29º
Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª leitura: Livro de Isaías, XLV,
1.4-6
2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo
aos Tessalonicenses, I, 1-5
Evangelho: S. Mateus, XXII, 15-21
Ciro, rei dos Medos e Persas, ao
conquistar Babilónia, libertou os Judeus de um longo e duro
cativeiro e favoreceu a reconstrução de Jerusalém. Era um rei que
não seguia de modo nenhum os costumes e religião do «povo
escolhido». Quando tomou esta decisão de profunda humanidade, de
tolerância activa e de notável visão política, apoiou-se na
autoridade do deus máximo da Babilónia, Bel-Marduk. Seguindo o
ritual em uso para a sagração do rei, aproximou-se da estátua do
deus e estendeu a mão, dando a entender que era conduzido pela força
divina. Aparentemente, pela mão deste «deus pagão», foi o «povo
escolhido» libertado e favorecido para reconstruir o templo onde,
por sua vez, desse a mão a Javé.
Porém, no livro de Isaías, lemos que
foi Javé quem tomou Ciro pela mão e guiou o seu gesto. E tanto se
agradou da colaboração de Ciro, que lhe chamou «meu ungido» (ou «meu
Cristo»), escolhido desde a concepção para ser um braço forte em
favor do «povo escolhido».
Foi a história de uma relação entre
César e Deus.
O Antigo Testamento é pródigo nos
contrastes entre o deus do «povo escolhido» e os outros deuses.
Experimentaram que só Javé é vivo, tão vivo que não pode ser
representado por estátua ou imagem alguma.
Mas Ciro pode ser exemplo de
«tolerância activa»: a que não se reduz a uma certa indulgência
frequentemente arrogante, mas, como neste caso, valoriza todas as
manifestações de procura sincera do deus vivo. O conhecimento dos
diversos caminhos elimina preconceitos e ideias fixas, enriquecendo
o caminho de cada qual. Uma fé só é adulta quando não tem medo das
aventuras da razão. Mas é preciso que o nosso caminho para Deus não
seja pervertido pela tentação de domínio e condenação dos outros. Ao
longo dos tempos, muitos Césares procuraram impor a religião mais
conveniente ao poder. E este modo de ser César é tentador para muita
gente.
Na Europa do pós-guerra, foi grande
o debate da posição da religião na cena política, concretamente dos
cristãos empenhados. Deus e César estarão cada um para o seu lado?
Os profetas do Antigo Testamento
ergueram-se contra os desvios dos chefes políticos e religiosos.
Perante Pilatos, Jesus Cristo disse: «Nenhum poder terias sobre mim,
se não te tivesse sido dado do Alto». O mesmo poder que ordenou «a
matança de inocentes», o suplício e morte de Jesus e de inumeráveis
cristãos pelos tempos fora. O mesmo poder que mata milhões de homens
só para se afirmar como poder.
Só Deus dará sentido aos desvios e
crueldades dos «Césares». Só Deus, porque não parece que os Homens
alguma vez o consigam dar. E não tenhamos ilusões: não há lógica
bastante para explicar Deus e as relações entre Deus e César.
Também só Deus pôde dar sentido à
vida e morte de Jesus. E manifestou esse sentido, ressuscitando-o,
com o título pleno de Messias (Cristo) e Filho de Deus. Esse Jesus
de que fala a 2ª leitura, o primeiro escrito conhecido do Novo
Testamento (anos 50).
Esse Jesus que, ao ensinar o Pai
Nosso, nos incitou a desejar que tudo se passe na terra como seria
do agrado de Deus, no meio sonho de que os Césares o sejam à imagem
do próprio Deus, zelando pelo bem-estar físico e espiritual de cada
pessoa – que é imagem de Deus. Numa autêntica organização política,
a preocupação pela felicidade de toda a humanidade supera medos e
interesses egocêntricos.
Pela mão de Deus, damos a César o
que é de César, adquirindo discernimento quanto aos diversos modos e
níveis de concretização dos valores, e participando na política de
um modo adulto.
Pela mão de César, devíamos ter
melhores possibilidades de dar a Deus o que é de Deus. Dá-se a Deus
o que é de Deus, escolhendo o melhor exercício da nossa liberdade,
sem ter vergonha de Deus, sem ter vergonha da vida, sem ter vergonha
do amor.
Os seres humanos são semelhantes às
ervas dos campos, que se espalham e secam e renascem conquistando as
mais íngremes encostas. Pela mão de Deus, descobrimos que «somos
mais que as flores do campo e as avezinhas do céu». Temos mais poder
para matar – e mais poder para viver melhor.
Dar a mão a Deus é dar a mão à vida. |