Domingo XI do tempo comum (ano C)
1ª leitura: 2º livro de Samuel, 12,
7-13
2ª leitura: carta aos Gálatas, 2,
16-21
Evangelho: S. Lucas, 7, 36 – 8, 3
Este chavão político já perdeu a
graça original, como quando uma criança perde a ingenuidade. Passou
a ser mais uma desculpa: «Sim, a gente até sabe que o “politicamente
incorrecto” é frequentemente “o mais correcto” de acordo com a
dignidade humana – mas será que vale a pena remar contra a maré e
desmontar os “truques” dessa gente muito sabida e bem posicionada no
palco da vida? E que tem a arte de tirar dos nossos bolsos tudo o
que podem transformar em receitas de mais e mais rápido poder, de
mais prazer, de maior e mais rentável lugar de destaque … tudo isto
bem embrulhado em lencinhos de seda donde fogem pombinhas da paz?
Não será melhor fingir não ver?»
David, ao mandar matar o general
Urias para ficar com a mulher dele, foi politicamente correcto:
mostrou o seu poder e bom gosto pelas mulheres, não lhe bastando as
incontáveis concubinas. Foi contra a Lei – mas que pode a Lei contra
os poderosos? Depois arrependeu-se, no que foi politicamente
incorrecto: confessou-se culpado, abusador do poder, e que
justamente devia ser castigado. O mesmo sucede com S. Paulo:
politicamente correcto quando perseguia os cristãos em nome da Lei,
converteu-se ao amor que julga a própria Lei, e acabou por ser
condenado à morte pela Lei, acusado de politicamente incorrecto.
E Jesus? Não começou, na sua
família, por cumprir todos os preceitos da Lei? Não era fiel às
festas religiosas e à oração no templo? Mas fazia tudo isto, na
medida em que os procedimentos legais eram sustentados e até ditados
pelo amor, aquele amor que se manifesta na dedicação aos outros,
para que sejam mais livres e portanto mais alegres, mais confiantes,
mais aventureiros, mais corajosos para partir por caminhos novos e
para admitir que se enganaram, se for o caso. Mas acontece que o
legalismo apenas considera o que está escrito e diz que é incorrecto
querer saber mais sobre a «autoridade» da Lei …
Lá viria a propósito falar outra
vez do amor, mas este conceito é facilmente incorrecto: por um lado,
tem a conotação de lamechice; por outro lado, é exigência e
bem-querer, na sua plena dimensão – o que atrapalha qualquer
política correcta.
A Lei indica o que está mal, mas
serve sobretudo para condenar quem não a respeite, e não dá forças
ao Homem para se ater ao que é bem. Só pela vontade de adesão ao
plano de um mundo novo, é que recebemos a força do Espírito de Deus.
Aliás, já é o próprio Espírito que nos incita a querer confiar.
Jesus submeteu-se à Lei, como qualquer Judeu honesto. Mas,
justamente, condenou o legalismo daqueles que se acham justos porque
cumprem a Lei – os politicamente correctos. As nossas acções de nada
valem, se não são inspiradas pelo «incorrecto» amor, e
transfiguradas ou radicalmente substituídas pela capacidade própria
do amor que explora a riqueza da humanidade, com aquela visão
profunda e aquele toque de magia que transforma os projectos humanos
em prazer sem crédito mal parado...
E porque as decisões estão
continuamente nas nossas mãos, a Sabedoria de Jesus Cristo apenas
nos quis deixar um plano de vida «em aberto»…
Jesus não se preocupa com o
politicamente correcto ou incorrecto: está acima destas
classificações e das palavras cruzadas dos que reduzem a vida a
jogadas de poder.
Aceitou o convite de um fariseu
“correcto”; aceitou o amor de uma mulher “incorrecta”. Mostrou ao
fariseu que afinal nem perante a sua Lei se tinha portado
correctamente; mostrou à mulher «pecadora» que Deus não tem um
ficheiro das nossas acções correctas ou incorrectas. Deixou-se
prender pelas lágrimas, beijos e carinho de uma «pecadora», que
assim deu testemunho daquela magia do amor... |