentiram. Até hoje, 26 de
Novembro, não tem dado a Rainha cumprimento ao protocolo de Gramide,
apesar das diferentes e repetidas instâncias do governo britânico.
No dia 29 de Novembro de 1847 tiveram lugar a eleição dos Eleitores de
Província nesta cidade; não houve oposição bem como em outras muitas;
saiu o eleitor pelo concelho de Aveiro o Coronel Moniz, e o secretário
Joaquim Elias, por Eixo o escrivão de direito Leite, por Vagos o
escrivão Albuquerque, e outros quejandos por os outros distritos, digo,
por os outros concelhos, saindo por Mira, Manuel Ferreira.
A convenção assinada em Gramido aos 29 dias do mês de Junho de 1847 não
conseguiu fazer terminar de vez as lutas entre os partidos.
Em 1849 Saldanha é demitido do Governo, voltando de
novo ao poder o cartista Costa Cabral, já conde de Tomar.
Saldanha começa a ser perseguido, e é demitido dos lugares
de confiança política e de mordomo-mor do paço.
As violências do
Governo de Costa Cabral irritam a opinião, e começa-se
a conspirar. Saldanha entra para a oposição que se torna feroz. Em Abril
de 1851 Saldanha revolta-se, mas a revolução falha, e ele tem de sair
para Espanha. Pronuncia-se então em seu favor o partido progressista e
a cidade do
/ 40 /
Porto, onde o coronel Moniz dirige uma proclamação às tropas,
escrita nos seguintes termos:
«Soldados! Todos os
portugueses desejam liberdade com ordem: querem a liberdade que nos foi
dada pelo immortal senhor D. Pedro IV; mas pura e não sophismada.
Este desejo acha-se
suffocado, e foi para auxiliar a sua expressão franca que o nobre duque
de Saldanha convidou o exército portuguez. A rainha e a Carta, abaixo o
ministério − foi o grito alevantado; e o exército correspondendo a eIle,
não faz mais do que auxiliar o voto unanime da nação portugueza.
A briosa guarnição do Porto acaba de consolidar hoje ainda uma vez,
dentro dos muros da cidade invicta, a verdadeira liberdade.
Soldados! O nobre marechal
estará em breve á vossa frente; o exército todo seguirá o vosso exemplo;
e a rainha e a Carta serão salvas. Soldados:
Viva sua magestade
fidelissima a rainha a senhora D. Maria II.
Viva a Carta
Constitucional da monarquia.
Viva o nobre marechal
Saldanha.
Viva a briosa Guarnição do
Porto.
Vivam os heroicos
habitantes da cidade invicta.
Porto, 25 de Abril de 1851
José Maria da Fonseca
Moniz,
comandante interino da 3.ª divisão militar.»
A revolução triunfou, e Costa Cabral foi demitido. Em
1 de
Maio foi Saldanha nomeado presidente do conselho e ministro
do reino.
Ia começar um novo período político conhecido pelo nome
de Regeneração (1851-1856). Saldanha conservou-se no poder
até 6 de Junho de 1856, e conseguiu conciliar os partidos e
iniciar em Portugal uma era de grandes melhoramentos
materiais.
Com a revolução de 1851 perdeu importância o partido
cartista aveirense, tendo-se misturado com o setembrista de tal
modo que durante muitos anos apenas houve de facto o partido
da autoridade, se bem que por vezes surgissem grandes divergências.
Como pormenor, direi que
a rainha D. Maria II, após a revolução, decidiu fazer uma
viagem pelo Minho, e para isso saiu
de Lisboa no dia 15 de Abril de 1852, seguiu pela estrada real
para o Porto, e daqui para Braga, Barcelos, Guimarães e Viana,
voltando de novo ao Porto, e daqui para Ovar, donde saiu no
dia 23 de
Maio em barco, para Aveiro.
Neste mesmo dia chegou a esta cidade, acompanhada de
seu marido el-rei D. Fernando e dos seus dois filhos mais velhos, e ainda do marechal Saldanha e de outras personagens.
Aqui foi recebida festivamente pela Câmara Municipal e povo, e
logo a seguir assistiu na igreja do convento de Jesus a um
/ 41 /
Te-Deum, depois do que se dirigiu ao palacete da Baronesa de
Almeidinha no qual esta titular a hospedou.
No dia seguinte, às 7 horas da manhã, retirou a família
real para o sul.
Em Agosto de 1852, tomou pela segunda vez posse do cargo de governador
civil do distrito de Aveiro, Antero Albano da Silveira Pinto, que ocupou
o lugar durante a situação regeneradora, e ainda nos primeiros tempos do novo ministério
progressista histórico presidido pelo marquês de Loulé. Mas
uma violenta campanha feita pelo jornal "O Campeão das Províncias" fez demitir em Agosto de 1857 este governador, sendo seu
sucessor Nicolau Anastácio de Betencourt, que tomou posse
do lugar em 29 de Agosto deste mesmo ano, e nesta ocasião
publicou o seguinte manifesto:
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.
Encarregado por Sua
Magestade El-Rei de administrar este importante Districto, e tendo hoje
tomado conta do governo civil; seja o meu primeiro passo declarar-vos
com franqueza as intenções que me animam, e o modo como entendo
traduzil-as em vosso beneficio.
Delegado do Governo hei de
coadjuvar com toda a lealdade as suas vistas constitucionaes, e systema
politico.
Chefe superior da
administração do Districto protesto fazer tudo o que possa contribuir
para a felicidade commum de seus habitantes.
Convencido de que á sombra
da geral concordia, e no meio do socego, é que póde desenvolver-se a
prosperidade de um paiz, recolhendo o povo os fructos do seu trabalho
nos bens inherentes ao progresso da civilisação, vereis sempre a
auctoridade attenta e vigilante pela manutenção da paz e ordem publica.
Sem demora vou informar-me
das necessidades existentes nas diversas localidades d'este territorio,
com especialidade nos ramos da agricultura, commercio e industria a que
mais particularmente vos tendes applicado, não descuidando porém os que
com vantagem possam ser introduzidos em alguns pontos do Districto: − e
seja provendo de remedio a essas necessidades quanto caiba em minhas
attribuições, seja reclamando dos poderes competentes as providencias
que demandem auctorisação superior, espero remover os embaraços que
possam oppor-se á realisação dos melhoramentos exequiveis nas actuaes
circumstancias.
Os meios de attender á
sorte das classes menos abastadas do povo, aproveitando os recursos que
para esse fim se proporcionem, e promovendo a fundação de um ou outro
estabelecimento de beneficencia de que ainda se necessite, vão tomar uma
grande parte nas minhas meditações.
Em tudo conto com a leal e
efficaz cooperação, que me é devida, dos magistrados e corpos
administrativos, ao passo que não deixo de solicitar o valioso auxilio,
que já espero, de todas as influencias e capacidades quaesquer que sejam
as suas opiniões.
Habitantes do Districto
d'Aveiro. Todos os meus actos e deliberações vereis afferidas pela
moralidade, rasão e justiça, que naturalmente conduzem á sempre sauoavel
tolerancia.
Constante e firme na
indicada senda, se os meus esforços não forem coroados com os promptos e
felizes resultados que todos desejáramos, ao menos, servirão de fazer
ver o zêlo e cuidado de um funccionario, conscio dos seus deveres, e
amigo sincero do Districto./
42 /
Quero, por isso, a vossa confiança. Pela minha parte vos offereço uma
dedicação sem limites pelos vossos interesses e pelo vosso bem estar.
Governo Civil d'Aveiro 29
d'Agosto de 1857.
O Governador Civil Nicolao
Anastacio de Bettencourt.
Este governador
administrou o distrito com geral agrado, e deixou em Aveiro bom nome,
que ainda hoje perdura.
Em 16 de Março de 1859, sobe ao poder o partido regenerador,
presidindo ao Governo o duque da Terceira.
Por motivo de eleições que se haviam de realizar em 1 de Janeiro de
1860, foi o governador Bettencourt transferido para Portalegre em
Novembro de 1859, vindo ocupar o seu lugar o governador de Portalegre,
Luís Teixeira de Sampaio, Júnior.
Ao abandonar o Governo civil de Aveiro, Nicolau Anastácio de
Betencourt fez publicar o seguinte documento:
O GOVERNADOR CIVIL NICOLAU ANASTACIO DE BETTENCOURT AOS HABITANTES DO
DISTRICTO D'AVEIRO.
Transferido para
Portalegre por Decreto de 7 do corrente que hoje recebi, é do meu dever,
ao despedir-me com bastante sentimento dos dignos habitantes do
Districto d'Aveiro, significar-lhes a minha gratidão, pelas honrosas
demonstrações de simpathia e confiança que me dispensaram.
A missão que me foi
confiada pelo Governo de Sua Magestade, procurei eu desempenhal-a
imprimindo em todos os meus actos a sinceridade de rectas intenções, e
administrando o Districto conforme a indole benefica do cargo que acabo
de exercer. Espero, pois, benevolencia para o modo como me conduzi no
exercicio das difficeis funcções governativas, e cordealmente agradeço
ás auctoridades, corpos administrativos e funccionários publicos o
auxilio que me prestaram.
Em qualquer parte aonde
esteja formarei sinceros votos pelas merecidas prosperidades de um povo,
que tanto se distingue pela sua lealdade ao Throno Constitucional, pelo
seu amor á ordem e respeito ás Leis.
Possam os habitantes do
Districto d'Aveiro continuar a gosar, á sombra das instituições que nos
regem, os bens da paz e tranquilidade, que felizmente vi conservados
durante a minha gerencia administrativa.
Aveiro 14 de Novembro de
18S9.
Nicolau Anastacio de
Bettencourt.
Enquanto não chegou o novo governador, serviu o secretário geral
José Ferreira da Cunha e Sousa.
Em 1 de Janeiro de 1850 houve eleição de deputados, e por Santarém
foi eleito o governador civil de Aveiro, e pelo
/ 43 / círculo de
Aveiro foi eleito o ilustre aveirense e já consagrado orador parlamentar
José Estêvão Coelho de Magalhães.
Não sei se o governador Teixeira de Sampaio fez alguma proclamação
quando tomou posse do lugar; mas ao abandonar o seu lugar em A veiro,
para ocupar o de deputado, publicou a seguinte exposição:
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.
Eleito deputado ás côrtes
geraes da nação pelo primeiro circulo de Santarem-Cartaxo e Rio Maior −
devo em breves dias retirar d'Aveiro para a capital.
Habitantes do districto! −
Governador Civil por mais de quatro annos no districto da Horta,
retirei-me d'alli, por exoneração, penhorado da estima e favor da
maioria absoluta de seus habitantes, aos quaes ainda hoje devo, e me
compraz testemunhar-lhes um voto d'agradecimento, e os protestos da
minha eterna gratidão.
Dois mezes me couberam na
gerencia administrativa do districto de Portalegre, d'onde, com
verdadeiro sentimento, fui transferido para o d'Aveiro.
Não pensei nunca em vir
encontrar entre vós ainda mais provas de benevolência.
Cheguei a este districto
n'uma crise bem ardua, n'uma situação politica assaz espinhosa.
Ergueram-se preconceitos, levantaram-se suspeitas, que me coube a
felicidade de destruir. Atravessei a crise eleitoral bem forte da minha
consciencia, como leal ao Governo, que em mim se dignou depositar
confiança, e com a convicção de que, sem me declarar hypocritamente
estatico em dirigir as eleições pelos meios suasorios, conciliando
opiniões e vontades de amigos politicos, e direi mais, tendo de
agradecer a adversarios apreciaveis deferencias, respeitei, como devia,
os principios e os preceitos da lei eleitoral.
Illações, que se tiraram
para accusação do vosso Governador Civil, não as considerei, porque
tinha para vir em meu testimunho, o unico de valor para mim, e este é o
vosso, eleitores de todas as cores politicas do districto d'Aveiro.
Não se fez uso do cutello
demissorio; não se pediu o voto ao empregado publico; cada um votou como
entendeu; e ao contrario, nem um momento se hesitou em desligar do seu
compromisso de honra um funccionario de confiança, que nas vesperas da
eleição, e n'um circulo onde ella foi mais disputada, resignou o seu
cargo para poder mais livremente apoiar,
como apoiou, e com todas as suas forças, o candidato opposicionista;
sendo aquelle substituido, na conformidade da lei, pelo respectivo
presidente da Camara. Não houveram violencias; a urna permaneceu
desaffrontada ao livre accesso dos eleitores: não houve confidenciaes −
o publico foi chamado a discutir e apreciar os actos da auctoridade
relativos ao grande processo nacional que ahi acaba de discutir-se.
O Governador Civil
declarou quaes os candidatos, que licitamente recommendava e apoiava; e
os eleitores votaram nos que mais simpatias lhes mereceram. Nem um só
nome lhes foi imposto.
Em tão curto espaço de
tempo, como foi o decorrido desde que cheguei a este districto, pouco
podia entender da sua administração, alem do expediente ordinario. Mal
posso, porém, retribuir com agradecimentos as provas de confiança, de
attenção e favor, que mereci a todas as cores politicas no districto, e
bem assim significar qual a minha saudade em separar-me deste paiz tão
apreciavel, d'uma população tão justa para com as minhas intenções, que
tão precisamente avaliou.
Foram eleitos por este
districto os dois mais bellos ornamentos da
/ 44 / tribuna portugueza, os
srs. José Estevão Coelho de Magalhães e Luiz Augusto Rebello da Silva,
além do distincto conselheiro d'Estado o sr. Antonio José d'Avila, e
outros cavalheiros que mui dignamente representam os circulos porque
foram eleitos.
N'estas circunstancias é
bem insuficiente a minha voz, bem inutil mesmo, para lembrar no seio da
representação nacional as necessidades d'este districto. Acreditae,
porém, habitantes do districto d'Aveiro, que o meu voto não será nunca
dos mais demorados em apoiar quanto possa concorrer para o
desenvolvimento da vossa riqueza publica, e para o complemento da vossa
civilisação.
Aveiro 11 de Janeiro de
1860.
Luiz Teixeira de Sampaio,
junior.
A Teixeira de Sampaio sucedeu no governo civil de Aveiro um grande
amigo de José Estêvão, o aveirense Dr. José Mendes Leite, que ocupou o
cargo desde 14 de Março de 1860 até 16 de Agosto do mesmo ano.
Como de costume, dirigiu aos habitantes do seu distrito uma
proclamação, impressa, e escrita nos seguintes termos:
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO
Por Decreto do 1º do
corrente Houve Sua Magestade por bem encarregar-me da administração
d'este Districto. Acceitando esta graça roconheço a obrigação de
corresponder á confiança em mim depositada servindo com zelo e lealdade
a com missão que me foi confiada.
Rigorosa observancia da
lei − solicitude pelos melhoramentos do Districto − justiça para todos −
favor para ninguem será a norma constante do meu proceder.
Prometto porque tenho a
consciencia de que hei de cumprir.
Conto com a coadjuvação
das auctoridades e corpos administrativos, e peço a cooperação de todas
as influencias do Districto, porque a todos aproveita o cumprimento
d'esta minha promessa.
Se me faltarem estes
auxilios não poderá a minha administração ser proficua ao Districto, e
então, tranquillo de consciencia e sem pezar, deixarei a quem melhor
possa sirvir a espinhosa commissão, que hoje acceito sem prazer.
Aveiro 14 de Março de
1860.
O Governador Civil
(a) M J Mendes Leite
Em 1 de Maio de 1860 em virtude da morte de Terceira, é nomeado
presidente do Conselho Joaquim António de Aguiar, que pouco tempo ocupa
as cadeiras do poder, visto que no dia 4 de Julho deste ano o parlamento
derruba o Govorno.
Novamente é chamado a presidir ao Governo o marquês de Loulé, que José
Estêvão vinha guerreando desde 1856.
/ 45 /
Ao abandonar o lugar de governador, Mendes Leite despede-se nos
seguintes termos(5):
HABITANTES DO DISTRICTO DE AVEIRO.
Por decreto de 9 do
corrente houve S. M. por bem exonerar-me da commissão de que me havia
encarregado sem eu a solicitar.
Não sei se a minha
administração satisfez ao Districto, mas sei que volto á vida privada em
paz com a minha consciencia. Tive pouco tempo para o muito que ha a
fazer, mas bastante para provar tolerancia, imparcialidade, e bons
desejos.
Devendo acreditar que ao
sincero interesse pelo bem do serviço publico, e não á intolerancia
politica, é devida a minha exoneração, agradeço a S. M., e felicito o
distrito, porque quero crer que o magistrado que vem substituir-me, com
mais e melhores serviços ao paiz e á liberdade, com mais conhecimentos
d'administração e da localidade e com desejos iguais aos meus, ha-de
saber administrar com mais illustração e proveito.
Serei sempre reconhecido á
cooperação que me prestaram todas as authoridades e corpos
administrativos, e nunca esquecerei a benevolencia dos habitantes do
distrito.
Aveiro, 16 de Agosto de
1860
Manuel José Mendes Leite
O governador civil seguinte foi Basílio Cabral Teixeira de Queirós
Júnior, do partido progressista.
Haveria eleições de deputados em 28 de Abril de 1861, e o Governo,
querendo derrotar José Estêvão que se apresentava como candidato pelo
círculo de Aveiro, deu ordens terminantes ao governador civil para
dificultar a eleição de José Estêvão, promovendo antes a eleição de
candidato governamental Manuel Firmino d'Almeida Maia, pessoa dispondo
de muita influência em Aveiro. José Estêvão perdeu a eleição nas
assembleias de Aveiro, Esgueira e Eixo; teve um voto de maioria em
Ílhavo, e trezentos e oitenta e nove de maioria em Vagos. Diz-se que se
fizeram algumas irregularidades nesta assembleia em seu favor, mas é
provável que nas outras também as tivesse havido em favor do seu
adversário; fosse como fosse, Vagos fez triunfar a candidatura de José
Estêvão. Infelizmente este falecia em Lisboa aos 4 de Novembro de 1862.
Vejamos a proclamação que o governador Basílio Cabral dirigiu aos
povos do distrito:
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO.
Tendo Sua Magestade EI-Rei
Havido por bem nomear-me, por Decreto de 9 d'Agosto ultimo, Governador
Civil deste Districto, entrei hoje no exercicio das funcções do mesmo
cargo.
Compenetrado dos deveres
que contrahi, aceitando-o, para com o Governo
/ 46 / e para os povos desta bella e importante parte da monarchia
portugueza, procurarei desempenhal-os com lealdade e dedicação, até onde
o permittirem as minhas forças.
A manutenção da ordem e
segurança publica e individual, − a fiel execução das leis e
regulamentos administrativos, − justiça para todos sem differença de
partidos ou de opiniões politicas, − o progresso da instrucção, da
moralidade, e dos melhoramentos materiais, − e o desenvolvimento, em
fim, da publica prosperidade nos ramos dá agricultura, do commercio e da
industria, serão os objectos da minha constante e desvelada solicitude
no desempenho da difficil missão, que me foi confiada.
Conto com a fiel e efficaz
cooperação das corpo rações e auctoridades administrativas; peço o
auxilio de todos os funccionarios publicos, de todas as influencias e
capacidades, e de todos os bons cidadãos, cuja confiança espero merecer,
pois só assim poderei attingir o alvo de meus desejos, de minhas
ambições, e dos constantes votos que faço pela felicidade do Distncto.
Aveiro 4 de Setembro de
1860.
(a) Basilio Cabra! Teix.ª
de Queiróz Júnior
Em Fevereiro de 1862 há uma recomposição ministerial continuando na
presidência o marquês de Loulé, e tomando conta da pasta do reino
Anselmo Braancamp. Neste ano alguns tumultos no norte do país
perturbaram um pouco a acção do Governo.
Em Novembro de 1862 foi nomeado governador civil de Aveiro, António
Teodoro Ferreira Taborda, que apresentou o seu programa na seguinte
proclamação que publicou:
HABITANTES DO DISTRICTO D'AVEIRO!
Venho para entre vós na
qualidade de Governador civil: assim houve por bem determinal-o Sua
Magestade EI-Rei em seu Real Decreto de 20 do mez findo.
Immensa é a honra que Sua
Magestade acaba de conferir-me: possa eu tornar-me digno de tão alta
distincção e corresponder á elevada confiança que o egregio Monarcha se
dignou depositar em mim.
Considero-me afortunado,
duplicadamente afortunado, vendo que os povos confiados aos meus
cuidados estão, por effeito da sua illustração, tão adiantados no
caminho da civilisação e do progresso. Em taes condições de existencia,
a auctoridade não tem que actuar violentamente sobre os cidadãos; antes
elles, respeitando as leis, adquirem incontestavel direito á dedicada
sollicitude d'aquelle a quem cabe fazel-as cumprir. Não faço programma
governativo; mas tende como certo que hei de practicar, dentro da
esphera das minhas attribuições, tudo o que for conducente ao vosso
bem-estar.
O meu primeiro desvelo
será fazer acatar as instituições liberaes, que devemos ao immortal
Dador da Carta, e a par d'aquelle empregarei toda a minha vigilancia
para que a vossa segurança individual e a da vossa propriedade sejam
plenamente mantidas. Quem quer, que se esqueça de respeitar objectos de
tanta veneração, não conceba a esperança de ficar impune ou esquecido:
mude-se quem assim o presumir.
Dos srs. empregados,
dependentes d'este Governo civil, espero eu a mais leal coadjuvação no
meu sincero desejo de bem cumprir os difficeis
/ 47 / deveres do meu cargo: se
d'outro modo, o que não é de esperar, succedesse, levantado estava um
conflicto, que carecia de prompto remedio.
Aveiro, 1 de Dezembro de
1862.
Antonio Theodoro Ferreira
Taborda.
O governador Taborda manteve-se no Governo civil até o ano de 1865,
ano em que foi substituído por Aires Guedes Couto Garrido.
Como se vê, o estilo das proclamações dos governadores civis
referentes à segunda metade do século XIX é bem diferente do das
proclamações da primeira metade. Aquelas reflectem o sossego, progresso
e harmonia em que viveu a nação; as outras revelam a desunião e as lutas
que agitaram e ensanguentaram o país naquela época.
Aveiro, 8 de Fevereiro de 1938.
FRANCISCO FERREIRA NEVES
|