É
bem diferente do resto do país o modo como se faz agricultura em toda a
região marginal da Ria de Aveiro.
Toda a actividade agrícola deste torrão reside nos estrumes
produzidos quer nos fundos quer, nos barros da Ria.
Estes são os matos, compostos em alta percentagem pelo Juncus
maritimus, Lam, e já em menor por Spartina Duriaei,
Parl., Paspalum vaginatum, Sn., Scirpus
maritimus, L. var. macrostachys, Bss.,
etc., que geralmente são empregados depois de sofrerem uma pequena
curtimenta. Mais raramente se estrumam as terras com mato sem sofrer
qualquer curtimenta, o qual é enterrado quando da lavoura para a
sementeira do milho. |
|
Zostera nana, Roth |
Mas o caso que agora mais nos interessa é o dos adubos chamados moliços.
Que eu saiba, até à data ainda não foram estudados sob o ponto de vista
agrícola. Botanicamente existem algumas listas de plantas da Ria de
Aveiro; e dessas, as que vivem submersas são mais algas do que
fanerogâmicas. E suponho que deve ser daí que vem o erro de se encontrar
escrito, em
/ 178 /
muito boa letra, em qualquer livro que fale de moliços, que estas são
algas.
Ao botânico interessam simplesmente colecções ricas em espécies, dando
mais valor a esta característica do que à massa ou frequência com que
cada uma aparece em determinada região; apesar do número de espécies de
algas que entram nos moliços ser muito superior ao de fanerogâmicas que
quase totalmente os formam, não podemos dizer que estes são algas.
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Zostera nana, Roth (ramos frutíferos) |
|
Potamogeton pectinatus, L. var. tenuifolius,. Mert et Koch.
|
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Se tais escritores, que lhes chamam algas, tivessem consultado,
conjuntamente com a lista das espécies, um número de amostras de moliço
que lhes pudesse dar nitidamente ideia da massa com que cada uma das
espécies entra no mesmo, não se atreveriam a sair do campo da botânica
para pôr tal a correr em voga.
Quem tal lê,
−
e eu até fiquei surpreendido quando soube que a Zostera era uma
fanerogâmica
−
julga que os moliços são só compostos de algas; pois nem só destas nem
de fanerogâmicas; mas quantitativamente muitíssimo mais destas últimas.
Onde as algas entram em maior quantidade é no moliço dos viveiros das
salinas ou colhidos mesmo junto à Barra, o que também não constitui
regra para se dizer que os moliços
/ 179 /
são formados de algas, pois tais moliços representam uma parte mínima
destes «despojos» que anualmente se arrancam ao fundo da Ria.
Ora, as algas que entram nestes moliços em quantidade apreciável
−
dentro da classe, bem entendido
−
pertencem aos géneros Chara, Ulva e
Enteromorfa, e a Trapa ou Papeira que talvez pertença à família das
Sifonaceas
(1).
Encontram-se espécies pertencentes a outros géneros, como Fucus,
Ceramium, Geledium, etc., mas que são criados mesmo na barra ou
trazidos para dentro pelas águas nas preamares.
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Ruppia spiralis, Dumort |
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Zostera marina, L. |
|
As plantas que mais abundam nos moliços são, em primeiro lugar, a
Zostera nana, Roth., da qual são na maior parte formados e que é
colhida em águas salgadas ou salobras, isto é, no litoral, desde Torrão
de Lameiro nas Quintas da Torreira até próximo do Areão no Canal de
Mira; para o interior, até próximo de Vagos no Canal de Ílhavo, e a
poente de uma linha que parte do Canal das Pirâmides em Aveiro, passa a
nascente
/ 180 /
de Testada e vai até ao Esteiro de Veiros no Canal de Estarreja.
De mistura com a Zostera nana, Roth, que abunda em toda a área de
águas compreendida entre os limites indicados, há também, em quantidade
apreciável, a Ruppia spiralis, Dumort, a Ruppia
rostellata, Koch., a Zostera marina, L. e ainda a
Chara flexilis, Ag. e Chora aspera, Willd; e já mais próximo
destas linhas, dum e doutro lado, encontra-se o Potamogeton
pectinatus, L. var. tenuifolius, Mert et Koch., o qual para além
destes limites, nos extremos da Ria, se encontra bastante misturado com
o Myriophyllum spicatum, L.
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Chara flexilis, Ag. |
|
Chara aspera, Willd. |
|
A Ruppia, L. e o Potamogeton, L, que abundam nos sítios de
águas salobras encontram-se também nas áreas onde predomina a Zostera,
L e onde predomina o Myriophyllum, L.
A Trapa ou Papeira abunda em todos os canais onde as águas são pouco
agitadas pelos ventos, isto é, nos braços estreitos da Ria, abrigados
pelas margens e sua vegetação.
Damos a seguir a lista das principais plantas que entram nos moliços,
por ordem decrescente da sua importância:
/ 181 /
[Vol. Il - N.º 7 - 1936]
Zostera nana, Roth. |
Musgo, Sirgo, Seba |
Potamogeton pectinatus, L. var. tenuifolius, Mert. et Koch. |
Rabos |
Ruppia spiralis, Dumort. |
Erva, Erva de arganel, Sirgo |
Ruppia rostellata, Koch. |
Erva, Erva de arganel, Sirgo |
Zostera marina, L. |
Fita |
Chara flexilis, Ag. |
Pinheira, Gorga |
Chara aspera, Willd. |
Pinheira, Gorga |
Myriophyllum spicatum, L. |
Pojos |
Sifonacea ? |
Trapa, Mormo |
UIva |
Folha |
Enteromorfa |
Limo |
COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS MOLIÇOS
Que eu conheça, foi MOTA PREGO quem primeiramente abordou o assunto que
vamos tratar no presente capítulo. Para a realização da sua vasta obra
teve que recorrer a autores mais antigos; mas como até antes dele
ninguém tinha tocado em tal matéria, nem sequer ao de leve, serviu-se de
dados de autores provavelmente franceses, que trataram dum produto da
costa que não é idêntico ao da Ria de Aveiro.
Não pretendo refutar a obra do saudoso Mestre nem tão pouco discuti-la,
mas simplesmente tornar conhecido o que vi e o que observei.
Os números apresentados e as hipóteses formuladas por antigos autores
estão bastante longe do que tem sido observado.
Como atrás se deixou transparecer, do mesmo modo que se tem dito até
aqui que os moliços são formados de algas sem se ter atendido às
fanerogâmicas que contém, posso dizer que duma maneira geral são
formados de fanerogâmicas dando pouca importância às algas que neles
entram, embora em número específico bastante superior; e por isto os
citados números das análises se afastam bastante dos agora encontrados.
O que se segue, como aliás todo este trabalho, não passa duma simples
contribuição para o estudo dos moliços; nem 'nunca pretendemos fazer um
estudo completo, porque, além de
/ 182 /
não estar ao nosso alcance, seria tarefa que demandaria bastante tempo
de atenta observação e estudo.
O que apresentamos aqui e grande parte do assunto dos outros capítulos
é, como já tive ocasião de dizer, fruto de observações «in loco» e da
mais fácil compreensão e interpretação de certos fenómenos, por eu ser
natural da região e ter chegado ao termo do meu curso.
Não é de hoje para amanhã que se podem fazer afirmações categóricas.
Poucas coisas há que sejam mais contingentes que as relacionadas com a
terra.
Anos há em que as colheitas são melhores, outros em que no princípio as
praias estão piores que para o fim, certos sítios que criam mais ou
menos tal ou qual espécie consoante o clima, eu sei lá; assim, por
exemplo, em Junho os fundos apresentavam-se bastante nus, em virtude do
inverno e parte da primavera frios e secos não permitirem a criação do
«musgo» ou «seba» e «erva» ou «sirgo». Pouco antes da permissão a praia
encontrava-se coberta duma felpa devida aos calores da última quinzena
do mês de Maio. Só nos sítios mais abrigados e onde as águas são mais
fundas, não contando as cales, é que se conseguia encontrar «rabos»
completamente desenvolvidos.
Facto interessante, e que também é devido às mesmas causas, é este ano
não se encontrarem nenhuns «pojos», a não ser mesmo junto às fozes,
porque os rios e ribeiros que desaguam na Ria pouco contribuíram para o
adoçamento das suas águas.
A maior ou menor quantidade de lodos que os moliços trazem não significa
menor ou maior valor porque os há mais lodosos de certas partes, que
valem mais que os menos de outras: os lodos dos moliços do princípio da
safra são em regra maus porque, não tendo sido ainda remexido o fundo da
praia, são bastante plásticos e depois fazem como que presa, e secando
alguma coisa, permanecem enterroados. Mais tarde já são bons porque além
de estarem muitíssimo desagregados pelos suces'sivos cortes dos dentes
dos ancinhos e sendo o resultado da deposição contínua dos sedimentos em
virtude do remeximento dos fundos, formam uma mistura bastante homogénea
com a matéria orgânica a que estão ligados.
O que também contribui para a sua bondade são as transformações químicas
a que dá lugar o grande estado de divisão.
Em absoluto não se pode dizer que os lodos de tal ou qual sítio são
melhores que os de outro; durante o primeiro período de colheita os
lodos do lado do cordão litoral são melhores que os do lado de «terra»;
lá mais para diante, no Outono e Inverno, são os desta parte os
preferidos.
As análises químicas que adiante veremos não dizem nada a este respeito,
porque as colheitas donde foram tiradas as amostras não foram
especificadas neste sentido, nem foram feitas
/ 183 /
em determinado local tido por dar melhores ou piores moliços. O que mais
atrai o moliceiro é sempre a massa de plantas, porque onde quer há lama.
Todas as amostras foram colhidas de marés. Como nos interessava de
momento avaliar a riqueza dos moliços e não a composição química das
espécies vegetais que neles entram, colhemos amostras que, segundo o
nosso critério, traduzissem o conjunto do lote donde foram tiradas, pois
é a esse conjunto que se chama moliço e é tal qual se emprega na
lavoura.
Torna-se desnecessário e até seria enfadonho e aborrecido descrever os
métodos de análise que empregámos, bastando dizer-se que a determinação
do azote e dos cloretos foi sobre a substância, e o licor químico foi
feito com as cinzas e resíduos terrosos que restaram da determinação da
matéria orgânica.
Contudo não deixaremos de chamar a atenção para certas particularidades
e justificar certas maneiras de proceder.
Sendo difícil transportar ao laboratório amostras completamente frescas
para pelo menos ajuizarmos da quantidade de água que o moliço transporta
na altura da colheita, e também porque não possuíamos na região estufa
que grosseiramente nos desse uma ideia do seu teor em humidade, achamos
por bem suprimir os números desta determinação, referindo todos os
outros à substância seca a 100º, o que aliás achamos correcto para
fazermos o estudo comparativo da riqueza em elementos fertilizantes.
Mais adiante, quando nos referirmos ao valor dos moliços em função da
sua riqueza química comparado com os elementos fertilizantes do
comércio, faremos um cálculo da quantidade de água que cada barcada pode
transportar até ao cais da descarga, baseando-nos nos estudos de AMÉRICO
VIANA DE LEMOS. Por agora limitar-me-ei a dizer que as amostras ao
entrarem no laboratório acusavam um máximo de 30,23% e um mínimo de 6,9%
de humidade. Estas amostras tinham sido secas ao ar durante mais de um
mês.
A matéria orgânica foi determinada por ignição duma parte aliquota da
amostra; e por este processo na matéria inorgânica tornar-se-ia difícil
dosear as cinzas e o resíduo terroso. Também para o caso que estamos
tratando pouco interesse isso representaria. Não digo nenhum, porque as
coisas mudariam de figura no caso de se querer corrigir uma porção de
duna com lamas em relativamente curto espaço de tempo. Neste caso talvez
fossem preferidos os moliços com pouca ou mediana matéria orgânica, e
que apresentassem mais elevado teor em elementos fertilizantes.
Como se vê, em regra a percentagem destes é proporcional à quantidade de
matéria orgânica.
A percentagem de cálcio relativamente elevada que se encontra nestes
estrumes é em grande parte devida a numerosas
/ 184 /
conchas de Berbigão (Cardium edule, L.) e a algumas incrustações
de certos animais nas folhas das plantas.
|
Um
barco moliceiro trabalhando. |
Não nos limitamos somente a analisar os elementos nobres, fomos mais
adiante: os cloretos que os moliços transportam podem ter, como de facto
têm, importância cultural; nas terras sempre adubadas com moliços e com
pouco dreno, e ainda onde as águas das cheias podem tocar, as culturas
ressentem-se deste facto, como, por exemplo, a do feijão.
Para fazer esta análise procedi do seguinte modo: tomei uma porção de
substância correspondente a um grama de matéria seca a 100º, numa
cápsula pequena, juntei-lhe uma porção de água destilada, 50 cc., e
aqueci até à ebulição. Vasei todo o conteúdo da cápsula para um balão de
100 cc., tendo vasado igualmente as águas de lavagem da cápsula; depois
de frio, perfiz o volume de 100 cc., agitei, filtrei e fiz o ensaio
sobre 50 cc. correspondentes a 0,5 gramas de matéria seca, pelo método
de Mohr, para a determinação dos cloretos.
Como autores modernos dão um lugar de destaque ao enxofre entre os
fertilizantes, também nos prendeu a atenção a pesquisa da quantidade em
que ele entra nos moliços.
Os resultados das análises estão expressos, como é costume, da seguinte
maneira: Azote, Az.; Fósforo em anidrido fosfórico, P2O5;
Potássio em óxido de potássio, K2 O; Cálcio em óxido de
cálcio, Ca O; Magnésio em óxido de magnésio, Mg O; Ferro e alumínio em
sesquióxido de ferro, Fe2 O3; e de alumínio, Al2
O3; Enxofre em anidrido sulfúrico, SO3; e Cloro em
cloreto de sódio, CI Na.
Segue-se o resultado das análises de 17 amostras que, embora dando-nos
uma ideia do que valem os moliços como adubos, não traduzem o seu valor
médio exacto, pois para esse fim seria necessário colher um número de
amostras que representasse essa média numa dada época, e este trabalho
se repetisse 3 ou 4 vezes durante os períodos de colheita com intervalos
que fossem função da intensidade da apanha. Contudo, indicar-se-ão as
médias dos resultados destas 17 análises.
/ 185 /
/ 186 /
VALOR COMPARADO DOS MOLIÇOS
A nossa ideia a este respeito já ficou bem explícita nos capítulos
anteriores. Não nos devíamos ocupar deste assunto, por quanto a terra
que pisamos é um pouco frouxa; mas para que se não julgue que tudo está
estudado e sabido, fazendo-se fé por meras hipóteses que se têm
arquitectado umas sobre as outras, somos a dizer que o estudo do
problema agro-económico desta região está completamente por fazer, não
havendo aproximação possível com o de outras regiões do País.
Como todo este trabalho não passa duma contribuição para um estudo, que
por sua vez poderá contribuir para outros, não fica descabida a
apresentação de mais uma hipótese com certo fundamento.
As primeiras análises de moliços tornadas conhecidas foram as de AMÉRICO
VIANA DE LEMOS, apenas com quatro determinações: azoto, anidrido
fosfórico, potassa e cal. As análises foram em número de 22 com as
seguintes médias:
|
Azoto |
1,46 |
Anidrido fosfórico |
0,31 |
Potassa |
1,97 |
Cal |
6,04 |
|
|
Das que fiz, em número de dezassete, destaquemos as seguintes médias
comparáveis:
|
Azoto |
0,502 |
Anidrido fosfórico |
0,255 |
Potassa |
1,274 |
Cal |
2,988 |
|
|
O facto destes últimos números apresentados serem baixos deve encontrar
explicação no seguinte: as amostras cujos números das análises deram
origem às médias, continham bastante matéria inorgânica, havendo uma só
que não continha lodo nenhum, embora apresentasse alguma areia, a número
6.
As amostras foram colhidas em diferentes lugares e datas, e com a
seguinte composição qualitativa:
N.º 1
−
Esteiro do Bunheiro, 5-9-1932
−
Pinheira, Rabos, Trapa e lodo.
N.º 2
−
Quintas da Torreira, 20-9-1932
−
Musgo, Erva e lodo.
N.º 3
−
Almundazel
−
Torreira, 22-9-1932
−
Musgo e lodo.
/ 187 /
N.º 4
−
Almundazel
−
Torreira, 22-9-1932
−
Musgo e lodo.
N.º 5
−
Lagoa
−
Bestida, 28-9-1932
−
Musgo e lodo.
N.º 6
−
Torreira, 28-9-1932
−
Moliço «arrolado»
−
Musgo.
N.º 7
−
Varela
−
Torreira, 28-9-1932
−
Musgo, Erva e lodo.
N.º 8
−
Foz do Vouga, Janeiro de 1933
−
Limos, Folha, Erva, Rabos e muito pouco lodo.
N.º 9
−
Foz do Vouga, Janeiro de 1933
−
Erva, Folha, Rabos, Limos e lodo.
N.º 10
−
Canal de S. Jacinto, 20-8-1933
−
Musgo e lodo.
N.º 11
−
Bico da Gaga
−
Torreira, 20-8-1933
−
Musgo e lodo.
N.º 12
−
S.
Jacinto
−
Almundazel, 20-8-1933-Musgo e lodo.
N.º 13
−
Canal de Ovar
−
Marinha Nova, 26-8-1933
−
Pojos, Rabos, Pinheira e lodo.
N.º 14
−
Canal de Ovar, 26-8-1933
−
Rabos, Erva, Pinheira e lodo.
N.º 15
−
Praias particulares próximas de Testada, 3-11-1933
−
Rabos, Trapa, Erva e lodo.
N.º 16
−
Canal do Desertas
−
Costa Nova, 8-1-1934
−
Limo, Trapa, Folha, Fita e lodo.
N.º 17
−
Canal de Ílhavo, 8-1-1934
−
Musgo e lodo.
Para fazermos uma ideia do que valem estes adubos, comparemo-los com os
adubos químicos contendo os elementos nobres enunciados e que são de
emprego mais vulgar: sulfato de amónio, surperfosfato, sulfato de
potássio e cal.
O sulfato de amónio contém 20 a 21% de azoto e custa 85$00 cada 100
quilos, calculando-se o preço de cada quilo de azoto sob a média de
20,5% em 4$14(6); o superfosfato a 12% custa 35$00 cada 100 quilos,
sendo o preço de cada quilo de ácido fosfórico 2$91(6); o sulfato de
potássio contém 50% de potassa e custa 120$00 cada 100 quilos, sendo o
preço de cada quilo de potassa 2$40; e a cal custa 10$00 cada 100
quilos, ou seja a $10 cada quilo.
É
sobre esta base que assentarão os nossos cálculos.
AMÉRICO VIANA DE LEMOS calcula a quantidade de água que o moliço
arrasta, quando é descarregado dos barcos, em 60 a 82%.
A média das duas médias de análises apresentadas e a média destes dois
últimos números é que hão de servir ao que nos propomos. Portanto, uma
tonelada de moliço seco pode conter:
9,81 quilos de azoto
2,82 quilos de anidrido fosfórico
16,22 quilos de potassa
45,39 quilos de cal
E uma tonelada de moliço ao sair do barco pode ter:
/ 188 /
710 quilos de água
2,84 quilos de azoto
0,82 quilos de anidrido fosfórico
4,70 quilos de potassa
13,16 quilos de cal
Portanto, as 400.000 toneladas em que calculamos a colheita de 1933-34
continham:
1.136.000 quilos de azoto
328.000 quilos de anidrido fosfórico
1.880.000 quilos de potassa
5.264.000 quilos de cal
Sendo assim, em função do custo dos adubos químicos atrás enunciados, os
moliços da última colheita podiam valer:
|
pelo azoto |
4.709.856$00 |
pelo fósforo |
956.448$00 |
pelo potássio |
4.512.000$00 |
pela cal |
526.400$00 |
Total
|
10.704.704$00 |
|
|
equivalendo a:
|
Sulfato de amónio |
5.541.463 quilos |
Superfosfato a 12% |
2.733.333 quilos |
Sulfato de potássio |
3.760.000 quilos |
Cal |
5.264.000 quilos |
|
|
A LAVOURA E O REGULAMENTO DA RIA
A classe agrícola, ou aquela que mais directamente tem os seus
interesses ligados com ela, encontra-se bastante prejudicada com o
actual Regulamento da Ria.
Diz-se que antigamente, quando não havia uma tamanha época de defeso e
esta era em Julho, a praia dava melhor e mais abundante moliço. A este
propósito podemos invocar os tais dados que referimos atrás e de que
discordamos, como tendo-se calculado a quantidade de moliços que noutros
tempos se arrancavam à Ria em quantidade superior à que actualmente
calculei. Poderia produzir-se melhor, mas, mais quantidade do que
actualmente, não me parece possível.
/ 189 /
A fiscalização do defeso estava entregue aos regedores das freguesias a
que a Ria pertence.
|
No
Boco − Um barco de moliço seco |
O benefício que então a lavoura tirava dos moliços era muito superior ao
de hoje, diz-se, e é de crer que assim fosse. Várias razões se
apresentam a favor dos Interessados, dentre as quais exporemos as que
achamos mais importantes.
Apontam primeiramente a falta de adubos para o milho que seria remediada
se o defeso não fosse estabelecido precisamente na época em que se
semeia; e depois, em Agosto e Setembro, tinham melhores moliços para
estrumar as terras em cobertura, em virtude de se terem criado num mês
de intensos calores e sobre um fundo bastante remexido.
Há um princípio agronómico que, por várias razões, manda enterrar os
estrumes. Pois, a maior parte dos moliços, que hoje quase totalmente são
empregados como adubos de cobertura, seria enterrada logo a seguir à
apanha, se esta fosse feita em época própria, tendo a aplicação do dito
princípio mais razões a seu favor do que as habitualmente invocadas na
sua
/ 190 /
defesa: levaria à terra uma certa porção de água, e constituiria uma
camada protectora da humidade do solo; os moliços colhidos em épocas em
que a salinidade das águas estaria longe de ser máxima, como é no verão
e no outono, a quantidade de cloreto de sódio que transportariam para as
terras onde haviam de ser aplicados, não causariam tantos prejuízos;
embora as chuvas arrastem esse sal, a muito custo deve sair dos
terrenos, havendo portanto necessidade de lhes diminuir a salinidade.
|
No
Carregal − Moliço aguardando a ocasião de ser empregado. |
Por outro lado, as enormes percas que se dão com o amontoamento dos
moliços à espera de serem aplicados em cobertura depois da colheita dos
milhos e sementeira das pastagens de inverno, também é razão para
ponderar.
A colheita dos moliços para secar principia sempre mais tarde, de
Setembro em diante.
A modificação do regime actual de defeso para que fosse estabelecido
outro mais de harmonia com os interesses agrícolas da região,
beneficiaria à agricultura debaixo de todos os seus aspectos.
Não deixa de ser interessante notar-se que os autores do relatório que
precede o actual Regulamento da Ria de Aveiro reconheceram superioridade
à produção de «algas» comparada com a do peixe, apesar de não terem
feito quase nenhum caso da exploração dos moliços. A produção do peixe
em 1911 está calculada, aproximadamente, em 54.000$00 e a produção do
moliço num valor superior a 270.000$00.
Nestes dois últimos anos, sob o pretexto da crise, o defeso tem começado
um mês depois, em Abril, tendo assim uma duração de dois meses.
Pois bem; visto não haver inconveniente para a piscicultura e para a
criação de plantas submersas na redução do defeso em um mês por causas
sociais de interesse local de ordem superior, a hipótese da modificação
da época do defeso conservando-se com a duração de dois meses e meio,
desde 1 de Junho até 15 de Agosto, supondo que o «depauperamento» das
pescarias não fosse tão grande que não seria compensado pelos benefícios
que daí adviriam para a região pelo lado agrícola, interessaria social e
economicamente a todos os povos da Beira-Marinha, atingindo mesmo a
economia da NAÇÃO.
TOMÁS TAVARES DE SOUSA |