19º Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª leitura: 1º Livro dos Reis, 19, 9, 11-13.
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 9,
1-5
Evangelho: S. Mateus, 13, 24-43
E se
desfolhamos com aquele antigo jeito infantil de encantamento,
colhemos a última pétala como quem abre a porta ao juízo final.
Quantas vezes, pela vida fora, nos abandonamos ao destino como se
fôssemos incapazes de dar a volta aos dados lançados? Quantas vezes
nos limitamos a fugir para o nosso cantinho, acusando Deus de ser
essa a sua vontade?
Na 2ª
leitura, S. Paulo orgulha-se de pertencer ao «povo escolhido», um
povo que, à semelhança de qualquer outro, ia vivendo para onde os
desejos o empurravam, desfolhando os dias ou os anos como as pétalas
de uma flor. O pior é que por vezes sentiam na pele que só lhes saía
o mal-me-quer. Então «clamavam ao Senhor», e preparavam um festa
para o próximo bem-me-quer…
Este
clamor a Deus em tempo de aflição é típico das mais elementares
formas de vida religiosa. Na Bíblia, o Livro dos Juízes é bem
sugestivo, com as coloridas e nada edificantes histórias quer de
chefes políticos quer de chefes religiosos. Consciente dessas crises
de cegueira e de fé, é que S. Paulo se angustia com a falta de visão
e de confiança do povo a que pertence e que no entanto possui uma
história espiritual tão rica.
Já
depois da história maravilhosa da libertação do poder do Egipto e da
travessia do Mar Vermelho, o «Povo de Deus» caiu na insensatez de
construir e adorar um bezerro feito dos metais preciosos oferecidos
pelo povo. Sinceramente, que outra coisa seria de esperar? O próprio
Moisés parecia ter desaparecido no alto do Monte Sinai, ainda por
cima com a pretensão de falar com um deus invisível! Não era muito
mais reconfortante poder olhar, acariciar e dançar à volta de um
belo bezerro de oiro? Mas quando Moisés viu o que acontecera,
apressou-se a fazer frente a Deus: «perdoa-lhes esta loucura, ou
então apaga-me do livro que escreveste» (Livro do Êxodo, 32, 32).
1300 anos mais tarde, S. Paulo pretende imitar o acto corajoso de
Moisés, e pede a Deus que se compadeça do seu povo ou que o risque
do Livro da Vida.
Meras
figuras retóricas? O certo é que exprimem o profundo sentido de
responsabilidade daqueles que aceitam a missão de dirigir e lutar
pela salvação dos outros.
A
leitura de Isaías já é quase o epílogo de uma longa luta contra os
chefes iníquos, aqueles que se cansam de um deus invisível,
preferindo as imagens cativantes dos antigos ídolos. Isaías desafiou
o poderoso rei Acab e os sacerdotes a seu mando (os «profetas de
Baal»). Propôs que se construíssem dois altares, lado a lado: um aos
ídolos deles; outro, ao deus invisível. O altar que fosse devorado
pelo fogo designaria o verdadeiro Deus. Desprezando os gritos e
auto-flagelações dos sacerdotes de Baal, pediu singelamente ao Deus
invisível que mostrasse ser ele o Deus para que tendem os nossos
corações (1º Livro dos Reis, 18, 37). Bem-me-quer: reza a história
que Deus não se fez rogado!
Por ter
matado os profetas de Baal, fugiu para o monte Horeb.
Tradicionalmente, Deus é pressentido nas tempestades e outras
manifestações aterradoras da natureza. Porém, foi sob a leveza e
quase fraqueza de uma brisa ligeira, que Isaias sentiu como Deus
estava com ele, justamente quando se sentia no limite das forças.
Tanto teimou, que lhe saiu outro bem-me-quer…
E S.
Pedro? Como irradiava confiança, ao pretender caminhar sobre as
águas ao encontro de Cristo! Tal e qual como na hora da Paixão, ao
afirmar a Jesus que «mesmo que todos o abandonassem, ele nunca o
faria»! Mas não é que, de ambas vezes, se viu aflito por lhe ter
calhado o mal-me-quer?
É
reconfortante ver como os próprios apóstolos desanimavam nas horas
mais difíceis! Não é coisa doce confiar contra tudo e contra todos.
Só nos resta procurar a chave do armário dos doces!
«Foi
com uma esperança para além do que se podia esperar» (Romanos, 4,
18) que S. Paulo acabaria por dedicar a sua vida tanto a judeus como
a pagãos, não se deixando afogar com insucessos, incompreensões e
com a obra de adversários. Bem-me-quer – e até aos nossos tempos,
houve muita gente que não lhe ficou atrás.
Moralidade destas leituras: Se queremos ir ao encontro de Cristo no
mar, temos que aprender a nadar. Quantos se apresentam como
pescadores e morrem afogados…
Não
venhamos depois com a desculpa de que nos saiu o mal-me-quer… |