3º Domingo da Quaresma (ano C)
1ª leitura:
Livro do Êxodo, 3, 1-15
2ª leitura:
1º Carta aos Coríntios, 10, 1-12
Evangelho:
S. Lucas, 13, 1-9
«Agarre-se com
firmeza!» – Um precioso conselho que não devia figurar apenas nos
autocarros, para os que gostam de ir em pé ou não têm outro remédio.
O evangelho até
se aplica a este tipo de viagens, muito digno e necessário, mas por
vezes heróico: «Julgais que a desgraça só acontece aos outros? E que
foi por culpa deles?» E sublinha que as tragédias não são um chicote
de Deus – mas consequências naturais de um conjunto de factores
muito pouco ou nada domáveis pelo Homem.
Só se o acidente
é causado por imprudência ou má educação (de certos passageiros como
também de alguns «condutores» …), é que haverá responsáveis perante
todas as pessoas e comunidades feridas. De resto, o natural desejo
de coisas novas e arriscadas dará sempre frutos bons e maus.
Pior seria
ficarmos satisfeitos e tranquilos com uma situação confortável (como
quando nos fazemos “convenientemente” afiliados num partido ou em
qualquer tipo de associação, ou sabichões quanto basta para comprar
posição e fama…).
Por isso, o ser
espicaçado pela vida garante a constância no caminhar, quantas vezes
pelo deserto e sob o ataque de invejosos.
Manifestamente,
era obra sobre-humana, a da 1ª leitura: libertar todo um povo que
trabalhava sob a tirania da nação mais poderosa da história antiga
(o Egipto), e conduzi-lo por meio de perigos da natureza, ataques de
inimigos, e sobretudo contra o desânimo e até revolta crescente dos
que exigiam uma caminhada sem dificuldades.
Tamanha proeza e
tão extraordinário recomeço na vida de um povo precisavam
absolutamente de ter o selo divino, para poder ser contada como se
fosse o resultado da vontade de um «Deus criador» – que não se
revestia das formas mais ou menos artisticamente sensíveis dos
deuses convencionais, em si incompreensível, mas que honestamente
reconhecemos como a única realidade independente que sustenta a
nossa própria liberdade. Uma realidade que não pode caber nos nossos
conceitos – e por isso não tem nome. Uma realidade que associamos
com a luz perfeita, a verdade perfeita, a felicidade perfeita – e
por isso lhe chamamos «Deus» – etimologicamente, «o luminoso».
A 1ª leitura
testemunha a experiência de que Deus “está mas não está”. Não tem
rosto, não tem nome… – “não está”! Se tivesse rosto e nome, era um
de nós, por mais importante que fosse. “Não está”, para que seja o
nosso rosto e o nosso nome a estar. Deus esconde-se atrás de cada
pessoa e de todo o universo. Toda a gente e todo o mundo trazem o
fogo de Deus e, como a sarça-ardente, é um fogo que não destrói.
Muito pelo contrário: é o fogo da beleza e da força da humanidade
inteira e de todo o universo. É o fogo que nos entusiasma a «dar a
cara» para que nunca esmoreça o projecto de sempre «nova criação».
É interessante
verificar que as conhecidas traduções «Eu sou quem sou» (nome
oculto) ou «Eu sou aquele que é» (a realidade verdadeira) podem ser
substituídas por uma terceira: «Eu sou quem eu serei» – verão quem
eu sou, através da experiência que farão da minha presença no
próprio agir humano.
O desafio deste
projecto obriga-nos a «ir de pé» e a agarrarmo-nos com firmeza. Só
que há gente distraída, ou que se agarra com firmeza a coisas muito
pouco firmes… O próprio S. Paulo (2ª leitura) compara os cristãos
aos hebreus caminhando no deserto: uns e outros são alimentados por
Deus, mas entre uns e outros houve muita gente impaciente, que
acabou por não aguentar a marcha; e lembra que nem os pregadores do
evangelho têm a garantia de não poderem cair (1ª Coríntios, 9,27).
Mesmo que o ponto
de apoio seja bom, há sempre travagens bruscas – e, como lembra
Jesus Cristo, não são os piores os que sofrem desastres. Aliás, só
cai quem está em pé. E para nos curar dos trambolhões da vida, não
faltará um bom médico como S. Lucas (como tal, defensor acérrimo da
vida) a garantir um «happy end»: como à figueira estéril, não nos
faltará a oportunidade para tirar proveito de um bom tratamento – e
continuar firmemente em pé! |