6º Domingo do tempo comum
(ano B)
1ª leitura: Livro do Levítico, 13,
1-2.44-46
2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos
Coríntios, 10, 31-11,1
Evangelho: S. Marcos, 1, 40-45
Pode-se dizer que
em todas as culturas conhecidas se dá particular importância à
harmonia do universo, como algo que importa conhecer, defender e
imitar. Mas que também interessa dominar – por magia ou ciência, por
sede de poder ou de sabedoria.
E em todas as
culturas encontramos a tendência de polarizar o bem e o mal (o
«puro» e o «impuro»), dando origem a por vezes rebuscadíssimas e
infindas descrições e classificações. É muito importante notar que
se trata de uma constante da espécie humana, que se reveste das
particularidades de cada cultura.
Estas
classificações sempre foram manipuláveis, mas a argúcia e astúcia
humanas, com doses variáveis de oportunismo e maldade… têm
desenvolvido uma verdadeira rede que aprisiona quem tem menos poder
ou menos disposição para pensar sem preconceitos e agir
congruentemente. Só pensando honestamente é que podemos
aproximar-nos da verdade mais ou menos latente nestas formas
históricas do bem e do mal – e a Humanidade progride porque
perscruta continuamente o seu segredo e mantém uma saudável
inquietação acerca da razão de ser da vida.
O agrado ou
repugnância, no campo dos cinco sentidos, estarão na origem destas
sensações e sentimentos: tudo o que destrói a beleza, a
conveniência, numa palavra, a ordem… é mau, é pecaminoso (na ordem
moral) – é impuro.
A própria palavra
grega «cosmos» significa ordem, beleza e glória. As religiões
integram na sua mundividência estes conceitos e os sentimentos a
eles ligados. O Antigo Testamento considera a «ordem cósmica» na
figura de três círculos concêntricos: o impuro, o puro e o santo (ou
sagrado). O puro pode ser degradado pelo impuro como aperfeiçoado
pelo sagrado. Pertence ao ser humano manter ou não o ideal de um
mundo de beleza e harmonia, e por isso o próprio Livro dos Levitas
(dedicados à administração e ordem do sagrado) propõe a todos os
membros do povo esta divisa: «sede santos» (Levítico, 11, 44). De
certo modo, é um «povo escolhido» para manifestar a perfeição divina
do universo.
Como natural
«centro do universo», pelo menos do ponto de vista funcional, o ser
humano é alvo preferido das injunções sobre pureza e impureza: o seu
aspecto tem que reflectir agrado (beleza), pelo que as doenças de
pele são «impuras»; e na sua relação com os outros, com os animais e
os alimentos, tem que se abster de comportamentos «abjectos», como o
homicídio, adultério e o contacto com o que é expelido do corpo, com
os cadáveres e qualquer objecto manchado. A actividade sexual também
torna o ser humano momentaneamente impuro. Segundo o Dictionnaire
critique de théologie, a origem desta listagem perde-se nos
tempos mais antigos, sem relação directa com a religião, a higiene
ou a economia.
O Homem é o
guardião da beleza do universo, do equilíbrio estético, da qualidade
de vida, da harmonia social. Se permite que o impuro afecte o
sagrado, dá-se a profanação (e portanto, no pensamento primitivo,
infelizmente ainda bastante em vigor, o seu responsável merece ser
destruído).
O evangelho de
hoje mostra que Jesus quis superar a segregação dos «impuros
leprosos», não com palavras bonitas mas trazendo-lhes a cura, sem
esquecer que se devem apresentar perante os sacerdotes, para se
unirem ao sagrado. No seguimento de Jesus, os discípulos acabariam
por abolir a distinção entre coisas puras e impuras, colocando no
coração de cada pessoa a responsabilidade pelo bem e pelo mal
(Marcos, 7, 14-23).
No domingo de
hoje, até a 2ª leitura toca o mesmo tema: convém não ferir os
preconceitos dos outros, mas ajudá-los a ver melhor e sobretudo a
ver que em todas as coisas podemos e devemos encontrar e saborear o
Bem: «a comer, a beber, em qualquer outra coisa… em tudo se pode dar
glória a Deus» – a fonte da Beleza.
Porquê «moral de
sacristia»?
O determinante
«de sacristia» como que traz um cheiro a mofo, a baixo nível de
qualidade, a beatice, ritualismo, sujeição ao senhor que manda… E no
entanto, a sacristia, como o próprio nome indica, deveria ser «o
vestíbulo do sagrado» e como tal, da fonte de beleza e perfeição do
universo.
Quem segue normas
cegamente é óbvio que não é livre e cairá no abismo em que cair o
seu mentor (Mateus, 15, 10-14; 23, 1-33). A «moral de sacristia» é
uma moral engavetada como as alfaias litúrgicas. Deitar discurso na
sacristia é próprio de quem se julga detentor da verdade só porque
está em contacto físico com pessoas e objectos do mundo do sagrado –
ou que idolatramos como o nosso deus, seja o Papa, um partido
político ou Brad Pitt e Angelina Jolie (o Papa sempre tem a vantagem
de algum modo «presidir» às maravilhas de arte que são muitas
sacristias...).
Como Jesus Cristo
deu exemplo, a cura faz-se contactando as pessoas e não legislando
sobre as pessoas. A lei deve reflectir uma proximidade e análise
profundas das condições de vida humana. É muito cómodo falar e dar
receitas de dentro da (má!) sacristia, sem a coragem de contactar e
comprometer-se verdadeiramente com a ordem do universo e
particularmente com a justiça entre os seres humanos. |