4º Domingo da Páscoa (ano A)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2,
36-41
2ª leitura: 1ª Carta de S. Pedro, 2,
20-25
Evangelho: S. João, 10, 1-10
A partir deste
domingo, o conceito de ressurreição como que vai crescendo… Toda a
importância se concentra no vendaval de esperança, de energia, de
firmeza e de sabedoria, que vai começando a percorrer o mundo
inteiro. Enfim, deu-se a palavra aos “pagãos”...
A 1ª leitura
salta por cima do esforço de S. Pedro, para convencer os ouvintes de
que a excitação dos apóstolos não era o resultado de uma comum
bebedeira mas a manifestação jubilosa do entusiasmo com que se
dispuseram a viver a experiência de Deus – a nova experiência
revelada por Jesus. Seria isso mesmo o grande sinal da ressurreição:
«Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre
toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de
profetizar; os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos terão
sonhos. Certamente, sobre os meus servos e as minhas servas
derramarei o meu Espírito, nesses dias» (Actos, 2, 14-18, citando o
profeta Joel, 3, 1-5).
Em várias
passagens, o Antigo Testamento rompe com a ideia de uma autoridade
constituída como única detentora da verdade. No tempo em que Moisés
ainda conduzia os israelitas pelo deserto, Deus quis dar o seu
Espírito a um grupo alargado de pessoas de confiança do povo,
tornando-os aptos a falar em nome de Deus. Logo houve quem se
indignasse, junto de Moisés, por dois homens estarem a profetizar
sem terem estado presentes à “tomada de posse” – e Moisés de
responder: «Não tenhas ciúmes! Quem dera que o Senhor enviasse o seu
Espírito sobre todo o povo!» (Livro dos Números, 11, 24-29).
Porém, S. Pedro,
ainda não tinha compreendido o alcance universal do evangelho: esta
estreiteza de vistas explica alguns desentendimentos com S. Paulo e
só ficou convencido do valor dos «pagãos» depois da visão dos
«animais impuros» (cap. 10 dos Actos). Depois de muito meditar, S.
Pedro convida os israelitas cristãos a pensarem no que é ser uma
pessoa a sério. E a saberem falar com os «pagãos». Esta capacidade
de diálogo com várias culturas e as mais variadas formas de vida
humana, é um dos grandes factores que transformou o cristianismo
numa «empresa de sucesso» – um exemplo de «grupo perfeito», em que a
riqueza comum provém de todos saberem dar atenção uns aos outros,
pois a verdade, como os bons projectos, só nasce do diálogo genuíno.
Por isso Jesus
revelou Deus como quem convida cada um, à medida e ao feitio dos
«talentos» que lhe foram entregues, a contribuir para o projecto de
um mundo novo, da «nova criação» de que fala toda a Bíblia, com
imagens diversas. O «túmulo encontrado vazio», sem o corpo de Jesus,
teve um resultado importantíssimo: o Cristianismo surge sem se
amarrar a um corpo sensível, sem se amarrar a relíquias de qualquer
espécie. Não deixando restos mortais nesta terra, Jesus deixa mais
caminho para a fé profundamente personalizada, instigadora da acção
produtivamente original na transformação deste mundo.
Para trabalharmos
neste «mundo novo», a 2ª leitura aborda um tema delicado: devemo-nos
submeter à injustiça dos poderosos?
A grande lição
parece ser: TEIMAR EM FAZER O BEM. Jesus não se calou perante a
injustiça – e exigiu que déssemos provas do «amor de Deus que habita
em nossos corações». Entregou-se ao poder de Pilatos, que foi
injusto, mas chamou-lhe a atenção para o que era a verdadeira
autoridade (S. João, 19, 10-11).
A posição do
cristão perante as autoridades deste mundo vem expressa nos
parágrafos anteriores à da leitura de hoje (2, 13-17): «praticando o
bem, como homens livres, emudecereis a ignorância dos insensatos».
Mas para praticar o bem, é necessário saber escutar os outros,
criando momentos aptos para reflectir sobre o que tem mais valor (ou
sobre o que «aumenta» a qualidade de vida).
(A 2ª leitura
utiliza uma referência explícita aos escravos (2, 18-25). O
cristianismo inicial ainda não via a escravatura como um mal social
a combater, embora o Antigo Testamento já tratasse com humanidade os
escravos (cfr. Livro do Êxodo, 21, e Deuteronómio, 15) e o Novo
Testamento visse neles a igual dignidade de filhos de Deus. Na
primitiva igreja cristã, aliás, vários escravos desempenharam
funções de primeira importância na comunidade).
Estamos perante a
preocupação pela ordem, que tem acompanhado toda a nossa história, e
que o próprio Pai-nosso refere: «seja feita a vossa vontade assim na
terra como nos céus». A vontade de Deus é um plano de harmonia, no
qual a ordem é o fruto da nossa originalidade. A paz é o grande
símbolo da união de Deus com os Homens – Jesus Cristo foi
cognominado «príncipe da Paz». Sobretudo com a globalização do
empresarismo, não é um grande desafio “ordenar” (harmonizar) o bem
comum e o bem pessoal, regionalismo e universalismo, originalidade e
massificação, compromisso social e liberdade?
A festa de hoje é
conhecida como o «domingo do bom Pastor». As «ovelhas» estão calmas
porque têm razões para confiar na sabedoria e experiência do
«Pastor»: sabe das pastagens que garantem a qualidade de vida das
«ovelhas». Até do redil se diz que tem uma porta por onde «se entra
e sai» – hebraísmo que designa a confiança e liberdade de quem usa
essa porta, sublinhando a acção responsável das «ovelhas», atentas
ao que é bem e ao que é mal.
Hoje, Jesus
chamar-se-ia «o bom empresário» (também há empresários da política,
da educação, da vida espiritual...), que defende a solidez da sua
empresa: quem não se apresenta à porta claramente, quem se serve de
aldrabices para dominar «o redil», quem se arroga ser o que não é,
quem atrai com falas (e números…) enganosos, quem não distingue o
sim do não… esse é «ladrão e salteador». O mau empresário até faz
negócio com outros «salteadores e ladrões», e quando vê o perigo,
agarra no dinheiro e foge para os amigos comprados, deixando os
outros no desemprego e na miséria.
O «bom
empresário» estuda longamente o seu programa, procura bases sólidas
e, se for mais sensato, não avança com o projecto (Lucas, 6,47-49;
14,28-31); aplica o homem certo no lugar certo (Mateus, 8,18-22;
João, 21,21-22), atribuindo missões especiais aos discípulos (mais
tarde, S. Paulo desenvolve a diversidade de tarefas para que todos
funcionem como «um só corpo» (Romanos, 12,3-8), sempre atento a
valorizar a pessoa ao máximo, não a abandonando nos momentos
difíceis – «não quebra a cana rachada nem apaga a mecha que ainda
fumega» (Mateus, 12,20).
Jesus assemelha o
«reino de Deus» a uma árvore que cresce. Todo o crescimento se pode
chamar uma «acção empresarial» – é o empreendimento da vida, à luz
do qual se devem julgar todos os outros empreendimentos: só devemos
aceitar as empresas humanas que servem a «abundância de vida». Não
só a abundância para alguns, mas o mais possível para todos. E não
só para hoje: o bom empresário alegra-se com a perspectiva de um
futuro melhor para todos.
O «bom empresário» é «simplesmente» (isto é, não pretensiosa nem
mascaradamente) bem educado. Por isso, uma política de educação que
não distinga o bem do mal, o que deve ser o princípio do que deve
ser o fim, o que é «mandar» do que é «revelar autoridade» … não
poderá promover empresas «de sucesso». Do sucesso que não pode ser
comprado por «ladrões e salteadores», mas que se fundamenta nas
personalidades firmes na consciência do bem, formadas pela acção
corajosa e sábia dos que procuram aprender com o «bom empresário».
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