Liturgia Pagã

 

Os meninos não sabem palavras caras

Domingo da Epifania

1ª leitura: Livro de Isaías, 60, 1-6

2ª leitura: Carta aos Efésios, 3, 2-6

Evangelho: S. Mateus, 2, 1-12

 

É natural que as venham a saber, se a sociedade atingir um nível cultural digno e não se deixar enganar por sistemas educativos que empobrecem o pensamento. «Epifania» é uma «palavra cara». No antigo grego começou por significar simplesmente o «aspecto visível de qualquer coisa», a sua «revelação». Com o correr dos anos, passou a aplicar-se especialmente à solene apresentação (ou «revelação») pública de alguém, com o impressionante «aspecto majestoso» que lhe era próprio. Assim acontecia quando chegava o próprio Imperador. Era um acontecimento fora do comum.

«Epifania», na versão grega do Antigo Testamento, é assim utilizada para exprimir a poderosa (e também terrível) intervenção de Deus como salvador e juiz dos povos. Era natural que os cristãos a utilizassem para designar a aparição visível do seu «Salvador», tanto no nascimento como na futura «vinda final».

Mas o Novo Testamento nem sequer utiliza a palavra «epifania» (só aparece 6 vezes e nas cartas mais tardias, atribuídas a S. Paulo). Os evangelistas apenas contaram histórias ou reflexões próprias, em que «apresentavam» ou «manifestavam» a importância de Jesus – ou, através de certos relatos mais ou menos fantasiados, como quem diz: «assim se mostrou Jesus».

Porém, no caso de Jesus, era mesmo preciso um grande acto de fé, capaz de ver «o Senhor» na fragilidade e simplicidade com que nasceu e viveu, sem nunca se confundir com os grandes senhores e poderosos do seu tempo, nem sequer com os da classe sacerdotal.

A tendência para ver em Deus «o rei dos reis» implicava que a ele deveriam ser consagrados verdadeiros palácios luxuosos com verdadeiras cortes principescas, em que vivam os altos dignitários religiosos, promovendo rituais de pomposas «epifanias».

A história mostra como os templos cristãos e as hierarquias religiosas reflectem esta tendência (sobretudo em séculos passados). Como a humanidade não se sente segura sem manifestações de poder por parte dos seus líderes, precisava de sentir o «poder da liderança» de Deus ou de Jesus, no esplendor de templos e rituais, juntando os materiais mais preciosos com o mais precioso engenho de artistas de toda a espécie (pintores, escultores, músicos, arquitectos, engenheiros…). Tão magnífico era o resultado que Deus parecia necessariamente presente.

Porém, a história mostra que todas as epifanias luxuosas nos afastam mais de Deus do que nos aproximam: excitam a vaidade e ganância de poder e dinheiro, e facilitam que as pessoas façam das imagens ou figuras ricas e imponentes o seu objecto de religião.

Com o desenvolvimento do pensamento crítico e com a «situação crítica» que vivemos, as tradicionais figuras pomposas (não só as religiosas mas também as políticas sobretudo as que se dizem atentas às questões sociais) têm que aprender a suportar os solavancos dos camelos nos desertos, a conversar e instruir-se com os que encontram no caminho, e reconhecer finalmente onde é fundamental concentrar a nossa atenção.

04-01-2015


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