Abade José Luciano Lobo, Sever do Vouga, Vol. 1, pp. 261-263.

SEVER DO VOUGA

Tendo-me referido em número anterior do Arquivo ao «Dolmen da Cerqueira» e «Forno dos Moiros» não quero deixar de apresentar também hoje aos caros leitores da nóvel revista a fotografia de duas pontes deste concelho.

São elas a do Poço de Santiago e a de Pessegueiro sobre o Vouga.

São duas obras que embelezam, engrandecem e notabilizam o concelho de Sever e mormente a freguesia de Pessegueiro.

Não são muito antigas, pois que a primeira terá vinte e tantos anos e a segunda cento e vinte e cinco a cento e quarenta.

A ponte do Poço de Santiago que serve a linha férrea do Vale do Vouga é o que pode chamar-se uma obra imponente e majestosa quer pela sua altura de muitos metros quer pelo seu comprimento, número de arcos, etc. Toda ela em alvenaria e cimento armado impressiona agradavelmente o visitante.

No seu género é, sem favor, uma das mais importantes do país.

Esta ponte, que dá passagem ao comboio nas alturas do apeadeiro de Santiago é digna de figurar e de ser mencionada em qualquer revista.

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A ponte de Pessegueiro sobre o Vouga contando mais de um século de existência é também digna de nota.

Divide a freguesia de Pessegueiro da de Paradela emprestando àquele local muita poesia e graciosidade.

Dela se desfruta um surpreendente panorama.

Realmente, quem sobre a ponte espraia a vista para um e outro lado, para o rio que desliza mansamente como um grosso fio de prata formando entre este local e a represa da central eléctrica da Sociedade Industrial do Vouga como que bonançoso lago, e para as margens cheias de arvoredo, de flores e relvado... quem tudo isto analisa e contempla há-de por força sentir-se bem e quedar um instante a admirar os primores com que o Autor da Natureza dotou estas terras do meu concelho. / 262 /

SEVER DO VOUGA − Ponte de Pessegueiro, sobre o Vouga.

/ 263 /

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Mas, afora isto, julgo esta obra digna de menção porque representa o esforço dum benemérito deste concelho.

Refiro-me ao benemérito abade Manuel Dias Santiago, que não só mandou construir à sua custa esta ponte bem como a do rio Mau, como também mandou reconstruir a Igreja de Pessegueiro, a torre, instituiu o legado das moças pobres e o da fábrica e dotou a Igreja com um sino grande e paramentos ricos. É o que diz a lápide junto à sua sepultura que se acha sob o púlpito desta freguesia, que por bastantes anos ele pastoreou.

Alguém, referindo-se a esta ponte diz:

«A ponte de Pessegueiro sobre o Vouga representa o mérito de Manuel Dias Santiago, abade que foi daquela freguesia e que, pela sua filantropia e abnegação, vinculou indelevelmente o seu nome no espírito de todos os que dele tiveram conhecimento. Era naquele tempo o local, onde hoje floresce a povoação da Ponte, sítio silvestre, alcantilado e perigoso para os habitantes de Paradela no seu trajecto para Pessegueiro. A passagem duma margem para a outra faziam-na em pequenas barcas que nem sempre podiam navegar, em virtude da desigualdade das estações.

O solícito pastor não podia levar-lhes como devia os auxílios espirituais muitas vezes reclamados, nem os habitantes de Paradela podiam dar à terra os cadáveres dos seus quando era preciso, mas, muitas vezes, só quando o Vouga cleixava.

Por isso o generoso abade concebeu o plano de erguer uma ponte sobre as fragas íngremes duma passagem mais estreita do rio».

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Eis a história desta ponte. Majestosa pela sua altura, tem arrostado as idades e as investidas das águas.

Em 1872 foi para ela conduzida a estrada distrital, sendo nessa ocasião alargada com passeios laterais.

E desde então começou este local a ser um dos mais agradáveis do concelho.

Estas duas pontes, a par de muitas outras belezas naturais e artificiais, tornam estes sítios aprazíveis, poéticos e lindos.

 

Pessegueiro do Vouga, Setembro, 1935.

ABADE JOSÉ LUCIANO LOBO

 

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