23º
Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª
leitura: Livro de Ezequiel, 33, 7-9
2ª
leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 13, 8-10
Evangelho: S. Mateus, 18, 15-20
Quantas vezes ocupamos reuniões a dramatizar «queixinhas», em vez de
discutir a razão e o remédio possível? E quantas vezes não atiramos
as culpas só para os outros ou para Deus – a quem não deixamos de
correr para «fazer queixinhas»?
As leituras de hoje falam disso, abordando o delicado tema da
denúncia.
No domingo passado, ao profeta Jeremias faltava-lhe a coragem de
enfrentar a opinião pública, porque o que tinha a dizer era
desagradável. Mas… e se a sociedade sofre as consequências nefastas
de não ter sido advertida corajosamente? A 1ª leitura de hoje é
inequívoca: toda a sociedade sofrerá, porque Deus não anda por aí a
remendar as nossas asneiras, mas pedirá contas, severamente, a quem
ao menos podia advertir e sugerir – e não o fez.
Mateus, com o seu espírito de organizador das primeiras comunidades
cristãs, desenvolve, baseado na cultura judaica a que pertencia, o
princípio da correcção fraterna. A forma simples é dada por Lucas
(17, 3): «se o teu irmão te ofender, repreende-o; e se ele se
arrepender, perdoa-lhe» (diz mesmo que devemos perdoar sempre,
utilizando o simbolismo do número sete). E Mateus (18,21-35)
continua o evangelho de hoje com a parábola do servo impiedoso,
castigado por não querer perdoar ao seu colega de trabalho. É
preciso perdoar «setenta vezes sete vezes».
Porém, o cristianismo não pode ser um olhar permissivo sobre os
defeitos de que enferma a sociedade, alegando que todos somos
vítimas de maus ambientes. Há de facto erros no sistema social – que
devem ser eliminados, sendo por vezes imperioso substituir todo o
sistema. Mas cada qual é responsável pelas suas acções, e o erro de
muitos agentes transforma um sistema bom em mau.
(As cartas de S. Paulo revelam a condenação enérgica de cristãos só
de nome, de comportamento social reprovável ou de pensamento
incompatível com a mensagem de Jesus Cristo, como no capítulo 5 da
1ª carta aos Coríntios).
Como a verdade não é monopólio de ninguém e não podemos julgar
ingenuamente, S. Mateus, em caso de sério confronto entre indivíduos
ou grupos, sublinha a necessidade de uma discussão a nível
comunitário, para que não degenere em conflito pessoal. É assim
enaltecida a função das comunidades locais: unir a terra e o céu,
trabalhar de tal modo na terra que o «reino de Deus» deixe de ser
uma miragem.
Mas nem a comunidade está a salvo da perversão ou corrupção. Muito
facilmente, deixamo-nos levar por quem fala melhor ou por quem
promete mais coisas agradáveis… ou simplesmente por quem tem mais
força. Por isso, a 2ª leitura leva-nos ao cerne da questão: basta
amar, porque o amor luta contra tudo o que é mal.
Ora o amor não pode ser regulamentado – actua como um guião a
orientar os nossos «desenrascanços»… (a contraproducente obsessão
com o «pecado sexual» terá resultado de falta de coragem para
aprofundar e defender o que é o amor).
O amor é constante. Mas a constância, sem amor, é perversa e cruel:
não quer ouvir os outros, talvez com medo de se ver obrigada a
corrigir o próprio caminho. Ora só ouve bem os outros quem ama os
outros – é capaz de ouvir mesmo aquilo que é amargo e esforça-se por
penetrar o mais possível no ponto de vista do outro. Por outro lado,
não tem medo de argumentar sobre o que será mais perfeito, de
apresentar opiniões contrárias e discuti-las publicamente. E aceita
até os erros próprios e o possível falhanço – guardando sempre a
esperança de que «a verdade nos liberta».
A comunidade cristã encontra-se em união com Deus, quando procura o
que é mais certo e não foge à responsabilidade de discutir o que
chamamos moral social e como devemos eliminar as razões das nossas
queixas.
O texto do evangelho pode favorecer a ideia incorrecta de que Deus
satisfaz todos os pedidos feitos «em grupo». O contexto, porém,
aponta para outro sentido: Deus encontra-se e dá a sua força onde se
procura a harmonia entre os seres humanos. |