Domingo da Epifania (ano C)
1ª leitura: Livro de Isaías, 60, 1-6
2ª leitura: Carta aos Efésios, 3,
2-6
Evangelho: S. Mateus, 2, 1-12
Ainda hoje
Jerusalém continua perturbada. Uma cidade marcada, desde há milhares
de anos, por violentos conflitos. Existente já na pré-história, é a
antiga cidade canaanita de «Urushalim» («fundação do deus Shalem»,
já documentada cerca de 2000 a.C.), da qual terá sido rei-sacerdote
Melquisedec, contemporâneo de Abraão. Conquistada por David, foi por
este e por seu filho Salomão transformada no centro político e
religioso de Israel. Desde o princípio, foi uma cidade com estatuto
especial, não pertencendo a nenhuma tribo, representando a unidade
do «povo de Deus» e a «morada do Senhor». Porém, continuou a ser o
alvo de várias conquistas, invasões e destruições. Os profetas
referem os momentos de grandeza ou decadência como ritmos da
harmonia entre Deus e os seres humanos. A supremacia, prosperidade e
paz de Jerusalém só seria possível com base na «conversão» pessoal e
colectiva, originando uma «nova Jerusalém», cidade de Justiça
(Isaías, 1, 26). Libertada do jugo de Babilónia por Ciro, rei dos
Persas, em 538 a.C., parecia alcançar o tempo de paz. Porém, a
sublevação político-religiosa dos Judeus causará a destruição
definitiva pelos romanos. Ainda hoje não encontramos nela nem
justiça nem liberdade – que só elas são o sorriso do «rosto do
Senhor».
Os primeiros
cristãos e os apóstolos ainda verão nela o centro de irradiação da
«boa nova», mas progressivamente irão construindo a imagem
espiritual da «nova Jerusalém» (Apocalipse, 21, 9-27), construída na
rocha sólida com que o próprio Cristo se identificou. A ela só
pertencem os que defenderem o «livro da Vida» – os verdadeiros reis
magos.
Jerusalém
simboliza a tensão morte-vida, caducidade-firmeza, e o sonho
ancestral de um «regaço» ou «útero» em que possamos viver
tranquilamente, sem nada temer, no presente e «para sempre» (como
dizem os apaixonados). É sempre com tristeza que vemos esfumar-se
esse regaço e essa paixão, sobretudo se nada vem preencher o vazio.
Jesus Cristo chorou ao ver a imponência de Jerusalém e ao pensar no
previsível futuro de destruição. Também é verdade que Jesus insistia
em que não nos prendêssemos a templos e tesoiros perecíveis, mas
cuidássemos da pessoa humana como sendo o verdadeiro templo e o
verdadeiro tesoiro, que nada pode destruir.
A paz é a
tenacidade de superar os conflitos pela justiça – e por uma
persistente atitude de bom acolhimento (ver na carta aos Colossenses
3,12-14, os condimentos da paz). A harmonia é feita de sons
diferentes, por vezes discordantes, mas que resultam sempre numa
feliz obra de arte.
Não faltam
estudos sobre a violência, acabando por repetir a já velha ladainha
de causas (evidentes para quem sabe olhar à volta), apontando todas
elas para um básico ambiente degradado.
Fala-se
relativamente pouco da educação, onde a violência é o fruto da sua
pobreza, desde a família até às mais altas instâncias do ensino
superior: os efeitos funestos são patentes quer no «trabalhador
vulgar» quer em grandes empresários ou políticos. A educação assenta
em transmitir entusiasmo para seguir a estrela dos nossos ideais,
caldeados por um ambiente simultaneamente protector e crítico. Os
reis que teriam visitado o Menino eram «magos», orientais em
«educação contínua». E por isso, tinham os olhos treinados para
discernir, naquela «estrela anormal», os sinais dos tempos:
desinstalaram-se (como fizeram os apóstolos ao serem chamados por
Jesus) e puseram-se a caminho.
É pegar ou
largar: se queremos a paz, temos que largar decididamente os nossos
velhos preconceitos, desavenças e ódios (entre nações, famílias,
partidos políticos...). E não termos receio de nos ajudarmos
mutuamente a fazer uma pausa antes de agir, procurando a arte para
«descobrir as estrelas» e escolher o trilho do verdadeiro prazer da
vida. (Cuidado: como aconteceu com os Magos, há sempre uns sabichões
para enganar aqueles que fazem da honestidade a principal carta de
apresentação).
Mateus põe-nos a
pensar por que é que «toda Jerusalém se perturbou».
Compreensivelmente, a classe dirigente ficou despeitada por serem
gentios (os «pagãos», como nós!) aqueles que estavam atentos ao
sentido das escrituras; e também porque era mais agradável a
alternativa de manter, passivamente, a esperança de um messias que
fizesse dela uma grande e poderosa cidade – na linha dos interesses
materiais e egoístas, fonte reconhecida de violência. Os Reis Magos
perguntaram: – «onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?» E
os judeus sentiram-se aviltados com a “ameaça” de o seu messias ter
aparecido sem dar nas vistas, sem glória nem poder e sobretudo sem
pagar o tributo da reverência e sujeição «a quem de direito». Não
viam o alcance do texto de Isaías (1ª leitura), e prenderam-se ao
triunfalismo próprio desse texto de profunda poesia. Não quiseram
acordar para a realidade. Na verdade, também os discípulos de Jesus
não perceberam o alcance do fracasso e morte aviltante de Cristo
(Lucas, 24, 13-35). Porém, tinham o coração preparado para a
mudança, para escutar a voz de Deus, acabando por encontrar o fio à
meada.
De Jerusalém,
ninguém quis ir com os magos à procura, e até tramaram um ardil para
aniquilarem a possibilidade de que um estranho menino pudesse vir a
ser o messias. Só o conseguiram matar uns trinta anos mais tarde,
mas ainda hoje continua a deixar em sobressalto grandes cidades,
governos e nações. |