No Elucidário,
de VITERBO, encontra-se referência à curiosa doação dum pároco de Avanca
ao mosteiro de Grijó. O erudito franciscano baseou-se nesse documento,
talvez indevidamente, para registar na sua obra mais uma espécie
vocabular, pois bem pode ser que a forma breviorio resultasse de
lapso do copista
− uma «gralha»
antes da letra... de fôrma. O documento está no Livro Baio Ferrado,
de Grijó, fI. 29 v. a 30, e é do teor seguinte:
TESTAMENTUM DE PETRO PELADINIZ
ln Domine
sancte et indiuidue trinitatis patris et filii et spiritus sancti
paracliti amen. Ego petrus paadiiz presbiter sancte marie de auanca
audiens quod quecumque seminauerit homo hec et metet . et nullus latior
fundus inueniri potest quam christus . uolens iam in ceIo aput
patrem ipsius ihesu christi sidereas preparare mansiones . ut merear inter dei
electos uocem illam domini audire . Venite benedicti patris mei percipite
regnum paratum uobis a constitutione mundi . hec et alia huiscemodi
audiens et cordis aure percipiens . Fatio testamentum in honore sancti
saluatoris . ecclesiole etcanonicis ibi commorantibus . de illo meo.
breuiorio quem emi iusto apretiatum pretio ab ipsis ecclesiole canonicis .
Do itaque ipsis canonicis illum et concedo sub conditione tali . ut
cum ego illum habere uoluero ad exercendum offitium ecclesie mee .
reddam uobis in uno quo anno duas libras cere . et post obitus mei
clausulam liberum illum habeant ipsi canonici . Sed si priuiusquam mors
me preocupet sub regimine alicuius ordinis uiuere me decreuero absque
ullo impedimento recipiant illum ipsi canonici . Et quicumque hoc meum
facturo contradixerit uell corrumpere uoluerit tam de me dico . quam
de alio laico sitie ecclesiastico
/ 218 / quicumque fuerit excommunicatus et anatematizatus sit
et a christo ihesu domino nostro in perpetuum separatus et cum iuda
traditore apud inferos iugiter pena perhenni
puniatur . Facta carta testamenti . Ile idus ianuarii . Era
M . C . LXX . VIII . Ego petrus presbiter hanc testamenti cartam propria
mana roboro atque confirmo . Qui presentes fuerunt . Petrus testis .
Pelagius testis . Erus testis . Erus notuit.
__________________
Versão próxima
da letra:
Doação de Pedro Peladiniz
− Em nome da santa e indivisível Trindade,
Padre e Filho e Espírito Santo Paráclito, ameno Eu Pedro Paadiz,
presbítero de Santa Maria (por Marinha) de Avanca, ouvindo que o homem
colherá o que semear e que se não pode achar maior riqueza do que Cristo;
querendo desde já preparar a minha celestial mansão junto do Pai do
mesmo Jesus Cristo, para merecer ouvir entre os eleitos de Deus aquela
palavra do Senhor:
Vinde, benditos de meu Pai, receber o reino preparado para vós desde a
criação do mundo; ouvindo e considerando estas coisas e outras semelhantes: Faço doação, em
honra de S. Salvador, a Grijó e aos cónegos lá residentes, daquele meu
breviário que aos mesmos cónegos de Grijó comprei pelo seu justo preço.
Dou-o, pois, e concedo-o a esses cónegos nos seguintes termos: enquanto
eu o quiser possuir para o exercício do meu ministério nesta igreja,
dar-lhes-ei anualmente duas libras de cera; depois da minha morte,
ficará livre para eles. Porém, se antes de me levar a morte eu resolver
ingressar nalguma Ordem, recebê-Io-ão os mesmos cónegos sem qualquer
impedimento. Se alguém, pois, contrariar esta minha determinação ou
quiser desfazê-la
− seja eu, seja outrem, leigo ou eclesiástico
−
excomungado e
anatematizado seja, e para sempre fique separado de Jesus Cristo Nosso
Senhor, e receba no inferno o eterno castigo na companhia do traidor
Judas. Fez-se esta carta de doação a 2 dos idos de Janeiro, da era de
1178 (12 de Janeiro do ano de 1140). Eu Pedro presbítero
a roboro e confirmo com a minha própria mão. Foram
presentes; Pedro, testemunha; Pelágio, testemunha; Ero, testemunha, Ero
o notou.
Diz Viterbo que o breviário, objecto da doação, era um
«livro eclesiástico, breviário grande, que não só continha as horas do
ofício divino, mas também o directório, orações, preces, ofício de
defuntos, ladainhas, etc., que nas funções eclesiásticas
/ 219 / e
administração dos sacramentos se praticavam»
−
breviário
e ritual num só volume. E acrescenta:
«Note-se: 1.º A séria e interessante
ocupação dos Cónegos e monges de
Grijó, que se empregavam em escrever livros eclesiásticos. 2.º O
espírito daquele tempo, em que os clérigos seculares a cada passo
deixavam as suas paróquias e se iam sepultar nos claustros, quando hoje
tantas regulares, e sem causa alguma, que não seja a desordem das suas
paixões, abandonados os claustros, se vão perder inteiramente nos
labirintos do mundo. 3.º A necessária e fatal ignorância dos
eclesiásticos,
párocos e clérigos seculares daquele tempo, por falta de livros
ainda dos mais indispensáveis, para cumprirem exactamente os seus
deveres, fatalidade que entre nós se encontra até aos fins do século XV, não só pela raridade dos livros, mas também por falta de
mestres, e por negligência, desprezo e frouxidão dos próprios
eclesiásticos e mesmo religiosos».
Ninguém dirá que estas conclusões estejam contidas nas premissas. Quanto
ao bater de asas para fora das claustros,
Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo melhor se chamaria Fr.
Tomáz.
*
* *
Aos investigadores das curiosidades históricas de Avanca
damos mais as seguintes natas:
−
Era talvez em Avanca
o antigo mosteiro de Santa Marinha das margens
da Antoã, doado no ano de 922 ao bispo D. Gomado e ao mosteiro de Crestuma (P. M. H., Dtpl. et Ch., doc.
n.º 25).
−
Doaçãa de três «vilas» em Avanca, no ano de 1046 (Diss.
Cron., de J. P. Ribeiro, tom. I, pág. 208).
−
No ano de 1097, contrato de propriedades situadas «discurrente
riuulo auanca» (P. M. H., Dipt. et Ch., pág. 592).
−
Em 1245: D. Sancho II doa
o padroado de Avanca a D. Pedro, bispo da Porto (Censual do Cabido da Sé do Porto, edição da Bibl. Mun. da Porto,
pág. 268).
−
Em 1301 e 1312, era reitor da igreja de Avanca
Martinho
da Maia (Censual, pág. 138 e 330).
−
Em 1257, D.
Afonso III doou ao mosteiro de Arouca os coutos de Antuã e
Avanca (Tombo de D. Mor Martins, fI. 81 v. a 82 v., e Chanc. de D.
Afonso 3º.O, liv. I, f.ª 22).
−
Em 1266, pretendeu reaver essas vilas; a
abadessa de Arouca queixou-se ao Papa, dizendo que sem elas não podia
sustentar as 110 religiosas que o mosteiro tinha então (Doc. de Arouca,
no Arquivo Nacional).
−
A 18 de
Fevereiro de 1274, o rei desistiu da demanda (Tombo de D. Mor, fl. 82 v. a 83, e
Chanc. de D. Afonso 3.º,
liv. I, f.ª 128).
/ 220 /
−
Em 1334, inquirições relativas às terras de Antuã e
Avanca (VoI. 106 de Arouca, no Arquivo Nacional)
−
Foral dado
por D. Manuel ao concelho de Antuã, em Évora, a 15 de Novembro de 1519 (VoI.
107 idem).
−
Aforamento dum casal reguengo em Agua Levada, no
ano de 1298 (Doações de D. Dinis, liv. 4, f.ª 8).
− Aforamento do
herdamento de Magarra, no ano de 1306 (Idem, liv. 4, f.ª 36).
− Em 1522, era abade de Avanca João Cardoso, Capelão do Bispo do Porto,
e a igreja rendia cerca de 50 mil reis (Arquivo Nacional, Gaveta 19,
m. 14, n.º 16).
−
Em 1594, o mosteiro de Paço de Sousa possuía uns três
casais em Avanca (Tombo da Mesa Abacial de Paço de Sousa, fl. 599).
−
Encontram-se, enfim, curiosas informações sobre a fundação da actual igreja de Avanca no
Dicionário Geográfico do P.e Cardoso e no Dicionário Geográfico manuscrito existente
no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
P.e MlGUEL A.
DE OLIVEIRA
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