Liturgia Pagã

 

Mas para onde está toda a gente a olhar?

1º domingo do Advento (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 2, 1-5

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 13, 11-14

Evangelho: S. Mateus, 24, 37-44

 

Reina grande confusão, nestes dias antes do Natal. Uns procuram os locais mais baratos para compras, outros para férias, outros olham para as iluminações, outros para os vários métodos de fazer mais dinheiro, outros para a melhor maneira de fugir a tanta confusão, e sobretudo como fazer para esquecer essa coisa chamada «crise».

Há quem olhe só para essa «coisa», descobrindo ser ela o resultado de gestão criminosa dos fundos públicos e de total falta de sensibilidade para uma justa organização da sociedade, do crime dos responsáveis que só olham para como amontoar dinheiro, viver num luxo ofensivo, e nem sequer sabem investir uma parte do que ganharam (por vezes por meio da autêntica escravatura) no bem estar social e numa educação ao nível das exigências de cada pessoa – que só assim se abre a todos um trabalho mais produtivo.

Enfim, muita gente, por pobreza ou excesso de riqueza, só olha para o «mealheiro».

Muitos destes lembram um giroscópio, não vá aparecer, não se sabe de onde, um ladrão, um fiscal honesto, ou quem lhes destrua todos estes bens, por vingança, por castigo, ou porque só olham para a melhor oportunidade de lhes tomar o lugar e talvez agravar o ciclo da injustiça… ou até um estranho «Senhor que vem»…

Não falta quem medite, quem investigue, quem escreva e fale publicamente… olhando para o possível sentido destas coisas e esperançados que atrás de um recanto surja uma porta de salvação.

Não falta quem simplesmente olhe para a importância de continuar a amar, a trabalhar no duro (por muito que se sintam progressivamente roubados), a ser amigo, a divertir-se…

Não falta quem junte todas estas maneiras positivas de olhar: e descobrem que o que falta é olhar para os caminhos que nos aproximam do Senhor da justiça. E vêem que «as espadas e lanças» e toda a parafernália de guerra se podem transformar em utensílios de paz. Vêem ainda, que ao caminharem para o Senhor da Justiça, o próprio Senhor vem vindo, por caminhos insuspeitos, ao nosso encontro.

E ao olharem para a Justiça, vêem nela a Alegria, a Paz, o Bem-estar… que pertencem à constituição do ser humano – e que a Justiça exige o exercício das nossas competências, o esforço por ser alegre, pacífico, artista do bem-estar…

Coisa estranha: vêem que «o Senhor vem» mas não conseguem ver o Senhor. Será mesmo a única maneira de «ver o Deus que ninguém pode ver» (João, 1, 18). E por isso, muitos nem se lembram dele (o que até é cómodo para não perturbar planos tortuosos).

Também por isso, Jesus lembra a «grande crise do dilúvio»: não diz que as pessoas «estivessem a pecar» (só têm esta «profissão» os fautores de injustiça), mas que levavam a sua vida normal, procurando o seu sustento, as suas alegrias… sem olharem para os graves problemas da humanidade. Quando nenhum dique os pode suster, o resultado é catastrófico.

E para esse Senhor (que no evangelho aparece como «Filho do Homem»), duas pessoas que pareçam fazer a mesma coisa (aos olhos humanos) têm valor diferente: uma delas importa-se com olhar para a Justiça, outra nem por isso.

O significado ainda discutido de «Filho do Homem» aponta para a manifestação de Deus no seio da humanidade. Se olharmos bem para o Natal, vemos que todos os natais são evocações dessa manifestação, e por isso são momentos que nos aquecem o coração para praticar a justiça, conviver na alegria e na paz e para transformar tudo o que temos em coisas boas para todos nós.

Mesmo quando tudo o que temos é uma mistura de dor e esperança, morte e sofrimento. A visão de cada qual é sempre limitada e por vezes muito débil: precisamos todos de sentir a nosso lado quem sustente o nosso olhar.

27-11-2010


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