4º Domingo da Páscoa (ano A)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2, 36-41
2ª leia profetura: 1ª Carta de S. Pedro, 2, 20-25
Evangelho: S. João, 10, 1-10
«Nos
últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a
criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar», e
toda a Humanidade sentirá mais vivamente a Força do Espírito de
Deus. Com esta citação do profeta Joel (3,1-5), começa o discurso de
Pedro (Actos, 2, 17-18), de que a 1ª leitura só apresenta uma parte.
É uma Força a que não podemos pôr entraves para com ela podermos
dialogar, como se dialoga com um amigo. E pouco a pouco (ou por uma
iluminação inicial), vamos caindo na conta do que significa dizer
que Jesus é o Messias, o Cristo.
Em
várias passagens, o Antigo Testamento rompe com a ideia de uma
autoridade constituída como único detentor da verdade: no tempo em
que Moisés ainda conduzia o seu povo pelo deserto, Deus quis dar o
seu Espírito a um grupo alargado de pessoas de confiança do povo,
tornando-os aptos a falar em nome de Deus. Logo houve quem se
indignasse, junto de Moisés, por dois homens estarem a profetizar
sem terem estado presentes à “tomada de posse” – e Moisés de
responder: «Não tenham ciúmes! Quem dera que o Senhor enviasse o seu
Espírito sobre todo o povo!» (Livro dos Números, 11, 24-29).
Jesus
encarnou, na História, a Força de Deus, que ama a cada um dos seres
humanos ao longo de todos os tempos, e convida cada um a exprimir, à
medida e ao feitio dos «talentos» que lhe foram entregues, a sua
contribuição para o projecto de um mundo novo, a «nova criação» de
que fala toda a Bíblia, com imagens diversas.
Para
trabalharmos neste «mundo novo», a 2ª leitura aborda um tema
delicado: devemos submeter-nos à injustiça?
A
passagem que se lê aplica-se só aos escravos daquele tempo, que a
cultura judaica já tratava com relativa humanidade (Êxodo, 21;
Deuteronómio, 15). Na primitiva igreja cristã, vários escravos
desempenharam altas funções na comunidade. Jesus não se calou
perante a injustiça, e questionou o fundamento do poder de Pilatos
(João, 19, 10-11). A posição do cristão perante as autoridades deste
mundo vem expressa nos parágrafos anteriores aos que são lidos (2,
13-17): «praticando o bem, emudecereis a ignorância dos insensatos».
A grande lição é que há sempre muito a fazer para melhorar o mundo.
Estamos perante a preocupação pela ordem, que se manifesta na paz.
Não é verdade que continua a ser um grave desafio “ordenar” o bem
comum e o bem pessoal, regionalismo e universalismo, originalidade e
massificação, submissão e liberdade?
Por
fim, o «domingo do bom Pastor» só tem sentido no longo contexto
histórico da pastorícia. As ovelhas estão calmas porque o Pastor tem
mais conhecimentos, sabe das melhores pastagens e protege a
qualidade de vida das ovelhas. Não é só pastor mas «a porta» do
redil: por ela «se entra e sai» – hebraísmo que designa a confiança
e liberdade de quem usa essa porta, apontando a acção responsável
das “ovelhas”, que agem em conformidade com o sentido de bem e mal.
Hoje,
Jesus poderia ser “o bom empresário” (também há empresários da
política, da educação, da própria religião...), que defende a
solidez da sua empresa: quem se arroga ser o que não é, quem atrai e
engana, esse é «ladrão e salteador». O mau empresário até faz
negócio com «salteadores e ladrões», e quando vê o perigo, agarra no
dinheiro e foge, deixando os outros no desemprego e miséria.
O «bom
empresário» estimula os empregados e fá-los participar numa gestão
sempre em melhoramento. Se os primeiros cristãos deram importância
ao «túmulo encontrado vazio», foi para afirmar que seguem não um
morto mas um vivente: um «empresário» que já não está sujeito a
nenhum tipo de destruição, porque foi exaltado pelo Espírito de Deus
e a sua acção tem a sabedoria forte e suave desse Espírito.
Quaisquer restos mortais seriam facilmente usados como amuleto
milagroso para curar os males que não nos apetece resolver.
A
empresa é sólida e tem lugar para os projectos mais futuristas –
sempre com as portas abertas para se entrar e sair livremente. A
norma é a vontade criativa de cada qual para o bem comum. |