26º Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª leitura: Livro de Ezequiel, 18, 25-28
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Filipenses,
2, 1-11
Evangelho: S. Mateus, 21, 28-32
É crença geral que como o fizermos assim nos farão. Uma crença
sustentada nitidamente pelas grandes religiões do mundo, mas que se
encontra sobretudo entre todos os homens (crentes e não crentes) «de
boa vontade». Como herança cultural, esta crença deve muito ao
desenvolvimento espiritual gerado pelos grandes movimentos
religiosos, como o judeo-cristianismo que também inspirou o
islamismo.
A sabedoria da vida ensina que à nossa atitude de perdoar não
corresponde sempre o perdão por parte dos outros. Vê-se assim que a
razão de perdoar não pode ser o perdão dos outros, embora uma
atitude de «perdão» tenha um efeito salutar de bola de neve. É um
facto social: o perdão desempenha um papel de primeira importância
na organização da sociedade, prevenindo e eliminando conflitos,
aumentando o nível de confiança na «bondade» dos outros, criando uma
comunidade em que não somos lobos uns para os outros e fortificando,
pelo exercício continuado, a nossa capacidade de domínio sobre as
situações adversas e a nossa persistência em não perdermos de vista
a comunidade ideal.
As leituras de hoje centram-se no Deus que perdoa «porque» nós
perdoamos (é a expressão de S. Lucas, 11,4, que evita assim medir o
perdão de Deus pelo nosso). O nosso acto de perdoar, por muito
imperfeito que seja, é apresentado nos evangelhos (intimamente
ligado ao princípio universal de «ama os outros como a ti mesmo»)
como a melhor prova de abertura ao espírito de Deus.
A dimensão religiosa junta em Deus a justiça e a «misericórdia»
(conceito ligado, em várias línguas, ao de «entranhas maternas»).
Sem justiça e misericórdia, não há amor. O acto de perdoar é
possível na medida em que alimentamos a nossa disposição para sermos
sensíveis às situações de vida dos outros.
São sugestivas, as conotações etimológicas de «perdoar», nas
principais línguas: libertar da culpa, ter paciência, suportar, não
considerar, conhecer o outro interiormente, estar de acordo,
encontrar-se, ir com o outro, deixar, libertar, desatar, permitir,
conceder, renunciar, etc. É notável o sentido de conhecimento íntimo
do outro e de recriação de uma relação humana, como que dando
oportunidade a uma nova vida.
O termo grego mais utilizado na Bíblia para «perdoar» (aphíemi)
pode indicar, tanto na esfera religiosa como na profana, libertar
alguém de uma relação jurídica, como do vínculo matrimonial, duma
dívida, da prisão… Para que um acto condenável não traga
consequências negativas para o próprio, é preciso como que «passar
uma esponja» sem deixar o mínimo traço do sucedido – um acto só
possível a Deus, mas que pretendemos imitar.
Nem o amor se dissocia da justiça nem há perdão se houver rancor. O
que está mal e o que se fez de mal deve ser honestamente
identificado. Só assim uma experiência negativa pode dar frutos
bons, alertando-nos para o que é realmente melhor e exercitando a
capacidade de correcção. Deste modo, também mais facilmente secamos
as raízes do rancor.
A antiga cultura greco-romana já se debruçava sobre o tema do
perdão, por vezes difícil de conjugar com a justiça. A indulgência
era vista como capacidade superior de compreensão do outro, que só
aplica o castigo como uma medicina – era uma virtude fundamental
para a convivência harmoniosa entre os «homens livres».
O Deus da Bíblia é um Deus de perdão. Só o amor persiste em conhecer
as razões que levam os outros a determinadas acções, transformando o
perdão num acto de confiança no outro.
O perdão traduz a vontade de defender uma civilização cheia de
esperança; em as dificuldades aguçam a arte de criar condições
favoráveis à discussão do que é bom ou mau, procurando a verdade e
realizando o melhor possível.
A palavra «perdão» deriva de «dar». «Dar por interesse» já é vender.
O prefixo «per» intensifica o sentido de «doar», indicando que se
trata de um nível de acção eminentemente generoso, resistente à
indelicadeza e até traição.
Jesus Cristo pede um dificílimo acto de fé: o de, com Deus, «jogar
ao perdão».
|