25º Domingo do
tempo comum (ano B)
1ª leitura: Livro
da Sabedoria, 2, 12.17-20
2ª leitura: Carta
de S. Tiago, 3, 16-4, 3
Evangelho: S.
Marcos, 9, 30-37
É a pergunta
retórica da carta atribuída ao apóstolo Tiago o Menor. E aponta
todos os dedos à inveja – que contracena tão bem com a vaidade.
A elegância do
texto, em grego apurado, o estilo do pensamento e dos princípios
éticos, o pouco relevo dado à pessoa de Jesus, são algumas das
principais razões que levam a excluir a hipótese de um apóstolo
como autor. Nunca poderia ser «Tiago o Maior», o célebre padroeiro
de Espanha, mártir pouco depois de Cristo, no ano 42; nem «Tiago o
Menor», 1º chefe da comunidade de Jerusalém, figura controversa
mas de extrema importância no encontro entre judeus e cristãos e
na elaboração das primeiras linhas mestras do cristianismo, muito
considerado por S. Paulo e mártir no ano 62 («Menor» significa
«mais novo» ou «mais baixo»). Porém, a presença de vários
semitismos e a clareza do núcleo de pensamento cristão obrigam ao
reconhecimento de uma influência real de alguém que podia ser
Tiago o Menor, transmitida oralmente já por volta do ano 50
(anterior à destruição de Jerusalém) e desenvolvida por um
discípulo indubitavelmente culto, já por volta do ano 80. Note-se
que há ainda a hipótese de um terceiro Tiago, não apóstolo, que
seria um culto judeu convertido à fé cristã, nos finais do 1º
século.
O autor revela
bom conhecimento do modo de vida das comunidades cristãs,
nomeadamente as fundadas por S. Paulo e as que se encontravam muito
próximas do judaísmo, como as dos Essénios. Esta carta dá exemplo do
esforço de aproximação entre diferentes experiências religiosas,
evidenciando aquilo que é comum a cristãos e judeus. As violentas
diatribes contra os «ricos e poderosos», bem como a preocupação por
que a fé se manifeste na vida quotidiana e seja incentivada por
cerimónias de culto com dignidade, revelam a existência de graves
abusos no domínio das relações humanas. A relação entre fé e obras
faz pendor, conscientemente, a uma interpretação do pensamento de S.
Paulo, como se a fé não precisasse de ser provada pelas obras.
«Guerra» provém
do indo-europeu «wers» («confusão») − donde em alemão «wirr»
(confuso); e em inglês «war» (guerra) e «worse» (pior). A 2ª leitura
faz a oposição entre guerra e racionalidade. Somos racionais ao
pesar (pensar) o bem e o mal, o trigo e o joio, sempre presentes em
cada ser humano. Só assim saberemos o que desejar e como desejar:
tanto os fins como os meios têm que ser racionalmente defensáveis.
Se o ser humano vive sempre em guerra é porque vive sempre
insatisfeito. Uma pessoa saudável está «programada» para a mudança –
para sentir cada vez mais prazer na vida. Esta disposição natural
permite considerar o fanatismo como uma disfunção, uma doença. O
fanático é uma pessoa que se acomoda porque não está para pensar e
vocifera: «tem que ser e só pode ser de tal e tal maneira!» Ora uma
pessoa saudável afirma sem timidez: «Ainda tem que ser melhor!»
Fundamenta a sua opinião e dá o corpo ao manifesto.
Esta pessoa quer
«ser perfeita como filha de um Pai perfeito» (Mateus 5, 45) e por
isso nunca pode anquilosar o pensamento, vacinando-se contra o
comodismo e o fanatismo. Como já é moda dizer: «vive a utopia».
Sabemos que, na dimensão humana, o sucesso pleno é utopia.
«Querer mais»
leva a uma natural e contínua consolidação do domínio – a
confirmação do nosso valor. É natural querer ser rico e poderoso,
como também viver pobre e dedicado plenamente aos outros.
Infelizmente, são raros aqueles que sabem exercer o poder sem perder
a liberdade pessoal. Uma sociedade «bem sucedida» é pelo menos capaz
de coordenar a ganância de alguns pelo poder e riqueza com a
disponibilidade e entusiasmo de outros para «pensar». Assim se faz o
contrapeso daquela gente que se esvazia do próprio valor, escrava
dos preconceitos correntes sobre «sucesso na vida».
Quando Jesus
(evangelho) deu conta de que os seus discípulos discutiam qual deles
seria o mais importante, chamou uma criança e disse: «quem quiser
ser o primeiro faça-se o servo de todos». Para «entrar no reino»,
temos que «ser como crianças» (Marcos, 10, 15).
O evangelista usa
o termo grego «paidíon» (do indo-europeu «pau» ou «pou», raiz de
«pouco» e «pobre»), que tanto significa criança como servo e
escravo: são os desprotegidos socialmente, os que nada podem
reclamar, e que chegam a sujeitar-se às piores condições para não
serem aniquilados pelos poderosos.
Portanto, quem
acolhe uma «criança» é (deveria ser) motivado pelo prazer de fazer o
bem. E quem «é como criança» revela a capacidade de escutar e
aprender. Porque a criança é naturalmente receptiva perante o «dom»
de quem pode dar.
Jesus Cristo deu
exemplo de que a sua própria vida estava ao dispor dos outros – como
um «pobre» que não consegue resistir a quem é mais forte (Isaías,
53, 7-8). Nem os apóstolos conseguiam entender como ele podia
considerar tal coisa como «uma prova de sucesso». (E foi ou não
foi?)
Mas «dar a vida»
por Deus, por Jesus Cristo ou por valores, não pode significar
morrer e muito menos matar-se – e quando a gente «se mata» com
trabalho, só deveria ser aceitável quando existe um ideal que «valha
a pena» (é sub-humano ter que lutar pela mera sobrevivência). Pois
não temos um Deus que aceite sacrifícios humanos – «Deus não quer a
morte» (Livro da Sabedoria, 1, 13): só «os ímpios» é que se drogam
com a riqueza e o poder, e sentem-se levados a desprezar a vida dos
outros, nomeadamente daqueles que procuram fazer o bem (1ª leitura).
Mais vida – este
é que deve ser o grande critério de sucesso. A maior satisfação, o
maior sucesso de cada um de nós, é ver que a nossa vida faz germinar
mais vida. Foi isto – «viver» – que Jesus Cristo nos ensinou. |