34º Domingo do tempo comum ano A) Festa de Jesus Cristo Rei do
Universo
1ª leitura: Ezequiel, 34,11-12.15-17
2ª leitura: 1ª Carta aos Coríntios, 15,20-28
Evangelho: S. Mateus, 25,31-46
«Cristo-Rei»:
um título que gera emoção – com o perigo de se ficar por embandeirar
em festa em vez de meditar no que esta «festa» significa. Por outro
lado, os pregoeiros do Pregoeiro nem sempre acertam nos objectivos
do Mestre: não terão esquecido, muitos deles, a mansidão firme e
clara do seu clamor? E que as obras clamam mais do que as palavras?
S.
Paulo parece o grande inspirador da dimensão cósmica do fenómeno
Jesus Cristo. Com efeito, várias vezes contrapõe Jesus a Adão, a
«nova criação» à «antiga criação». Paulo está privilegiadamente
colocado, pela riqueza da formação e da cultura em que nasceu, para
inserir a figura de Cristo na dinâmica da Bíblia judaica. Além
disso, teve uma fortíssima experiência pessoal de Jesus –
exactamente porque o perseguia, perseguindo duramente os primeiros
discípulos: Deus deixa-se encontrar na profundeza das intenções que
procuram o que é recto, e por isso o antigo entusiasmo de Paulo
ganhou uma nova e espantosa força espiritual e física.
O mal
está em que muita gente não tem coragem para querer a verdade – pois
esta frequentemente faz inimigos e desfaz jogadas de interesses
egoístas.
Por
isso, Pio XI (papa de 1922 a 1939) se empenhou tanto em dedicar um
domingo para este pregão: a humanidade fica desumana se não sabe
estar atenta à verdade e à justiça proclamadas por Jesus Cristo.
Na
liturgia deste ano, a 1ª leitura fala da antiquíssima acepção do Rei
como Pastor.
A 2ª
leitura reflecte a crença espalhada nos primeiros cristãos de que a
nova ordem apregoada por Cristo ia ser instaurada muito em breve.
Mas o pensamento amadurecido de S. Paulo centra-se na dignidade de
Cristo, com o poder de produzir uma vida nova, que nos enche as
medidas para toda a eternidade (Filip.3,10-11; Rom.6,4): Cristo é a
força e a sabedoria de Deus (1Cor.1,25; 2Cor.4,6).
Finalmente, no evangelho, Jesus Cristo desempenha outra conotação
central do Rei: a de juiz – mas tendo como critério base o amor
fraterno entre os Homens.
No
Oriente antigo, em termos gerais, o rei terreno representava o rei
celeste, e na medida em que desempenhava devidamente esta função,
pertencia de algum modo à esfera divina, equiparado aos deuses. É um
rei salvador, que se deve deixar guiar pela força, bondade e justiça
divinas (as suas funções, mesmo quando é um chefe na paz ou na
guerra, são de cariz eminentemente religioso).
O
Antigo Testamento sublinha a grande distância entre o rei terreno e
o único verdadeiro Rei (o radical indo-europeu «reg» tem o sentido
básico de mover em linha direita, donde «recto» e «regra»), fonte de
toda a sabedoria: é Deus quem escolhe os governadores deste mundo –
que lhe podem ser infiéis (tema frequente no Livro da Sabedoria).
Mas como representante do verdadeiro Rei, pode-se dizer que vive em
«intimidade com Deus» – expressão que se aplica apropriadamente a
Jesus ao ser reconhecido como o Messias.
No
Novo Testamento, o termo rei (grego «basileus») é aplicado 38 vezes
a Jesus, sobretudo nas histórias da paixão. A Cristo se aplicam
notavelmente as conotações de Pastor e Juiz: «apenas» convida a que
o sigam – os Homens é que se julgam a si mesmos, na medida em que
querem ou não colaborar com Deus. As pessoas não pertencem ao reino
levadas por milagres ou manifestações de poder, mas sim porque
aderem à verdade proclamada (ideia forte no evangelho de João).
O
teólogo E. P. Sanders, em «A verdadeira história de Jesus», é de
opinião que seria mais exacto dizer que Jesus se assumia como
«vice-rei»: «Deus era rei, mas Jesus representava-o e iria
representá-lo no reino futuro».
Se
somos partidários da justiça, cumpre-nos, como escreveu Orígenes (s.
III), fazer frutificar socialmente o reino de Deus que já está em
nós «e que chegará à sua plenitude através do nosso aperfeiçoamento
contínuo».
Note-se bem que a mensagem do Novo Testamento mostra o Homem não
como súbdito de um Deus “imperador”, mas como filho, que livremente
colabora ou não no projecto do seu Pai – compete aos filhos
discutir, procurar e decidir, mesmo se não eliminam a escuridão.
Cristo é
«o rei dos pregões»: com ele, não vamos de limusina – quando muito
em humildes burrinhas (como na entrada de Jesus em Jerusalém – e se
chegarem para todos...). O que é certo, é que avançamos livremente,
com
o entusiasmo e a esperança de quem pode confiar plenamente no
Pregoeiro. |