6º Domingo de Páscoa (ano
B)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos,
10, 25-26.34-35.44-48
2ª leitura: 1ª Carta de S. João, 4,
7-10
Evangelho: S. João, 15, 9-17
Quando sairmos do palco desta vida,
viveremos só na recordação? Para recordar, dá jeito o dom de contar,
e só o tem quem conviveu intimamente com os actores do passado. Só
conta bem quem fez família com quem é recordado.
Só recorda a sério quem guarda
dentro de si a vida daquele que ama.
Já se diz e escreve publicamente
que é impensável que alguém dê a vida pelo outro. Porque cada vez
mais nos adestramos a viver como um animal de carga com palas de
cada lado dos olhos. Cada qual tende a só ver «a sua vidinha». Nem
quer ouvir as histórias que falam de outros mundos onde há vida…
(Mas porque será que nos
alegramos com o nascimento dos nossos filhos? Chegará o tempo em que
deixaremos de nos alegrar? Em que deixaremos de sorrir para as
crianças que encontramos? Em que os filhos não passam de
empecilhos?)
Verdade se diga que há péssimos
contadores de histórias. Ficam-se por discursos «moralizantes»,
demasiado «angélicos», revelando que não vibram a sério com aquilo
de que estão a falar. E usam uma linguagem que ninguém entende,
apresentando os valores como tesouros intocáveis.
Se acreditamos que a vida humana
é o que há de mais valioso, temos que aceitar que o maior tesouro
depende exclusivamente de nós: da nossa inteligência e da nossa
vontade. Um valor, por mais venerável e venerado que seja, precisa
de ser continuamente avaliado e sujeito a novos polimentos. De outro
modo, deixa de ser um valor compreendido e querido por cada ser
humano, para se transformar num instrumento de poder desumano.
O Espírito de Deus levou S.
Pedro a reconhecer algumas falhas de inteligência e vontade: a 1ª
leitura mostra como foi difícil ao «primeiro papa» aceitar a família
do centurião Cornélio, pagão e oficial da potência ocupante, como
gente igual, em dignidade e direitos, aos primeiros cristãos judeus.
Tinha preconceitos humanos, em
vez de «preconceitos divinos»: só estes é que nos fazem, à partida,
confiar nas outras pessoas. De outro modo, arriscamo-nos a que
aconteça o mesmo que aconteceu a Jesus Cristo: Apesar de toda a sua
simpatia, foi desprezado e maltratado.
Não falara S. Paulo das
diferentes funções e estatutos sociais de quem faz o trabalho das
mãos e dos pés? Uns e outros não são apenas interdependentes – aí
chegou a Humanidade com a sua inteligência: são detentores de igual
dignidade (1ª Carta aos Coríntios, 12). São a mesma família, onde a
alegria não depende de ser o «homem rico» ou o «homem pobre». Quanto
àqueles intrusos que só fazem roda ao «homem rico» … vê-se bem que
não são da família…
S. João continua a falar do
amor, quer na 2ª leitura quer no evangelho. Conta-se que já os
discípulos dele se queixavam de ouvir sempre a mesma cantilena! Mas
S. João insistia. Não há dúvida que era alguém super impressionado
com «as histórias de Cristo»!
Convenhamos em que estas duas
leituras se tornam um tanto monótonas, demasiado «etéreas». Quem
gostaria de um céu passado a adormecer ao zumbido de frases lindas?
Mas não esqueçamos duas coisas:
S. Pedro foi capaz de «virar as tripas do avesso» para aceitar os
pagãos como «família» e mais tarde deu a vida em defesa do novo
compromisso. Quanto a Jesus, precisava bem de uns momentos de
intimidade com os discípulos mais chegados, antes de sair para a
última noite. Numa família onde «não há servos» (evangelho) porque
mostram o prazer de servir.
Numa família equilibrada, gente
velha e gente moça, ora mais acalorada ora mais descontraída, mais
rica ou mais pobre, gente letrada ou não … todos andam num rodopio
misturado, sem contabilidades, entre o arregaçar das mangas e a
ternura dos beijos e abraços.
Nessas famílias, ninguém nasce
para morrer: todos nascem para ser ocasião de alegria e para ajudar
a alegria e o amor a vingar por todos os tempos.
Jesus Cristo precisou de
partilhar os seus ideais e angústias. E fê-lo com tanto gosto, tão
certo de que a vida está ao serviço de mais vida, que os seus
amigos, desde então até hoje, se sentem cheios de força para viver e
poder contar velhas e novas «histórias de família». |