Domingo da Ascensão (ano
B)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 1,
1-11
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos
Efésios, 1, 17-23
Evangelho: S. Marcos, 16, 15-20
O final milagreiro do Evangelho
segundo S. Marcos é uma espécie de eco e sinopse de histórias já
correntes sobre «actos» espantosos dos discípulos de Jesus. Era da
maior importância anunciar a todo o mundo que a «força» do Espírito
de Jesus Cristo continuava a manifestar-se. Como ainda hoje se
manifesta e se manifestará enquanto houver no mundo gente a «dar a
vida» pela justiça.
Os últimos parágrafos (16,
9-20), de que faz parte o texto de hoje, não pertencem à redacção
original, anterior ao ano 70. Formam uma espécie de conclusão,
redigida provavelmente já no século II, utilizando elementos dos
outros evangelhos e dos Actos dos Apóstolos. Sublinham a mensagem de
que Jesus vive eternamente e continua a nosso lado, animando-nos a
mostrar por toda a terra que vale a pena viver.
Quanto à Carta aos Efésios,
comprovou-se, com base na análise comparativa de estilo e de ideias,
ser da autoria de um discípulo de S. Paulo, embora siga de perto e
aprofunde «a história» do Santo. Presume-se ter sido escrita na
viragem para o século II, cerca de 50 anos depois da primeira carta
autêntica de S. Paulo (a 1ª Carta aos Tessalonicenses).
Das «histórias» de hoje, a dos
Actos é portanto a mais antiga, mas ela própria é uma reelaboração
da primeira referência que faz S. Lucas à «ascensão», no seu
evangelho (Lucas 24, 50-51).
«Ascensão» é uma poderosa
imagem, conhecida já nas religiões e culturas da antiguidade: refere
o tema do herói ocultado pela nuvem que nos separa do divino. O
verbo grego utilizado por S. Lucas («epairo») significa «levantar,
erguer». Aplicado na voz passiva («foi levantado»), sugere
claramente uma intervenção sobrenatural sobre Jesus.
Para este evangelista, a imagem
reforça a ressurreição: reafirma que Jesus morreu de facto; e, com a
mesma força, reafirma que não só não deixou de existir como ainda
tornou a sua acção no mundo mais eficaz, sem medo de entregar o
projecto de um «reino de justiça» nas mãos dos «Homens de boa
vontade».
Mas Jesus Cristo não veio ao
mundo para «subir ao céu», como quem estivesse farto desta vida (e
razões não lhe faltavam…). Veio sim para marcar presença na terra.
Durante a sua vida, chamou a atenção, de muitas maneiras, para a
hipocrisia daqueles que só se preocupam por «olhar para o céu»
(acabando muitas vezes por cair nos buracos deste mundo…).
A qualidade da vida que anima a
espécie humana só é garantida se houver quem a viva a sério. Muitos
seres humanos talvez não passem de «bebés» ou pequeninos «rebentos»,
pela idade ou pelas mais variadas deficiências: precisam de ir ao
colo da comunidade inteira.
Ligar-se à vida é ligar-se a
Deus. E ligar-se a Deus é que é o verdadeiro «subir ao céu».
A palavra «céu» e sobretudo
«terceiro céu» era uma maneira respeitosa de referir a dignidade
inacessível de Deus. «Subir ao céu» pode significar o estado supremo
de experiência divina e de intimidade com Deus (2ª carta aos
Coríntios, 12, 2-4); evoca também a cerimónia de glorificação do
rei, como que partilhando da majestade e felicidade do seu Deus: «O
meu Senhor (o “do céu”) disse ao meu Senhor (o “da terra”): senta-te
à minha direita» (salmo 110, 1). A festa da Ascensão é o nosso modo
de festejar a glorificação de Cristo.
Porém, é uma grande festa que
exige bem trabalhosa preparação! «Custa tanto ir para o céu…» – foi
o desabafo de uma pessoa no leito de morte. Não vale a pena iludir
este sofrimento. É também um sofrimento de todos os que estão à
volta e um espinho constante ao longo da vida. Falta de facto,
talvez particularmente nas civilizações ocidentais, o sentimento
partilhado de que o sentido da minha vida, a coragem e alegria na
vida, só é sólido na medida em que dou sentido e alegria à vida dos
outros. Quem tem coragem de se privar de certas coisas do seu agrado
para que os outros sejam mais felizes?
A vida é um adentrar-se no
mistério de Deus e assim é ir «fazendo o céu» – o reino da justiça
«assim na terra como no céu».
Com as nossas agendas tão
parceladas, tão formais, em que o fim-de-semana é uma bebedeira para
esquecer outra bebedeira, estamos a empilhar os medos e as alegrias
em lotes diferentes, e depois não conseguimos nem vencer uns nem
tirar partido dos outros. Sabendo-os misturar nas «doses
recomendadas», a todo o momento podemos sentir o sabor do
fim-de-semana…
Einstein terá dito que há quem
não acredite em milagres, e quem só veja milagres à volta. Afinal,
bem de acordo com S. Marcos, foi-nos dado a todos o maior dos
poderes milagrosos: o de fazer o céu na terra. |