Abade João Domingues Arede, Mosteiro de Cucujães, Vol. III, pp. 269-271.

MOSTEIRO DE CUCUJÃES

ACTUALMENTE SEMINÁRIO DAS MISSÕES RELIGIOSAS

ULTRAMARINAS PORTUGUESAS

EM Cucujães, sobranceiro ao Rio Ul, na falda do monte designado nos tempos medievos pelo nome de «Monte Castro Recharei», se levanta o Mosteiro, monumento de Fé e Patriotismo cristão, outrora habitado por Monges beneditinos, e hoje convertido em Seminário das Missões Religiosas Ultramarinas Portuguesas por liberalidade do Missionário Padre José Vicente do Sacramento que, para este fim, a expensas suas, o adquiriu.

O extinto Mosteiro, de gloriosas tradições, foi o centro de toda a actividade desta terra de Cucujães, durante um período de mais de sete séculos.

Fundado cerca do ano 1000 por D. Egas Moniz (o Cascão), descendente de D. Munio Moniz, sobrinho de D. Nónego 35º Bispo do Porto, bisavô paterno de D. Egas Moniz, aio que foi de D. Afonso Henriques, todos cavaleiros cristãos, a sua acção tanto no século como na reclusão do claustro, foi toda de elevação mental e moral, na prática das ciências, das virtudes e do Bem. Seus Monges, incansáveis obreiros da Fé e da Civilização, iluminados pela ciência e esclarecidos pela virtude, viviam sujeitos à observância da Regra ordenada por S. Bento, sancionada por S. Gregório Magno e, mais tarde, reformada por Pio V.

Favorecido de Príncipes e Reis e, nomeadamente, de D. Afonso Henriques, D. Afonso lI, D. João l, D. João Il e D. Pedro lI, toda a sua actividade se exerceu no serviço de Deus e dos lmperantes cristãos, no ensino da Religião e na cristianização do povo.

E tanto assim que:

Tendo deixado de existir a primitiva igreja de Cucujães / 270 / nos fins do século X, surgiu nesta terra e região o Mosteiro qual piloto naquele mar revolto da conquista a tomar o leme da nau da Igreja, doutrinando, ensinando, governando e dirigindo a coorte hispano-romana e moçárabe dos seus fiéis. Daí a protecção régia que usufruiu largamente e a conquista dos direitos do padroado sobre Cucujães e Espargo, da diocese do Porto, e Trouxemil, da diocese de Coimbra; a aceitação dos rendimentos e dízimos da Igreja de Ossela, desde 1632, que não do seu padroado por ser do direito do Mosteiro de Paço de Sousa; e a instituição e doação do seu Couto, em 1139, por D. Afonso Henriques, ao tempo príncipe do Condado Portucalense, em virtude de serviços prestados e outros que o mesmo príncipe esperava receber de D. Martinho e de D. Egas Odoris, este patrono e aquele Abade do Mosteiro, tendo todos por objectivo a extinção do domínio árabe e, pela dilatação da Fé, a consolidação do nascente Reino Lusitano.

Nesses tempos recuados foi o Mosteiro como que um oásis que muitos procuraram e frequentaram no florir da vida para saciarem a sede da alma pelo estudo das verdades eternas, e que muitos outros contemplativos escolheram para seu santo retiro na tarde e ocaso desta vida terrena, como preparação para as supremas venturas da glória eterna.

O Mosteiro, que fora um potentado desde a sua fundação e, sobretudo, desde a instituição do seu Couto até ao declinar do século XV, tendo no transcurso desse tempo atraído a colonização, cooperado no bem da Pátria e promovido a prosperidade de Cucujães, entrou depois em decadência com a indisciplina, paixões interesseiras e prepotências da nobreza, acabando por lhe ser tirado o seu Couto em 1790, e depois suprimidas também a sua liberdade, independência e o direito de padroado em 1834. Restaurado em 1876 por Frei João de Santa Gertrudes (no século Rev. João Leite de Amorim), e reerecto canonicamente em Abadia, no ano de 1888, pelo Papa Leão XIII, sob a superintendência da Arquiabadia de Beuron, em Sigmaringen, no principado de Hohenzollern, na Alemanha, vivia em doce tranquilidade, cercado de respeito e veneração, e a sua influência benéfica estendia-se a esta e outras freguesias.

Porém nova tempestade política veio a Portugal com a mudança do regime em 5 de Outubro de 1910, e um raio desta, semelhante ao da Natureza, caiu sobre o Mosteiro, que feriu de morte, expulsando dele os seus Religiosos, que só dignificavam esta e outras terras com a prática do Bem e com o exemplo das virtudes.

E assim passou, mais uma vez, a propriedade do Mosteiro para o Estado, que determinou o arrolamento dos seus bens em 26, 27 e 28 de Outubro de 1910, tendo sido encarregados deste serviço os seguintes indivíduos Doutor Eduardo José da Silva Carvalho, como juiz de Direito, Doutor António da Silva / 271 / Carrelhas, como perito, Tabelião Francisco Ferreira de Andrade, Tabelião Eduardo Ribeiro da Cunha, e Escrivão Manuel António Barbosa, todos de Oliveira de Azeméis, e, em Junho de 1919, o leilão dos altares, imagens, paramentos, alâmpadas, castiçais, galhetas, bancos e cadeiras, e juntamente os livros da Biblioteca e outros objectos móveis, tendo logo ficado ao abandono o Mosteiro com o seu Claustro e capelas depois de descarnado como uma caveira.

E no dia 26 de Agosto de 1923, em hasta pública, anunciada por Edital passado no Ministério da Justiça em 2 de Agosto do dito ano, foi o Mosteiro comprado pela quantia de 350 contos pelo Reverendo Missionário já referido, que o converteu em Seminário das Missões Religiosas Ultramarinas, reconduzindo-o assim ao seu longínquo ponto de partida, que visava a formar nele bons Ministros de Deus.

Grande e formoso exemplo de Patriotismo e de Fé cristã!

Na mesma ocasião foram também arrematadas outras propriedades pertencentes ao mesmo Mosteiro, tais como Quinta dos Alens por 41 contos, Quinta do Teso por 136 contos, uns Moinhos por 22 contos e umas pequenas casas por 4.200:000 reis.

Deste velho cenóbio, tantas vezes secular, que viu o alvorecer revolto de uma nacionalidade e a acompanhou na sua marcha por vezes hesitante, mas sempre gloriosa, continuam a sair agora os novos apóstolos da Fé, que hão-de levar lá longe, às plagas distantes das nossas velhas conquistas, no Verbo sagrado de Deus, o mesmo espírito de nacionalização que tornou grande o velho e glorioso Portugal.

Couto de Cucujães, 25 de Janeiro de 1937.

ABADE JOÃO DOMINGUES AREDE

 

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