Os Homens de Kidina, col. Holograma,
Lisboa, Âncora Editora, Maio de 2003, 196 pp. - ISBN 972-780-116-1 |
A
poetisa não deixou de o ser apenas porque avançou pela prosa adentro. Em
inúmeras páginas de Os Homens de Kidina a poesia ressoa com a
suavidade de uma sonata de Chopin. O que não prejudica a análise dura,
quase se diria feroz, que faz de situações que, como grilhetas, seguram
as marionetas sociais que, na maior parte do tempo, somos. Atente-se na
dureza, mas também profundidade, deste pedacito:
«Kidina
conhecia muitas histórias, histórias tristes. Na cadeira em frente da
sua secretária podia vê-las como num filme. O casamento como instituição
na sua forma mais violentamente coercitiva, mais desorganizativa das
vidas e das consciências. Lugar onde a neurose escondida nos gestos
quotidianos se exercita e a felicidade não se sonha porque se desistiu
de esperar. O que fazer de uma união quando esvaziada do seu conteúdo,
da sua substância, o amor se tornou num esqueleto, um suporte de coisa
nenhuma, uma contradição, um lugar onde um silêncio ao lado de outro
silêncio esperam a consumação do tempo?»
Magnífica percepção. Mergulho de fôlego nas profundezas das nossas
contradições.
Os
Homens de Kidina só podia ter sido escrito por uma Mulher. Só uma
Mulher perceberia, com a força com que Ângela Leite o faz, de que sedas
e veludos, de que linhos e lãs, é tecida a alma de uma Mulher. Ainda bem
que o fez. Porque a sua obra aumenta o nosso conhecimento, nos torna
mais ricos.
A.
Magalhães Pinto |